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A FORMAÇÃO DOUTORAL EM EDUCAÇÃO: REPENSANDO O ESTÁGIO DE DOCÊNCIA PARA PROFESSORES E PROFESSORAS EXPERIENTES
DOCTORAL TRAINING IN EDUCATION: RETHINKING THE TEACHING INTERNSHIP FOR EXPERIENCED TEACHERS
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol.. 6, núm. 1, 2018
Universidade Federal de Mato Grosso

Artigos

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 6, núm. 1, 2018

Recepção: 17 Novembro 2017

Aprovação: 15 Fevereiro 2018

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: O presente texto tem por objetivo refletir sobre a formação doutoral no campo da educação, desde a experiência formativa de inserção na organização e participação em eventos de natureza acadêmico-científica. Trata-se de um trabalho descritivo e reflexivo motivado por duas questões problematizadoras: Qual o significado do estágio num doutorado em educação? Como a participação em eventos científicos pode funcionar como estágio na formação de doutores? Defende-se que em doutorados, cujos doutorandos já são professores experientes no exercício do magistério da educação básica e/ou superior, além das ações propostas no APCN do PPGECEM / REAMEC, é igualmente significativo para a formação do(a) professor(a), doutor(a) em formação, que o estágio de docência esteja vinculado a atividades acadêmico-científicas que possibilitem e desafiem o(a) doutorando(a) a se envolver com a vida científica e acadêmica mais ampla.

Palavras-chave: Formação docente, estágio de docência, evento científico.

Abstract: The present text aims to reflect on the doctoral education in the field of education, from the formative experience of insertion in the organization and participation in events of academic-scientific nature. This is a descriptive and reflexive work motivated by two problematizing questions: What is the significance of the internship in a doctorate in education? How can participation in scientific events work as a stage in the training of doctors? It is argued that in PhDs, whose doctoral students are already experienced teachers in the exercise of the teaching of basic and / or higher education, it is more significant for the formation of the teacher, doctor in training, that the internship of teaching is linked to academic-scientific activities that enable and challenge the doctoral student to become involved in the broader scientific and academic life.

Keywords: Teacher training, teaching internship, scientific event.

1. Introdução

De acordo com o Art. 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96) o exercício do magistério na Educação Básica é condicionado à formação docente “[...] em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação”. É nas licenciaturas que os futuros docentes realizam o estágio de docência como condição obrigatória para a sua formação profissional como professores.

Como estabelece a Art. 65 da referida lei: “A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas”. Portanto, em se tratando do magistério na Educação Superior a LDBEN 9.394/96 excetua a exigência mínima de “prática de ensino”, o que nas licenciaturas é realizada regularmente por meio do estágio de docência. Inclusive a LDBEN em vigor prevê que “A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (Art. 66).

A Portaria No. 76, de 14 de abril de 2010 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) aprovou o novo Regulamento do Programa de Demanda Social, que regulamenta a distribuição de bolsas de estudo para alunos de mestrado e doutorado. Essa portaria inovou com a criação do estágio de docência para professores do ensino superior e estabelece no Art. 18 que “O estágio de docência é parte integrante da formação do pós-graduando, objetivando a preparação para a docência, e a qualificação do ensino de graduação sendo obrigatório para todos os bolsistas do Programa de Demanda Social [...]”.

O projeto do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC) apresentado à CAPES para a criação do mesmo, inspirando-se nesta portaria, previu a realização de um estágio de docência para seus doutorandos e a intenção dos idealizadores do programa que redigiram o projeto era que os doutorandos pudessem passar um período de um semestre na instituição de seu/sua orientador/a, quando realizaria o referido estágio.

O texto está estruturado em três seções: primeiramente contextualizamos com uma apresentação da REAMEC e do idealizado para o estágio no PPGECEM; em seguida apresentamos o evento científico objeto da experiência vivida e por último passamos à discussão e análise na seção intitulada a experiência refletida.

O texto é concluído com a defesa de que em doutorados, cujos doutorandos já são professores experientes no exercício do magistério da educação básica e/ou superior, é mais significativo para a formação do(a) professor(a), doutor(a) em formação, que o estágio de docência esteja vinculado a atividades acadêmico-científicas que possibilitem e desafiem o(a) doutorando(a) a se envolver com a vida científica e acadêmica mais ampla, o que repercutirá de forma positiva para repensar a própria prática docente em sala de aula à medida em que alarga os horizontes e possibilidades da sua constituição como docente.

