Artigos

CULTURA MIDIÁTICA E ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA: CONTRIBUIÇÕES PARA O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM

CULTURE MEDIA AND SCIENTIFIC LITERACY: CONTRIBUTIONS IN TEACHING-LEARNING PROCESS

Roberto Sanches Mubarac Sobrinho
Universidade do Estado do Amazonas, Brasil
Vallace Chriciano Souza Herran
Universidade do Estado do Amazonas, Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 5, núm. 1, 2017

revistareamec@gmail.com



DOI: https://doi.org/10.26571/2318-6674.a2017.v5.n1.p48-61.i5342

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: Neste trabalho fazemos uma discussão sobre a emergência da cultura midiática e o uso das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTIC) e suas contribuições para o processo de alfabetização cientifica das crianças. Abordamos ainda possibilidades para o processo educacional, bem como, concepções a respeito do processo de Interatividade e Transposição Didática. O estudo representa a base teórica de uma pesquisa que está em processo de execução no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia - PPGEEC, pela Universidade do Estado do Amazonas - UEA. Tem caráter bibliográfico e se debruça na investigação por meio de levantamentos realizados em artigos, livros, periódicos e trabalhos de especialistas que abordam a temática em questão. Podemos considerar que diante do atual cenário, a escola deve projetar suas ações no sentido de formar cidadãos críticos e com habilidades inerentes a sociedade midiática, buscando adotar novas maneiras de ensinar, que leve em consideração o conhecimento próprio do aluno.

Palavras-chave: Cultura Midiática, Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, Alfabetização Científica, Infância.

Abstract: In this work, we make a discussion of the emergence of media culture and the use of New Information and Communication Technologies (ICT) and their contribution to scientific literacy process of children. Still we approach possibilities for the educational process, as well as conceptions about the process of Interactivity and Didactic Transposition. The study is the theoretical basis of a survey that is running process in the Graduate Program in Education and Science Education in the Amazon - PPGEEC, the University of the State of Amazonas - UEA. Has bibliographic and focuses on research through surveys in articles, books, periodicals and works of experts addressing the issue in question. We can consider that given the current scenario, the school should design its actions towards forming critical citizens and skills inherent in media society, seeking to adopt new ways of teaching that takes into account the own knowledge of the student.

Keywords: Media Culture, NTIC, Scientific Literacy, Childhood.

1. INTRODUÇÃO

O papel desempenhado pelas Novas Tecnologias da Informação e Comunicação - NTIC em relação às influências nas esferas sociais tem alcançado destaque nas discussões que permeiam o processo educacional, social e econômico e suas relações no que tange ao processo da alfabetização científica da criança.

É possível perceber que vivemos em uma época de acelerada evolução científica e tecnológica, fato que influencia diretamente vários setores da sociedade, o que acaba gerando novas demandas na sociedade. Em relação a escola, novas metodologias e perspectivas educacionais se estabelecem, porém o que se observa é uma forte resistência da estrutura educacional diante dessas mudanças.

Neste sentido, buscamos estudar a atual conjuntura social situando a escola como espaço de formação, e o uso das NTIC e suas contribuições para a alfabetização científica das crianças nos anos iniciais.

Assim, no primeiro momento deste trabalho “A Sociedade Midiática e o Contexto Educacional”, traçamos algumas considerações sobre a dinâmica da atual sociedade e as novas demandas no que tange ao processo de formação das crianças, destacando a importância da contextualização dos saberes próprios desta “geração midiática” para uma aprendizagem significativa.

Na seção intermediária “As ferramentas tecnológicas no processo de alfabetização científica das crianças”, discutimos o uso das NTIC e suas contribuições para o processo educacional e para a alfabetização cientifica das crianças.

Por fim, na seção “Uma Nova linguagem”, tecemos uma sucinta abordagem sobre o conceito de Interatividade e Transposição Didática, considerando que tais conceitos estão diretamente ligados ao novo modelo educacional emergente, ou seja, o que faz uso das NTIC para o melhor aproveitamento do processo ensino aprendizagem.

O artigo é fruto de um levantamento bibliográfico, que se põe como base teórica de uma pesquisa[3] em desenvolvimento no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia (PPGECA) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e nossa investigação foi feita tomando como referencial de análise, um corpo de artigos científicos, textos publicados em revistas e periódicos da área da educação, além de um conjunto de trabalhos de especialistas que abordam a temática em questão. Quanto a abordagem dos dados coletados, o estudo se caracteriza como sendo qualitativo, visto que este tipo de pesquisa “é um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a um problema social ou humano” (CRESWELL, 2010, p. 26).

