Fazer da plantation campo fértil de “bichos-bichas”: notas de um antropólogo nativo
DOI:
https://doi.org/10.29327/2410051.8.23-32Palabras clave:
Afrotopias, Bicha-preta, Experimentação etnográfica, MasculinidadesResumen
Este trabalho parte de uma experiência de infância envolvendo uma saia que costumava usar. A descostura da saia, torna-se fio condutor de uma recostura narrativa – um retorno reflexivo à infância, marcada por exclusões, violências desumanizantes e fabulações de (r)existência. As linhas geram uma rede entrelaçada por “nós” conflitantes que marcaram e construíram o corpo social do antropólogo-preto-bicha que vos escreve. Desse modo, a metáfora da des(re)costura da saia articula elementos autobiográficos e analíticos dos dispositivos normativos que regulam quais corpos importam, a partir de marcadores raciais, de gênero e sexualidade. Com a composição-plantation, reflito sobre uma estrutura, institucionalizada desde a escravidão, que ainda hoje influência e (des)legitima certos saberes e vivências. Por fim, a antropologia bicho-bicha, propõe uma abordagem capaz de transformar predicados subalternizantes, outorgados às bichas-pretas, em possibilidades criativas que desafiam as normas do cânone antropológico, da masculinidade e do “humano” hegemônicos. A ideia central é colocar em prática epistemologias, afrotopias e bicharias que emergem da recusa radical aos limites impostos pela colonialidade. Nesse sentido, a perspectiva bicho-bicha, por ocupar uma localização fronteiriça, é capaz de acessar uma consciência múltipla de mundos e, assim, propor a reconfiguração das normas de (re)conhecimento e das práticas acadêmicas tradicionalmente rígidas e marginalizantes.
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