2. A REAME E O ESTÁGIO DE DOCÊNCIA

O Doutorado em Educação em Ciências e Matemática é destinado à formação de docentes e pesquisadores na subárea de Ensino de Ciências e Matemática e vem sendo oferecido por uma Associação de cerca de trinta Instituições de Educação Superior (IES) da Amazônia Legal brasileira intitulada Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC), tendo a Universidade Federal de mato Grosso como IES responsável pela condução do programa junto à CAPES. O programa foi aprovado pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) em 2010 e já realizou quatro seleções que contemplaram mais de cento e cinquenta (150) professores das IES Associadas, distribuídos por nove (9) Estados da Amazônia Legal brasileira.

Conforme previsto no Regimento do PPGECEM / REAMEC, as instituições desta Associação em Rede se caracterizam em quatro categorias (DARSIE, 2011, p. 263), a saber:

1. Instituição Coordenadora Geral: A coordenação geral é exercida por uma das instituições coordenadoras de Polo Acadêmico do PPGECEM/ REAMEC; •

2. Instituições coordenadoras de Polos Acadêmicos: São as instituições integrantes do PPGECEM/REAMEC dentre as que possuem pelo menos um Curso de Mestrado da área 46 ou da Educação, com linha de pesquisa da área, e com docentes credenciados como permanente no programa;

3. Instituições Representantes Estaduais: São as instituições integrantes da REAMEC, eleitas dentre as IES associadas de cada Estado;

4. Instituições Associadas: São todas aquelas integrantes do PPGECEM que inicialmente compõem a Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC – responsáveis pelo Programa e aquelas que tiverem seu pedido de adesão aprovado pelo colegiado do curso.

O Art. 4º. do Regimento define o objetivo geral do Programa: Formar doutores para atuarem na pesquisa, na formação de professores, na docência em Educação em Ciências e Matemática, contribuindo para a produção de novos conhecimentos, para a melhoria do ensino e da aprendizagem nas escolas de todos os níveis e para o desenvolvimento sustentável da Região Amazônica.

O Programa se organiza em torno de duas linhas de pesquisa: 1) Formação de Professores de Ciências e Matemática e 2) Fundamentos e Metodologias para a Educação em Ciências e Matemática, as quais constituem o eixo principal das atividades acadêmico-científicas do Programa de Doutorado em Educação em Ciências e Matemática, sendo estas transversalizadas pelos temas Cultura e Ambiente.

O projeto prevê a realização estágio docência como um componente curricular obrigatório para todos os doutorandos e deve ser desenvolvido, obrigatoriamente, em cursos de Licenciatura de Química, Física, Matemática, Biologia e Pedagogia, nesta última em disciplinas destinadas ao ensino de ciências e matemática.

Este estágio tem como objetivo proporcionar experiências inovadoras em ensino e aprendizagem de Ciências e Matemática, ligadas às práticas docentes no Ensino Superior e na Educação Básica.

A proposta de estágio contida no APCN / CAPES visa a integralização de 08 (oito) créditos num total de 120 h, dentre outras atividades, conforme Quadro 1.

Quadro 1
Atividades de integralização de créditos para os doutorandos do PPGECEM / REAMEC.

Fonte: Art. 42 do Regimento Geral do PPGECEM / REAMEC.

O projeto previa o envolvimento de doutores orientadores, doutorandos, graduandos/licenciandos e professores de escolas públicas, “buscando abarcar a diversidade de formação e experiências prévias em docência dos doutorandos, este componente poderá abarcar as seguintes situações”:

A) Doutorando sem experiência na docência de nível superior

- Para este doutorando o estágio docência destina-se a adquirir experiência docente em Licenciatura, nas disciplinas pedagógicas como: estágio supervisionado, práticas docentes (referem-se às quatrocentas horas de práticas docentes do currículo das licenciaturas) ou aulas de laboratório, monitorando o trabalho do professor regente, que exercerá aqui a função de tutor ou docente experiente que introduz o futuro professor nas práticas de sala se aula. O doutorando participará do planejamento, execução e avaliação de disciplina de no mínimo 60 horas. O acompanhamento desta experiência ficará sob a responsabilidade do seu orientador. A experiência deverá se dar dentro do programa da disciplina do professor regente. O doutorando deverá apresentar projeto prévio de sua participação, com aprovação do professor regente e do colegiado do curso a que se destina sua prática, ao colegiado do Programa de doutorado. Ao final do estágio apresentará relatório circunstanciado e teorizando sua experiência. O relatório será aprovado por seu orientador. O estágio poderá ser desenvolvido tendo o próprio orientador como tutor, desde que este seja regente de uma disciplina pedagógica na graduação.

