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O PENSAR MATEMÁTICO NAS OLIMPÍADAS DA MATEMÁTICA

THE MATHEMATICAL THINKING IN THE MATHEMATICS OLYMPICS

Luiz Carlos Fernandes
Instituto Federal de MInas Gerais, Brasil
Raquel Martins Fernandes Mota
Instituto Federal Mato Grosso, Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 5, núm. 1, 2017

revistareamec@gmail.com



DOI: https://doi.org/10.26571/2318-6674.a2017.v5.n1.p115-130.i5347

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: O presente artigo traz um relato de experiências da Olimpíada Mineira de Matemática, projeto de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, bem como uma discussão sobre o trabalho realizado e a possibilidade de favorecer o pensar matematicamente. Objetiva-se analisar a Olimpíada Mineira de Matemática, a partir da noção do processo de formação do pensar matemático. Tem-se como problema de pesquisa: Até que ponto a Olimpíada Mineira de Matemática favorece a formação do pensar matemático? A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e observação assistemática. Descreve-se algumas das atividades que foram construídas e realizadas em conjunto com professores de escolas públicas, visando uma maior inter-relação entre a universidade e a escola participativa, principal foco das ações. Espera-se com este trabalho contribuir para o ensino de matemática apresentando as Olimpíadas como uma ferramenta pedagógica.

Palavras-chave: ensino, Olimpíadas Mineira de Matemática, pensar matemático.

Abstract: This article presents an account of the experiences of the Mathematical Olympiad of Minas Gerais, an extension project of the Federal University of Minas Gerais, as well as a discussion about the work done and the possibility of favoring mathematically thinking. The objective of this study is to analyze the Mathematical Olympiad of Minas Gerais, based on the notion of the mathematical thinking process. One has as a research problem: To what extent does the Mathematical Olympiad of Minas Gerais favor the formation of mathematical thinking? The methodology used was bibliographic research and unsystematic observation. Some of the activities that were constructed and carried out together with public school teachers are described, aiming at a greater interrelation between the university and the participatory school, the main focus of the actions. We hope to contribute to the teaching of mathematics by presenting the Olympics as a pedagogical tool.

Keywords: teaching, Mathematical Mining Olympics, mathematical thinking.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo traz um relato de experiências da Olimpíada Mineira de Matemática, projeto de extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, bem como uma discussão sobre o trabalho realizado e a possibilidade de favorecer o pensar matematicamente. Descreve algumas das atividades que foram construídas e realizadas em conjunto com professores de escolas públicas, visando uma maior inter-relação entre a universidade e a escola participativa, principal foco das ações. Entre estas atividades estão à constituição de um grupo de trabalho com professores da educação básica e, a partir das demandas deste grupo, intervenções diretamente nas escolas no formato de gincanas com seus alunos, oficinas de resolução de problemas e cursos de atualização para professores e outras. De maneira geral, o projeto das olimpíadas pretende contribuir com a formação dos professores envolvidos, construindo com eles estratégias, usando problemas de olimpíadas, para possíveis melhoras na motivação dos alunos, no relacionamento professor-aluno, enfim, no ensino de matemática em geral.

O objetivo é fazer uma análise das Olimpíadas de Matemática, em especial a Olimpíada Mineira e as atividades relacionadas, tendo em vista o processo de formação do pensar matemático. Ao investigar o pensar matemático no contexto das olimpíadas de matemática, temos como problema de pesquisa: Até que ponto a Olimpíada Mineira de Matemática favorece a formação do pensar matemático?

A relevância desta pesquisa diz respeito ao fato de as Olimpíadas terem uma forte repercussão no meio escolar, sendo assim justifica-se pela necessidade de investigar os reais benefícios da mesma, neste caso a contribuição para a formação do pensar matemático. A Metodologia utilizada foi: a pesquisa bibliográfica e observação assistemática, onde o que foi percebido e relatado permite vislumbrar o desenvolvimento do pensar matemático em sala de aula.

1.1. Olimpíadas de Matemática: breve histórico

Aqui faremos um relato sobre a história das olimpíadas de matemática ao redor do Brasil e do mundo, de suas mudanças ao longo do tempo e suas características nos dias de hoje. Principalmente no Brasil, o objetivo das olimpíadas de matemática mudou significativamente desde o seu início, passando por um período, em que sua realização se dava num sentido seletivo, até um período inclusivo. Além disso, falaremos das atividades e experiências na Olimpíada Mineira de Matemática.

