OS USOS DE TECNOLOGIAS DIGITAIS EM ATIVIDADES DE MODELAGEM MATEMÁTICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA

THE USES OF DIGITAL TECHNOLOGIES IN MATHEMATICAL MODELING ACTIVITIES: A LITERATURE REVIEW

Rhômulo Oliveira Menezes 1
Universidade Federal do Pará (UFPA), Brasil
Roberta Modesto Braga 2
Universidade Federal do Pará (UFPA), Brasil
Adilson Oliveira do Espírito Santo 3
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 8, núm. 3, 2020

revistareamec@gmail.com

Recepção: 24 Março 2020

Aprovação: 04 Agosto 2020



DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v8i3.10052

Resumo: O objetivo deste artigo é descrever e analisar os usos de Tecnologias Digitais no desenvolvimento de atividades de Modelagem Matemática presentes em teses produzidas no período de 2007-2017, segundo implicações de Menezes, Espírito Santo e Braga. As teses foram coletadas no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações e selecionadas de acordo com estágios de condução de uma revisão de literatura de Randolph. Foram escolhidos nove trabalhos em que se identificaram as implicações: visualização de dados, manipulação de modelos digitais, conhecimento pontual acerca da temática investigada e parceria assumida entre professor, aluno e Tecnologias Digitais. Outra implicação destacada em dois trabalhos foram dificuldades no manuseio de Tecnologias Digitais no desenvolvimento das atividades.

Palavras-chave: Tecnologias Digitais, Modelagem Matemática, Revisão de literatura, Teses, Implicações.

Abstract: The objective of this article is to describe and analyze the uses of these Digital technologies in the development of Mathematical Modeling activities presented in theses produced in the period 2007-2017, according to the agreement of Menezes, Espírito Santo and Braga. The theses were collected on the website of the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations and selected according to stages of conducting a literature review by Randolph. Nine works were chosen in which they identified themselves as a result: data visualization, manipulation of digital models, specific knowledge about the theme investigated and partnership between teacher, student and Digital Technologies. Another implication highlighted in two studies was difficulties in handling Digital Technologies in the development of activities.

Keywords: Digital Technologies, Mathematical Modeling, Literature review, Theses, Implications.

1 INTRODUÇÃO

A Modelagem Matemática (MM) tem sua origem em áreas de inquérito que usavam, e ainda usam, a Matemática para/na solução de problemas reais. Biembengut (2016) esclarece que a palavra MM, entendida como um processo de descrever, formular, modelar e resolver uma situação-problema, aparece no início do século XX, nas literaturas do curso de Engenharia e de Ciências Econômicas. Nesse contexto, a MM é usada como um ‘meio’ para solucionar problemas extraídos de situações reais, externas à Matemática.

Temos assim definida uma perspectiva de MM que alia teoria e prática para/na solução de problemas reais. Essa é uma das principais características que Bassanezi (2011) evidencia quando propõe o uso da MM como método ou estratégia no Ensino de Matemática, pois, segundo o autor, essa aliança entre teoria e prática permite que o aluno entenda a realidade que o cerca e o estimula a encontrar meios para agir sobre ela e transformá-la.

Em atividades de MM o uso de Tecnologias Digitais (TD) acontece naturalmente. Essa naturalização, segundo Almeida, Silva e Vertuan (2012), se dá mediante a quantidade expressiva de programas que permitem que os alunos experimentem, alterem, simulem dados em ambientes virtuais. Além disso, outra característica ressaltada por Meyer, Caldeira e Malheiros (2011) sobre o uso de TD em atividades de MM centra-se na contribuição das redes sociais e fóruns de bate-papo, que viabilizam a troca de informações, experiências e o debate, ou seja, promovem uma rede colaborativa em torno da investigação de uma temática.

Considerando o exposto por esses autores sobre o uso de TD em atividades de MM, entendemos que tais tecnologias empregam programas de linguagem declarativa, em uma perspectiva que auxilia os alunos na construção do conhecimento. Para além desse auxiliar, Menezes, Espírito Santo e Braga (2017) apontam indícios de que elas figuram nas atividades de MM como um dos elementos da tríade professor-aluno-TD em torno da investigação de uma temática, assumindo o papel de colaborador no processo de ensino e aprendizagem.

