Por uma abordagem perspectivista e “ecológica” do contato linguístico entre português e nheengatu
Palavras-chave:
Contato linguístico, Português Brasileiro, Nheengatu, Línguas indígenas, PerspectivismoResumo
Este trabalho parte de uma análise preliminar do uso de marcadores de evidencialidade na narração de histórias tradicionais por uma falante de português e nheengatu (família Tupi-Guarani) para propor uma abordagem interdisciplinar e perspectivista (VIVEIROS DE CASTRO, 2004a; 2004b) dos fenômenos de contato linguístico. Partimos da teoria de evolução linguística, ecologia do contato e seleção e competição de traços de Mufwene (2001; 2008) para a análise dos dados linguísticos, mas pretendemos dar um passo além, ao defendermos que o fenômeno atestado – o uso da expressão “dizque” como marcador de evidencialidade – carrega mais do que informações linguísticas per se: a variedade de português que emerge de tal situação de contato pode ser também veículo de expressão de regimes de historicidade, poética e tradição inerentes aos falares do nheengatu.
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