1.1.1. IMO e Olimpíadas Brasileiras

As competições de Olimpíadas de Matemática tiveram seu início na Hungria, em 1894, quando se realizou uma prova entre os alunos concluintes do segundo grau, em homenagem a um professor. Anos mais tarde, em 1959 foi criada a Olimpíada Internacional de Matemática (IMO), que hoje envolve mais de 100 países. O intuito destas olimpíadas é a competição entre os alunos de variados países. O Brasil tem uma participação importante, já tendo conquistado 6 medalhas de ouro.

Outras competições também acontecem ao redor do mundo, tais como a Olimpíada ibero-americana, que conta com a participação de mais de 20 países da América Latina, além de Portugal e Espanha. A Olimpíada de Mayo que envolve países da América Latina e a Olimpíada do Cone Sul.

Além destas, é realizada no Brasil desde 1979, a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM). Esta surgiu com o objetivo específico de selecionar alunos para representar o Brasil nas diversas olimpíadas internacionais. Por isso era realizada em uma única fase, contendo cinco ou seis questões discursivas e não era separada por níveis, fazendo com que seus premiados fossem todos do Ensino Médio. Por ser praticamente uma prova de seleção, as questões eram de nível bem elevado, às vezes fora do alcance da maioria dos alunos.

A partir de 1990, a OBM passou a ter duas fases. A primeira contendo 20 ou 25 questões objetivas e a segunda, seis questões discursivas. Nesse ano também, passou-se a dividir a competição em níveis: a OBM Sênior, para o ensino médio e a OBM Júnior, para o ensino fundamental. E em 1998, passou a ter o formato atual em três fases, sendo a primeira com 20 questões objetivas e a segunda e terceira com seis questões discursivas cada uma. O formato atual conta também com a divisão em três níveis usada pela maior parte das olimpíadas nacionais, onde o Nível um corresponde aos alunos de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, o nível dois, aos alunos das 7ª e 8ª séries e o nível três, aos alunos do ensino médio. No formato atual, a inclusão é visivelmente maior, a prova da primeira fase conta com questões acessíveis a todos os alunos em seus correspondentes níveis e não exigem um grau de conhecimento elevado, apenas um raciocínio “esperto” e conhecimentos básicos, mesmo a prova para o ensino médio.

E em 2005, com este propósito de inclusão, o governo brasileiro aposta no que hoje é a maior olimpíada de matemática já realizada na história, a OBMEP: Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas.

Atualmente acontecem olimpíadas em vários estados e regiões do Brasil, com vários formatos e especificidades. O objetivo original deste tipo de competição é principalmente detectar e orientar jovens com especial talento para pesquisa científica, especialmente Matemática. Mas com a constante reflexão sobre o tipo de problemas de que tratam as olimpíadas de Matemática, mais próximos de desafios do que de tarefas; e apoiando-se na convicção de que Matemática é uma ciência de resolução de problemas.

1.1.2 Olimpíada Mineira e atividades relacionadas

Ao contrário do que se pensa, o trabalho com olimpíadas de matemática não se limita apenas à resolução de uma prova. Especialmente em projetos de olimpíadas regionais, são realizadas diversas atividades, como treinamentos, orientações a professores, jogos, gincanas, cursos e palestras. Mesmo a OBMEP conta com uma apostila anual que contém exemplos de problemas para que o professor possa trabalhar com seus alunos antes da prova.

Nesta visão, a Olimpíada Mineira de Matemática (OMM) amplia a partir de 2004 seus objetivos, incluindo um contato mais estreito com o professor da escola envolvida, com sugestões para sua formação continuada e suas aulas, tratando-o como parceiro no planejamento e execução das atividades. E a OMM passa a "promover a divulgação e difusão da Matemática em todos os níveis, identificar e orientar jovens com especial talento para a pesquisa em Matemática e aproximar cada vez mais a universidade do sistema público de educação básica". Existe, é claro, a prova, a competição, a premiação. Mas existe também uma série de outras atividades adequadas ao alcance dos objetivos da OMM. Destinadas aos alunos e professores a partir a 5ª série do ensino fundamental, estas atividades complementares à prova tendem a contribuir para a melhoria do ensino e aprendizagem na escola básica, propiciando situações para que o aluno passe a enxergar a matemática como uma ciência presente, útil e envolvente, e assim vivencie um estudo agradável e motivador.