B) Doutorando que está atuando em cursos de Licenciatura

- Neste caso o estágio docência, prevê o desenvolvimento de um projeto de intervenção junto às Escolas Públicas. O doutorando, sob a supervisão de seu orientador/coorientador, deverá propor um projeto de formação continuada para professores de ciências e matemática de escolas públicas. Neste projeto, sendo o doutorando professor de uma Licenciatura, deverá ele envolver seus alunos de graduação. (APCN, 2008, s/p.)

Assim, o projeto sugeria que o doutorando poderia “propor oficinas de conteúdos e metodologias, temáticas e experiências inovadoras a professores da rede, proceder a diagnósticos e intervenções em sala de aula”, bem como “atuar em classes de reforço na aprendizagem dos alunos” e “criar projeto de apoio a professores e alunos”.

No caso em que o doutorando ministre disciplina em curso de licenciatura da área,

[...] quando esta for o próprio estágio supervisionado, este se constituirá em especial momento para desenvolver com os graduandos experiências na Educação Básica. O graduando ao assumir sala de aula o fará tendo o professor regente da escola como tutor. Este tutor deverá ser previamente preparado para assumir esta tarefa de professor experiente que recebe um graduando para as práticas docentes. Esta preparação (formação continuada) dos professores das escolas, constitui-se o projeto de estágio docência do doutorando. O projeto deverá contemplar, no mínimo, 60 horas de atividades, ser aprovado pelo professor tutor da escola e ser encaminhado para aprovação do colegiado do Programa de doutorado. Projetos desenvolvidos junto aos Centros de Formação Continuada de professores, quando existentes nos Estados em que o doutorando reside e a participação em projetos de formação continuada das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, desde que envolvam os graduandos/licenciandos, poderão ser registrados como estágio docência. O projeto de estágio docência deverá ter aprovação do colegiado do doutorado que aprovará também relatório circunstanciado com teorização da prática experenciada. (APCN, 2008, s/p.)

Ao rever o que foi previsto no projeto inicial, fica claro que foi uma ótima proposta para doutorandos recém-saídos do mestrado, sem experiência ou com pouca experiência de sala de aula no ensino superior, pois se previa o acompanhamento de professores experientes (os orientadores) no oferecimento de disciplinas em licenciatura da área; elaboração de projetos de intervenção em escolas públicas de educação básica, relativamente ao ensino de ciências; participação em programas de formação continuada de professores da educação básica, entre outras atividades relacionadas.

Entretanto, todos já são professores do ensino superior com experiência em uma licenciatura da área (exigência do edital de seleção do programa) e realizam o doutorado em serviço, com direito a afastamento apenas após a qualificação (na maioria dos casos), o que dificultou a realização do estágio de docência no ensino superior junto ao/à orientador/a, como se idealizou no início. Assim, outras alternativas tiveram que ser buscadas para que os doutorandos cumprissem os créditos previstos com estágio de docência, dada a complexidade de operacionalização da proposta idealizada no âmbito das IES Associadas, nas quais os doutorandos exercem inúmeras atividades, além da docência.

Alguns doutorandos elaboraram projetos de formação continuada de professores na área em que atuam (Química, Física, Biologia etc.), outros realizaram cursos de extensão para estudantes de graduação, com relação à temática da pesquisa em desenvolvimento. Outros conseguiram acompanhar seu orientador em algum projeto mais amplo, desenvolvido em rede entre duas ou mais IES e a educação básica, como foi o caso do Observatório da Educação desenvolvido pela UFMT em rede com outras IES do sudeste brasileiro.

