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PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS NO EXEMPLO DO PROJETO ERVA MEDICINAL – FARMÁCIA VIVA: ESCOLA FLORESTAN FERNANDES, EM CLÁUDIA (MT)
Patrícia Rosinke; Maria Luiza Troian; Edna Lopes Hardoim;
Patrícia Rosinke; Maria Luiza Troian; Edna Lopes Hardoim; Germano Guarim Neto
PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS NO EXEMPLO DO PROJETO ERVA MEDICINAL – FARMÁCIA VIVA: ESCOLA FLORESTAN FERNANDES, EM CLÁUDIA (MT)
PRESERVATION OF TRADITIONAL KNOWLEDGE IN THE EXAMPLE OF THE PROJECT ERVA MEDICINAL - FARMÁCIA VIVA: SCHOOL FLORENTAN FERNANDES, IN CLÁUDIA (MT)
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 7, núm. 1, 2019
Universidade Federal de Mato Grosso
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Resumo: Este artigo apresenta uma pesquisa que visou conhecer e identificar a importância que tem, na comunidade local, o Projeto Ervas Medicinais: Farmácia Viva, desenvolvido na Escola do Campo do Assentamento de Reforma Agrária da região Norte do Mato Grosso. O Assentamento 12 de Outubro foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 2010. A pesquisa foi de abordagem qualitativa e teve como sujeitos dois professores e duas turmas de alunos da escola, envolvidos diretamente no projeto. O objetivo estava em conhecer a dinâmica de desenvolvimento assim como compreender a importância desse projeto na preservação de saberes populares sobre plantas e na saúde da comunidade local. Para a produção de dados deste trabalho, utilizaram-se entrevistas semiestruturadas com os professores e roda de conversa com os alunos. Mesmo diante dos desafios para melhorias, por meio desta pesquisa, verificamos que o projeto mostrou-se com grande potencial para o desenvolvimento de habilidades que permitem conscientização em prol da preservação dos saberes populares que as famílias do assentamento têm.

Palavras-chave: saberes populares, plantas medicinais, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Abstract: This article presents a research that aimed to know and identify the importance of the Medicinal Herbs Project: live pharmacy, developed in the Field School of Agrarian Reform Settlement in the northern region of Mato Grosso. The Settlement 12th October was organized by the Landless Rural Workers Movement (MST), in 2010. The research was qualitative approach and had as subjects two teachers and two classes of school students, directly involved in the project. The objective was to know the dynamics of development as well as to understand the importance of this project in the preservation of popular knowledge about plants and the health of the local community. For the production of data of this work, we used semi-structured interviews with the teachers and a conversation with the students. Even in the face of the challenges for improvement, through this research, we verified that the project showed great potential for the development of skills that allow awareness for the preservation of the popular knowledge that the families of the settlement have.

Keywords: popular knowledge, medicinal plants, movement of landless workers.

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PRESERVAÇÃO DOS SABERES TRADICIONAIS NO EXEMPLO DO PROJETO ERVA MEDICINAL – FARMÁCIA VIVA: ESCOLA FLORESTAN FERNANDES, EM CLÁUDIA (MT)

PRESERVATION OF TRADITIONAL KNOWLEDGE IN THE EXAMPLE OF THE PROJECT ERVA MEDICINAL - FARMÁCIA VIVA: SCHOOL FLORENTAN FERNANDES, IN CLÁUDIA (MT)

Patrícia Rosinke1
Universidade Federal de Mato Gross, Brasil
Maria Luiza Troian2
UNISINOS, Brasil
Edna Lopes Hardoim3
UFSCAR, Brasil
Germano Guarim Neto4
INPA, Brasil
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 7, núm. 1, 2019

Recepção: 21 Março 2019

Aprovação: 04 Maio 2019


1. INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta uma pesquisa realizada na Escola do Campo do Assentamento de Reforma Agrária da região Norte do Mato Grosso, que visou conhecer e identificar a importância que tem, na comunidade local, o Projeto Ervas Medicinais: Farmácia Viva. No período em que realizamos esta pesquisa, o projeto em estudo já estava em seu terceiro ano de desenvolvimento e, ao planejarmos as ações in loco, definimos como principais objetivos identificar as contribuições pedagógicas e fatores motivacionais para que os professores da escola idealizassem e desenvolvessem este projeto com plantas locais, no âmbito da escola do Assentamento, e observar de que forma estavam lhe dando continuidade visando, assim, identificar suas contribuições para uma educação significativa e transformadora na vida dos alunos envolvidos.

Diante dos objetivos a que nos propusemos, mais especificamente quanto a conhecer o projeto e identificar suas contribuições na preservação dos saberes tradicionais da comunidade do Assentamento, escolhemos a pesquisa de abordagem qualitativa, cujos sujeitos foram duas turmas de Ciências da escola e dois professores envolvidos diretamente no projeto. Para a produção de dados deste trabalho, foi necessária a utilização de entrevistas semiestruturadas com os professores, visando ao contato e diálogo com eles e a realização de roda de conversa com os alunos.

