Homossacralidade como regime de sujeição das vidas bichas
DOI:
10.31560/2595-3206.2021.13.11853Resumo
Desde que comecei minhas pesquisas sobre a significação do corpo bicha durante a ditadura cis-hétero-militar brasileira, como a denomino, o pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben me serviu como suporte analítico. Por um tempo, pareceu-me que a análise agambeniana, sobretudo aquela sobre o homo sacer, constituía uma ferramenta interessante para pensar as existências bichas sob os anos de chumbo. Contudo, quanto mais levava em consideração essas singularidades, mais percebia as incoerências da minha frustrada tentativa de subsunção. Com o tempo, pude constatar que Agamben deixava escapar as particularidades sociais inerentes à declaração, pelo soberano, da nudez de uma vida. Em sua leitura, o homo sacer seria universal: todos poderíamos ser abandonados ou sacralizados pelo soberano. Sua generalização apagava as marcas dos processos que separam os corpos destinados a viver, daquelas corporalidades marcadas como vidas sem importância. Ou melhor, corpos passíveis de serem expostos à possibilidade da morte, inclusive violenta, cujas mortes não despertem luto ou compaixão social. Agamben desprezava a gestão deimo-bio-necropolítica dos indesejados, de modo tal que o lugar do qual falava aparecia, embora à revelia: homem, cis, hétero, branco, ocidental. Habitando uma zona de inteligibilidade, falta ao teórico um olhar mais atento para os sujeitos concretos. Em direção outra, para pensar as singularidades em relação às existências bichas durante o contexto cis-hétero-ditatorial, formulei a noção de “homossacralidade”, como regime de sujeição atrelado ao paradigma de governamento da deimopolítica. Para demarcar essas especificidades, traço, provisória e imaginariamente, um quadro sobre as diferentes formações históricas de significação da dissidência sexo-gendrada no Brasil.
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