Experiências de pessoas trans e travestis na Atenção Primária à Saúde: atravessamentos da cisgeneridade e a produção de vulnerabilidades
DOI:
https://doi.org/10.29327/2410051.8.23-47Palavras-chave:
Cisgeneridade, Pessoas transexuais, Atenção Primária à SaúdeResumo
O presente artigo apresenta como objetivo analisar, a partir de narrativas de pessoas transexuais e travestis atendidas na Atenção Primária à Saúde (APS) do Sistema Único de Saúde (SUS), como a cisgeneridade atua produzindo vulnerabilidades e desigualdades na assistência à saúde ofertada a esse público. Nos alicerçamos em feminismos subalternos, tais como o feminismo negro e transfeminismos nas discussões aqui empreendidas. Metodologicamente, tratou-se de uma pesquisa qualitativa, operacionalizada a partir de três entrevistas realizadas com duas mulheres transexuais e uma travesti, no ano de 2022. No que se refere aos resultados e discussão, as narrativas compartilhadas pelas participantes apontam para a vivência recorrente de transfobia na APS. Destacam-se episódios nos quais o nome social é desrespeitado, o pronome utilizado é trocado propositalmente, assim como percepções de que suas demandas de saúde e o processo de transição de gênero são invisibilizados pelos profissionais das Unidades Básicas de Saúde (UBS). A cisgeneridade aparece enquanto norma social produtora de desigualdades e vulnerabilidades, reguladora de corpos e subjetividades, atravessando as práticas desenvolvidas em serviços de saúde, produzindo a invalidação das experiências de pessoas trans e, em articulação ao necrobiopoder, produz a retirada do estatuto de humanidade com relação à pessoas trans e travestis. Corpos de pessoas trans, ao ocuparem os espaços de saúde, tensionam a matriz que organiza a sociedade e lhes destina o lugar de margem e exclusão e denunciam a urgência de práticas micropolíticas que agenciem mudanças e rupturas na necropolítica genderizada que atravessa as práticas de saúde.
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