Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS NOS ANOS INICIAIS: UMA ANÁLISE DOS TRABALHOS APRESENTADOS NO ENPEC
THE CONSTRUCTION OF KNOWLEDGE ANT RHE CONCEPT FORMATION IN THE EARLY YEARS: AN ANALYSIS OF PAPERS PRESENTED IN ENPEC
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol.. 6, núm. 2, 2018
Universidade Federal de Mato Grosso

Artigos

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 6, núm. 2, 2018

Recepção: 26 Fevereiro 2018

Aprovação: 16 Junho 2018

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: O estudo analisa os trabalhos que foram apresentados nos 18 anos do Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, compreendendo o período de 1997 a 2015, enfocando a construção de conhecimentos e a formação de conceitos em Ciências Naturais nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Utilizando a pesquisa documental, localizamos 14 trabalhos que discutem a formação de conceitos nos anos iniciais. Analisou-se a definição de formação de conceitos, fundamentação teórica adotada, sugestão didática para a construção de conhecimentos e formação de conceitos e contribuições para a formação do cidadão. Este trabalho evidencia a simplicidade que a construção de conhecimentos e formação de conceitos foi abordada nos artigos sobre a Educação em Ciências nos anos inicias. Assim, identificou-se uma lacuna, ou seja, uma ausência de pesquisas em relação à construção de conhecimentos e formação de conceitos para os anos iniciais em relação às Ciências Naturais.

Palavras-chave: Formação de conceitos científicos, Ensino de Ciências, Anos Iniciais, ENPEC.

Abstract: This paper analyzes the research were presented in eighteen years of Enpec from 1997 to 2015, focusing on construction of knowledge and on developing concepts in Natural Sciences in the early years of elementary school. Using documentary research, we located 14 studies that discuss the formation of concepts in the early years. We have analyzed the definition of concept formation, adopted theoretical foundation, teaching suggestion for the construction of knowledge and for the formation of concepts and contributions to the teaching of citizens. This work highlights the simplicity that concept formation has been addressed in the articles on the Science Education in the initial years. Thus, a gap was identified, that is, an absence of research regarding the construction of knowledge and the formation of concepts for the initial years in relation to the Natural Sciences.

Keywords: Formation Scientific Concepts, Natural Science Teaching, Early years, ENPEC.

1. INTRODUÇÃO

O Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC) é um evento bienal, promovido pela Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC), que tem como objetivo integrar pesquisadores das áreas de Ensino de Física, Química, Biologia, Geociências, Ambiente, Saúde e áreas afins, inteirando a comunidade de educadores das pesquisas mais recentes. No período de 1997 até 2017, o ENPEC firmou-se como o maior evento na Área de Educação em Ciências no Brasil, criando uma identidade para a área e, ao mesmo tempo, consolidando a pesquisa em Educação em Ciências, evidenciado pela quantidade de trabalhos apresentados e pelas linhas temáticas.

Análises sistemáticas da produção do ENPEC têm sido realizadas por vários autores e por distintas perspectivas. O estudo de Delizoicov, Slongo e Lorenzetti (2013) analisa todos os trabalhos apresentados no período de 1997 a 2005, sendo complementado pelo estudo de Slongo, Lorenzetti e Garvão (2015) que analisam a produção no período de 2007 a 2013. Por outro lado, encontramos trabalhos que analisam temáticas específicas do ENPEC, como o estudo de Dell’ Areti, França e Munford (2007) sobre a pesquisa etnográfica; Gehlen, Schoeder e Delizoicov (2007) sobre o pensamento vygotskyano; Monteiro e Nardi (2007) sobre o ensino da Física Moderna e Contemporânea; Aguiar e Cabral (2007) sobre a temática saúde; Lorenzetti, Silva e Bueno (2015) sobre a pesquisa em ensino de Química; Viecheneski, Lorenzetti e Carletto (2015) sobre a alfabetização científica nos anos iniciais, dentre outros.

Apesar dos inúmeros trabalhos que analisam temáticas específicas apresentadas no ENPEC, não localizamos estudos que tivessem como foco principal a análise da temática construção de conhecimentos e formação de conceitos na Educação em Ciências Naturais para os anos iniciais. Assim, neste trabalho identificamos e analisamos os trabalhos apresentados que tratam da temática de construção de conhecimentos e formação de conceitos no contexto dos anos iniciais.

A temática construção de conhecimentos e formação de conceitos é defendida por Vygotsky (1996, 2001), Mortimer (2011) e outros teóricos que entendem a necessidade da construção de conhecimentos e formação de conceitos, compreendendo que eles são produzidos a partir de um sistema de relações, e não por meio do exercício mnemônico que se tornaram as aulas de Ciências. Vygotsky (1996, 2001) compreende a formação de conceitos como um sistema de relações, entendendo que a rede de conhecimentos vinculados favorece a formação de conhecimentos e conceitos. Entretanto, conhecimentos específicos devem ser fornecidos e não devem permanecer somente enquanto a criança constrói os conceitos (VERGNAUD, 1990). Dessa forma, para mediar a construção de conhecimentos e a formação de conceitos, no ensino de Ciências Naturais nos alunos dos anos iniciais, se pressupõe uma formação substancial do professor, principalmente quanto aos conhecimentos na disciplina de Ciências.

Quanto mais cedo o professor aplicar métodos e estratégias que visem auxiliar a construção de conhecimentos e a formação de conceitos em crianças nos anos iniciais, melhor essas se desenvolvem, facilitando o aprimoramento dos conceitos na Educação Básica, permitindo que o aluno reconheça a presença desses no cotidiano além-muro escolar.

Corroborando essa ideia, Der e Valsiner (1996) empregam a teoria de Vygotsky, que expressa que o conceito em si vive antes de existir para a criança. Isto quer dizer que “a criança pode usar vocábulos de forma correta mesmo antes de ter consciência do conceito real, logo quanto antes começar, maior o desenvolvimento” (DER VEER; VALSINER, 1996, p. 291).