A metodologia da Olimpíada Mineira está fundamentada na constituição de um grupo de trabalho, do qual participam professores do Departamento de Matemática da UFMG, alunos de graduação em Matemática e áreas afins e professores de escolas públicas.

Uma vez identificadas as demanda dos professores de escolas públicas, e usando estratégias de resolução de problemas, são elaboradas diferentes atividades visando contribuir com o processo de ensino e aprendizagem de Matemática nas escolas envolvidas. Algumas destas atividades estão descritas neste trabalho.

2. PENSAR MATEMATICAMENTE

“O que é discutível é só se o pensar pode ser ensinado, mas não há dúvida de que pode ser encorajado.”

(Matthew Lipman)

“O talento e o sucesso na matemática não provêm de aptidões inatas, mas surgem de bons raciocínios.”

(Daniel, et al.)

Neste momento pretende-se mostrar as características básicas do pensar matemático defendido para o contexto educacional. Define-se por pensar matematicamente a habilidade de desenvolver raciocínios tendo como objeto conceitos matemáticos privilegiando o processo cognitivo do educando.

2.1. Motivação

A Olimpíada em si constitui-se de atividades lúdicas, jogos que pela competição leva a um processo de conhecimento. O desafio pode ser uma motivação intrínseca ao educando, própria da adolescência (RIBEIRO, 2005), ou intrínseco à própria matemática em seus conteúdos. A motivação pode ser intrínseca partindo do interior do educando, do seu querer; ou até mesmo extrínseca, partindo das atividades que estimulam os educandos.

2.1.1. Contribuição das Olimpíadas segundo os alunos da escola básica

Segue o depoimento de um dos alunos de ensino médio que participaram das atividades em 2005, que vai de encontro à mudança de comportamento em relação à matemática que se pode perceber nos alunos que participaram de gincanas e provas.

“Eu sempre me interessei pelas olimpíadas de matemática devido aos seus problemas desafiadores que exigem muito raciocínio lógico, diferente dos que nos deparamos ao longo do Ensino Fundamental e Médio que exigem muito mais que se decore fórmulas do que raciocínio. Por esse motivo resolvi participar da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas de 2005 na qual fui premiado com uma bolsa de iniciação científica jr. pelo CNPq. Minha participação nessa olimpíada foi muito importante, pois além de ter ganhado a bolsa de estudos, desenvolvi bastante meu raciocínio lógico na resolução de exercícios de várias olimpíadas de matemática durante a minha preparação para as provas.”

2.1.2. Contribuição das Olimpíadas segundo professores da escola básica

Há certos momentos onde um grande número de atividades, como gincanas, oficinas para professores, elaboração da prova, ocorrem simultaneamente e é necessário o envolvimento de outros professores que se dispõe a contribuir. Uma professora, do departamento de matemática da UFMG e professora do Colégio Técnico da UFMG, coordenou uma oficina de resolução de problemas para um grupo de professores e também uma das salas de gincana. Seu relato:

“Os alunos se sentem completamente motivados pela atividade, mesmo aqueles que geralmente não gostam de matemática ou são desinteressados pela matéria. Eles acham a competição legal e os exercícios muito bem formulados, de enunciados simples e inteligentes. Eles perguntam sempre no final da atividade se as aulas de matemática podem ser sempre como essas daí por diante. Mas, surpreendentemente para mim, eles não se importam se o grupo deles foi o vencedor ou não. A atividade por si basta para deixá-los contentes. Quando a mesma atividade foi feita com professores, nota-se em primeiro lugar a surpresa da maior parte deles de como a matemática pode ser legal. Eles mesmos acham o ensino de matemática enfadonho, e os exercícios chatos. Isso os motiva a bolar exercícios mais interessantes sobre a matéria que estão ensinando. Com relação a mim, enquanto professora também do ensino médio, as atividades melhoraram bastante o meu relacionamento com os meus alunos, que passaram a se interessar mais pelas aulas e eu pude falar sobre outros assuntos, que não aqueles da grade curricular do ensino médio. Eles começaram a achar que a matemática enfim pode ser interessante e isso serviu de estímulo para tanto eu variar o meu método de dar aula, propondo sempre atividades mais interessantes quanto para diversificar o conteúdo, mostrando o por que de estudar certos assuntos.”