O projeto, objeto desta pesquisa, iniciou no ano letivo de 2016, com alunos do quarto e quinto ano da escola e continuou sendo desenvolvido posteriormente. De acordo com a organização da escola, existe uma sala com alunos de quarto e quinto ano juntos, o que se chama de sala multisseriada. Em 2016, na sala havia 16 alunos e, em 2017, 14 alunos. O projeto faz parte da proposta pedagógica da escola que se fundamenta na Pedagogia da Libertação e da Autonomia de Paulo Freire, cuja proposta é que os alunos sejam sujeitos participativos e ativos na escola, que a escola seja espaço de referência e parte integrante da comunidade e o conhecimento emancipador e com função social.

Assim, apresentamos inicialmente o Assentamento 12 de Outubro, bem como a Escola Florestan Fernandes, local em que estivemos presentes em três visitas no ano de 2018. Na ocasião, visamos conhecer o contexto local e o trabalho que os dois professores de Ciências desenvolvem com os alunos e com a integração da comunidade como um todo; além disso, buscamos desenvolver nossa pesquisa a respeito do Assentamento, para analisar a importância que ele tem quanto à manutenção de saberes tradicionais sobre as plantas medicinais.

2. O CONTEXTO DA PESQUISA E A BASE TEÓRICA

O contexto da pesquisa envolveu o Assentamento 12 de Outubro e a Escola Estadual do Campo Florestan Fernandes, local em que ocorre o projeto Erva Medicinal: Farmácia Viva. Como base teórica para construção do objeto de estudo e análise dos dados, trabalhou-se com a Pedagogia da Autonomia, numa perspectiva de educação transformadora de Paulo Freire (1997), a Pedagogia do Movimento dos Trabalhadores sem Terra e a relação com o saber de Bernard Charlot (2000).

2.1. O Assentamento de Reforma Agrária 12 de Outubro

O Assentamento 12 de Outubro foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 1985, no sul do Brasil e atualmente apresenta abrangência nacional. O MST tem por objetivo a reforma agrária, que vai além da conquista da terra, por combater o latifúndio.

Dentre os interesses do movimento, estão a produção de alimentos saudáveis, a educação emancipatória e transformadora, a formação política, humana, economia solidária, cooperativismo e agricultura familiar, conforme encontramos em “Quem somos” (no Portal MST MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA).

A consolidação do MST, no Estado de Mato Grosso, tem como base histórica a ocupação da fazenda Aliança no município de Pedra Preta, em 1995. Em 2003, com apoio de professores da Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT) e sindicatos, as famílias de trabalhadores rurais do Movimento organizaram a primeira ocupação na região norte do estado, em Sinop, na fazenda Agroquímica e, em 2004, ocuparam a fazenda Panorama, onde hoje é o Assentamento 12 de Outubro.

Nos municípios de Sorriso, Sinop, Cláudia, mais ao norte do estado de Mato Grosso, cujo principal acesso via terrestre ocorre pela rodovia BR−163, a aproximadamente 400 Km da capital do estado (Cuiabá), há uma extensa área plana de terra fértil. Tal área é de interesse agropecuário há anos, porém grande parte das áreas ainda pertenciam à União e deveriam ser destinadas à reforma agrária.

Tratando-se da atração por estas terras, com a chegada dos latifundiários, também houve e ainda hoje há consequências ao meio ambiente em função da devastação da floresta, causada inicialmente pelo extrativismo da madeira. Com o passar de alguns anos, devido à escassez da madeira, a atividade foi tornando-se economicamente inviável, passando para agropecuária de corte e, atualmente, para o agronegócio de soja, milho e outros grãos; ação que acarreta em quase extinção de várias espécies de animais e plantas e destruição dos rios, com alto índice de agrotóxico.

Em 2004, o Movimento (MST) iniciou a negociação da fazenda Panorama, para a consolidação do Assentamento 12 de Outubro, às margens da BR−163, no município de Cláudia (MT), região da Amazônia Legal. Foi uma negociação feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que resultou em uma ocupação pacífica. Porém, alguns dias após a ocupação, os assentados tiveram de se retirar em função de um processo judicial de reintegração de posse. Foram mais seis meses acampados às margens da BR−163, com várias manifestações de luta e, em dezembro de 2007, com muita audácia, organização e resistência, as famílias do Movimento (MST) ocuparam a sede da fazenda, até que um ano depois a área foi decretada ao assentamento.

O assentamento em questão possui uma área de 8.721,212 hectares, distribuídos em 187 lotes de 12 ha; e o restante da área se configura em área de Reserva Legal (ARL) e de Preservação Permanente (APP), banhado pelo rio Panorama que deságua no rio Teles Pires.

Devido à morosidade do INCRA, em 2009, os lotes foram parcelados pelas próprias famílias, porém até então essas famílias não receberam nenhuma forma de desenvolver a produção. Considerando que a área aberta era área de pastagem, sem recursos e maquinários, a produção fica reduzida e comprometida; salienta-se também que a falta de energia elétrica (que chegou apenas em 2014) também é outro fator que comprometeu a consolidação da ocupação e a produção agrícola. Assim, a consolidação do assentamento resulta de muita organização, luta e resistência das famílias.