Esses indícios foram configurados por Menezes, Espírito Santo e Braga (2017) segundo quatro implicações: o tratamento que os alunos deram aos dados coletados, pois, ao plotar gráficos em uma planilha eletrônica, puderam inferir visualmente se aquele caminho tomado por eles no processo de MM era viável ou não; a manipulação de modelos digitais derivados de dados coletados na investigação, que lhes possibilitou interpretar esses dados e perceber características do fenômeno investigado nos parâmetros analisados; a manipulação desses Modelos Informáticos ou Digitais, que permitiram aos alunos adquirir conhecimentos sobre a temática investigada, ou seja, dominar um conhecimento pontual daquilo que pesquisaram; e a relação de parceria assumida entre a professora e os alunos, sendo essa parceria estendida às TD, que exerceram, nas investigações das atividades de MM, papel importante, configurando, assim, a tríade professor-aluno-TD[4].

Explicitado esse contexto, nas seções seguintes, passamos a descrever e analisar os usos de TD no desenvolvimento de atividades de MM presentes em teses produzidas no período de 2007-2017, segundo implicações de Menezes, Espírito Santo e Braga (2017). Para isso, organizamos o trabalho em algumas seções: na seção “Aspectos Metodológicos” descrevemos procedimentos utilizados na seleção, na coleta e na análise das teses; em “Resultados Encontrados” relatamos usos de TD que os pesquisadores-autores descrevem em seus trabalhos sobre o desenvolvimento de atividades de MM; em “Analisando os Resultados Encontrados” evidenciamos algumas discussões acerca desses usos; e na seção “Considerações e Novos Caminhos” apresentamos reflexões sobre o percurso trilhado neste trabalho e o cenário delimitado e apontamos possibilidades para outras investigações.

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS: COMO SE DEU A COLETA E ANÁLISE DOS DADOS

O método utilizado para esta pesquisa foi baseado nas indicações de condução de revisão de literatura de Randolph (2009), que aponta cinco estágios para se realizar uma revisão dessa natureza:

1. Formulação de um problema para a revisão de literatura: a questão de investigação que delimitamos para esta revisão foi ‘de que forma os usos de TD no desenvolvimento de atividades de MM estão presentes em teses produzidas no período de 2007-2017?’. Partindo desse problema, formulamos dois critérios de inclusão de trabalhos: C1 – trabalhos em que atividades de MM foram desenvolvidas, e C2 – estudos em que, no desenvolvimento das atividades de MM, o uso de TD foi evidenciado.

2. Coleta de dados: nesse estágio optamos por coletar um conjunto representativo de teses relevantes para responder ao problema. Assim, iniciamos por buscas no site da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), em que inserimos as seguintes palavras-chave: “Educação Matemática”, “Tecnologias” e “Modelagem Matemática”.

Nesse primeiro momento, datado entre os dias 04 e 05 de outubro de 2017, encontramos um total de 97 teses. Para os momentos seguintes Randolph (2009) sugere que, partindo de uma análise do título ou do resumo, podem-se incluir ou excluir trabalhos relevantes para responder ao problema de investigação. Nesse sentido analisamos as 97 teses, verificando se as 3 palavras-chave que elencamos para as buscas no BDTD estavam presentes implicitamente ou explicitamente nos títulos ou nos resumos. Nessa triagem, 9 teses foram selecionadas. No Quadro 1 apresentamos as escolhidas.