2.2. Pensar Matemático

2.2.1. O processo cognitivo do pensar matematicamente

O processo cognitivo se constitui de etapas do pensamento em busca de um pensar mais excelente, que envolve desde a percepção da dificuldade à formulação de hipóteses, tentativas e erros, resultados e sua aplicação a uma situação concreta de vida. Este processo se desenvolve através das questões, perpassando a Conceituação, Manipulação e Aplicação; segundo Lima (2005) ou mesmo pelo Raciocinar, Traduzir e Questionar para Daniel (DANIEL, et alli, 1998).

“A investigação encerra o coroamento da experiência e da tentativa de significação, sem ela muito pouco pode ser conseguido quando se busca transpor a barreira da transmissão do conhecimento para a da reflexão, isso para Dewey e para Lipman.” (TEOBALDO, 1996, p.184)

Para Fernandes o processo cognitivo pode ser entendido como uma simulação gnosiológica:

Por simulação gnosiológica entenda-se: “imitação, não mecânica, da atividade intelectual (...)” (CARRILHO, 1987), fazendo com que os educandos vivenciem cognitivamente o que o autor vivenciou em suas obras, de modo a pensar como o autor e poder além de entendê-lo, discuti-lo, e não apenas acumular dados (FERNANDES, 2003, p. 29)

No processo cognitivo, segundo Zabala a educação deve ter o seu enfoque redirecionado:

O enfoque globalizar pretende, de algum modo, recuperar na escola o verdadeiro objeto de estudo do saber ao situar a realidade como objeto prioritário do conhecimento, tanto se se aplicam os instrumentos específicos e limitados de uma disciplina quanto se se utilizam de maneira inter-relacionada os meios conceituais e as técnicas de diferentes saberes. O enfoque global tenta romper com uma trajetória que transformou as disciplinas nos únicos objetos de estudo, traindo, assim, sua verdadeira essência, a razão pela qual foram criadas. Situação que hoje ainda tem uma forma e um grau de sobrevivência que seria totalmente incompreensível, não se ensina para a vida, como também se nega o sentido profundo das disciplinas que se pretende defender (ZABALA, 2002, p. 37).

Assim o objeto de estudo é dado pela disciplina da matemática, ou seja, os objetos matemáticos. E não a disciplina como o objeto, onde se estuda somente os resultados obtidos por outros como um produto acabado e inquestionável.

Segundo Daniel (1998, p. 146 e 156):

Na sala de aula, o processo de ensino relaciona-se, com muita freqüência, ao fato de transmitir, pressupondo que o papel do aluno consista mais em receber, decorar e compreender, do que em criar, inferir e avaliar (...) Como adverte Michel St. Onge (1992), se o professor explica primeiro para as crianças como resolver um problema e depois lhes dá exercícios relacionados com essa solução, nunca exercitarão as suas aptidões para traduzir e, conseqüentemente, quando um problema real se apresentar, não saberão como resolvê-lo.

Nas Olimpíadas procura-se motivar o educando a resolver os problemas pelos seus próprios métodos, nem sempre relacionados a um conteúdo curricular específico.

“Pela elaboração de problemas e de suas possíveis soluções pelos próprios alunos ... num processo ativo de reconstrução do conhecimento” (1998, p. 147).

2.2.2. Atividades das Olimpíadas de Matemática que propiciam o pensar matemático

2.2.2.1. Gincana de Matemática

A partir da demanda dos professores dos nossos encontros (ver seção 2.3), por uma intervenção diretamente com seus alunos, elabora-se uma gincana de Matemática. Consiste em jogos baseados na resolução de problemas de matemática típicos de olimpíadas. Os alunos são divididos em equipes e estas disputam entre si. Esta disputa torna o processo mais dinâmico e divertido e dessa forma os alunos têm mais motivação ao resolver as questões. Pelo fato de os problemas exigirem bastante de sua capacidade de raciocínio lógico, eles se sentem desafiados a resolver. Outra característica fundamental da Gincana é a interação entre escolas. Procura-se realizá-las entre várias escolas vizinhas. O intuito não é promover uma competição entre elas, mas sim haver interação entre as escolas de uma determinada região. Dividem-se os grupos de alunos de modo com que os alunos de escolas diferentes possam trabalhar em conjunto.