Seguindo a filosofia do MST, as famílias se organizam e buscam alternativas de produção. Criaram a Cooperativa dos Produtores Agropecuários da Região Norte do Estado de Mato Grosso (COPERVIA), que desenvolve diversos projetos com foco na organização produtiva, com destaque no Sistema Canteiros de Comercialização Sociossolidária Agroecológica (CANTASOL). Essa cooperativa iniciou, em parceria com a Universidade Estadual (UNEMAT) e a escola do Assentamento, a comercialização dos produtos via site específico. Surgiu, também, o Coletivo de Mulheres Amazônia Livre, que conseguiu um barracão com cozinha industrial para produção de massas, doces e conservas. Assim, os assentados têm sua economia com base na coleta de castanha, da produção de hortaliças, leite e derivados, criação de frango, entre outros de base da produção familiar.

2.2. Escola Estadual do Campo Florestan Fernandes

Uma das preocupações sempre presentes no contexto do Movimento, em seus assentamentos, é a educação. Crianças, jovens e adultos precisam estudar. Assim, já nas primeiras semanas de acampamento, foram realizadas reuniões para a construção da escola do acampamento, que geralmente é feita de cobertura de lona. A partir desses momentos, pessoas envolvidas com a educação procuram a secretaria de educação do município para fazer valer o direito do acesso e permanência na escola, no campo.

Em 2007, ainda acampados às margens da BR−163, os moradores já haviam organizado o setor de educação. As crianças e jovens eram levadas para estudar em escola urbana, porém já surgira no acampamento a primeira turma de alfabetização de Jovens e Adultos. Em 2008, seguindo a ideologia do MST, as famílias reivindicaram a escola no assentamento e eles mesmos construíram a primeira estrutura física onde iniciaram as aulas com 15 alunos, como salas anexas de uma escola municipal de Claudia (MT). Em 2012, a escola passou a ser Escola Estadual do Campo Florestan Fernandes.

Atualmente, há 140 alunos matriculados na Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. Seu Projeto Pedagógico acompanha a Pedagogia do MST por entender que constitui a base de todo o processo de luta, de formação humana, uma educação transformadora.

2.3. A Pedagogia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

A pedagogia do MST tem como base a pedagogia freireana, ou seja, uma pedagogia que abarca os princípios de Paulo Freire, dentre os quais a escola é um espaço de intencionalidades. Para esse movimento pedagógico, os alunos “não cabem na escola”, mas a estabelecem com uma dimensão de espaço de formação de sujeitos humanos – dos alunos, sujeitos de aprendizagem –, formação que não começa e nem termina na escola.

A aprendizagem transcende para a vida do aluno, a formação crítica, transformadora. Uma pedagogia da produção de sujeitos sociais, em que, conhecimentos estão atrelados à coletividade, através de processos políticos e socioculturais, que compõem sua dinâmica como produto e agente particular da sociedade. (CALDART, 2004, p. 317.)

Reforça-se o lugar das relações sociais nos processos de formação humana: na escola, o trabalho e as práticas produtivas ocupam um lugar central no processo educativo, abre espaços de diálogos, questionamentos, inquietações, pesquisa, elaboração de projetos, relações que se estabelecem com novos saberes. Assim, na intencionalidade pedagógica do MST, a escola não é o centro do processo educativo, o processo educativo transcende o espaço da escola, envolvendo os espaços do viver, do trabalho, da relação com a terra, porém a escola mantém-se como espaço de formação humana, espaço da comunidade, de fortalecimento de um projeto político de sociedade. Esse local é um espaço em que o aluno se percebe como sujeito educativo, de produção de seres humanos que se constituam como sujeitos sociais.

2.4. A Pedagogia da Autonomia – Paulo Freire

Uma das teorias que fundamentam a pedagogia do Movimento - os ensinamentos do educador Paulo Freire - ao trabalhar a Pedagogia da Autonomia, lembra-nos de vários elementos importantes para a construção do ambiente de aprendizagem.

Segundo Paulo Freire, a escola tem a importante função de estimular a chamada ‘curiosidade ingênua’ trazida pelos alunos, promovendo a ‘curiosidade epistemológica’ entre esses. Tal processo não acontece automaticamente, mas é no fazer, na participação, na experiência, na relação com os saberes que já possuem e que fazem sentido que os alunos se mobilizam para a construção de novos conhecimentos. Assim também, ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.

Levar o aluno a assumir-se como ser histórico, social, como ser pensante, comunicante, transformador, criado e “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1997, p. 57). Ensinar, para Freire, exige o respeito à autonomia de ser do educando e a convicção de que a mudança é possível, a assunção de que o aluno não é somente um objeto da história, e sim sujeito dela. Ele constrói a escola, ele participa da organização do ambiente escolar, da busca por instrumentos para construção de conhecimentos, da pesquisa, da produção.

Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo com luvas nas mãos, constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para inserção, e implica decisão, escolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. De estudar, descomprometidamente como se misteriosamente, de repente, nada tivesse a ver com o mundo, um lá de fora, e misterioso mundo, alheio de nós e nós dele. (FREIRE, 1997, p. 80)

Ensinar exige curiosidade, sendo essa alicerçada na capacidade de tomar distância do objeto, avaliar, questionar, observar, instigar, criar hipóteses, comparar, perguntar, elaborar problemas, construir projeto, planejamento, fazer, agir, criar, produzir. É no diálogo entre professores e alunos que se constrói um ambiente propício para despertar a curiosidade, a pesquisa, para o planejamento de ações, na perspectiva da formação humana.