Aikenhead (2006) chama a atenção para a interferência que o uso coloquial da linguagem traz na aprendizagem da ciência escolar e na construção de conhecimentos e a formação de conceitos científicos, como, por exemplo, no uso da palavra “força” que passa necessariamente por uma construção cultural. Desta forma, Aikenhead (2006) corrobora com o expresso por Ausubel (1968) sobre o papel da linguagem como essencial para a conceitualização.

Lorenzetti e Delizoicov (2001) levantam a importância e o papel da “alfabetização científica na constituição da cidadania” e a sua promoção no Ensino Fundamental. Partem do pressuposto de que a alfabetização científica deve extrapolar a reprodução de conceitos científicos, destituídos de significados. Assim, contextualizar é mister para que os alunos possam identificar os significados que os conceitos em Ciências apresentam.

Em razão do exposto, este trabalho apresenta o seguinte problema: Como foi tratada a construção de conhecimentos e a formação de conceitos nesses 18 anos do ENPEC (1997 a 2015) em relação aos referenciais teóricos, definição de formação de conceitos científicos e sugestões didáticas para a formação destes conceitos nos anos iniciais?

2. CONSTRUÇÃO DE COHECIMENTOS E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS PARA OS ANOS INICIAIS

Ao iniciar a discussão sobre o processo de construção de conhecimentos e a formação de conceitos faz-se necessário apresentar e discutir os teóricos tomados por base para direcionar a presente pesquisa e, ao mesmo tempo, aventar sobre a possibilidade de se construir conhecimentos e desenvolver conceitos em Ciências Naturais nos anos iniciais e como a ação docente auxilia nesse processo de formação.

Na presente pesquisa utilizam-se como parâmetros os referenciais teóricos de Vygotsky (1996), Piaget (1999) e Vergnaud (1990).

É por meio dos pensamentos pré-estabelecidos e dos conhecimentos oriundos das relações sociais do aluno que o professor auxilia na construção de conhecimentos e construção conceitual nos limites científicos e intelectuais (VERGNAUD, 1990). Nesse sentido, o professor que reflete sobre sua ação docente e sobre a construção do conhecimento é aquele que compreende a ação ativa da criança sobre os objetos como construtor da história e na troca com seu entorno (PIAGET, 1999), bem como é aquele que reconhece que a criança expressa em ação a contextualização social que é defendida por Vygotsky (1996).

Vygotsky organiza a construção de conhecimentos e a formação de conceitos em três fases denominadas Agregação desorganizada, Pensamento por complexos e Pensamento conceitual (VYGOTSKY, 1996).

Nessa última fase, há a tomada de consciência da atividade mental, internalizando o que é essencial para a construção do conhecimento, formação do conceito e na apreensão de que ele faz parte de um sistema. Primeiro, formam-se os conceitos potenciais, com base no isolamento de certos predicados comuns, e depois os verdadeiros conceitos. Essa abstração vai ocorrer apenas na adolescência (VYGOTSKY, 1996).

Entretanto, Vygotsky (2010, p. 286) ressalta que a criança, no limiar da idade escolar, pode ser estimulada à “tomada de consciência e assimilação”. Isso ocorre porque a “tomada de consciência e assimilação não pertencem apenas a fase superior de desenvolvimento”, podendo ser amplificado desde cedo na ação docente visando à construção de conhecimento e a formação de conceitos. A escola é o espaço onde a criança aprende “o que ainda não sabe e lhe vem a ser acessível em colaboração com o professor e sob sua orientação”, esse é, portanto, o campo de ação do professor, denominada Zona de Desenvolvimento Proximal (VYGOTSKY, 2010, p. 331).

Vygotsky (1996) aborda os processos cotidianos, a experiência individual da criança e a aprendizagem em sala de aula como contributos para a formação dos dois tipos de conhecimentos: os conhecimentos prévios e seus conceitos advindos das experiências de vida social da criança e os conhecimentos e conceitos escolares, em que ambos se relacionam e se influenciam constantemente. Na formação de conceitos é importante unir e separar, a síntese deve combinar-se com a análise, baseado nos conhecimentos prévios e na reelaboração desses com base nos conhecimentos escolares, que são aqueles historicamente sistematizados.

Segundo Piaget (1999) que trata em suas pesquisas da construção do conhecimento, a criança edifica seu conhecimento por meio da experiência ativa, ela vivencia os objetos, constrói conhecimento, porém, sem formar conceitos, pois esses só aparecerão mais tarde. Por meio da experiência corporal, a criança conhece os objetos com sua ação sobre ele. Com certo nível de abstração, a criança descobre as propriedades físicas de um objeto, mas para solidificar esse conhecimento, precisa de uma estrutura organizada da inteligência.

Piaget (1999) demonstra interesse na construção de conhecimentos e formação de conceitos nas crianças, encadeando a noção infantil de realidade (conhecimentos prévios) e as noções adquiridas na relação com os adultos, entendendo que na concatenação desses dois segmentos se constrói conhecimentos e se formam conceitos.

Becker (2010), ao estudar Piaget, menciona que a passagem da ação à operação é fértil de mudanças mediada pela tomada de consciência; é nesse processo que a construção de conhecimentos e a formação de conceito superam “os ‘planos restritos e provisórios’ da ação material e pré-operatória” (BECKER, 2010, p. 147). Essa “tomada de consciência” advém de conexões entre as ações consecutivas e a razão é, portanto, o “ponto crucial na conceituação das construções e seu exame é que permite resolver o problema colocado” e consequentemente o conhecimento é construído e o conceito pode se formar (PIAGET, 1977, p. 79).

Vergnaud (1998) reconhece que sua teoria dos campos conceituais foi desenvolvida a partir da herança de Vygotsky, dando importância à interação social, à linguagem e à simbolização para se dominar um campo conceitual pelos alunos.

