Ser um homem feminino fere meu lado masculino? Reflexões sobre a participação profissional de uma bicha em grupos reflexivos para homens autores de violência
DOI:
https://doi.org/10.29327/2410051.8.23-45Palabras clave:
Bicha, Gay afeminado, Grupo reflexivo, Masculinidades, Violência de gêneroResumen
Este ensaio objetiva refletir sobre a participação profissional de um psicólogo gay afeminado, ou bicha, como facilitador em grupos reflexivos para homens autores de violência contra mulheres. A análise explora a intersecção de múltiplos eixos de poder e a experiência de um corpo bicha mediando um grupo sobre gênero composto por homens heterossexuais. A presença desse corpo no contexto traz um paradoxo: de um lado, busca-se uma identidade masculina que se diferencia da exercida pelo grupo; por outro, compartilha-se a mesma socialização de gênero. Esse paradoxo é ilustrado pela dificuldade de estabelecer vínculos com os homens participantes, cuja afeminofobia invisibiliza as vivências bichas, mas também pelo privilégio simbólico partilhado devido à socialização masculina. Nesse “entre-lugar”, a bicha transita entre identidades em complexos processos de subjetivação que desajustam modos institucionalizados de ser e estar no mundo, desafiando as normas da masculinidade a partir de uma perspectiva política que questiona tanto os estereótipos impostos quanto as hierarquias estabelecidas. O ensaio enfatiza, assim, a importância de compartilhar coletivamente a responsabilidade pela violência de gênero, superando a noção de culpa individual, geralmente promovida pelo sistema judicial.
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