Quadro 1
Teses selecionadas na Coleta de Dados
AUTOR/ANO TÍTULO INSTITUIÇÃO
Javaroni (2007) Abordagem geométrica: possibilidades para o ensino e aprendizagem de Introdução às Equações Diferenciais Ordinárias Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP RIO CLARO)
Malheiros (2008) Educação Matemática online: a elaboração de projetos de Modelagem Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP RIO CLARO)
Beltrão (2009) Ensino de Cálculo pela Modelagem Matemática e Aplicações – Teoria e Prática Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)
DallaVecchia (2012) A Modelagem Matemática e a Realidade do Mundo Cibernético Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP RIO CLARO)
Borssoi (2013) Modelagem Matemática, Aprendizagem Significativa e Tecnologias: articulações em diferentes contextos educacionais Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Freitas (2013) A matematização crítica em projetos de Modelagem Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Furtado (2014) Avaliação do uso de tecnologias digitais no apoio ao processo de Modelagem Matemática Universidade Federal do Pará (UFPA)
Pereira (2015) A educação a distância e a formação continuada de professores de matemática: contribuições de um contexto formativo para a base de conhecimento docente Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP PRESIDENTE PRUDENTE)
Bustamante (2016) Modelagem matemática na modalidade online: análise segundo a teoria da atividade Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP RIO CLARO)
Fonte: BDTD, 2017

3. Avaliação de Dados: considerando o foco que estabelecemos – analisar os capítulos de resultados e conclusões relatados nas teses, e os critérios de inclusão C1 e C2 –, começamos a selecionar, nos resultados das nove teses, trechos acerca do desenvolvimento de atividades de MM e trechos acerca da ênfase que o trabalho dava ao uso de TD nesse desenvolvimento.

4. Análise e Interpretação dos Dados: interpretamos e sintetizamos os trechos selecionados no estágio 3, em resumos descritivos que nos permitiram dar sentido aos usos das TD no desenvolvimento de atividades de MM.

5. Apresentação pública: para Randolph (2009), esse é o momento de o pesquisador-autor decidir quais informações são mais relevantes e serão apresentadas e quais são menos relevantes e serão deixadas de fora. Nesse estágio selecionamos, nos resumos, informações que atendiam ao objetivo e ao problema de investigação da revisão de literatura. Elas serão apresentadas e discutidas nas duas próximas seções.

3 RESULTADOS ENCONTRADOS

Partindo do material que emergiu dos estágios de Randolph (2009), exporemos nesta seção resumos das teses nos quais pontuamos os usos de TD no desenvolvimento das atividades de MM. Esta seção vai ao encontro de parte do objetivo traçado neste trabalho, que é descrever os usos de TD no desenvolvimento de atividades de MM presentes em teses produzidas no período de 2007-2017.

No trabalho de Javaroni (2007) encontramos um foco na potência desencadeada pela informação visual. E nesse sentido, pontuando que as tecnologias promovem esse tipo de informação, a autora fala das experiências vivenciadas pelos alunos nas atividades de Aplicação e Modelagem, nas quais eles investigaram modelos matemáticos clássicos por meio de diferentes mídias que os auxiliaram na validação ou na refutação de conjecturas emergidas. Esse contexto foi configurado segundo elementos que variavam de lápis e papel a softwares (Winplot e Maple) e planilha eletrônica, e, imersas nesses usos, entrelaçavam-se discussões entre os alunos e a professora-pesquisadora acerca do desenvolvimento das atividades (coletivo pensante). Ainda sobre o uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nas atividades, Javaroni (2007) aponta que o fato de os alunos não terem anteriormente cursado disciplinas que fizessem uso de softwares em uma abordagem pedagógica resultou em dificuldades na manipulação dos programas para/no desenvolvimento de suas atividades.

Malheiros (2008) concretizou projetos de MM com grupos de alunos-professores no projeto TIDIA-Ae[5] numa perspectiva de Educação a Distância. Uma das principais funcionalidades das TIC relacionadas a esse trabalho envolveu a comunicação. Algo interessante destacado pela autora é que, mesmo sendo o ambiente TIDIA-Ae escolhido para os alunos-professores usarem no desenvolvimento de seus projetos de MM, eles acabaram migrando para o uso de outras, como o MSN messenger e o E-mail. A autora justificou que isso pode ter ocorrido pela questão da familiaridade, já que entre mídias novas e mídias já conhecidas, eles optaram por fazer uso das que já lhes eram familiares. No desenvolvimento dos projetos de MM três ações foram constantes, segundo a autora; interação-diálogo-colaboração, mediadas por diferentes recursos, como fórum, hipertexto, portfólio, e-mails, chat, MSN, Word, Excel, entre outros.

