Chamada Pública para Dossiê "Imagem em movimento: entre as histórias e a arqueologia das mídias" - Proponentes: Lucas Murari (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Leonardo Esteves (Universidade Federal de Mato Grosso) (prazo 30 de março de 2025)

2023-10-12
A fabricação de registros em imagem em movimento, assim como as maneiras de distribuí-los e exibi-los, vem fomentando prospecções sob diversos aspectos. Dos arredores do pré-cinema e suas maquinarias ao domínio da narrativa e sua fabulação inerente; ou, mais tarde, da compreensão do documento ficcional e sua inversão, a ficção documental, todo um percurso que implica na produção de imagens e na percepção dos aparatos tecnológicos que as acompanham ou mesmo as transformam vem servindo de fonte para meditar sobre o passado, o presente e o futuro. Seja como tentativa voluntária de reconstituição de uma época ou posteriores acusações de involuntariamente falseá-la, tais manifestações foram responsáveis por todo um desdobramento no campo historiográfico, responsável por mobilizar muitas referências ao longo das últimas décadas. Do filme como uma contra-análise da sociedade, como formulara Marc Ferro aos cineastas-historiadores que visualizam, contestam ou revisam a história, como o propõe recentemente Robert Rosenstone, passando pelas teorias das mídias como oportunidade de repensar a ideia de mudança histórica em si, segundo as propostas de Thomas Elsaessser - vê-se esboçar um trajeto que aperfeiçoou formas de olhar para uma fonte inesgotável de imagens e possibilidades que escapam a metodologias tradicionais. Desde as primeiras fabricações de imagem em movimento no século XIX à produção audiovisual no contexto das novas mídias digitais, verifica-se uma preocupação imanente em relação aos procedimentos de construção dessa história. Uma das características que marca a historiografia clássica do cinema toma como parâmetro a ideia de “nascimento”, ou melhor, de marcos decisivos, como também de interpretações teleológicas ancoradas em cronologias lineares e/ou evolutivas. Nesse tipo de lógica, adota se o princípio da expressão post-hoc ergo propter hoi (“depois disso, logo, causado por isso”) assumindo que a sequência é parte integrante de uma relação direta entre causa e efeito. Esse modo de pensamento “em progresso” se tornou bastante popular ao longo dos dois últimos séculos e, de certa forma, se constituiu como predominante. Se os objetivos de boa parte dessas investigações de cunho histórico se baseavam em análises de questões culturais e estéticas - como o foco em estilos, gêneros e autorias – que acompanhavam as novas formas de expressão artística, atualmente algumas das discussões se direcionam para a possibilidade de criar e estabelecer outros tipos de conexão, evidenciando o campo das imagens técnicas por meio de seus inúmeros conflitos internos e externos. A arqueologia das mídias é um exemplo de proposta alternativa à história cinematográfica tradicional. Seus métodos se abrem à multiplicidade dos dispositivos inerentes à cultura audiovisual, assim como propõem outra relação com o tempo e com a temporalidade, valorizando descontinuidades (em oposição às linearidades), rupturas (como resposta à ideia de progresso) e fragmentos (ao invés de uma suposta totalidade). A proposta arqueológica visa recuperar – e valorizar – elementos dos mais distintos que foram apagados, reprimidos ou esquecidos, a fim de compreender a materialidade das mídias de um modo geral e as expressões audiovisuais em particular a partir de novas perspectivas. Em vista disso, é importante frisar que práticas marginais sempre coexistiram em paralelo à indústria cultural hegemônica. O cinema, nessa premissa, é apenas mais uma das manifestações artísticas possíveis. O que está em jogo nessa disputa é ir além da abordagem focada na produção majoritária e se abrir a uma série de outras tecnoculturas e linguagens não convencionais que permeiam o campo das imagens em sentido expandido. À medida que as tecnologias se desenvolvem continuamente, explorar criticamente o passado torna-se crucial para compreender o presente e especular sobre o futuro. A proliferação de mídias parece despertar o interesse por obscuros objetos de investigação. Essa maneira de lidar com a história refuta uma disciplina fechada em si, e se conecta para pesquisas intertextuais e transdisciplinares. Para Michel Foucault, teórico chave desse debate, a arqueologia do saber envolve a investigação das formações discursivas a partir de sistemas que moldaram a produção de conhecimento, a subjetividade e as práticas sociais. A metodologia explorada por Foucault em alguns de seus livros explicita como continuidades históricas aparentes podem encobrir mudanças em sistemas de pensamento. Essa é uma referência importante para autores contemporâneos da arqueologia das mídias como Jonathan Crary, Jussi Parikka, Wanda Strauven, entre outros. Da compreensão da imagem como fonte à percepção da mídia como instrumento discursivo apto a remanejar entendimentos para além da lógica representacional, esse dossiê se coloca como uma tentativa de reunir pesquisas de matizes variados. Contudo, relacionando resultados e práticas que envolvam a produção de imagens em movimento – setor que abarca desde o processo fotoquímico ao que fora constituído ou reconstituído pelo pixel; ou de produções de cunho hegemônico aos registros fora do escopo comercial, noticiosos, domésticos, militantes ou experimentais. É, portanto, interesse dessa proposta articular reflexões que partam tanto de imagens em movimento (cinema, televisão, vídeo, formatos digitais) quanto de aparatos responsáveis pela sua geração e/ou reprodução, compartilhamento, passando por estudos de linguagem que estabeleçam elos entre os polos abordados pela proposta.