2.5. A relação com o saber – Bernard Charlot

De acordo com Charlot (2000), a relação com o saber é uma relação social com o saber. Relações de saber são as relações sociais do ponto de vista de aprender fundadas entre as diferenças de saber. Médico e paciente, professor e aluno, pais e avós e crianças, cada um mantém uma relação com o saber, e todos estabelecem, nesta relação, relação de saber.

As relações de saber se estabelecem nas relações sociais, de grupos sociais diferentes. Fazer parte de certo grupo é o que estimula, ou obriga, tais pessoas a estabelecer relação com certas formas de saber. Cada um ocupa uma posição na sociedade, que é também uma posição do ponto de vista do aprender e do saber.

O aluno precisa estar mobilizado para que se estabeleça a relação com o saber escolar. No caso desta pesquisa, a relação de saberes com pessoas que possuíam saberes populares sobre as plantas medicinais. Desta forma, a partir desses saberes, foi mobilizada a relação com os saberes formais, tais como os nomes científicos das plantas, a classificação das plantas, entre outros, envolvendo cálculos matemáticos, formas geométricas, reações químicas.

Já a relação com o saber é a relação desta pessoa com o aprender, que se constrói em relações sociais de saber, na relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo.

É importante lembrar-se de que a construção de conhecimentos é uma ação subjetiva da pessoa na sua relação com o mundo, com os outros e consigo mesma: com o mundo, nas suas vivências, observações da natureza, dos fatos, das coisas; com os outros, nas relações sociais com a família, amigos, comunidade, escola, entre outros; e consigo mesma, com as ações cognitivas, na relação com os conhecimentos que já possui, comparações, classificação, seriação, negação, raciocínio lógico, enfim, ações subjetivas, próprias e específicas de cada pessoa, mas que precisam estar mobilizadas para aprender e estabelecer a relação com o saber.

3. METODOLOGIA DA PESQUISA

Para o desenvolvimento metodológico, utilizou-se da pesquisa de abordagem qualitativa, que se apresenta neste texto na forma descritiva, cujo objetivo principal esteve em compreender a importância deste projeto para alunos, comunidade escolar e famílias dos alunos, para a preservação dos saberes tradicionais desta comunidade de assentados, bem como sua contribuição na melhoria das aprendizagens escolares e nas relações pedagógicas que as interações proporcionaram.

Ao se optar pela pesquisa qualitativa, busca-se explicar o porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito, “mas não se quantificam os valores e as trocas simbólicas nem se submetem à prova de fatos, pois os dados analisados são não-métricos (suscitados e de interação) e se valem de diferentes abordagens” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 32).

Para o levantamento de dados, junto aos sujeitos, optou-se pelo uso de entrevista semiestruturada, sendo uma forma de organizar uma conversa face a face com os professores colaboradores bem como para nortear um diálogo com os alunos, de forma organizada, procurando direcionar as conversas para as questões que tínhamos interesse, sem deixar de considerar eventuais adições às conversas. Para Moreira e Caleffe (2008, 169), esse tipo de técnica consiste de perguntas pré-elaboradas, envolve um grau de negociação entre o entrevistador e os participantes e confere certa liberdade visto que, por não ser fechada, contempla itens a serem discutidos na entrevista, e permite que o entrevistador seja livre para deixar os entrevistados desenvolverem as questões no seu tempo, o que possibilita maior abertura no diálogo.

Para as análises, os dados obtidos foram transcritos e organizados, buscando-se a complementaridade dos dados da conversa realizada com os professores e com os alunos, de acordo com os objetivos de compreender a dinâmica do projeto e destacar quais foram as contribuições deste projeto para a preservação dos saberes tradicionais da localidade.

Dessa maneira, produziram-se previamente roteiros para alunos das turmas de Ciências Naturais, de quarto e quinto ano, que desenvolveram o Projeto, e para dois professores de Ciências dessas mesmas turmas, na forma de entrevistas semiestruturadas. As conversas com os alunos envolveram aqueles da Turma A que chamamos de primeira turma do projeto (Turma A), e aquela a que chamamos de turma atual (Turma B). Assim, pensando em estabelecer alguns comparativos entre ambas, que pudessem contribuir para as perspectivas de continuidade, apresentadas pelos professores, as conversas com as turmas foram gravadas apenas em áudio e, posteriormente, transcritas na íntegra. Já as conversas com os professores foram registradas em anotações em caderno de campo.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

O projeto Erva Medicinal: Farmácia Viva, que se constitui objeto desta pesquisa, iniciou na escola no ano de 2016 e está em andamento até então. Para o primeiro contato, a expectativa esteve em compreender o contexto geral da escola e do projeto; já na segunda visita, foi realizada uma entrevista/conversa com os dois professores envolvidos no projeto: a professora que idealizou o projeto com os alunos no ano de 2016 e o professor que desenvolve o projeto com os alunos de quarto e quinto ano do ano letivo de 2018, e roda de conversa com os alunos.

O Projeto em questão foi idealizado pela professora de Ciências Naturais da turma de quarto e quinto ano da escola do Assentamento, no início do ano letivo de 2016, enquanto discutiam acerca de viroses mais comuns entre os alunos, como a gripe; então, a participação dos estudantes em relatar remédios caseiros feitos com plantas dos próprios quintais, geralmente, baseia-se em receitas de seus avós ou pais. Assim, o projeto envolveu entrevistas com os familiares e vizinhos, bem como o cultivo das mudas na própria escola. Além disso, em aulas de Ciências, os alunos confeccionaram cadernos de campo, onde anexavam parte da planta seca utilizada, e faziam a complementação científica, pela busca nome/identificação e propriedades, e descreviam a forma de preparo do remédio feito a partir da planta e a respectiva forma de utilização.