Ao estudar o livro Pensamento e Linguagem Vergnaud (2004, p. 79) afirma que Vygotsky “traz uma contribuição interessante à análise do desenvolvimento dos conceitos na criança”. Para esse autor, os conceitos não se formam somente por aproximação verbal, assim expõe que “é preciso incluir os dois elementos: o material e a palavra [...] e combinar a utilização de novas palavras cujo sentido já foi adquirido” (VERGNAUD, 2004, p. 79).

Esse autor aprofunda os estudos sobre a pesquisa do psicólogo alemão Ach, que foi estudado por Vygotsky, destacando que as “condições que presidem aos processos de conceitualização são de extrema complexidade” (VERGNAUD, 2004, p. 79). É preciso, pois, que um problema seja apresentado e que este seja resolvido somente pelo conceito pretendido.

Somente um problema a ser resolvido bastaria para criar um conceito? Vergnaud responde esta questão, dizendo que é condição necessária, porém “não suficiente”, acrescenta:

É preciso, ainda, que sinais assegurem a mediação e a orientação da atividade do sujeito que se coloca um problema. As palavras são meios indispensáveis para a formação dos conceitos; reconhecemos aí a ideia vygotskiana dos instrumentos psicológicos. O objetivo, por si só, não cria a atividade de conceitualização (VERGNAUD, 2004, p. 80).

Nesses termos, a ação da docência nos anos iniciais deve ser competente o bastante para propiciar os meios que, no pensamento de Vygotsky e Vergnaud, são os caminhos para a construção de conhecimento e formação dos conceitos, uma vez que “a formação de conceito tem sempre um caráter produtivo e não reprodutivo” (VERGNAUD, 2004, p. 80).

Necessário ainda ressaltar que tanto Vygotsky como Piaget partem dos estudos de Claparède[3]. Vygotsky ao expressar que a consciência de semelhança aparece depois da consciência da diferença, uma vez que é a diferença que provoca um confronto com o que se sabe previamente, traz em seu bojo a tomada de consciência (VYGOTSKY, 2010, p. 274).

Piaget (1977), por sua vez recorre a Claparède exatamente no mesmo ponto de relação à “consciência das semelhanças e diferenças” ao mostrar que as crianças mais novas, “tomam mais consciência das características diferenciais do que das semelhanças: os fatores de inadaptação é que, portanto, ocasionariam a tomada de consciência” (PIAGET, 1977, p. 197).

Assim a criança, ao ter sua atenção captada pela diferença, é forçada a uma adaptação que causa a tomada de consciência. Piaget (1977) explica que não se trata de uma iluminação e sim de uma construção de conhecimento, ou seja, a passagem da assimilação prática para assimilação por meio dos conceitos (PIAGET, 1977, p. 200).

3. METODOLOGIA E PAINEL INICIAL

Na busca da resposta do problema elaborado foi realizada uma pesquisa documental que ordena e analisa os trabalhos apresentados no ENPEC, em relação aos referenciais teóricos, definição de formação de conceitos científicos e sugestões didáticas para a formação de conceitos, sistematizando os trabalhos elaborados sobre este tema.

No primeiro semestre de 2016 pesquisou-se nas atas do ENPEC a produção acadêmica e científica, mapeando-se a existência de 601 trabalhos que tratam, de forma geral, da Formação de conceitos. Desse total, conforme tabela 1, apenas 201 trabalhos (2,33%) tratam da Formação de conceitos nos alunos com foco nos anos iniciais. A composição do número de 601 artigos foi resultado da pesquisa realizada a partir de dois artigos Delizoicov, Slongo e Lorenzetti (2013) e do Slongo, Lorenzetti e Garvão (2015) e na Ata do X ENPEC. A pesquisa foi realizada utilizando como descritores o termo formação de conceitos no título e nas palavras-chaves.

Tabela 1
Número de trabalhos que tratam de Formação de conceitos por Edição e Nível de Ensino

*% Em relação a todos os trabalhos apresentados sobre o tema do I ao X ENPEC (601 trabalhos)

Verificou-se durante a análise documental que o número de pesquisas que se dedicam ao estudo da formação de conceitos tem maior concentração para o Ensino Médio, com 13,14% e o Ensino Fundamental II, com 9,15%, em detrimento dos anos iniciais. Verifica-se, portanto, uma grande discrepância de interesse em relação a esta matéria.

Após a identificação dos trabalhos que se adequavam ao interesse da presente pesquisa, realizou-se uma cuidadosa leitura de cada artigo e elaborou-se uma planilha no formato Excel, como ano de publicação, autoria, problema, tipo de pesquisa, metodologia, conceito em evidência, público-alvo, propostas de desenvolvimento de conceitos científicos, contribuições para educação em Ciências e autores citados. Dessa pesquisa inicial resultou um quadro com 14 trabalhos que discutem formação de conceitos nos anos inicias, desde a primeira edição do evento até o ano de 2015.

Quadro 1
Relação dos artigos analisados

Esse levantamento indiciou a presença de trabalhos que discutem formação de conceitos nos anos iniciais nas edições do I, III, IV, V e X, sendo com dois trabalhos em cada ENPEC. No VI evento foram quatro trabalhos, conforme Quadro 1.

4. CARACTERIZAÇÃO E ANÁLISE DOS TRABALHOS

Apresenta-se, a seguir, uma caracterização dos 14 trabalhos, destacando-se: o ano que discutem a formação de conceitos, concepções de formação de conceitos, estratégias didáticas indicadas pelos autores e os referenciais teóricos utilizados.

4.1. Concepções sobre Formação de conceitos

Inicialmente, apresentam-se os anos do Ensino Fundamental I a que se propõe cada um dos trabalhos. Cinco artigos (35,7%) abordam o tema para o 1º ano, dois (14,30%) artigos para o 2º ano, um (7,15%) artigo para o 4º ano, um (7,15%) artigo para o 5º ano e cinco artigos (35,7%) atendem do primeiro ao quinto ano. Nenhum trabalho foi dirigido especificamente ao 3º ano.