Inicialmente, Beltrão (2009) reconhecia o potencial de usar o computador para/nas atividades de MM e posteriormente ela constatou que sem ele muitas das propostas que desenvolveu com seus alunos não seriam viáveis. Beltrão (2009) aponta especificamente o uso do Excel para determinar as equações algébricas e o uso da integral para o cálculo do volume. Nas atividades a investigação de embalagens foi recorrente, e, em muitos casos, devido ao formato da embalagem não ter uma semelhança com sólidos geométricos conhecidos no campo da matemática, essa investigação recorreu ao uso de softwares que ajudavam a modificar essa imagem e às práticas matemáticas a partir dessas especificidades. Nesse contexto a autora destaca o uso da experimentação, da visualização e da simulação, ressaltando a importância que deve ser dada ao computador como material de apoio para a MM.

Dalla Vecchia (2012) pontuou episódios em que alunos construíram jogos eletrônicos por meio da linguagem de programação Scratch. Nesse contexto, o aluno, usando resultados fornecidos pelo computador, pôde verificar se aquele era ou não um resultado esperado. Em caso de resposta equivocada, ele, imerso em um grupo, pôde analisar os comandos inseridos no computador, procurando pelo ponto de erro que desencadeou aquele resultado. Outro episódio interessante se deu quando uma aluna estava montando um cenário para um jogo e precisava de um mapa. Primeiro ela pegou uma imagem da internet para se nortear; partindo dessa imagem, tentou desenhar à mão livre um mapa do zero; não satisfeita, ela resolveu aproveitar o mapa da imagem e alterar características, usando o Excel.

Nesse episódio a aluna, com o uso dos softwares, percebeu uma imagem; imaginou a partir da imagem percebida; manipulou as características da imagem original – enfim, o poder dinâmico e os múltiplos programas disponíveis refletiram na busca de referências e nas adaptações na construção de um cenário para o jogo eletrônico. E, acrescido a esse processo, estabeleceu-se o compartilhamento de ideias e proposições entre o professor-pesquisador e os alunos.

Na construção desses jogos o pesquisador considerou que o modelo matemático foi gerado a partir da linguagem de programação Scratch, que possui, embora não de forma direta, um embasamento matemático formal. Desse modo, linguagens computacionais podem ser usadas para compreender como a matemática permite a construção de mundos cibernéticos, a exemplo dos jogos construídos durante essa pesquisa de tese.

Segundo Dalla Vecchia (2012), os modelos aos quais os alunos chegaram, considerando o contexto da pesquisa, foram denominados de modelo matemático-tecnológico. Para o autor, esses modelos, por terem sua base nas tecnologias, podem incorporar em sua estrutura aspectos sonoros e visuais, incluindo características da língua falada, compondo assim um tipo de modelo diferente dos que comumente encontramos em atividades de MM, expressos por uma linguagem matemática formal.

No trabalho de Borssoi (2013), a autora entende o uso da tecnologia nas atividades de MM como uma parceria intelectual. Esse seu entendimento parte da experiência de seus alunos, ao usar o software Tracker para analisar vídeos de fenômenos que permitiram a construção de modelos. A autora pontua a importância que esse elemento trouxe para a dinâmica do grupo, considerando que boa parte dos alunos não se conhecia, e até mesmo não conhecia a professora-pesquisadora. Por isso, o recurso da videoanálise permitiu que trocassem ideias, sugestões, hipóteses acerca da situação-problema investigada. Nesse contexto Borssoi (2013) apontou interações percebidas entre as tecnologias e os alunos:

A primeira se remete ao ‘pensar junto com a tecnologia’, em que o uso do software configurou um sistema que gerou ideias, pensamentos e expressão de modelos mentais. Além desse papel de parceira, segundo a autora, a tecnologia assume um papel de colaboradora, que integra um grupo colaborativo. Sobre o uso do software Tracker, Borssoi citou como limitação o desconhecimento desse programa por parte dos alunos, mas ela corrobora que esse fato foi ótimo, pois o grupo de alunos pôde compreender o uso de mais uma ferramenta tecnológica.