Nossa experiência com Gincanas vem desde 2004 quando começamos a realizá-las, ainda sem um planejamento de como seriam as atividades. Mas com sugestões de professores experientes encontramos atividades que poderiam compor o roteiro de uma gincana baseada na resolução de problemas. Nesta primeira Gincana, foram convidados os participantes do encontro de professores para que trouxessem os seus alunos à universidade. Enfatizamos a eles que deveriam convidar os alunos e não obrigá-los a ir ou fazer com que essa atividade valesse pontos. Infelizmente poucos alunos se interessaram. Porém os que participaram demonstraram um bom desempenho e interesse. Em 2004 houve somente uma gincana. No ano de 2005 realizou-se um trabalho nas escolas de cidades do interior de Minas. Realizamos as gincanas nas maiores escolas de cada cidade e encarregamos os professores destas de convidar as escolas vizinhas para participar. Fomos bem recebidos em todas as cidades e escolas e em todas elas a gincana foi bem aceita pelos alunos, que se divertiram com a oportunidade de fazer algo novo e diferente. Em cada uma tivemos a participação de aproximadamente 200 alunos. Fizemos no total três gincanas em 2005. Realizamos também várias gincanas com professores de ensino fundamental e médio com o propósito de que estes aprendessem o processo da gincana para realizar com seus alunos na própria escola, através de um processo de modelagem, sobre o qual discutiremos adiante. Essas simulações também foram realizadas em cidades do interior do estado. Em 2006, porém, concentramos esforços em realizar as gincanas dentro da capital. Fez-se uma grande gincana dentro da UFMG com aproximadamente 400 alunos, 250 de ensino fundamental e 150 de ensino médio, em parceria com as escolas de educação básica da UFMG, o Centro Pedagógico (fundamental) e o Colégio Técnico (médio). E realizamos depois uma gincana na periferia de Belo Horizonte. De acordo com relatos dos próprios professores, como a que foi visto anteriormente, percebe-se que a gincana tem estimulado muito os alunos.

A Gincana matemática tem sido um sucesso no projeto das olimpíadas. Percebe-se cada vez mais como os educandos se voltam com interesse ao estudo da matemática. Nossa experiência tem demonstrado como o caráter esportivo pode tornar mais divertido o aprendizado de crianças e adolescentes.

Detalhes sobre as atividades de gincana encontram-se no anexo 1.

2.2.2.2. Encontro com os alunos

No ano de 2005, foi realizado um curso com alunos de ensino fundamental e médio para estudo de provas e demais problemas de olimpíadas. Este curso foi realizado durante todo o ano, com duas aulas de 4 horas por mês, junto com o encontro de professores aos sábados (ver seção 2.3). Um professor coordenador do projeto dava as aulas com a ajuda de um monitor, aluno da graduação em matemática. No começo, apenas resolvíamos problemas de olimpíadas com eles e a partir destes problemas ensinávamos matérias específicas. Percebemos que os alunos tinham muita dificuldade em compreender o enunciado das questões e especialmente em organizar as idéias da resolução. Porém, com o tempo e com a prática tornaram-se hábeis em resolver problemas, daí a necessidade de se trabalhar a conceituação com eles, de forma a estarem bem definidos os objetos matemáticos trabalhados em cada questão, segundo o seu contexto e trabalhar a organização do raciocínio e da escrita (tradução).

Notamos que alguns dos estudantes tinham idéias de resolução que nos surpreendiam pela simplicidade e eficácia, pois muitas vezes queremos resolver problemas usando conhecimentos previamente estabelecidos e não atentamos para a diversidade e simplicidade das possibilidades.

Posteriormente começamos a ensinar matérias de ensino superior que estão ao alcance da compreensão dos alunos, como por exemplo: princípio das casas dos pombos, princípio de indução matemática, aritmética modular, probabilidade, teoremas de geometria – como o Teorema de Cevas e o Teorema de Menelaus, entre outros, em geral associados à álgebra, geometria e problemas de contagem. Algumas vezes, os educandos se assustavam, porém não tinham muitas dificuldades para aprender. Percebemos neles grande curiosidade e interesse por estarem diante novos desafios. No fim tivemos alguns deles premiados na Olimpíada Mineira, mas o maior resultado desse projeto foi o benefício que os próprios alunos receberam desenvolvendo suas capacidades e seus conhecimentos.