4.1. Relatos da participação no projeto a partir do diálogo com os professores

Como uma forma organizada de gerar dados mais concretos para este texto, foi elaborado um roteiro do tipo entrevista semiestruturada, para a conversa com os professores, que segue na tabela abaixo:

Tabela 1
Questões para dialogar com os professores/autores do Projeto

Fonte: Da Metodologia – produção de dados das escritoras.

Durante o diálogo, os dados foram anotados e passam a ser descritos. Algumas informações iniciais foram obtidas antes do início do enfoque às questões, tais como: o projeto teve início em 2016 com uma turma de quarto e quinto ano do Ensino Fundamental, com um total de 16 alunos; e, no ano de 2018, a turma teve outros 14 alunos trabalhando no projeto. São alunos filhos das famílias assentadas, estão devidamente matriculados na escola local (escola municipal de Cláudia/MT) e ingressam mediante matrícula.

Para compreendermos as contribuições do Projeto desenvolvido pelos dois professores, nas aulas de Ciências Naturais, junto às turmas de quinto e sexto ano da escola do Assentamento, marcamos uma visita à escola, em que agendamos uma conversa na forma de entrevista semiestruturada com os professores. Dessa forma, houve um diálogo que nos trouxe um conhecimento maior sobre o Projeto das Plantas Medicinais. A conversa foi realizada com tranquilidade, as respostas obtidas para cada questão foram registradas em caderno de campo. Seu relato consta a seguir.

Ao fazermos a primeira questão (Q1), as respostas foram de que o desenvolvimento do Projeto desperta nos alunos uma motivação para a criatividade, a curiosidade, tanto que o nome do Projeto foi dado pelos alunos; instiga-os a buscarem novos conhecimentos sobre as plantas que muitos deles não conheciam, embora já as utilizassem em suas casas. O projeto também proporcionou maior diálogo familiar, até mesmo nos períodos de férias, quando eles iam passear em casa de seus familiares, acabavam trazendo novidades com relação aos saberes sobre as plantas medicinais dos quintais dos parentes.

Com relação à segunda questão (Q2), as respostas sobre as dificuldades foram principalmente quanto ao cultivo das plantas na escola. Mencionaram que algumas mudas foram mal tiradas, houve erros na manutenção e irrigação, e que o período das férias longas, infelizmente, causou a morte de mudas; porém, várias ainda permanecem plantadas nos pneus que ornamentam o pátio da escola, na perspectiva de serem levadas à horta, ainda neste ano.

Na sala de aula, as dificuldades principais estavam entre os próprios professores que, por não conhecerem todas as plantas, precisavam buscar as informações para trabalhar com os alunos. Isso era feito com pesquisas na internet, no ambiente escolar e, considerando que a maioria dos alunos não tem acesso à internet em suas casas, aos poucos conseguiam catalogar as plantas pelo nome científico e popular, descrever suas utilidades e princípios medicinais, além da dose e modo de preparo. Para as informações sobre modo de preparo, indicação e nome popular, a principal fonte de pesquisa foram os familiares e membros da comunidade escolar.

Quanto às perspectivas, falou-se na mudança das plantas para a horta escolar e na sua ampliação ainda neste ano. Os professores disseram que a participação dos alunos é boa e que, inicialmente, o projeto fora pensado para ser desenvolvido na educação de jovens e adultos, porém acabou iniciando com as turmas de quarto e quinto ano; fato que avaliaram ter sido positivo, pelo envolvimento das crianças com o projeto e estudos relacionados. Observaram que, nas reuniões de pais, muitos falavam do projeto, reparavam as plantas no quintal da escola, estavam motivados. Isso gera boas perspectivas para a continuidade do trabalho.

Sobre a terceira questão (Q3), com relação aos conhecimentos escolares, houve maior desenvolvimento das linguagens, principalmente da escrita, envolvendo nomes científicos e a própria organização do Caderno de Campo de cada aluno. Na Biologia, também houve maior interesse e, na Matemática, quando se trabalhavam as proporções, doses das plantas e modo de consumo.

Na quarta questão (Q4) − sobre as relações pedagógicas −, mencionou-se maior diálogo em casa, com familiares. Também no espaço escolar, quando fizeram entrevistas, com os colaboradores da escola em geral, sobre as plantas que estes costumam utilizar e suas finalidades, foi observado que algumas plantas já existem até mesmo no quintal e em torno da escola, como a fruta-pão (Artocarpus communis), que alguns já tinham usado para curar os chamados “furúnculos”.

Também houve bom engajamento dos alunos no cuidado com as plantas; por exemplo, fizeram uma escala para cuidar e irrigar no período de seca e de férias e foram utilizados vídeos explicativos em sala de aula, o que contribuiu para o desenvolvimento do projeto.