A segunda interação percebida foi nomeada pela autora como “a tecnologia que acomoda”, em que os alunos se aproveitaram das tecnologias para reduzir esforço produtivo. Alguns alunos fizeram uso de programas para gerar um modelo de uma determinada situação, mas nessa ação não foi possível identificar o cálculo realizado, a MM, e tampouco a aprendizagem decorrente dessa atividade, os conceitos subsunçores mobilizados e/ou modificados, o que levou a professora-pesquisadora a questionar-se como seriam os procedimentos desses alunos sem o uso da tecnologia.

Sobre a terceira interação, “a tecnologia que desperta”, a autora pontua uma mudança no comportamento dos alunos, pois antes, os alunos eliminavam suas dúvidas via internet, para não perguntar para a professora-pesquisadora; e depois, solucionavam suas dúvidas via internet com a professora-pesquisadora. É perceptível aí um movimento em que os alunos usam dessa colaboração entre eles, a professora e a tecnologia, diante de suas necessidades.

Freitas (2013) apontou o uso do Excel por um grupo de alunos no processo de investigação de determinado fenômeno para elaborar simulações envolvendo as variáveis investigadas. Nesse contexto o autor destacou que o grupo de alunos, ao construir e manipular tabelas, inserir fórmulas na planilha, construir gráficos referentes às variáveis investigadas, configurou o pensar com tecnologias. O autor também ressaltou a importância da visualização gráfica no desdobramento da atividade de um grupo de alunos, na medida em que os alunos entenderam e enxergaram no gráfico características (valores negativos) que não condiziam com o comportamento das variáveis do fenômeno investigado, o que influenciou na tomada de decisão do grupo quanto à etapa de matematização do processo de MM.

Nesse contexto Freitas (2013) entendeu que o caráter instrumental da matemática, combinado com procedimentos educativos subsidiados pela experimentação e por novas tecnologias, potencializou e permitiu a construção de um ambiente investigativo, favorecendo o que o autor denominou de “matematização crítica”, que, segundo ele, está associada a uma matematização desenvolvida em projetos de modelagem. No entanto, a denominação “crítica” está vinculada a um processo de matematização voltado não apenas para a construção do modelo matemático, mas para discussão, análise e avaliação de processos que resultarão em um modelo capaz de representar uma determinada realidade recortada.

Furtado (2014) destacou alguns inconvenientes decorrentes de obstáculos advindos do uso das TD em atividades de MM. O autor esclarece que isso se deve ao não reconhecimento dessa tecnologia por parte do aluno, o que acabou por inibi-lo ao fazer uso dela e torná-la um obstáculo. Nesse contexto, o uso de TD foi um pré-requisito para desenvolver as atividades de MM pelos grupos de alunos e tornar seu uso constante durante o processo. O autor avalia que o uso de TD apresenta grande contribuição no processo de MM, por auxiliar na construção, na discussão e na validação do modelo matemático. Portanto, sugere a inserção de uma etapa formal no processo de MM para a utilização das TD.

Pereira (2015) discutiu o uso de TD no desenvolvimento de atividades de MM em uma perspectiva de Educação a Distância. Nesse cenário ele apontou algumas dificuldades, como problemas de estrutura, em que a conexão com a internet falhava, ou problemas derivados da falta de familiaridade dos alunos com a plataforma Moodle, espaço escolhido para o acompanhamento e o desenvolvimento das atividades. No entanto, Pereira (2015) também ressalta ferramentas da plataforma Moodle que favoreceram a colaboração, na medida que ensejava o compartilhamento, entre os alunos, de dificuldades na realização das atividades e de diálogos sobre conhecimentos e saberes, caracterizando, assim, uma aprendizagem colaborativa.

