Apresentação ao dossiê

Autores

  • Marina Veiga França marinafr@gmail.com
    Universidade Federal de Mato Grosso
  • Rogério B. W. Pires marcoaureliosc@hotmail.com
    UFMG

DOI:

10.48074/aceno.v7i13.10858

Resumo

Para pessoas formadas dentro de uma tradição disciplinar local que privilegia - por variados motivos - pesquisas realizadas dentro das fronteiras nacionais, o desejo e a oportunidade de realizar trabalho de campo em outro país apresentam alguns desafios.[1] Para começar, surgem questões sobre como começar a mergulhar na bibliografia regional, e com quem dialogar, dada a escassez de especialistas em nossas universidades. Pesquisar um outro país, para parte de nós, ainda é um pouco como aventurar-se num terreno misterioso, no qual não sabemos se seremos bem-vindas[2]. Parece um pouco (re)inventar o fazer antropológico. Isso torna particularmente agudas as lacunas textuais acerca de questões práticas do nosso métier. No que segue, começamos argumentando pela necessidade - para a qual já se chama atenção há pelo menos 45 anos, como veremos - de suprir tais lacunas. Depois, realizamos um breve sobrevoo sobre as peculiaridades de pesquisar em um país estrangeiro, tendo formação no Brasil. Finalmente, apresentamos os textos que compõem o atual dossiê, para então explorar como eles nos fornecem alguns indícios de respostas para inquietações que expusemos anteriormente.


[1] Agradecemos ao comitê editorial da Aceno e especialmente ao editor Marcos Aurélio da Silva pela oportunidade e pelo apoio; a Raquel Freire de Andrade pela revisão do português; e a todas as autoras e autor pelo prazer da leitura dos textos, pelo trabalho em conjunto e pela leitura e sugestões referentes a esta introdução.

[2] Evitando adotar o masculino como genérico, mas também construções que marcam simultaneamente o gênero masculino e feminino e, no entanto, prejudicam a leitura de deficientes visuais, utilizamos o feminino como forma não-marcada no conjunto do texto - até porque 50% das editoras e quase todas as autoras deste dossiê são mulheres.

Referências

ABU-LUGHOD. Locating ethnography. Ethnography 1 (2): 261-267, 2000.

____. A escrita contra a cultura. Equatorial 5 (8): 193-226, 2018 [1991].

ANJOS, José Carlos dos. No território da linha cruzxada: A cosmopolítica afro-brasileira. Porto Alegre, UFRGS / Fundação Cultural Palmares: 2006.

AVANZA, Martina. Comment faire de l'ethnographie quand on n'aime pas "ses indigènes". In: Fassin, Didier; Bensa, Alban (org.) Les politiques de l'enquête: épreuves ethnographiques. Paris, La Découverte: 2008. pp. 41-58.

BONETTI, Aline; FLEISCHER, Soraya (orgs.) Entre saias justas e jogos de cintura: gênero e etnografia na antropologia brasileira recente. Florianópolis / Santa Cruz do Sul, UNISC / Editora Mulheres: 2007.

BRITO, Angela X. Transformations institutionnelles et caractéristiques sociales des étudiants brésiliens en France. Cahiers du Brésil Contemporain 57/58-59/60: 75-105, 2004-2005.

BUFFON, Roseli. Encontrando uma tribo masculina de camadas médias. In: GROSSI, Miriam P. (org.). Trabalho de campo e subjetividade. Florianópolis: Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, 1992. pp. 53-70.

CANÊDO, Letícia; GARCIA, Afrânio. Les boursiers brésiliens et l'accès aux formations d'excellence internacionales. Cahiers du Brésil Contemporain 57/58-59/60: 21-48, 2004-2005.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O que é isso que chamamos de Antropologia Brasileira?. Anuário Antropológico 85: 227-246, 1986.

_____. O movimento dos conceitos na antropologia. In: O trabalho do antropólogo. São Paulo: UNESP, 2000 [1993]. pp. 37-52.

CESARINO, Letícia. Antropologia multissituada e a questão de escala: Reflexões com base no estudo da cooperação Sul-Sul brasileira. Horizontes Antropológicos 20 (41): 19-50, 2014.

CIOCCARI, Marta. Reflexões de uma antropóloga “andarina” sobre a etnografia numa comunidade de mineiros de carvão. Horizontes Antropológicos 15 (32): 217-246, 2009.