Os trabalhos voltados ao 1º ano foram produzidos por Santos e Dal Pian (1997), Assis e Nardi (1997), Ferreira e Lorencine (2005), Jotta et al. (2007) e Silva et al. (2007).

Santos e Dal Pian (1997) mostraram os conceitos que subsidiam a possibilidade de aprendizagem, a habilidade em resolver problemas complexos e a capacidade de comunicação e construção de conhecimento novo. O trabalho evidenciou a percepção gestaltica, habilidade de formar imagens mentais, quando a criança começa do nível superior e desce para o nível subordinado, categorização e cognição. Trazem como referencial teórico Dal Pian, Souza e Germano.

Em Assis e Nardi (1997) a abordagem foi construtivista, expondo a necessidade do equipamento psicológico preparado para a aquisição do conhecimento. Entretanto, não abordou de maneira direta o que entende por formação de conceitos. Utilizaram o referencial teórico Naussbaum e Posner.

Embora Ferreira e Lorencine (2005) também tragam a visão construtivista, Vygotsky é o referencial teórico adotado. Considera que o aprendizado introduz algo novo no desenvolvimento da criança, constrói o conceito de zona de desenvolvimento proximal, ou seja, as funções ainda não amadurecidas no sujeito e que podem sofrer interferências de outros, acabam por proporcionar a construção de um conhecimento, um conceito, que deve ocorrer mediante a intervenção do professor.

Jotta et al. (2007) utilizam o referencial de Driver. Esse referencial levanta a importância das características dos conhecimentos anteriores dos alunos. Embora os alunos usem uma linguagem do senso comum para expressar suas ideias, essas são análogas à dos estudantes de diferentes meios e idades. Assim, não se pode conferir todas as dificuldades do estudante a seus esquemas conceituais alternativos, essa posição está em sintonia com os trabalhos de Assis e Nardi (1997) e Ferreira e Lorencine (2005). Silva et al. (2007) trazem, além do referencial teórico de Vygotsky, as contribuições de Mortimer, Driver, Asoko, Leach em relação à convivência de saberes, à construção de conceitos.

Têm-se, pois, duas correntes básicas na visão construtivista para o Ensino de Ciências. Sendo a primeira a aprendizagem que resulta das interações individuais, tendo como apoio as ideias de Piaget e as implicações de sua teoria, com foco na mudança conceitual; e a segunda, que é vista como uma construção social, a partir dos pressupostos de Vygotsky. Ambos os processos, individual e social, são importantes. Silva et al. (2007) enfatizam a proposta do perfil conceitual, que rompe com as perspectivas de mudanças conceituais. Embora mencionem a teoria de Piaget, utilizam Mortimer como base conceitual.

No 2º ano identifica-se o trabalho de Carvalho (2001) que recorre à Bakthin como referencial, defendendo que a riqueza do processo de aprendizagem está na discussão, independente do tema, incluindo novas palavras no vocabulário, permitindo a compreensão de novos conhecimentos. Relaciona tal discussão com o desenvolvimento da linguagem, como exposto por Luria e Vygotsky. Rodrigues e Vitoretti (2003) utilizam Piaget, que, segundo estudos, afirma que as crianças em diferentes faixas etárias têm diferentes visões de conservação de peso, volume e substâncias e que, somente a partir dos 12 anos, é que a criança tem capacidade de entender a conservação da substância, do peso e do volume, existindo assim um desenvolvimento gradual desta habilidade de compreensão da conservação.

Apenas o estudo de Oliveira et al. (2003) tratou do 4º ano com o referencial teórico de Giordan e Pietrocola. Este trabalho apresenta os conceitos como construções teóricas e não como fenômenos observáveis ou passíveis de experimentação. Ainda, utilizam os Parâmetros Curriculares ao expressar que “são aspectos que só podem ser interpretados, são ideias construídas com o auxílio de outras mais simples, de menor grau de abstração, que podem [...] parcialmente, ser objeto de investigação por meio da observação e da experimentação diretas” (BRASIL, 1997, p. 49).

Com um trabalho focado para o 5º ano, Miani et al. (2015) utilizam como referencial teórico Senicecato, Cavassan e Silva, que discutem a aprendizagem como processo cognitivo complexo que envolve o ser humano podendo ocorrer no ensino formal, mediante informações oferecidas pelos professores na mediação e livros, ou informal, fora do ambiente escolar, bem como na percepção direta do ambiente por meio dos sentidos. Entretanto, o estudo não se aprofunda na questão da Formação de conceitos em Ciências.

Localizou-se 5 trabalhos que não apresentam a especificação do ano a que se destinam. Leal (2001) evidenciou a passagem de representações espontâneas para representações elaboradas, com a articulação do saber espontâneo ao saber científico. Ao se resgatar a história do conceito, identifica o contexto que o gerou e as implicações de sua criação, ao retomar a interpretação e, assim, dá-se significados mais plurais e ricos às metáforas, às analogias, aos modelos que vão sendo construídos/reconstruídos no percurso da transposição didática. Utilizou os referenciais teóricos de Giordan, Lakkoff, Joson e Morin, ampliando consideravelmente a questão.

Sobral e Teixeira (2007) adotam Piaget e Vygotsky na intenção de situar as discussões acerca da participação dos conhecimentos prévios na aprendizagem de novos conceitos. Destacam a contribuição destes dois teóricos para clarificar a Teoria da Equilibração piagetiana e a abordagem vygotskiana da interação social para a construção de novos conhecimentos, bem como dialogam com Driver e Mortimer. Os autores não apresentam a referência de Piaget utilizada como fonte, mas fazem alusão a ela no corpo do trabalho.

Souza Filho e Medeiros (2015), com base em Luria, Nuñes e Galperin, analisam a formação de conceitos a partir da teoria de Galperin, fundamentada na ação mental do aluno e na motivação como aspecto inerente ao processo de ensino. De Luria trazem a questão da interação social para a construção do conceito. Assim, a formação de conceitos na Teoria da Ação Mental necessita da motivação e a preparação das ações antes da elaboração da Base Orientadora de Ação, essência dos conceitos, oferece aos alunos as categorias necessárias à execução das tarefas.