Bustamante (2016) destacou um uso combinado da internet e do programa GeoGebra, em que os sujeitos de sua pesquisa coletaram os dados iniciais acerca dos temas investigados, permitindo organizar esses dados em tabelas e, posteriormente, usar o GeoGebra na proposição de modelos para esses dados, configurando um processo contínuo de proposições e revisões do modelo. As atividades de MM foram desenvolvidas na modalidade online, em que o GeoGebra atuou, propondo modelos gráficos ou algébricos.

Partindo dos dados coletados via internet, os sujeitos da pesquisa tinham como comparar os resultados gerados por esses modelos. Essas ações e os retornos produzidos pelas tecnologias foram considerados pela autora como feedbacks, caracterizando o uso das tecnologias no processo de modelar como parceiras, ultrapassando a ideia de serem entendidas apenas como um simples artefato. Bustamante (2016) entendeu que os motivos e os interesses dos sujeitos impulsionaram a delimitação do problema, a proposta de variáveis e a obtenção de um modelo básico, todas essas etapas mediadas pelo uso de TD, configurando o que a autora denominou de modelagem online.

4 ANALISANDO OS RESULTADOS ENCONTRADOS

Nesta seção, agrupamos os resultados encontrados segundo as quatro implicações de Menezes, Espírito Santo e Braga (2017). Os autores descreveram implicações a partir de práticas de MM, em que o uso de TD se fez presente.

Nas teses de Javaroni (2007), Beltrão (2009) e Freitas (2013) encontramos indicações que ressaltam o uso de TD em uma abordagem visual, em que a visualização de informações em gráficos auxiliaram os alunos a conjecturar, avaliar e validar ações dentro das atividades a partir das imagens geradas, sendo mais contundente essa menção na tese de Freitas (2013), pois ele ressalta a importância de os alunos perceberem visualmente características das variáveis investigadas, que os auxiliaram na tomada de decisão dentro do processo de MM. Essas indicações convergem ao que pontuam Menezes, Espírito Santo e Braga (2017) acerca da primeira implicação, já que os alunos visualmente perceberam características dos dados coletados e apresentados nos gráficos, que interferiram na tomada de decisão no processo de MM.

Já nas teses de Beltrão (2009), Dalla Vecchia (2012), Borssoi (2013) e Freitas (2013), os autores mencionaram como a manipulação dos dados via TD ajudou os grupos de alunos a identificar e entender as variáveis abordadas segundo características da temática investigada, trazendo significado para o conhecimento aprendido e para os processos de simplificação do modelo matemático. Essa abordagem das TD permitiu que os alunos entendessem os conceitos matemáticos e os conceitos externos à Matemática, segundo os significados assumidos para o estudo das singularidades pertencentes a cada temática.

O uso de TD nesses trabalhos assemelha-se com a segunda e a terceira implicações caracterizadas por Menezes, Espírito Santo e Braga (2017), pois, quando os alunos manipularam modelos digitais a partir de ambientes virtuais gerados por diferentes TD, passaram a ter um conhecimento específico acerca das variáveis que caracterizavam as temáticas investigadas. Foi um conhecimento pontual, fruto de manipulações e interações derivadas das simulações.

Na maioria das teses analisadas os autores apresentam concepções acerca do uso de TD que ultrapassam seu entendimento em uma perspectiva apenas instrumental, reconhecendo que as TD também assumiram um papel de parceria no processo de MM. Em Javaroni (2007), Malheiros (2008), Dalla Vecchia (2012), Borssoi (2013), Pereira (2015) e Bustamante (2016), os pesquisadores ressaltam que as TD propiciaram uma rede colaborativa entre alunos, professores e elas mesmas, em torno da investigação de uma temática no contexto do desenvolvimento de atividades de MM. Essa ideia de colaboração é mais evidenciada nas pesquisas em que atividades de MM foram desenvolvidas na modalidade a distância, como no caso de Malheiros (2008), Pereira (2015) e Bustamante (2016).

O ambiente colaborativo, em que os sujeitos (professor e alunos) e as TD são entendidos como parceiros em torno da investigação de uma temática, vai ao encontro da quarta implicação traçada por Menezes, Espírito Santo e Braga (2017), que reconhece, no desenvolvimento de atividades de MM, a parceria entre os sujeitos que compõem o processo de ensino e aprendizagem, a tríade professor-aluno-TD.