COELHO, Ruy. Os caraíbas negros de Honduras. São Paulo, Perspectiva: 2002 [1955]

CORRÊA, Mariza. Traficantes do excêntrico: os antropólogos no Brasil dos anos 30 aos anos 60. Revista Brasileira de Ciências Sociais 3 (6): 79-98, 1988.

CRAPANZANO, Vincent. Hermes’ dilemma: The masking of subversion in ethnographic description. In: CLIFFORD, James; MARCUS, George (eds.). Writing culture: The poetics and politics of ethnography. Berkeley, University of California Press: 1986. pp.51-76.

CRUZ, Alline Torres Dias da. Sobre dons, pessoas, espíritos e suas moradas. Tese em antropologia social, Museu Nacional, UFRJ. Rio de Janeiro, 2012.

CUNHA, Olívia M. G. Do ponto de vista de quem? Diálogos, olhares e etnografias dos/nos arquivos. Estudos Históricos 36: 7-32, 2005.

DA MATTA, Roberto. Um mundo dividido: A estrutura social dos índios Apinayé. Petrópolis, Vozes: 1976.

_____. O ofício de etnólogo, ou como ter anthropological blues. Boletim do Museu Nacional, N.S. 27: 1-12, 1978.

_____. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro, Rocco: 1984.

DELEUZE, Gilles. A vida como obra de arte (entrevista a Didier Eribon). In: Conversações. São Paulo, 34: 1992 [1986].

DIAS, Juliana Braz; SILVA, Kelly C. da; THOMAZ, Omar Ribeiro; TRAJANO FILHO, Wilson. Antropólogos brasileiros na África: algumas considerações sobre o ofício disciplinar além-mar, Série Antropologia 430: 5-26, 2009.

DULLEY, Iracema; JARDIM, Marta (orgs.). Antropologia em trânsito: Reflexões sobre deslocamento e comparação. São Paulo, Annablume: 2013.

EVANS-PRITCHARD, Edward Evan. Os Nuer. São Paulo, Perspectiva: 2002 [1940].

_____. Algumas reminiscências e reflexões sobre o trabalho de campo. In: Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande. Rio de Janeiro, Zahar: 2005 [1973]. pp. 243-255.

FABIAN, Johannes. O tempo e o outro: como a antropologia estabelece seu objeto. Petrópolis, Vozes: 2013 [1983].

FASSIN, Didier. L'inquiétude ethnographique. In: FASSIN, Didier; BENSA, Alban (orgs.). Les politiques de l'enquête: épreuves ethnographiques. Paris, La Découverte: 2008. pp. 7-15.

FLEISCHER, Soraya; BONETTI, Aline. Dossiê. Etnografia Arriscada: dos limites entre vicissitudes e “riscos” no fazer etnográfico contemporâneo. Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política. 19 (1): 7-17, 2010.

FONSECA, Claudia. Quando cada caso NÃO é um caso: pesquisa etnográfica e educação. Revista Brasileira de Educação 10: 58-78, 1999.

FRANÇA, Marina V. Sexualité et affects dans la prostitution: regards croisés sur le Brésil et le Bois de Boulogne. Paris:,L'Harmattan / Éditions Pepper: 2016.

FRANCHETTO, Bruna. Mulheres entre os Kuikuro. Estudos Feministas. 4(1): 35-54, 1996.

FRY, Peter. Internacionalização da disciplina. In: TRAJANO FILHO, Wilson; LINS RIBEIRO, Gustavo (orgs.). O campo da antropologia no Brasil. Rio de Janeiro: Contracapa / ABA: 2004. pp. 227-248.

GALLOIS, Dominique T.; TESTA, Adriana Q.; VENTURA, Augusto; BRAGA, Leonardo V. Ethnologie brésilienne. Les voies d’une anthropologie indigène. Brésil(s), Sciences Humaines et Sociales 9, 2016.

GALVÃO, Eduardo. Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de Itá, Baixo Amazonas. São Paulo, Cia. Editora Nacional: 1955.

GEERTZ, Clifford. Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro, Guanabara: 1989 [1973]. 278-321.

_____. Obras e vidas: O antropólogo como autor. Rio de Janeiro, UFRJ: 2002 [1989].

GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje 2: 223-244, 1984.