Araman e Batista (2007) utilizam Ausubel, Moreira e Novak. Valem-se da teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel, em que “aprendizagem significa organização e integração do material na estrutura cognitiva” (MOREIRA; MASINI, 1982, p. 4). Ou seja, a aprendizagem significativa é o processo cognitivo natural do indivíduo. Consequentemente, novas ideias e informações são aprendidas na medida em que novos conceitos estejam realmente claros na estrutura cognitiva do sujeito. A experiência cognitiva exige também modificações significativas na estrutura cognitiva por meio da interação com o novo material. Logo, aprendizagem significativa se dá quando os novos conceitos ou significados conceituais são abarcados por outros mais abertos e inclusivos. Nesse sentido, os conceitos mais gerais e inclusivos devem ficar no topo do mapa conceitual, e os conceitos mais particulares consecutivamente abaixo deles.

Siqueira e Araújo-Jorge (2005), embora discutam a aprendizagem no seu trabalho, não expõem o que é o conceito. Apesar de usarem o termo duas vezes, não explicitam o que é este conceito que se desenvolve ao usar o caderno onde alunos copiam lições, registram conceitos e estruturam saberes, sendo este um dispositivo de perpetuação ou transformação de determinada cultura escolar.

4.2. Sugestões didáticas e contribuições para a formação de conceitos

Dos 14 trabalhos analisados, somente Souza e Dal Pian (1997) e Siqueira e Araújo-Jorge (2005) não apresentam sugestões didáticas para a formação de conceitos.

Carvalho (2001) e Rodrigues e Vitoretti (2003) se utilizaram de experiência prática com alavancas e sarilho para trabalhar conceitos da Física. Assis e Nardi (1997) trabalharam o campo gravitacional, Sobral e Teixeira (2007) com o Conceito de Biomas, e Miani e Melvestio (2015) com a conservação da diversidade biológica, sugeriram a construção de atividades de ensino levando em consideração as concepções, significação do tema trabalhado em suas pesquisas para desenvolver conceitos específicos em Ciências. Amaral e Oliveira (2007), Miani e Melvestio (2015) e Souza Filho e Medeiros (2015) propõem a aula de campo e a sistematização em sala do novo conhecimento direcionado à aprendizagem dos conceitos. Leal (2001) utilizou-se da transposição didática para a cadeia alimentar. Oliveira et al. (2003) se utilizaram dos três momentos pedagógicos para desenvolver conceitos de cadeia alimentar ligando-os à realidade dos alunos, conforme expresso por Delizoicov e Angotti. Ferreira e Lorencine (2005) sugerem a ativação da Zona de Desenvolvimento Proximal por meio da intervenção construtivista do professor. Jotta et al. (2007) propõem o desenho antes e depois do conhecimento apresentado e a comparação destes para aferir a formação do conceito. Araman e Batista (2007) indicam a elaboração de Mapas Conceituais como atividade inicial e final, onde a discussão central é a refração dos raios de sol nas nuvens, o Arco-íris.

No ENPEC de 1997 e 2001, um posicionamento construtivista foi verificado pelo discurso exposto, quando se privilegiou a experiência planejada de atividades fundamentada numa abordagem que desencadeia conflitos, a exposição dialogada, na participação ativa da discussão em grupo, bem como as matrizes de transposição didática que auxiliam significativamente no trabalho de caracterização das metáforas, analogias e modelos. Esse procedimento merece ser discutido e aperfeiçoado, no sentido de permitir um aprofundamento de estudos voltados para a discussão das relações entre modos de “pensamento narrativo e paradigmático” (LEAL, 2001) e os processos de transposição didática.

No ENPEC de 2003 e 2005, as contribuições residem na utilização da aprendizagem significativa dos conhecimentos teóricos havendo necessidade de afinar a prática com o discurso epistemológico e na escolha dos métodos e recursos, vinculando os conteúdos ensinados com situações do dia a dia do aluno, bem como, complementando discursivamente conceitos pré-formados, o surgimento de situações de “choque de ideias”, que dão suporte para a construção de conhecimentos.

Nos eventos de 2007 e 2015, as contribuições evidenciaram o planejamento de ensino e o domínio do conteúdo específico por parte do professor como ferramentas importantes para a condução de um trabalho pedagógico. Ainda, destacaram a importância de se levantar a hipótese de que as experiências individuais, familiar ou comunitária, influenciam na construção de conceitos e a importância de incentivar o estímulo da empolgação dos alunos, antes, durante e depois de aulas, bem como a valorização de um pluralismo metodológico, as aulas de campo, associadas ao uso de fotos, proposição de discussões e reflexões direcionadas à formação de conceito.

4.3. Referenciais teóricos utilizados

O foco dos trabalhos selecionados para a pesquisa documental foi a formação de conceitos em Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Desse modo, fez-se um levantamento dos teóricos utilizados para embasamento desta nas pesquisas apresentadas. Esse levantamento foi realizado por meio da análise das referências apresentadas em cada um dos trabalhos, verificando quais foram utilizadas por mais de um artigo.

O resultado foi que Vygotsky foi utilizado sete vezes, Mortimer cinco, Driver quatro, Giordan e Galperin três vezes cada, Silva Queiroz, Nuñes, Novak, Luria, Dal Pian duas vezes cada e com uma utilização Senicicato, Pietrocola, Nussbaum, Moreira, Mercer, Germano, Lacoff, Joson, Girault, Bakthin, Ausubel, Amaral e Piaget.

Fica evidente, na presente pesquisa, a ausência de Vergnaud, que contribui consideravelmente para a temática, principalmente ampliando a visão de Vygotsky em relação às interações sociais, bem como a utilização de Piaget apenas em um trabalho como referencial teórico. Ambos podem, de forma consistente, embasar a formação de conceitos, principalmente para os anos iniciais.