No ano de 2006 foi ministrado, de forma semelhante, um curso para os alunos premiados na Olimpíada Brasileira de Matemática nas Escolas Públicas de 2005, em que participaram vários professores do departamento de matemática da UFMG, dentre eles alguns coordenadores do projeto O.M.M., e alunos de graduação do curso de licenciatura em matemática e física, dentre eles os monitores do projeto. Este curso seguiu os mesmos padrões gerais do curso ministrado no ano anterior com a diferença de que um material didático foi-nos enviado pela comissão organizadora da OBMEP no IMPA para servir de orientação ao trabalho. No Anexo 3 encontra-se uma lista dos conteúdos trabalhados ao longo do ano, mas além desses foram trabalhados outros conteúdos conforme a liberdade de cada professor e as demandas de cada turma.

2.2.2.3. Provas da Olimpíada Mineira: elaboração, aplicação e correção

Além dessas atividades, realizam-se também as provas da Olimpíada Mineira de Matemática. São três provas, uma para cada nível. O nível um é dirigido a alunos de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, o nível dois a alunos de 7ª e 8ª séries e o nível três ao ensino médio. As provas são elaboradas pela equipe de alunos e professores e são aplicadas em todo estado de Minas Gerais. O objetivo dessa atividade não é medir conhecimento, pretende-se que seja um incentivo ao estudo com questões que não privilegiam o conteúdo e sim o raciocínio. Em 2004, a equipe da Olimpíada Mineira contou com a colaboração de um professor com larga experiência em olimpíadas para realização da prova. Foi a experiência de elaborar uma prova própria, pois até 2003 a OMM usava uma das fases da Olimpíada Brasileira de Matemática como prova. Com isso, foi necessário divulgar o evento para as escolas. O contato com as escolas foi através de uma carta convite enviada para mil instituições. Cerca de 200 escolas participaram contabilizando um total de 60 000 alunos.

Relatos de alguns professores evidenciam esse sucesso. Segundo uma professora participante dos encontros, no mesmo dia da prova estava acontecendo na escola uma atividade esportiva e os alunos preferiram participar da prova. Para nós uma surpresa, pois normalmente os alunos preferem praticar esportes a participar de alguma atividade relacionada à matemática, ainda mais fazer uma prova. É importante lembrar o envolvimento exigido dos professores: quem aplica e primeiramente corrige a prova é o professor da própria escola. Ele envia as melhores provas de cada nível para a coordenação, em Belo Horizonte, que as corrige, classificando-as em medalha de ouro, prata e bronze. No início foi necessário dividir a premiação em duas, uma geral para alunos de escolas públicas e particulares e outra apenas para alunos de escolas públicas não federais. Com essa divisão, as provas depois de corrigidas havia grande disparidade entre as notas públicas e privadas. Como as notas das escolas públicas eram consideravelmente menores procuramos valorizar o trabalho das escolas estaduais e municipais. Normalmente há mais de um medalhista de ouro numa mesma competição, pois premiamos uma faixa de nota.

Em 2004 foi premiado um total de 70 alunos em uma cerimônia de premiação realizada na Universidade Federal de Minas Gerais. Em 2005 e 2006 elaboramos a prova somente com nossa equipe e com alguns professores de escola pública que participam do nosso grupo de encontro. A colaboração deles é de grande importância, pois trabalham diretamente com o público alvo e podem nos dizer suas opiniões sobre as questões, se estão adequadas aos conhecimentos dos alunos ou não. Em 2005, o público atingido mais que dobrou em relação a 2004. Tivemos a participação de 500 escolas contabilizando um total de 130 000 alunos. O que mais nos surpreendeu foi o fato de não precisarmos mais separar a premiação em: geral e escola pública; visto que as notas dos alunos do ensino público aumentaram significativamente, chegando a ter premiados com medalhas de ouro.

Os tipos de questões nas provas de olimpíada não priorizam o conteúdo curricular, mas o raciocínio a ser empregado na resolução. Eis alguns exemplos de questões de olimpíadas:

1) (OBM-2001) Um ferreiro possui 7 correntes pequenas de 3 elos. Ele deseja unir todas estas correntes em uma só. Para isso ele deverá abrir e fechar alguns elos. Qual é o número mínimo de elos que ele deve abrir?