GOURARIER, Mélanie. Séduire les femmes pour s’apprécier entre hommes. Une ethnographie des sociabilités masculines hétérosexuelles au sein de la Communauté de la séduction en France. Tese em antropologia. École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2012.

GOYATÁ, Júlia; BULAMAH, Rodrigo C; RAMASSOTE, Rodrigo. Dossier Caribbean Routes: Ethnographic Experiences, Theoretical Challenges, and the Production of Knowledge Vibrant 17, 2020.

GROSSI, Miriam P. Na busca do outro, encontra-se a si mesmo. In: GROSSI, Miriam P. (org.). Trabalho de campo e subjetividade. Florianópolis: Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, 1992. pp. 7-18.

GUPTA, Akhil; FERGUSON, James. Discipline and practice: “The field” as site, method, and location in anthropology. In: Anthropological locations: Boundaries and grounds of a field science. Berkeley, University of California Press: 1997. pp. 1-46.

HANDMAN, Marie-Elisabeth. La violence et la ruse: hommes et femmes dans un village grec. Aix-en-provence: Edisud, 1983.

HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, 5: 7-41, 1995 [1988].

KEHL, Maria Rita. O desejo da realidade. In: NOVAES, Adauto (org.). O desejo. São Paulo: Companhia das Letras: 1990. pp. 363-382.

KELLY LUCIANI, José A. Compte rendu “Kopenawa Davi et Bruce Albert, La chute du ciel: Parols d'un chaman yanomami”, Journal de la société des américanistes, 97 (1): 339-357, 2011.

KLOß, Sinah Theres. Sexual(ized) harassment and ethnographical fieldwork: a silenced aspect of social research. Ethnography, 18 (3): 396-414, 2017.

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo, Companhia das Letras: 2019.

KULICK, Don. Introduction. The sexual life of anthropologists: erotic subjectivity and ethnographic work. In: KULICK, Don; WILLSON, Margaret. Taboo: sex, identity, and erotic subjetivity in anthopological fieldwork. London / New York, Routledge: 2005 [1995]. pp. 1-21.

KULICK, Don; WILLSON, Margaret. Taboo: sex, identity, and erotic subjetivity in anthopological fieldwork. London / New York, Routledge: 2005 [1995].

LANDES, Ruth. A woman anthropologist in Brazil. In: GOLDE, Petty. Women in the field: anthropological experiences. Berkeley, University of California Press: 1986. pp. 119-139.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo, Companhia das Letras: 1996 [1955].

LOUREIRO, Thiago Niemeyer M. Dossiê Caribe. Teoria e Cultura 9 (2): 2014.

MALINOWSKI, Bronislaw. Introdução: tema, método e objetivo desta pesquisa. In: Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo, Abril Cultural: 1976 [1922]. pp. 17-34.

MEDEIROS, Flavia. Adversidades e lugares de fala na produção do conhecimento etnográfico com policiais civis. São Paulo: Cadernos de Campo 1 (26), 2017, 327-347.

MUDIMBE, Valentin-Yves. A invenção de África: Gnose, filosofia e a ordem do conhecimento. Mangualde / Luanda, Pedago / Mulemba: 2013 [1988].

_____. A ideia de África. Mangualde / Luanda, Pedago / Mulemba: 2013 [1994]

MUÑOZ, Marie-Claude; GARCIA, Afrânio. Les étudiants brésiliens en France (2000-2001). Cahiers du Brésil Contemporain 57/58-59/60: 107-128, 2004-2005.

NADER, Laura. Up the anthropologist: perspectives gained from studying up. In: HYMES, Dell (ed.). Reinventing Anthropology. New York, Pantheon: 1972. pp. 284-311.

NEIBURG, Federico. Entrando na conversa. In: _____ (org.). Conversas etnográficas haitianas. Rio de Janeiro, Papéis Selvagens: 2019. pp. 13-24.

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem. In: Tanto preto quanto branco: Estudos de relações raciais. São Paulo, T.A. Queiroz: 1985 [1954]. pp. 57-93.

PEIRANO, Mariza. A antropologia no Brasil (alteridade contextualizada). In: MICELI, Sérgio (org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995): Antropologia. São Paulo, Sumaré/ANPOCS: 1999. pp. 225-266.