É necessário observar que a lacuna teórica que se apresenta na abordagem da construção de conhecimentos e formação de conceitos em Ciências reflete diretamente na prática em sala de aula e nas pesquisas que visam a melhoria dessa ação educativa.

Evidencia-se que no período de 1997 a 2015, nas atas do ENPEC, foram encontrados 25 teóricos distintos para explicitar o processo de formação de conceitos. Os mais referenciados foram Vygotsky com 14%, Mortimer 10%, Driver 8%, Giordan 6% e Galperin 6%. Nesses 18 anos, não surgiram novos teóricos ou não foram utilizados teóricos que tratassem da formação de conceitos em Ciências voltados aos anos iniciais de forma a superar o entendimento dos clássicos, se assim pode-se classificá-los.

Quando se traz para a discussão teórica Piaget, Vygotsky e Vergnaud amplia-se a visão na construção de conhecimentos e formação de conceitos em Ciências face ao enfoque dado por esse último, no tocante à forte influência da linguagem para construção dos conceitos. Vergnaud (2004) afirma que Vygotsky se apoia nos fatos expostos na teoria de Piaget em relação ao pensamento infantil, mas discorda da ideia da fala egocêntrica. Complementando o pensamento de Piaget, Vygotsky vê na fala egocêntrica a função de elaboração na resolução do problema encontrado, “a linguagem egocêntrica acompanha, de fato, os contornos da atividade em função das veredas reencontradas” (VERGNAUD, 2004, p. 53).

A mera apresentação do problema a ser resolvido não constrói o conceito, entretanto, a “fórmula de Vygotsky tornou-se célebre: o pensamento não exprime a palavra, mas realiza a palavra” (VERGNAUD, 2004 p.75). O processo de construção de conhecimentos e conceitualização passa necessariamente pelas operações mediatizadas pelos sinais, significado e sentido da palavra. Vergnaud, analisando o Livro Pensamento e Linguagem de Vygotsky, em relação a passagem dos processos intelectuais às operações mediatizadas por sinais, expressa que:

Certamente ‘a passagem dos processos intelectuais imediatos às operações mediatizadas pelos sinais’ modifica muito a conceitualização, mas isto não significa, entretanto, que a formação dos invariantes conceituais esteja totalmente condicionada pelos sinais. Aliás, o próprio Vygotsky reconhece: ‘A própria linguagem não é fundada sobre ligações puramente associativas, mas necessita fundamentalmente uma outra relação, característica justamente de processos intelectuais superiores, entre o sinal e a estrutura da operação intelectual no seu conjunto’ (VERGNAUD, 2004, p. 83, grifos do autor).

Para Vergnaud (2004) os conceitos intuitivos (conhecimentos prévios) e os conceitos científicos (conhecimentos escolares) não se opõem e sim se apoiam. Equivale a dizer que os conhecimentos escolares se apoiam nos conhecimentos prévios e “germinam para baixo” e os conhecimentos prévios “germinam para cima”. Essa “metáfora da germinação é muito instrutiva, pois permite compreender conceitos cotidianos e a aprendizagem dos conceitos científicos” (VERGNAUD, 2004, p. 37-38).

Assim, os tais conceitos intuitivos são os cotidianos, os conhecimentos prévios, que podem ser utilizados de apoio à construção dos conhecimentos escolares, que serão mediatizados no processo de conceitualização pela linguagem.

Vergnaud (2014, p. 18) chama atenção aos “meios utilizados pela criança, os caminhos que ela toma para resolver um problema ou atingir um dado objetivo numa determinada tarefa escolar, são profundamente enraizados na representação que ela faz da situação”. No processo de conceitualização passa a explicar a relação dos significantes e significados:

Trata-se de uma ideia universal, da qual os educadores devem absolutamente tomar consciência; quer dizer, a ideia de que a representação não se reduz a um sistema simbólico que remete diretamente ao mundo material, os significantes representando então diretamente os objetos materiais. [...] O conhecimento consiste ao mesmo tempo de significados e significantes: ele não é formado somente pelo símbolo, mas também de conceitos e de noções que refletem ao mesmo tempo o mundo material e a atividade do sujeito nesse mundo material. [...] O símbolo é a parte visível do iceberg conceitual: a sintaxe de um sistema simbólico é apenas a parte diretamente comunicável do campo do conhecimento que ele representa. Essa sintaxe não seria nada sem a semântica que a produziu, isto é, sem a atividade prática conceitual do sujeito do mundo real (VERGNAUD, 2014, p. 19).

Assim, Vergnaud (2004, p. 39) expressa que “o laço da conceitualização com a consciência é evidentemente essencial”. Entender os tais conceitos intuitivos como coexistentes com os científicos na escola trata-se de um equívoco teórico.

Quanto mais os conceitos podem ser empregados espontaneamente tanto menos eles são objeto de uma tomada de consciência. O caráter não consciente significa uma ausência ou uma fraqueza da generalização. Ao contrário os conceitos científicos não espontâneos obrigam a criança a uma tomada de consciência (VERGNAUD, 2004, p. 39).

Nessa linha, entende-se que a função da escola é sim provocar uma mudança conceitual, levando o aluno a uma tomada de consciência. Tendo em mente que conceito, na presente pesquisa, é entendido como generalização, sendo esse, um conceito cotidiano ou mesmo escolar. Entretanto, os conhecimentos escolares, segundo Vergnaud (2004, p. 38) “tem um efeito de desestabilização e de reorganização dos conceitos anteriormente formados”.

Portanto, é nesse espaço que age a educação formal, praticada na escola, a ação do educador deve privilegiar a tomada de consciência integrante da construção de conhecimento e formação do conceito.

Em relação à Base Nacional Comum Curricular temos que, na parte que trata da Área de Ciências da Natureza nos anos iniciais do Ensino Fundamental, embora exista a preocupação em propiciar contato com os conhecimentos científicos para que possam fazer uma primeira leitura do mundo, ainda há uma preocupação em exemplificar fenômenos por meio da experiência (BRASIL, 2017, p. 328).