Comentário: nesta questão, o estudante não precisa usar praticamente nenhum conhecimento curricular, ele necessita apenas um pouco de raciocínio prático, que não se aprende em sala de aula. Segundo Daniel, deve-se valorizar os conhecimentos que o educando traz de sua própria vivência, e nesta questão, estes são muito mais úteis do que qualquer conteúdo curricular.

2) (OMM-2004) Uma rã e um gato se encontram no primeiro dos degraus de uma escada de 106 degraus. A rã salta 5 degraus de cada vez e o gato 3 degraus de cada vez. Ambos subiram toda a escada e deixaram pegadas em cada degrau que pisaram. Quantos degraus têm pegadas dos dois animais?

Comentário: temos percebido grande interesse dos estudantes por esta questão ao trabalharmos com ela em atividades como as gincanas. Supomos que se deve ao fato de ser de fácil resolução, não necessitando de conhecimentos além de multiplicação, divisão e m.m.c. de forma sutil, e ainda despertar a imaginação da criança.

3) (OMM-2004) Para formar uma seqüência de números, as regras são:

• Se o número é par, o próximo é a sua metade.

• Se o número é ímpar, o próximo é a soma de seu triplo com uma unidade.

Por exemplo, começando com o 7, os cinco primeiros termos serão: 7, 22, 11, 34, 17, . . .

Para essa sequência começando com o 7, calcule o 2004º termo.

Comentário: nesta questão para alunos de 5ª e 6ª séries, são trabalhados alguns conceitos matemáticos simples: sequência, par, ímpar, metade, triplo, unidade e termo.

2.3. Formação de Professores

Um princípio básico para formação de professores é a modelagem onde se trabalha com o professor da mesma forma que será trabalhado com o educando.

Modelagem, sem o sentido de formação heterônoma, seria o processo que instiga, por meio de modelos, o método investigativo em todos os elementos da prática pedagógica: diálogo, participantes da comunidade - educador e educando -, processo cognitivo, material e recursos didáticos. (FERNANDES, 2003, p. 37)

Uma das atividades planejadas em 2004, realizada até hoje são encontros periódicos para professores de escolas públicas, no próprio Departamento de Matemática da UFMG. Foi formado com estes professores um grupo de trabalho, com o intuito de aproximá-los da universidade e discutir com eles como é possível melhorar o ensino e motivar os alunos para o estudo da matemática. Além disso, propomos discussões em grupo, de problemas que estão em olimpíadas, para que haja uma troca de idéias proporcionando uma nova visão do conteúdo matemático diferente daquelas tradicionais. A cada ano são realizados em torno de dez encontros, aos sábados com duração de quatro horas cada um. No início apenas cinco professores que participavam. Acreditamos que um dos motivos foi a dificuldade que encontramos em divulgar o evento. Mas no início de 2005, com ajuda da Secretaria Estadual de Educação, de alguns veículos de imprensa e principalmente através da propaganda entre os próprios professores, esse número aumentou, chegamos a ter em média 40 pessoas por encontro. Alguns desses professores vinham da região metropolitana de Belo Horizonte, de cidades como Betim, Luz e até de Rio Casca que se localiza a duzentos quilômetros da capital. A participação dos professores era fundamental no nosso trabalho. Eles escolhiam o tema dos problemas que iriam ser abordados a cada reunião, sempre relacionados a conteúdos curriculares em que eles encontravam maiores dificuldades, como por exemplo, geometria, análise combinatória e teoria dos números. Segundo os próprios professores, esses temas são muito importantes, porém são tratados de maneiras superficiais na escola, até porque eles mesmos apresentam certa insegurança ao abordá-los. Também sugeriram atividades que foram realizadas com sucesso, tais como oficinas de elaboração de problemas e gincanas com os seus alunos. Devido à demanda dos professores, foram realizados em 2006 cursos de atualização com os mesmos conteúdos abordados no ano anterior, que, além dos problemas traziam um tratamento teórico mais aprofundado sobre cada tema. Com a divulgação dos cursos, gratuitos e restritos a professores de escolas públicas e estudantes de Licenciatura em Matemática da UFMG, tivemos um alcance de aproximadamente 100 participantes em cada um deles. Esse contato nos permitiu perceber algumas lacunas na formação dos professores, dificuldade em trabalhar tais conteúdos na escola. Mas também percebemos que esse contato com a universidade despertou neles o entusiasmo por voltarem a estudar e muitos estão fazendo curso de especialização, alguns até mesmo almejando o mestrado em Matemática.