Outras situações envolvendo o uso de TD no desenvolvimento de atividades de MM foram apontadas nas teses de Javaroni (2007) e Furtado (2014), como as dificuldades dos grupos de alunos no manuseio das TD, configurando, no processo de MM, limitações e obstáculos que precisaram ser superadas(os). Esses autores justificam tais entraves pela não familiaridade dos alunos com as TD usadas no desenvolvimento das atividades de MM, o que também é destacado por Borssoi (2013), quando do uso do software Tracker para videoanálise. No entanto, a autora entende que essa limitação foi positiva, pois se tornou uma forma de os alunos aprenderem a manusear um programa que não conheciam.

Na tese de Malheiros (2008) a questão da familiaridade também é evidenciada quando a autora fala que o grupo de alunos-professores, diante do ambiente virtual TIDIA-Ae, preferiu fazer uso de ferramentas que já lhes eram familiares, como o MSN messenger e o E-mail, para comunicar-se. As escolhas de tecnologias próximas dos alunos, em detrimento de outras mais recentes, como as TD, também foram percebidas em Javaroni (2007), ao destacar as ferramentas usadas pelos alunos, que oscilavam: ora usavam TD, ora comprovações feitas com o uso de papel e lápis.

A descrição e a análise dos usos de TD em atividades de MM nas teses de Javaroni (2007), Malheiros (2008), Beltrão (2009), Dalla Vecchia (2012), Borssoi (2013), Freitas (2013), Furtado (2014), Pereira (2015) e Bustamante (2016) apontam uma evolução nos usos das TD, com o passar do tempo: elas deixaram de ser encaradas como mais uma ferramenta disponível para modelar, passando a ser vistas como parceiras e indispensáveis no contexto atual de MM. Na próxima seção aprofundaremos essa ideia, justificando-a a partir dos caminhos escolhidos para a configuração deste artigo.

5 CONSIDERAÇÕES E NOVOS CAMINHOS

Este artigo visou descrever e analisar os usos de TD no desenvolvimento de atividades de MM. Para isso, questionamos na literatura de que forma os usos de TD no desenvolvimento de atividades de MM estão presentes em teses produzidas no período de 2007-2017. Para responder a essa questão, analisamos os trabalhos selecionados segundo as implicações de Menezes, Espírito Santo e Braga (2017), acrescidas da implicação das dificuldades no manuseio de TD, interferindo no desenvolvimento de atividades de MM, como indicado no Quadro 2.

Quadro 2
Agrupamento dos trabalhos segundo as implicaçõe
Visualização dos dados com TD Manipulação dos modelos digitais Conhecimento pontual derivado da temática investigada Colaboração entre professor, alunos e TD Dificuldades no manuseio de TD
Javaroni (2007) X X
Malheiros (2008) X
Beltrão (2009) X X X
Borssoi (2013) X X X X
Freitas (2013) X X X
Furtado (2014) X
Pereira (2015) X
Bustamante (2016) X
Fonte: autores

Percebemos que os usos das TD em atividades de MM foram desde potencialidades mais específicas e técnicas, como plotar um gráfico, fazer cálculos, propor modelos, até algo mais profundo, como favorecer a interação entre os alunos e os professores e a colaboração, ajudar a pensar com as tecnologias. As TD transitaram entre serem entendidas pelos pesquisadores apenas como artefatos para serem entendidas como parceiras indispensáveis no desenvolvimento das etapas do processo de MM.

Essa necessidade do uso de TD em atividades de MM foi evidenciada explicitamente por alguns. Em sua tese, Beltrão (2012) ressalta a importância que deve ser dada ao computador como material de apoio para Modelagem. Assim também a tese de Furtado (2014) sugere a inserção de uma etapa formal no processo de MM para a utilização das TD. Esse reconhecimento da importância do uso das TD em atividades de MM reflete o momento de transição que estamos vivendo atualmente e a influência que a cultura digital exerce sobre nossas atividades do dia a dia, no nosso modo de pensar, estudar, e, nesse caso, de desenvolver atividades de MM.