Considerando a complexidade dos temas discutidos neste artigo, nossa intenção é trazer para o leitor concepções introdutórias, na intenção de suscitar questionamentos e reflexões que contribuirão para o estudo e a pesquisa nesta área do conhecimento.

1.1. A Sociedade Midiática e o Contexto Educacional

Vivemos numa sociedade que se encontra em um grande processo de transformação. Diversos são os fatores responsáveis por tal transformação, como o processo de globalização, o desenvolvimento científico e tecnológico e o avanço no campo da comunicação, que fundamentalmente se apresentam como indicadores para gerarem novas demandas na atual conjuntura.

A sociedade midiática se caracteriza pela disseminação do uso massivo das tecnologias, das mais diferentes mídias e por um conjunto de fatores que se desdobram em um novo modelo comunicacional. Orofino (2005, p.24), afirma que “A cultura midiática envolve o corpo inteiro, privilegia a imagem, o som, o movimento, as cores”, logo, interfere diretamente na forma de organização e compreensão de nossa sociedade.

Diante de tal modelo comunicacional, alguns setores sociais sofrem uma influência significativa, como é o caso da educação. Novas expectativas emergem, novas formas de educar e de fazer educação se apresentam, o uso de novas ferramentas e metodologias surgem como medidas para tornar o processo ensino aprendizagem mais atraente para o educando. Esse novo modelo comunicacional se encontra em processo de efetivação diante da atual conjuntura de nosso sistema educacional, porém, essa superação do antigo modelo não se dará de forma harmoniosa, isso fica bem claro quando observamos a resistência que se encontra diante da implementação do novo modelo.

Como ocorre com toda mudança, existe um tempo de transição que gera inseguranças e incertezas, tendo em vista que velhas estruturas fracassam e não se sabe ao certo o que virá a substituí-las. No contexto educacional não é diferente, novas maneiras de educar se apresentam para somar ou substituir as existentes. Tal situação nos instiga a refletir sobre os rumos que o processo educacional contemporâneo tende a seguir.

Neste sentido, Silva (2010, p.23), afirma que:

A escola não se encontra em sintonia com a modalidade comunicacional emergente. Há cinco mil anos ela se baseia no falar-ditar do mestre. A sala de aula, tradicionalmente fundada na transmissão de “A” para “B” ou de “A” sobre “B”, permanece alheia ao movimento das novas tecnologias comunicacionais e ao perfil do novo espectador.

Assim, é necessário que a escola possa desenvolver processos de formação que não sejam antagônicos com o cenário atual da sociedade, o que é inclusive, base para uma educação crítica e contextualizada, apresentando-se como uma forma aberta de comunicação e inter-relação entre o mundo escolar e o mundo do sujeito (educando) infantil, onde ambos possam dialogar de maneira mais dinâmica e menos determinista.

Adell (2012, p.36), enfatiza que: “Há uma crise de credibilidade nas velhas estruturas escolares, em uma maneira de educar que se percebe socialmente cada vez mais afastadas da necessidade reais do mundo que está mudando radicalmente”. Portanto, é notório que a atual dinâmica social gere necessidades educacionais especificas quanto a preparação das crianças para interagir com a sociedade midiática.

Presenciamos ainda, o surgimento da Cibercultura, ou seja: “O conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LEVY, 1999, p.17). Esse conjunto de técnicas por sua vez, como fruto da interconexão entre computadores, o que segundo o autor, pode ser também chamado de rede.

Com isso, o espaço do saber acaba sofrendo modificações, ele se apresenta hoje com uma inquietude veloz, com uma urgência, entrelaçada com muitas vozes, muitas cores, muitas bandeiras, indicando que as fronteiras entre as disciplinas e áreas do conhecimento, ou entre culturas que se oferecem na imensidão do ciberespaço diluem-se dia após dia, o que se configura como um novo desafio para a escola.

Apesar da evolução constante do acesso às NTIC, ainda nos deparamos com populações expostas a injustiças sociais, devido a diversos fatores, o que reflete na inacessibilidade dessas populações a bens materiais e simbólicos. Tal situação acaba gerando processos diferenciados e estratificados de acesso e apropriação de tecnologias da informação e da comunicação, em especial o computador conectado à Internet.