3. A experiência vivida

O evento que serviu como motivação para a elaboração desse trabalho é o “I Encontro das Licenciaturas do IFMA Campus São Luís Monte Castelo”[3]. O Encontro surgiu de inquietações e discussões internas feitas inicialmente por professores do Departamento de Ciências Humanas e Sociais (DHS), que foram alargadas e articuladas com os Departamentos Acadêmicos de Matemática (DEMAT), de Física (DEFIS), de Biologia (DAB) e de Química (DAQ). O evento foi realizado no período de 08 a 11 de outubro de 2013, na própria sede do IFMA Campus São Luís Monte Castelo. O Encontro teve como tema “Formação de professores: políticas e práticas educativas”, sendo este distribuído em três eixos temáticos: Política nacional de formação docente presencial e a distância; Bases epistemológicas da formação docente e as implicações no currículo das licenciaturas; Carreira e valorização docente no contexto dos Institutos Federais. (IFMA, 2013).

O Encontro nasceu da necessidade de se ampliar a discussão e reflexão sobre as políticas públicas e suas relações com o processo de formação de professores, envolvendo docentes e discentes, no interior das Licenciaturas do IFMA. Nesse âmbito, o Encontro propunha-se a discutir e apresentar encaminhamentos acerca dos pressupostos teórico-metodológicos que fundamentam a prática pedagógica na formação dos futuros professores e em que medida estes pressupostos correspondem às exigências de um projeto de sociedade mais justa e democrática no Estado. (IFMA, 2013).

Por meio de portaria institucional foi constituída uma Comissão de Organização, formada por professores representantes dos departamentos envolvidos (DHS, DEMAT, DEFIS, DAQ, DAB). No processo de organização formamos as comissões de orçamento e finanças, comunicação e divulgação, infraestrutura e logística, científica e as comissões temáticas (Produção Acadêmica e Científica, Núcleo de Práticas Pedagógicas, Projetos Pedagógicos de Cursos, Estágio Supervisionado); e definimos o calendário de reuniões e o plano de trabalho das comissões.

Desde o início o primeiro autor participou das discussões e do processo de organização do evento, quando acordamos que o mesmo não seria nem um fórum (pois, não teríamos como garantir a extensão e a representatividade do mesmo para todos os campi do IFMA), nem um seminário (pois, ficaria bastante restrito às discussões de âmbito mais teórico e acadêmico). Decidimos pelo formato de “encontro”, pois, possibilitaria tanto a discussão teórica como os encaminhamentos relativos à realidade das licenciaturas em nosso campus. Em decorrência do deferimento da liberação do primeiro autor para o doutorado, o mesmo solicitou seu afastamento da presidência da comissão organizadora, continuando a participar ativamente das discussões e do evento na condição de membro da comissão de comunicação e divulgação.

A grande procura e participação no evento do público interno e externo ao Instituto Federal (Figura 1), especialmente dos licenciandos do campus São Luís Monte Castelo, surpreendeu até mesmo os organizadores do encontro, o que pode ser um indicativo da carência de espaços de discussão e da necessidade de aprofundamentos e estudos sobre o tema do evento.


Figura 1
Imagens do público participante do evento
Fonte: Andrade; Fernandes. Portal IFMA, São Luís, 2013.

Os trabalhos realizados nas palestras, mesas-redondas e comissões temáticas produziram uma atmosfera acadêmica de crítica e criatividade em relação aos problemas vivenciados pelas licenciaturas no IFMA.

No entanto, em decorrência de um fator externo, com repercussão na mídia nacional, o evento foi prejudicado em seu processo criativo e propositivo. Na noite do segundo dia do encontro, 9/10/2013, uma rebelião na Casa de Detenção do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, deixou mortos e feridos. Em resposta às mortes, uma facção criminosa promoveu incêndios a ônibus. (G1 MARANHÃO, 2013). Como consequência, uma onda de pânico se espalhou pela cidade e muitas instituições, inclusive o próprio IFMA campus São Luís Monte Castelo, temendo mais ações violentas decidiram pela paralização das suas atividades no dia 11/10/2013. Isso causou o esvaziamento do público e os trabalhos de conclusão e encaminhamentos das comissões temáticas, que ficaram com a incumbência de retomar os trabalhos num outro momento.

