Chamada Pública para Dossiê "Idade Média, relações de gênero e realidade contemporânea: interpretações, disputas e apropriações" - Proponentes: Carolina Gual da Silva – Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e Sofia Membrado - Instituto de Historia Antigua, Medieval y Moderna (Universidad de Buenos Aires) (prazo 30 de agosto de 2025)

2025-05-15
Cada época tem suas próprias ideias e perguntas sobre a Idade Média. Cada corrente historiográfica explorou temas e problemas distintos, com métodos e abordagens diferenciadas. O que sabemos e o que queremos saber sobre o milênio medieval nunca deixa de ser uma tarefa inacabada. Desde a premissa da obscuridade que marcou a visão renascentista até os dias atuais, a Idade Média frequentemente constituiu um “outro cronológico” negativo. Ao mesmo tempo, desde as evocações do Romantismo e o desenvolvimento das ideologias nacionalistas, ela não deixou de fascinar e de oferecer uma referência estética e política a várias correntes. Sintomático desse fenômeno é que, de maneira diferente e com significados opostos, inúmeras referências à Idade Média podem ser encontradas no discurso político contemporâneo, particularmente no que diz respeito aos papeis de gênero e as representações de mulheres e dissidências. Às vezes como sinônimo do que é conservador e repudiável, às vezes como fonte de legitimidade nos argumentos e motivos da nova direita (Lanzieri, 2021). A centralidade que os feminismos e os movimentos LGTBIQ+ adquiriram na agenda pública nas últimas décadas tem uma força gravitacional sobre a ideia do medieval. Narrativas sobre mulheres e gênero ajudaram na criação da própria ideia de “Idade Média”. No período que convencionamos chamar de Renascimento (seja no século XIV na Itália ou no XVI no norte da Europa), já circulavam histórias que procuravam mostrar o passado obscuro do período precedente associando-o a costumes de gênero vistos como “bárbaros”, tais como o direito de o senhor tirar a virgindade das servas na noite de casamento, ou a ideia de que os cruzados colocavam cintos de castidade em suas esposas, entre outros. Todos esses mitos foram repetidos ao longo dos séculos levando o imaginário popular a tomá-los como verdadeiros (Bennet e Karras, 2013). Seguindo os movimentos de renovação constante dos estudos medievais, desde as décadas de 1980-90, a área foi transformada pela introdução das discussões sobre gênero. Com o avanço dos estudos, embasados em perspectivas teóricas como as de Joan Scott e Judith Butler, abriu-se um grande campo de discussão no qual as possibilidades de atuação das mulheres eram muito variadas, os papéis de gênero eram fluidos e as relações estabelecidas entre os gêneros eram bastante complexas. Assim, esse “mundo medieval” apresenta-se como um questionador dos modelos de gênero que estão enraizados na sociedade moderna, desnaturalizando rótulos como heterossexual/homossexual (Caviness, 2010) e nos convidam a historicizar as várias manifestações de subordinação/opressão de gênero. Portanto, a relação passado-presente não é apenas instrumental. Se a Idade Média é “usada” para explicar processos atuais, dando origem a preconceitos e distorções e obstruindo, por sua vez, a possibilidade de apreender nossa época pelo que ela é, a verdade é que também conhecemos e entendemos muito mais da Idade Média à luz das novas preocupações, sensibilidades e questionamentos que temos neste primeiro quarto do século XXI. As amplas possibilidades que os estudos de gênero trazem para esse debate nos convidam a refletir sobre como os papéis de gênero têm sido repensados e questionados, bem como sobre a própria categoria de gênero, com suas inconstâncias, conflitos e transformações. Este Dossiê convida contribuições que abordem: Atuação e autoria feminina em contextos medievais e/ou neomedievais Construções de gênero em suas múltiplas formas no período medieval Masculinidades medievais sob perspectivas relacionais As manifestações de subordinação de gêneros características da sociedade medieval Experiências dissidentes de sexo e gênero na Idade Média Os usos e abusos contemporâneos de ideias sobre gênero na Idade Média Relações de gênero em perspectivas de Idade Média conectada e não eurocentrada;   Serão bem-vindos tanto estudos de caso que se refiram a esses debates quanto reflexões mais teóricas ou metodológicas.