4.2. Relatos da participação no projeto a partir do diálogo com os alunos

Para a obtenção dos dados, inicialmente foi agendada a ida até a escola, bem como a conversa com a Direção, o que ocorreu no final do primeiro semestre de 2018. Nesse dia, estivemos conhecendo a escola, dialogando com a Direção e passamos o período da tarde juntamente com os alunos e professores da escola, visitando as instalações (salas de aula, refeitório, horta, pátio etc.). A possibilidade de conhecermos o Assentamento se deu em função das parcerias entre as Universidades Estadual e Federal de Mato Grosso, UNEMAT e UFMT, respectivamente; já existiam projetos vinculados entre ambas, tais como o CANTASOL – Canteiros de Sabores e Saberes (da UNEMAT) – e o Projeto Inspire-se: atitudes que transformam realidades, projeto de extensão coordenado por docentes da UFMT, campus de Sinop, que desenvolve várias atividades junto à Escola Florestan Fernandes no Assentamento em questão.

Após consentimento da Direção e Coordenação da Escola, diante da aceitação espontânea dos professores e dos pais em participarem da pesquisa, agendamos novamente as outras duas visitas até a escola, para a entrevista e a conversa com os estudantes. Para a apresentação dos dados obtidos, como já mencionado anteriormente, tratamos da turma inicial, que trabalhou no projeto em 2016/17, como Turma A, e da turma que atualmente estuda no quarto e quinto ano como Turma B.

4.2.1. Descrição e considerações da conversa com a Turma A

Alunos relataram que a iniciativa pela criação do projeto surgiu no contexto de aulas de Biologia, em que estavam trabalhando sobre a saúde e ‘remédio’ que as pessoas mais antigas utilizavam. Nesta discussão, verificaram que muitos dos ‘remédios’ eram obtidos diretamente das plantas.

Nesse momento, eles mesmos, em conversa na aula, ficaram curiosos em saber sobre quais plantas as pessoas da família utilizavam e tinham em casa. Surgiu a ideia do projeto e o título foi escolhido pelos alunos, na sala de aula. Assim, professora e alunos criaram o projeto. Iniciaram a pesquisa com os professores e demais profissionais da escola, buscando saber quais as plantas que eles conheciam, que tinham em suas casas, e para que elas serviam.

As transcrições a seguir estão na forma original, ou seja, transcritas sem correções:

(...) nós estávamos estudando sobre os remédios que os antigos antigamente usavam que era tudo natural, daí a professora teve a idéia da gente fazer um projeto (Aluna, Turma A).

A partir daí o projeto foi ampliado para o contexto familiar − com os pais e avós −, passando a abranger também a comunidade do assentamento, para conhecer as plantas e construir o viveiro das plantas na Escola.

(...) que nem, tinha no visinho, a gente pedia a muda. (Aluno, Turma A).

Percebeu-se que foram os alunos os criadores do projeto e, assim, assumiram de tal forma que foram eles que envolveram a comunidade. Isso ocorreu porque eles passaram a se envolver com o estudo e conhecer as plantas durante as buscas, aumentando a gama das plantas e levando-as também para o quintal da escola. Assim, eles falam das plantas ou ervas, com propriedade de quem as conhece.

(...) a gente fez a pesquisa geral, a gente fez um em casa e na escola, a gente foi com os professores e perguntamos se eles sabiam de alguma coisa... a gente foi anotando, depois a gente fez em casa. (Aluna, Turma A)

Outro fator observado na conversa é de que, mesmo a pesquisa ocorrendo nas casas e comunidade, é para a escola que eles se ‘voltam’ quando são questionados sobre as aprendizagens. Ou seja, eles aprenderam muitas coisas em conversas com os pais, avós e vizinhos, mas remetem a função das aprendizagens à escola e à professora. É percebido que eles significam a escola como espaço do aprender. As coisas que a família ensina podem não ser consideradas no nível do conhecimento científico, ou mesmo, precisam ser valoradas pela professora, para se tornarem significativas.

A gente começou a estudar quais eram os nomes científicos e o popular e pra que servia a planta, e de cada planta a gente pegava um folha e colocava na agenda. (Aluno, Turma A)

A Turma A também relatou que fizeram as mudas para a escola, e para dar às suas mães em uma data especial. Além disso, chegaram a fazer mudas dessas plantas para venda junto à feira do CANTASOL.

(...) teve no dia das mães que a gente até fez um negócio de coração e cada um escolheu uma mudinha que ia dar pra sua mãe! (Aluno, Turma A)

Sobre os conhecimentos das ervas ou plantas medicinais:

(...) é uma árvore, é a moringa, ela serve pra bastante coisa, tem um visinho que vive pegando la em casa, ele toma no chimarrão... pra imunidade” (Aluno, Turma A).

(...) a minha vó gostava de tomar erva cidreira... é bom! (Aluna, Turma A).

(...) o meu vô toma o suco do capim santo, eu não sabia ... eu pensei que era um suco qualquer, eu bebia muito, mas eu não sabia pra que é {..} é pra dor de garganta (Aluna, Turma A).

(...) a minha mãe ela pega a casca do limão, pega mel, alho e ferve bem, depois ela deixa esfriar um pouquinho e dá pra bebê (Aluno, Turma A).

