(De)colonialidade discursiva
Uma reflexão sobre os processos de regulação e normalização da escrita no campo acadêmico-científico
Resumo
Neste artigo, buscamos discutir alguns aspectos da colonialidade e movimentos de decolonialidade do saber manifestos no campo acadêmico-científico, bem como a dinâmica dos regimes de controle da escrita acadêmica. Debatemos o modo como o campo acadêmico-científico se formou a partir do paradigma científico da modernidade, fundado na colonialidade do saber, dando origem a uma espécie de geopolítica do conhecimento. Tomamos o campo acadêmico-científico como um espaço social estruturado que convenciona práticas e posições de sujeito, tendo como principal objetivo regular os processos de produção, circulação e consumo dos saberes científicos, profissionais e tecnológicos. Desse campo, se originam microcampos diversos (área de conhecimento, universidades, departamentos etc.) que se desdobram em comunidades discursivas, nas quais são estabelecidos dispositivos de regulação e normalização para os modos de fazer e de relatar pesquisas. Um ponto chave que perpassa toda essa discussão é a colonialidade expressas em práticas nortecentradas, que hierarquizam saberes, discursos e identidades. Buscamos analisar os traços de colonialidade presentes nos instrumentos de regulação e de normalização da escrita acadêmica, que reforçam e naturalizam certos modos de construir, relatar e disseminar o conhecimento. Assumimos uma posição política declarada em favor da decolonização do campo acadêmico-científico. Enfatizamos, nessa proposta decolonial, duas questões fundamentais: a) a necessidade de ressignificação do lugar ocupado pelos saberes e identidades subalternizados pela colonialidade do saber; e b) necessidade de mudança nas práticas discursivas acadêmicas, a fim de que se garanta espaço para emergência de uma nova escrita acadêmica, aberta a novos gêneros discursivos ou à insurgência em gêneros já consagrados.
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