2.3.1. Contribuição para os professores de escola pública

Percebemos que os professores após terem participado dos encontros passaram a adotar uma postura diferente em sala de aula. Eles não ficam restritos aos exercícios do livro didático, como antes faziam, e entendem que estes livros enfatizam a repetição e não priorizaram o raciocínio. Sentem-se inclusive motivados a fazer uma análise mais criteriosa dos textos didáticos utilizados por sua escola. As gincanas e provas foram para eles situações novas e interessantes para trabalhar matemática com seus alunos como podemos perceber nos depoimentos abaixo, de um professor, participante do nosso grupo de trabalho desde o seu início, hoje aspirante ao programa de mestrado em matemática da UFMG.

“Um dos primeiros 'impactos' que a olimpíada traz é o contato e a necessidade de voltarmos a estudar Matemática, pois os desafios não são dirigidos apenas aos alunos, mas principalmente a nós professores também. Isto é uma grande mudança, pois quando começamos a lecionar para as séries da Educação Básica, ficamos meio 'presos' aos conteúdos destas séries, sem a necessidade, ou melhor, o incentivo de nos aprofundarmos mais. As olimpíadas também podem a ajudar a aumentar o interesse pela Matemática em alguns casos, tendo em vista que os problemas olímpicos desafiam todos os alunos despertando interesse pela até então 'assustadora matemática'. Pessoalmente, as olimpíadas também foram proveitosas para mim, pois além de retomar os estudos, como já havia dito, através das reuniões das Olimpíadas, voltei a ter contato com a universidade, o que julgo ser de extrema importância no processo educacional e de formação do professor.”

2.3.2 Impressão dos coordenadores do projeto

O depoimento a seguir, é do Coordenador do projeto, Seme Gebara Neto,

“A idéia de envolver cada vez mais os professores de escolas públicas nas atividades vem desde quando eu era estudante universitário. Acredito ainda que a distância entre a universidade e a comunidade em geral é muito grande e as ações visando uma aproximação devem ser iniciativa da universidade. É claro que o projeto tem ainda muito a evoluir, mas refletindo sobre nossos erros e acertos tendo a dizer que estamos num bom caminho. Temos conseguido atingir públicos cada vez maiores e este grupo de trabalho que constituímos em 2004 é hoje uma realidade, contando inclusive com pesquisadores do nosso departamento e muitos alunos, de matemática e outros cursos. Algumas de nossas metas ainda não foram alcançadas, como por exemplo, envolver professores de outras áreas nas atividades tipo gincana, para torná-las interdisciplinares. Mas penso que vencer desafios é o principal combustível para qualquer ação, seja ela ligada à universidade ou à nossa própria existência.”

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o desenvolvimento deste trabalho procuramos inicialmente traçar elementos de interseção entre as atividades de olimpíada e as novas concepções pedagógicas da educação para o pensar, tendo como objetivo fazer uma análise das Olimpíadas de Matemática, em especial a Olimpíada Mineira e as atividades relacionadas, tendo em vista o processo de formação do pensar matemático.

Procurando responder ao problema de pesquisa: ‘Até que ponto a Olimpíada Mineira de Matemática favorece a formação do pensar matemático?’, pudemos perceber que determinadas atividades atendem a estes quesitos, enquanto outras dependem de outras variáveis. Como quando falamos de gincana que pela sua estrutura é uma fonte de motivação para o pensar. Ou quando se fala de formação de professores e somos remetidos ao princípio modelador, à formação de um pensamento crítico em relação ao material didático, a um estímulo para o próprio educador exercitar o pensar matemático, como vemos no depoimento do professor que decidiu retornar seus estudos de pós-graduação. Mas quando pensamos nos encontros com os alunos e nos cursos para os bolsistas, vemos o sucesso obtido até então, mas que depende diretamente da abordagem de cada professor em relação à matemática, aos conteúdos ministrados e aos problemas de olimpíada.

Dentre todos esses aspectos vemos como a olimpíada pode se tornar uma útil ferramenta para o ensino, seja de maneira geral, quando pensamos nas realizações das provas e na competição entre milhares de estudantes; ou de maneira local, quando pensamos nos cursos, gincanas e nas muitas atividades desenvolvidas pelos professores na própria escola para incentivo dos alunos, tais como treinamentos e jogos.

Referências

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