É importante ressaltar o papel das comissões temáticas para o evento. Essas comissões (Produção Acadêmica e Científica, Núcleo de Práticas Pedagógicas, Projetos Pedagógicos de Cursos, Estágio Supervisionado) foram pensadas como estratégia fundamental para o propósito, a dinâmica de funcionamento e a programação do evento, desenvolvendo trabalhos de sistematização e elaboração de relatório contendo os principais pontos discutidos, as propostas formuladas e os encaminhamentos para a sua efetivação. Cada comissão temática era composta por um relator e um moderador das discussões durante a reunião da comissão no evento, que ocorria sempre após a realização de palestra e mesa-redonda, com o intuito de que os participantes da comissão reunida estabelecessem as possíveis relações entre a temática da palestra ou mesa-redonda com a temática da própria comissão.

4. A experiência refletida

Devemos aqui retomar as questões problematizadoras anteriormente expostas: Qual o significado do estágio de docência num doutorado em educação, em educação em ciências ou outras áreas correlatas? Como a participação em eventos acadêmicos podem funcionar como estágio de docência na formação de doutores? Por certo que para responder a tais questões, considerando a reflexão sobre a própria experiência objeto do texto, faz-se necessário esclarecer em que sentido compreendemos a formação e o estágio docentes no contexto doutoral. Assim, procederemos em nossa reflexão discutindo a formação, o estágio e o aprendizado com a experiência vivida no evento acadêmico.

Consideramos que a formação docente é complexa, no sentido de que não envolve apenas um ou outro aprendizado técnico ou saber específico, mas se dá numa teia de saberes e práticas que se entrecruzam num processo social e pessoal dinâmico. Como observa Pimenta (1997) os “saberes da docência” compreendem de forma relacional os saberes da experiência, os saberes científicos, os saberes pedagógicos. Consideramos que em decorrência dessa complexidade, a formação não poderá ser tomada como algo acabado, finalizado, fechado em si mesmo. As noções antropológicas de “inacabamento” e “inconclusão” de que fala Freire (1997) devem ser consideradas numa visão crítica de formação docente. E esta, a visão crítica, é outro aspecto que consideramos relevante na formação docente:

A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autónomo e que facilite as dinâmicas de auto-formação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projectos próprios, com vista à construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional. [...]

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência. (NÓVOA, 1992, p. 13, grifos do autor)

Se considerarmos os aspectos acima apresentados (complexidade, inacabamento, criticidade) no contexto da formação docente, necessariamente devemos também considerá-los no contexto do estágio de docência. O estágio não pode ser reduzido à prática da docência, entendida essa de forma reducionista como o ato de ministrar aula. Ou ainda, não partilhamos de uma visão que dicotomiza o momento teórico da formação docente (identificado como as aulas nas universidades, faculdades e institutos) e o momento prático ou de aplicação da teoria (identificado com o estágio). Buscando superar a redução do estágio de docência à ação docente de dar aula e a dicotomia entre teoria e prática na formação docente, pensamos ser mais adequado compreender o estágio como um “campo de conhecimento”:

Entendemos que o estágio se constitui como um campo de conhecimento, o que significa atribuir-lhe um estatuto epistemológico que supera sua tradicional redução à atividade prática instrumental. Enquanto campo de conhecimento, o estágio se produz na interação dos cursos de formação com o campo social no qual se desenvolvem as práticas educativas. Nesse sentido, o estágio poderá se constituir em atividade de pesquisa. (PIMENTA; LIMA, 2006, p. 6).

A este ponto, uma vez esclarecida a nossa compreensão de formação e de estágio, postulando que a extensão também pode cumprir esta função, como a organização de eventos acadêmico-científicos ou cursos para formação de professores da rede pública e prosseguimos com a reflexão sobre a experiência vivida.

A reflexão volta-se para o âmbito da formação docente desde a participação em evento acadêmico, portanto acentua aspectos formativos que o evento acadêmico propicia para além daqueles presentes em sala de aula (tanto na condição docente, como na condição discente). Por certo que ao trazermos o evento acadêmico (seminários, encontros, simpósios, fóruns, etc.) à baila para refletir sobre formação e estágio, estamos conscientes dos seus limites, e, menos ainda, significa dizer que advogamos a sua exclusividade ou primazia sobre outras práticas de formação e estágio de docência para o ensino superior.