O mesmo documento legal quando aborda a apropriação do conhecimento conceitual das Ciências Naturais nos anos iniciais propõe uma mudança importante em relação à educação praticada anteriormente. Contudo, no eixo Linguagens nas Ciências da Natureza o approach é da linguagem específica das Ciências, sem a devida atenção ao desenvolvimento da linguagem para a construção do conhecimento e construção do conceito.

Para Vergnaud (2004), com relação ao desenvolvimento dos conceitos na criança, estes não se formam somente por aproximação verbal. Portanto, “ler o mundo, apoiando-se em conhecimento das ciências da Natureza”, objetivo expresso na Base Nacional Curricular (2016, p. 284), não é suficiente para construir conhecimentos ou formar conceitos escolares, pois “é preciso incluir os dois elementos: o material e a palavra [...] e combinar a utilização de novas palavras cujo sentido já foi adquirido” (VERGNAUD, 2004, p. 79). Assim, são de extrema complexidade as condições que orientam os processos de conceitualização, os quais não são abordados com o devido embasamento teórico para realmente modificar a prática nas aulas de Ciências nos anos iniciais.

Para Driver et al. (1999), aprender Ciências abarca o ingresso das crianças e adolescentes em uma forma diferenciada de pensar sobre o mundo natural e de explicá-lo. “É tornar-se socializado, em maior ou menor grau, nas práticas da comunidade científica, com seus objetivos específicos, suas maneiras de ver o mundo e suas formas de dar suporte às assertivas do conhecimento” (DRIVER et al., 1999, p. 36).

De acordo com Giordan e Vecchi (1996, p. 11), “conhecer não é apenas reter temporariamente uma multidão de noção anedótica ou enciclopédica para ‘regurgitá-lo’, como o pede o ensino atual”. O saber é a capacidade de utilizar o que se aprendeu, na resolução de um problema. Em outras palavras, é preciso desenvolver um conceito que pode ser aplicado em várias situações.

Conforme Nuñes (2009), a educação é um processo de internalização e de assimilação da cultura produzida historicamente. Do mesmo modo, a aprendizagem é decorrência de um tipo específico de atividade que faz com que os alunos, além de se apropriar dos conceitos científicos, também se apropriam dos procedimentos por meio dos quais os conceitos são assimilados.

Para Vygotsky (1989), os processos cotidianos, a experiência individual da criança e a aprendizagem em sala de aula contribuem para dois tipos de conceitos que se pautam e se influenciam constantemente. São eles: o discurso interior, que corresponde a uma linguagem interna, não está estruturado em frases conexas e completas, mas em fragmentos de modo que o indivíduo possa entender os conceitos; e a fala egocêntrica, que ocorre no espaço entre o discurso socializado e o discurso interior, e equivale a uma conversa exteriorizada empregada como base do planejamento de encadeamentos a serem seguidos, como recurso na solução de problemas (VYGOTSKY, 1989).

As referências compartilhadas indicam que, acerca do aspecto da construção de conhecimentos e da formação de conceitos em Ciências nos anos iniciais, ainda são tímidas as pesquisas que embasam a construção de um novo conhecimento ou amplie e complemente o já existente.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise dos referenciais teóricos, da definição de formação de conceitos científicos e das sugestões didáticas para a formação destes conceitos nos anos iniciais, como proposto na problemática, podemos aferir a forma simplista que a matéria tem sido tratada, pois em 10 trabalhos houve a utilização das mesmas referências teóricas. Pode se dizer que em 10 pesquisas inexistiu uma inovação perceptível em relação ao posicionamento teórico e, por consequência, em práticas educacionais.

Dos três referenciais teóricos citados como parâmetros para a construção de conhecimentos e formação de conceitos na presente pesquisa, Vygotsky foi o único utilizado nos trabalhos analisados. Entretanto, consideramos que a utilização de Piaget e de Vergnaud possibilitariam maior compreensão da construção de conhecimentos e formação de conceitos em Ciências Naturais nos anos iniciais. O fato verificado é a necessidade de compreender que a construção de conhecimentos e formação de conceitos nos anos iniciais expande a possibilidade dos alunos desenvolverem habilidades de leitura de mundo, permitindo o exercício ativo da cidadania em seu cotidiano.

Por todo exposto, fica clara a importância da construção de conhecimentos e formação de conceitos nos anos iniciais, uma vez que amplia a linguagem e por sua vez o campo de ação da escola e do educador. O processo de Alfabetização Científica perpassa necessariamente pela formação de conceitos, o que permite à criança ampliar a sua concepção de mundo e tentar explicar os fenômenos. Primeiro por conceitos espontâneos, e após o contato com a experimentação e explicação científicas, o aluno conceitua os fenômenos, permitindo expandir a compreensão do seu entorno, da sua vida além-muro escolar.

Assim, é importantíssimo que se busque um Ensino de Ciências Naturais que permita por meio de sua práxis (ação embasada em conhecimento epistemológico) um enriquecimento na linguagem e consequentemente construção de conhecimentos nos anos iniciais. Um ensino que contemple a mediação pelo adulto e a mediação pelo sinal de forma a privilegiar a construção do conhecimento.

Embora Piaget e Vygotsky tenham diferenças entre as perspectivas em relação à Tomada de Consciência, ambos estabelecem a importância da mesma para a construção do conhecimento e formação de conceitos. Dessa forma é preciso considerar um ensino que veja na criança pequena o reflexo da interação social e da influência da escola, levando em consideração o jogo de operações de pensamento na construção do conhecimento, no caso das Ciências Naturais.