Outro aspecto marcante do projeto para a turma foram as anotações e registros no Caderno de Campo, que era um caderno específico para o projeto. Os alunos mantêm o Caderno, porém não continuaram a fazer novos registros, ele ficou limitado à disciplina. Segue relato de uma aluna, sobre como era organizado o caderno:

(...) a gente pegava uma planta, uma erva de casa e trazia para a escola, a gente começou a estudar quais eram os nomes científicos e o popular e pra que servia a planta, e daí de cada planta a gente pegava uma folha e colocava na ‘agenda’ (Aluna, Turma A).


Imagens 1
Do Caderno do Projeto.
Fonte: Imagens digitalizadas do Caderno de Campo do Projeto.

4.2.2. Descrição e considerações da conversa com a Turma B

Os alunos da Turma B, ou seja, aqueles que atualmente estão desenvolvendo o projeto, foram questionados a partir das mesmas questões da turma anterior (Turma A). Ao serem questionados de como se deu o projeto, responderam que, inicialmente, fizeram cartazes das plantas. Logo em seguida, sobre o contato em casa disseram que:

(...) eu pedi pra minha mãe, daí ela me mandou trazer umas plantas pro colégio ... que faz bem pra saúde” (Aluno, Turma B).

Sobre as plantas medicinais que há na escola, se eles sabem para que servem, responderam e citaram algumas:

O boldo, pro estômago e dor de cabeça (Aluna, Turma B).

Hortelã pimenta, serve pra cólica e, acho que é, dores musculares (Aluno, Turma B).

Uma aluna relatou que chegou a levar muda da escola para plantar na casa, como de boldo, por exemplo, que essa não havia em casa. Outro aluno relatou que a mãe pega mudas da avó, que a avó tem muitas, sendo que ele não conhece algumas.

Nesta etapa do projeto, os alunos não chegaram a entrevistar os familiares. O projeto parecia estar restrito ao estudo das plantas existentes na escola, a partir do desenvolvimento do projeto na turma anterior.

Os alunos dessa turma também trabalharam com os registros no Caderno de Campo, igualmente aos da Turma A, registrando nomes, forma de preparo e utilização das plantas. Desta turma não foram analisados os Cadernos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa, iniciada com a proposta de compreender o Projeto e identificar sua importância para a preservação dos saberes tradicionais na comunidade, foi também um momento de formação pedagógica para os pesquisadores que têm, no objeto de pesquisa, um campo de estudo para formação profissional. Quer dizer, desde o contato inicial com a escola e com a comunidade escolar, consolidou-se um espaço de interações, de diálogos e de trocas de conhecimentos e culturas, os quais contribuíram para a formação de todos os envolvidos.

Os dados coletados por meio das entrevistas semiestruturadas com os dois professores nos permitiram considerar que os alunos são considerados pela escola como sujeitos do seu processo de aprendizagem, porém, mesmo assim, ocorrem peculiaridades referentes ao projeto que identificam encaminhamentos pedagógicos de maior e menor mobilização dos alunos para aprendizado escolar e formação humana para atuação na sociedade, de forma a transformar e melhorar suas condições de vida individual e coletiva.

Neste sentido, com a Turma A, constatou-se que foram os alunos que se mobilizaram para a busca de novos conhecimentos, novas plantas; o professor organizava os trabalhos e, a partir de tal mobilização, utilizava dos conhecimentos trazidos pelos alunos, por meio da ‘curiosidade ingênua’, para trabalhar os conhecimentos formais, do currículo da escola, gerando a ‘curiosidade epistemológica’. Seguindo a Pedagogia do Movimento, o processo do aprender envolve o espaço das relações sociais, o trabalho e a produção e organização da vida na comunidade.

Com curiosidade epistemológica − estimulada pelo saber que resulta da pura experiência feita ou, segundo Charlot, da relação de saberes, saberes dos alunos com os saberes dos pais e outros adultos sobre a produção e uso de plantas medicinais, com os saberes do currículo escolar da Biologia, Matemática, Química e outros, ou seja, na relação de saberes estabelecidos nas relações sociais −, cada aluno constrói sua relação com o saber em questão e essa construção de conhecimentos apresenta-se como emancipador e com função social na vida do aluno.

Observou-se que a Turma A são os ‘construtores’ da proposta do projeto, demonstram ter assumido o projeto, trabalham com a comunidade do Assentamento em geral, mostram conhecimentos sobre as plantas de forma ampla, para além dos saberes tradicionais, incluindo os nomes científicos e modo de preparo e sua utilização, de forma que podemos dizer que houve uma aprendizagem significativa. Ao falarem do projeto, demostram ser seus autores e relatam as situações de aprendizagens, com autonomia, conforme as que foram demosntradas na apresentação dos dados coletados junto à turma A.

Já com os alunos da Turma B, a partir das falas dos alunos e dos professores, observou-se que o processo foi encaminhado de forma que as atividades iniciais surgiram de um projeto já existente. Os trabalhos estão sendo uma reprodução do que foi feito originalmente pela Turma A, ou seja, os alunos da Turma B não manifestam liberdade na pesquisa por plantas medicinais, mas trabalham com as elencadas anteriormente pela Turma A. Não se percebem na fala dos alunos ações de mobilização para a curiosidade epistemológica. Não aconteceu a construção da mobilização pela interação com a vida do aluno, iniciando a pesquisa no espaço da família e comunidade em que ela traria para a escola informações obtidas das relações de saberes.