O principal limite do evento acadêmico é justamente a sua condição de ser “evento”, a sua eventualidade. Um evento pode ser um acontecimento pontual de curta duração, pode ser efêmero, fragmentado e passageiro. Mas, um evento também pode ser impactante, marcante, demarcar um antes e um depois. Reconhecemos que um evento acadêmico, muito embora pontual e de curta duração, leva tempo para se planejar e organizar e a sua repercussão não se encerra com a cerimônia de encerramento. Portanto, não podemos mensurar a sua repercussão e relevância considerando apenas o momento em que ele ocorre. Um evento acadêmico pode ser impactante, pode significar a quebra de rotina no percurso linear da formação e da vida acadêmica, acentuadamente marcada pelo ritual da aula disciplinar.

Ao refletirmos sobre a experiência vivida no evento acadêmico, destacamos dois aspectos formativos: o aprendizado com o processo de organização e o aprendizado com o processo de discussão. Em ambos os processos é possível inferirmos desde a participação dos sujeitos envolvidos nuances das dimensões política, ética e epistemológica da formação e da prática docentes.

O processo de construção e organização do evento mostra-se como um jogo de forças, interesses e competências diversos, envolvendo a instituição, seus departamentos e setores, docentes, discentes e quadro técnico. Um jogo de forças que requer em muitas situações um “jogo de cintura”, uma espécie de saber diplomático acadêmico para lidar com situações adversas, com brios, posturas ideológicas, interesses e competências diversificadas. Definir pela realização do evento; o seu formato; a sua programação; os nomes para comissões, palestras, mesas redondas; a infraestrutura e a logística; a comunicação e divulgação; os recursos humanos e financeiros; os prazos a serem cumpridos... tudo é muito trabalhoso e, às vezes, melindroso. Uma informação mal repassada, um contato não realizado, um prazo não cumprido etc. pode comprometer a realização e o sucesso do evento.

Quantas vezes tivemos que remarcar reuniões, refazer a programação, fazer ajustes para se adequar às possibilidades de nossas forças, tanto pessoais como institucionais. Há quem se compromete do início ao fim do processo. Há sobrecarga de trabalho. Há quem desiste, se cansa, desacredita. Há quem busca o crédito pessoal, o holofote, o ponto a mais no currículo. O processo de organização de um evento exige profissionalismo. É um processo árduo de aprendizado profissional. Aprende-se a lutar, a buscar, a fazer, a escutar o outro, a entender a dinâmica interna da sua instituição, a construir coletivamente. Mas, também se aprende a ceder, a recuar, a repensar, a ouvir críticas, a assistir a silêncios e ausências de quem deveria por força de ofício estar presente e envolvido no processo.

No entanto, o que vem à tona, o que se mostra ao público em geral é o processo de discussão que o evento possibilita. O que acontece nos bastidores de um evento, antes, durante e após a sua realização pouco se sabe e poucos sabem. O que tem peso do ponto de vista acadêmico e social é o que o evento proporciona em termos de discussões, de debates, de estudos, de crítica, de reflexão, de produção teórica. Porém, só um evento bem organizado apresenta esses requisitos qualitativos necessários à discussão acadêmica e produção acadêmica do conhecimento.

Não é razoável fazer evento e mais evento, sem que o mesmo incida sobre a instituição que o realiza e o público que dele participa. O apelo ao produtivismo e ao marketing acadêmicos, não têm relevância nenhuma e são ervas daninhas para a colheita acadêmica. Um evento bem planejado e organizado pode sim fomentar processos pessoais e institucionais de formação, de inovação, de discussões adormecidas, de problemas não resolvidos. Particularmente, a experiência que tivemos no evento ora refletido levou-nos, dentre outras coisas, a repensar o projeto de pesquisa doutoral por doutorando e orientadora. As discussões ali feitas propiciaram qualificar, clarificar e tornar mais palpável aquilo que se pretendia discutir e pesquisar no doutorado. Portanto, sabendo bem olhar, ouvir e participar de um evento acadêmico, um doutorando colhe aprendizados significativos para a sua formação.

5. Considerações finais

Ressaltamos novamente que a reflexão aqui apresentada tem como contexto a formação e o estágio em programas de doutorado, considerando exclusivamente a condição de doutorandos que já exercem o magistério superior. Nesse contexto, a nossa reflexão advoga que para os doutorandos que já são professores em exercício do magistério superior, é igualmente significativo e mesmo produtivo para a formação do professor, doutor em formação, que o estágio de docência esteja vinculado a atividades acadêmicas que possibilitem e desafiem o doutorando a se envolver com a vida acadêmica mais ampla, para além da sala de aula; com a formação de professores para a educação básica, seja ela inicial ou para professores que já estão em exercício, entre alternativas possíveis, além das situações previstas no APCN do PPGECEM / REAMEC.