A importância das pesquisas para o avanço de abordagens didáticas que propiciem a tomada de consciência que permite a construção de conhecimentos e a formação de conceitos fica evidente. Entretanto, só as pesquisas não produzem a mudança na práxis diária do professor polivalente, aquele que precisa dar conta de todos os conteúdos ministrados nos anos iniciais. Para que isso ocorra é necessário que os professores recebam a devida Formação Continuada no sentido de compreender e dominar os conhecimentos e conceitos de Ciências Naturais e, por sua vez, auxiliar seus alunos a construir esses conhecimentos e conceitos de forma a ler o mundo em seu entorno e agir na sociedade em que estão inseridos.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, R.; CABRAL, I. A temática saúde nas atas do ENPEC: delineando tendências e apontando demandas de investigação em ciências. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 6, Florianópolis. Anais... Florianópolis: ABRAPEC, 2007.

AIKENHEAD, G. S. Science education for everyday life: evidence-based practice. Published by Teachers College Press, 1234, Amsterdam Avenue, New York, NY 10027. 2006

AUSUBEL, D. P. Educational psychology: a cognitive view. New York: Holt, Rinehart, and Winston, 1968.

BRASIL, Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Secretaria da Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – Documento aprovado. Brasília: MEC, 2017.

DELIZOICOV, D.; SLONGO, I. I. P.; LORENZETTI, I. Um panorama da pesquisa em educação em ciências desenvolvida no Brasil de 1997 a 2005. Revista Electrónica de las Ciências, v. 12, n. 3, p. 459-480, 2013.

DELL´ARETI, B. A.; FRANÇA, E.S.; MUNFORD, D. Etnografia na Pesquisa em Educação em Ciências: uma análise dos trabalhos apresentados nos ENPECS. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 6, Florianópolis. Anais... Florianópolis: ABRAPEC, 2007.

DER VEER, R. V.; VALSINER, J. Vygotsky: uma síntese. 3. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

DRIVER, R. Construindo conhecimento científico na sala de aula. Química nova na Escola, São Paulo, n. 9, p. 32-41, mai., 1999.

GEHLEN, S. T.; SCHROEDER, E.; DELIZOICOV, D. A abordagem histórico-cultural no Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. In: VI Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Florianópolis. Anais... Florianópolis: ABRAPEC, 2007.

GIORDAN, A., VECCHI, G. As origens do saber: das concepções dos aprendentes aos conceitos científicos. Porto Alegre: Artmed, 1996.

LEAL, M. C. Estudo piloto de transposição didática da cadeia alimentar. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 3, Atibaia. Anais... Atibaia: ABRAPEC, 2001

LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. “Alfabetização científica no contexto das séries iniciais”, Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.3, n.1, p. 37-50, mar., 2001.

LORENZETTI, L.; SILVA, T. F. da; BUENO, T. N. N. A pesquisa em ensino de química nos ENPECs (1997 a 2013): mapeando tendências. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 10, Águas de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia: ABRAPEC, 2015.

LURIA, A R. Pensamento e linguagem as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

MONTEIRO, M. A.; NARDI, R. Tendências das Pesquisas Sobre o Ensino da Física Moderna e Contemporânea Apresentadas nos ENPEC. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 6, Florianópolis. Anais... Florianópolis: ABRAPEC, 2007.

MOREIRA, A. M. A teoria dos campos conceituais de Vergnaud, o ensino de ciências e a pesquisa nesta área. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v.7, n.1, p. 7-29, 2002.

MOREIRA, M. A.; MASINI, E. A. F. S. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo, Editora Moraes. 1982

MORTIMER, E. F. Linguagem e formação de conceitos no ensino de ciências. Belo Horizonte: ed. UFMG, 2000, 2ª reimpressão 2011.

NÚÑES, I. B. Vygotsky, Leontiev e Galperin: formação de conceitos e princípios didáticos. Brasília: Liber Livro, 2009.

PARANÁ, S.E.E.D. Proposta pedagógica curricular do curso de formação de docentes. Disponível em http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File /diretrizes/diretriz _formacao_docentes.pdf. Acesso em: 21 maio 2014.

PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Tradução de: Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo Sergio Lima Silva. 24. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

RONCA, A. CARUSO, C. Teorias de ensino: a contribuição de David Ausubel. Temas Psicologia, v. 2, n. 3, p. 91-95, 1994.

SILVA, S.V. Potencialidades de um curso de formação continuada para a construção de conhecimentos e formação de conceitos em ciências naturais. 2017. 186 f. Dissertação (Mestrado em Formação Científica, Educacional e Tecnológica) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2017.

SLONGO, I. I. P.; LORENZETTI, L.; GARVÃO, M. A pesquisa em educação em ciências disseminada no ENPEC (2007 a 2013): explicitando dados e analisando tendências. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 10, Águas de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia: ABRAPEC, 2015.

VERGNAUD, G. A comprehensive theory of representation for mathematics education. Journal of Mathematical Behavior, v. 17, n. 2, p. 167-181, 1998.

VERGNAUD, G. La théorie dês champs conceptuals. Recherches en Didactique dês Mathématiques. RDM, Grenoble, v. 10, n. 2.3, p. 133-169, 1990.

VERGNAUD, G. Lev Vygotsky: pedagogo e pensador do nosso tempo. Porto Alegre: GEEMPA, 2004.

VERGNAUD, G. A criança, a matemática e a realidade. Curitiba: Ed. UFPR. 2014.

VIECHENESKI, J. P.; LORENZETTI, L.; CARLETTO, M. R. A alfabetização científica nos anos iniciais: uma análise dos trabalhos apresentados nos ENPECs. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 10, Águas de Lindóia. Anais... Águas de Lindóia ABRAPEC, 2015.

VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

VYGOTSKY, L. S. A. formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Martins Fontes, 2003.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Notas

[3] Édouard Claparède, natural de Genebra (1873 a 1940), conhecido entre os que realizaram estudos universitários em Psicologia e em Pedagogia em um período anterior a 1980. A maioria de seus livros, escritos na primeira metade do século XX, era frequentemente lida pelos estudantes desejosos de melhor compreender o pensamento infantil. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/pp/v23n2/a14v23n2.pdf > . Acesso em: 17 abr. 2017.

Ligação alternative



Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R