_____. A história que me orienta. In: SCOTT, Parry; CAMPOS, Roberta Bivar; PEREIRA, Fabiana (orgs.). Rumos da antropologia no Brasil e no mundo: Geopolíticas disciplinares. Recife, EdUFPE / ABA: 2014. pp. 15-34.

PEREIRA, Luena Nunes. Identidades racial e religiosa em Angola e no Brasil: Reflexões a partir da experiência de campo em Luanda. In: DULLEY, Iracema; JARDIM, Marta (orgs.). Antropologia em trânsito: Reflexões sobre deslocamento e comparação. São Paulo, Annablume: 2013. pp. 59-89.

PIRES, Rogério Brittes W. A mása gádu kö́ndë: Morte, espíritos e rituais funerários em uma aldeia saamaka cristã. Tese em antropologia social, Museu Nacional, UFRJ. Rio de Janeiro, 2015.

PIRES, Rogério Brittes W.; CASTRO, Carlos Gomes. Frazier e Herskovits na Bahia, tantas décadas depois. Ayé: Revista de Antropologia, [no prelo].

RAMOS, Alcida Rita. Por uma crítica indígena da razão antropológica. Série Antropologia, 455, 2016.

REESINK, Mísia & CAMPOS, Roberta Bivar. A geopolítica da antropologia no Brasil: Ou como a província vem se submetendo ao Leito de Procusto. In: SCOTT, Parry; CAMPOS, Roberta Bivar; PEREIRA, Fabiana (orgs.). Rumos da antropologia no Brasil e no mundo: Geopolíticas disciplinares. Recife, EdUFPE / ABA: 2014. pp. 55-81.

RIBEIRO, Gustavo Lins. Que internacionalização da antropologia queremos? In: SIMIÃO, Daniel S.; FELDMAN-BIANCO, Bela (orgs.). O Campo da antropologia no Brasil: Retrospectiva, alcances e desafios. Rio de Janeiro, ABA: 2018. pp. 105-130.

ROSA, Marcelo C. A África, o Sul e as ciências sociais brasileiras: Descolonização e abertura. Revista Sociedade e Estado 30 (2): 313-323, 2015.

SEYFERTH, Giralda. O papel do financiamento e da avaliação na constituição do campo disciplinar. In: TRAJANO FILHO, Wilson; LINS RIBEIRO, Gustavo (orgs.). O campo da antropologia no Brasil. Rio de Janeiro: Contracapa / ABA: 2004. pp. 93-116.

SIGAUD, Lygia; NEIBURG, Federico; L’ESTOILE, Benoît de (orgs.). Empires, nations, and natives: Anthropology and State-making. Durham, Duke University Press: 2005 [2002].

SILVA, Hélio. A situação etnográfica: andar e ver. Porto Alegre: Horizontes Antropológicos. 15 (32): 171-188, 2009.

SILVA, Kelly C. O poder do campo e o seu campo de poder. In: BONETTI, Aline; FLEISCHER, Soraya (orgs.) Entre saias justas e jogos de cintura: gênero e etnografia na antropologia brasileira recente. Florianópolis / Santa Cruz do Sul, UNISC / Editora Mulheres: 2007. pp. 168-186.

SPIVAK, Gayatri. Pode o subalterno falar?. Belo Horizonte, UFMG: 2010 [1988].

STOCKING Jr., George W. Afterword: A view from the center. Ethnos 47 (1): 172-86, 1982.

STRATHERN, Marilyn. Not a field diary: 'Anthropology at home' - with the Association of Social Anthropologists. Anthropology Today 1 (3): 25-26, 1985.

_____. O gênero da dádiva. Campinas, Unicamp: 2006 [1988].

_____. Os limites da autoantropologia, In: O efeito etnográfico – e outros ensaios. São Paulo, Cosac Naify: 2014 [1987]. pp. 134-157.

de THEIJE, Marjo. Insegurança próspera: As vidas dos migrantes brasileiros no Suriname. Revista Anthropológicas 18 (1): 71-93, 2007.

TROUILLOT, Michel-Rolph. A região do Caribe: Uma fronteira aberta na teoria antropológica. Afro-Ásia 58: 189-232, 2018 [1992].

VELHO, Gilberto (org.). Quatro viagens: Antropólogos brasileiros no exterior. Comunicações do PPGAS, 6: 1995.

Downloads

Publicado

2020-09-21

Edição

Seção

Dossiê Temático: Experiências de campo e localizações etnográficas