Uma questão que observamos em alguns trabalhos foi como o processo de MM foi ressignificado pelos autores em razão das características teóricas e práticas assumidas nas teses. Por exemplo, em seu trabalho, Dalla Vecchia (2012), influenciado pelo processo de modelagem de jogos eletrônicos que envolveu a linguagem de programação Scratch, cunhou o termo “modelo matemático-tecnológico”. , Outra situação similar aconteceu na tese de Freitas (2013), que classificou um ambiente investigativo em que se favoreceu o caráter instrumental da matemática combinado com abordagens educativas imersas na experimentação via novas tecnologias como “matematização crítica”. No trabalho de Bustamante (2016), por terem as atividades sido desenvolvidas na modalidade online, a autora as denominou “modelagem online”. Assim, há concepções de MM influenciadas pelas vivências teóricas e práticas dos pesquisadores que ressignificaram etapas do processo e da própria MM.

Essas observações apontam novos questionamentos, que podem ser absorvidos em pesquisas futuras, como a possibilidade de se pensar não apenas todo o processo de MM subsidiado pelas TD, mas também as mudanças teóricas e procedimentais que essa perspectiva traria para o processo de MM.

Referências

ALMEIDA, L. M. W. de; SILVA, K. A. P. da; VERTUAN, R. E. Modelagem Matemática na Educação Básica. São Paulo: Contexto, 2012.

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BELTRÃO, M. E. P. Ensino de cálculo pela Modelagem Matemática e Aplicações-Teoria e Prática. 2009. 320f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, São Paulo, 2009. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/11394 . Acesso em: 13 nov. 2017

BIEMBENGUT, M. S. Modelagem na Educação Matemática e na Ciência. 1. ed. São Paulo: Livraria da Física, 2016.

BORSSOI, Adriana Helena. Modelagem matemática, aprendizagem significativa e tecnologias: articulações em diferentes contextos educacionais. 2013. 256f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Universidade Estadual de Londrina - UEL, Londrina, 2013. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.uel.br/document/?code=vtls000187807 . Acesso em: 10 nov. 2017

BUSTAMANTE, J. E. G. Modelagem matemática na modalidade online: análise segundo a teoria da atividade. 2016. 213f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP, Rio Claro, 2016. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/145532 . Acesso em: 10 nov. 2017

DALLA VECCHIA, R. A Modelagem Matemática e a realidade do mundo cibernético. 2012. 275 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- UNESP, Rio Claro, 2012. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/102151 . Acesso em: 10 nov. 2017

FREITAS, W. S. de. A matematização crítica em projetos de modelagem. 2013. 260f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Belo Horizonte, 2013. Conferir. No texto está 2013. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/BUOS-99JGQV . Acesso em: 10 nov. 2017

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Notas

4 Para mais informações sobre a parceira assumida entre professor, alunos e TD em atividades de MM, consultar Menezes, Braga e Espírito Santo (2019).
5 Tecnologias da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada – Aprendizado eletrônico.

Autor notes

1 Doutorando (com Bolsa CAPES entre 2017 e 2019) e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemáticas (PPGECM) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor de Matemática vinculado a 14ª Unidade Regional de Educação (14ª URE-Capanema) da Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC-PA), Capanema, Pará, Brasil. Endereço para correspondência: Tv Três Irmãos, 42, São Pio X, Capanema, Pará, Brasil, CEP: 68702-100.
2 Doutora em Educação em Ciências e Matemáticas pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora Adjunta na Faculdade de Matemática, do Campus Universitário de Castanhal (CUNCAST) da Universidade Federal do Pará (UFPA), Castanhal, Pará, Brasil. Endereço para correspondência: Av. dos Universitários, S/N, Jaderlândia, Castanhal, Pará, Brasil, CEP: 68746-360.
3 Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor Titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), e Coordenador Geral do Campus Universitário de Salinópolis (Campus Salinópolis-UFPA), Salinópolis, Pará, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Raimundo Santana Cruz, S/N, São Tomé, Salinópolis, Pará, Brasil, CEP: 68721-000.

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