Não seria um estágio de docência reduzido ao ato de ministrar aulas, nem o momento prático da sua formação, onde iria aplicar ou verificar a teoria aprendida nas aulas do doutorado. Pensamos que o diferencial pedagógico de um doutor, enquanto um intelectual pesquisador está na sua capacidade de lançar desafios consistentes para os alunos em qualquer área de conhecimento. Instigar o aprendizado pela pesquisa e a consistência teórica, não se contentando simplesmente com a transmissão e transposição dos conhecimentos já sistematizados pela literatura.

Na área de educação em ciências, podemos pensar ainda, num compromisso com a melhoria da qualidade da educação básica nesta área, através da oferta de formação continuada para professores em exercício, tal como previsto no APCN do PPGECEM / REAMEC, embora a exequibilidade desta proposta tenha sido muito difícil de se viabilizar na prática e no cotidiano das IES Associadas.

Se esta premissa procede, consideramos que um doutor tenha mais condições de orientar o processo de ensino-aprendizagem mediante a prática da pesquisa, aproximando o ensino da produção efetiva do conhecimento, fazendo os alunos ou os professores perceberem os aspectos epistemológicos, metodológicos e histórico-políticos da produção científica.

Talvez nesse contexto, fosse mais apropriado se falar em estágio doutoral, como “um campo de conhecimento” que se constitua “em atividade de pesquisa” (PIMENTA; LIMA, 2006) ou de extensão. Pensar o estágio como espaço ou ritual de iniciação do doutorando. Nesse estágio “campo de conhecimento”, o doutorando poderia vivenciar experiências formativas outras que possibilitasse o exercício da pesquisa e a produção acadêmica. Nesse sentido, os eventos acadêmicos podem ser pensados como espaços privilegiados da formação doutoral, se pensarmos que envolvem o trabalho de organização, planejamento, discussão, avaliação e parecer de trabalhos, produção textual e comunicação de pesquisas.

Referências

ANDRADE, Valdália; FERNANDES, Madson. Começa I Encontro das Licenciaturas do IFMA – Campus Monte Castelo. Portal IFMA, São Luís, 10/10/2013. Disponível em: http://www.ifma.edu.br/index.php/departamentos/6210-comeca-i-encontro-das-licenciaturas-do-ifma-campus-monte-castelo. Acesso em: 02/05/2015.

APCN apresentado à CAPES para a criação do PPGECEM / REAMEC. Cuiabá, 2008.

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Portaria No 76, de 14 de abril de 2010. Regulamenta o Programa de Demanda Social dos programas de pós-graduação do país. Brasília, 2010.

DARSIE, Marta Maria Pontin. Programa de Pós-Graduação – Doutorado em Educação em Ciências e Matemática – PPGECEM – da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática – REAMEC. Revista de Educação Pública. Cuiabá, v. 20, n. 43, p. 357-377, maio/ago. 2011. Disponível em:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

IFMA. Blog do I Encontro das Licenciaturas do IFMAcampus São Luís Monte Castelo. São Luís: IFMA, 2013a. Disponível em: http://encontrolicenciaturaifma.blogspot.com.br/. Acesso em: 29/04/2015.

IFMA. Projeto do I Encontro das Licenciaturas do IFMA campus São Luís Monte Castelo. São Luís: IFMA, 2013b.

PIMENTA, Selma Garrido. Formação de professores: saberes da docência e identidade do professor. Nuances: estudos sobre educação, vol. III, p. 5-14, 1997. Disponível em http://revista.fct.unesp.br. Acesso em: 05/07/2014.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência: diferentes concepções. Revista Poíesis Pedagógica, PPGEDUC, Universidade Federal de Goiás, Vol. 3, Nº. 3 e 4, p.5-24, 2006. Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/poiesis/article/view/10542. Acesso em: 29/04/2015.

NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. Repositório da Universidade de Lisboa, 1992. Disponível em: http://repositorio.ul.pt. Acesso: 15.08.2012.

PROGRAMA de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Regimento Geral. Cuiabá, 2014.

Notas

[3] Passaremos a utilizar a denominação de “Encontro” para nos referirmos ao evento em questão.

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