Para a Turma B, o material já estava pronto e disponível na escola, resultado da produção da horta medicinal que já existe na escola. O trabalho se limita à escola, ainda não aconteceu a interação com familiares e comunidade na relação de saberes. Observou-se aqui que, muitas vezes, quando pensamos ter as atividades pedagógicas mais “organizadas”, estão elas mais distantes do mundo do aluno, com mais limitações para mobilizá-los para o aprender, para estabelecer relação com os saberes escolares de forma que os conhecimentos construídos façam parte da formação humana para a vida, transformadora.

A escola, na visão das duas turmas, é vista como o espaço para as aprendizagens; mesmo fazendo pesquisas nas casas, quando questionados sobre as aprendizagens, os alunos se remetem aos acontecimentos escolares. Por mais que mencionem os saberes da comunidade sobre as plantas medicinais, mencionam coisas que aprenderam e que não conheciam, como exemplo, ao falarem da forma de preparo de infusões, tempo de cada planta em infusão, ou o tempo de efeito de repetição do uso do chá. Outros relataram o tipo ou classificação da planta, se ela era anti-inflamatória, ou se era analgésica, sendo esses os casos que ocorreram com maior frequência entre os relatos. Muitos alunos desconheciam quais as plantas medicinais que a família cultivava e utilizava, porém, ao falar das situações que consideram como mais importantes para aprender, sempre remetiam às atividades do espaço da escola, encaminhadas pelos professores. A escola é para os alunos o espaço do aprender, mesmo que o aprender ultrapasse o espaço da escola, que as metodologias que manifestaram melhores aproveitamentos pedagógicos foram as que mais ultrapassaram o espaço da escola.

Outro aspecto que merece atenção é a forma como as duas turmas se referiram ao Cadeno de Campo. Para eles é uma referência do projeto, porém ainda estão muito presos ao que acontece na sala de aula, nas atividades encaminhadas pelos professores, não assumiram como seus, de livre autoria e produção, para registros posteriores sobre outras plantas que venham a conhecer. Na fala dos alunos e nos registros feitos, o caderno está limitado às atividades encaminhadas pelo professor. Observou-se que os alunos da Turma A, ao concluírem o quinto ano, não fizeram novos registros de plantas no caderno, o qual passou a ter caráter de documento do que foi feito e não de material de estudo e registros para organização da vida e de novos conhecimentos sobre o tema.

Além destas considerações, pode-se dizer, ainda, que é possível que a presente pesquisa esteja motivando a equipe pedagógica da escola a continuidade e fortalecimento do referido projeto. Isso foi percebido em conversa com a Coordenadora da Escola, a qual disse-nos que, em reunião pedagógica, abordou-se o tema do projeto, avaliando e planejando possibilidades de melhorias. O dia a dia da escola e a estrutura formal muitas vezes dificultam estudos de avaliação, continuidade e melhorias nos projetos já desenvolvidos, porém, quando a equipe pedagógica tem boa formação filosófica e consciência do que querem para formação dos alunos, como se apresenta a escola campo de pesquisa, ao planejarem o processo educativo como ato de criar condições de aprendizagem para um educando que está inserido em um contexto social e cultural, sujeito de sua aprendizagem, temas como do Projeto Erva Medicinal: Farmácia Viva, entre outros, sempre estarão presentes nas reuniões pedagógicas.

Mesmo diante dos desafios para as melhorias, o projeto mostra-se com grande potencial para desenvolvimento de habilidades que permitem conscientização em prol da preservação dos saberes populares que as famílias do assentamento tem. Desta forma, considera-se relevante a divulgação e manutenção de tal iniciativa.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do movimento sem terra. 3. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
GERHARDT E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de pesquisa. Organização de Tatiana Engel Gerhardt e Denise Tolfo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.
MINAYO, M. C. S. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. 2012, p. 621-626.
MOREIRA, H.; CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
MST MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Quem somos. Disponível em: http://www.mst.org.br/quem-somos/. Último acesso em: 9 maio 2019.
Notas
Notas
[1] Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUI), doutoranda em Educação em Ciências e Matemática (REAMEC), professora na Universidade Federal de Mato Grosso. E-mail: patirosinke@yahoo.com.br
[2] Mestre em Ciências Sociais (UNISINOS), pedagoga da Escola Técnica Estadual de Sinop/SECITEC-MT. E-mail: marialtroian@gmail.com
[3] Doutora em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCAR), docente na REAMEC. E-mail: ehardoim@terra.com.br
[4] Doutor em Ciências Biológicas (Botânica) (INPA), docente na REAMEC. E-mail: guarim@ufmt.br
Autor notes
1 Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUI), doutoranda em Educação em Ciências e Matemática (REAMEC), professora na Universidade Federal de Mato Grosso.
2 Mestre em Ciências Sociais (UNISINOS), pedagoga da Escola Técnica Estadual de Sinop/SECITEC-MT.
3 Doutora em Ecologia e Recursos Naturais (UFSCAR), docente na REAMEC.
4 Doutor em Ciências Biológicas (Botânica) (INPA), docente na REAMEC.
Tabela 1
Questões para dialogar com os professores/autores do Projeto

Fonte: Da Metodologia – produção de dados das escritoras.

Imagens 1
Do Caderno do Projeto.
Fonte: Imagens digitalizadas do Caderno de Campo do Projeto.
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