Chamada Pública para Dossiê "Histórias esquecidas de mulheres artistas" - Proponentes: Cláudia de Oliveira (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Paula Guerra (Universidade do Porto) (prazo 30 de março de 2024)
2023-09-14
Durante séculos, as mulheres foram sistematicamente excluídas dos registos da história da arte, a despeito de estarem envolvidas com a produção artística como criadoras, mecenas, colecionadoras, fontes de inspiração ou como historiadoras ou críticas de arte. Sabemos, também, que muitas mulheres artistas encontraram oposição na narrativa tradicional da história da arte e, quando descritas em livros ou enciclopédias, elas foram frequentemente apresentadas como mulheres extraordinariamente talentosas que superaram as limitações de seu gênero para se destacar no que se acreditava ser um campo masculino. No entanto, as mulheres e, em particular, as mulheres artistas têm uma história de lutas milenar. Com este Dossiê, pretendemos propor uma abordagem teórico-empírica, baseada na contemporaneidade, que dê conta das narrativas imaginadas destas mulheres artistas que foram obliteradas dos registos oficiais da história da arte, mas também dos mais distintos campos de produção científica nas ciências sociais. Sabemos que muitas mulheres artistas encontraram oposição na narrativa tradicional da história da arte e, quando descritas em livros ou enciclopédias, elas foram frequentemente apresentadas como mulheres extraordinariamente talentosas que superaram as limitações de seu gênero, destacando-se num campo artístico tipicamente masculino (pintura, escultura, design, performance, etc.). O contexto de opressão patriarcal vivido pelas mulheres só começou a transformar-se no século XX, quando elas começam a deixar a esfera doméstica e a adentrar-se na esfera pública. Esta entrada adveio, em grande medida, de um olhar curioso lançado pelas vagas teóricas feministas que contestavam a falta de acesso das mulheres ao topo das hierarquias, especialmente no campo artístico; campo esse em que elas eram frequentemente retratadas como objeto e não como sujeito. Aliás, este domínio masculino tem vindo a ser evidenciado desde os primórdios dos estudos de H. Becker, uma vez que o autor – na sua interpretação e reflexão em torno do mundo da arte – enuncia a existência de uma série de relações que, apesar de terem uma base colaborativa adjacente a uma pluralidade de agentes institucionais e de atores sociais (artistas, museus, galerias, etc.), eram profundamente desigualitárias: as posições de relevo estavam destinadas aos homens. Mas como podemos ir mais além na explicação desta invisibilidade histórica? Para McRobbie e Garber, existe uma confluência de dimensões que sustentam esta invisibilidade, desde a estrutura da própria academia, passando pelas facilidades económicas, apoios sociais e posicionamentos políticos afetos a contextos sociais e geográficos específicos, e até mesmo referem as diferenças estruturais que pautavam (e pautam) os consumos culturais e artísticos (GUERRA, 2023). No campo da história da arte, a grande novidade foi a emergência da história da arte feminista. Longe de ser um campo da arte acantonado na suposição de uma arte feita por mulheres, as historiadoras da arte feminista, como Linda Nochlin em seu texto seminal Why have there been no great women artists? [Por que não houve grandes artistas mulheres?], publicado pela primeira vez em 1973 e que apontavam em suas pesquisas para as diferenças sociais e políticas que as mulheres experimentam em suas vidas, as quais deveriam ser consideradas em suas produções artísticas, uma vez que tais experiências são distintas das vivências políticas e sociais masculinas. Na contemporaneidade, os debates têm sido cada vez mais adensados por jovens artistas feministas, as quais passaram a adotar uma abordagem que incorpora outras preocupações, como a interseccionalidade entre raça, classe e outras formas de privilégio, bem como identidade e fluidez de gênero. Podemos dizer que cada vez mais a arte feminista caminha em conjunto com as pautas dos vários movimentos feministas. Muitas mulheres artistas abordam questões pessoais e transnacionais de identidade, explorando a política global e diaspórica; contam histórias de perda e perceção através de países, culturas e papéis de gênero em conflito; trazem à tona os estereótipos racistas, apontando a objetificação que as mulheres enfrentavam em seu dia-a-dia subvertendo as imagens da média tradicional em declarações inquietantes; usam imagens de seu próprio corpo para defender representações mais abertas da sexualidade lésbica, encorajando a pensar sobre como as imagens idealizadas do corpo feminino se comparam às figuras de mulheres reais e vivas. Devemos entender que cursos, livros e museus dedicados exclusivamente a mulheres artistas podem ser de alguma forma exclusivos ou até mesmo instituições que marginalizam a produção cultural das mulheres, posicionando-as em separado dos cânones históricos da arte tradicional? Por outro lado, simplesmente adicionar nomes de mulheres aos cânones reforça uma abordagem tradicional da história da arte sem contestá-la? Rotular “mulheres artistas” pode involuntariamente estabelecer ligações enganosas entre gênero, biografia e produção criativa? Por outro lado, trazer à luz mulheres artistas excluídas do cânone também incentivou uma redefinição das próprias práticas artísticas. Paralelamente, esta questão da exclusão do cânone também se pode verter noutros aspetos: afinal qual é o cânone? Quais as diferentes atendendo aos múltiplos contextos geográficos e referenciais vivenciais? O movimento de procura por essas mulheres esquecidas tem forçado o ocidente a incluir mulheres de cor de todo o mundo; mulheres do Sul Global e de países semiperiféricos e periféricos, que nos ajudam a entender que não existe uma “arte feminina”, mas sim que a arte molda e é moldada pela cultura e pela sociedade, que transmite ideias culturais sobre beleza, gênero e poder, e que pode ser uma ferramenta poderosa para questionar questões de raça, classe e identidade. Estes são os tópicos que queremos enfatizar, e as narrativas que queremos reinventar.