É diante deste cenário que somos instigados a refletir sobre o processo de formação das crianças, tendo em vista que a alfabetização científica é algo que acontece por toda a jornada de uma vida, sendo uma atividade constante que é sistematizada no ambiente escolar, mas que transcende suas dimensões para os espaços não formais. Neste sentido, são processos de acúmulo de capacidades e conhecimentos que tornam possíveis ao ser humano a convivência em sociedade.

Desta forma, podemos perceber as influências e a determinação das NTIC na formação do “espírito científico” (BACHELARD, 1996). Assim, o espaço escolar se vê em face de novos desafios, tendo que redimensionar seus modos de sistematização do trabalho com os conteúdos escolares, a criação de novos espaços de aprendizagem, tanto espaços físicos como espaços digitais, e principalmente, a forma de se relacionar com essas novas ferramentas.

É fato que na vida social as crianças estão cada vez mais cedo fazendo uso das NTIC, seja para se comunicar, divertir ou como suporte para os estudos, o que contribui para o surgimento de uma nova geração, a “geração pontocom”, que a cada dia que passa utiliza mais as tecnologias digitais, seja para lazer, estudos e principalmente para se comunicar e interagir em rede. Isso acaba inferindo diretamente no comportamento das crianças, novos hábitos se estabelecem na medida em que novos instrumentos de comunicação surgem.

As trocas de informações em tempo real inerentes à cibercultura (LEVY, 1999), podem potencializar a constituição de novos sujeitos, novos modos de apropriação e construção de conhecimentos, tendo em vista que essa dinâmica torna cada vez mais intrínseca as relações entre o real, o virtual e os processos de negociações constantes entre as diferentes experiências de vida.

Dados da Pesquisa TIC KIDS Online Brasil de 2012[4], indicam que 24% das crianças declaram acessar a rede por meio de mais de um tipo de dispositivo. Entre os equipamentos mais utilizados estão os Desktops, comumente chamados de computadores de mesa, compartilhados pela família, usados por 38% das crianças.

A pesquisa também mostra que 21% utilizam o celular e 20% acessam a Internet por meio de um computador de mesa que seja próprio. Apesar de apenas 10% das crianças utilizarem o seu próprio laptop, observa-se uma variação relevante quando considerada a renda familiar. Os resultados apontam que 19% das crianças com renda familiar acima de três salários mínimos acessam a Internet através de um computador portátil próprio. Os dados, portanto, indicam que as desigualdades socioeconômicas brasileiras ainda constituem barreiras importantes para a universalização do acesso à Internet.

Ainda assim, o acesso as redes sociais e aos demais conteúdos da internet tem aumentado significativamente por parte das crianças, desta forma cabe a escola resinificar suas ações levando em consideração essa nova cultura, que se caracteriza pelo uso expressivo das NTIC.

Sendo assim, Orofino (2005, p.29) ressalta que a escola pode e deve intensificar o diálogo entre cultura escolar e cultura midiática ao oferecer “oportunidades de produção de narrativas de autoria dos estudantes como o uso de novas linguagens e tecnologias”, esse tipo de ação intensifica o processo de produção de conhecimentos por parte das crianças, e torna o processo de ensino-aprendizagem significativo, uma vez que tais ferramentas digitais já fazem parte do cotidiano delas.

Em relação às culturas infantis, Sarmento (2002, p. 05), estabelece que “há muito que se vem estabelecendo a ideia de que as crianças realizam processo de significação e estabelecem modos de monitoração da ação que são específicos e genuínos”.

Neste sentido, acreditamos que a relação do que é vivenciado pelas crianças no seu dia a dia não pode ser ignorada no ambiente escolar, ao invés disso a escola deve potencializar o processo formativo relacionando esses saberes culturais particulares da criança.

1.2. As Ferramentas Tecnológicas e a Alfabetização Científica das Crianças

O uso das tecnologias no ambiente escolar como instrumento de suporte à formação não é novo, desde as primeiras décadas do século XX percebemos iniciativas de educação via correio, rádio e mídia impressa (OROFINO, 2005), mas sua efetivação se dá de forma mais efetiva no século XXI.

Discutimos aqui não o simples fato da usualidade de tais aparatos tecnológicos, mas sim o uso crítico e colaborativo das NTIC, e como as mesmas podem ser utilizadas como mediadora e problematizadora no processo de ensino e aprendizagem, a partir do repertorio produzido pelas crianças no bojo de suas culturas juntamente com o arsenal disponível em rede característico da sociedade da informação.

O professor Ático Chassot, em uma palestra proferida para acadêmicos da área de química em um seminário realizado na Bahia em 2012, definiu ainda que resumidamente o conceito de alfabetização científica. Segundo ele, alfabetização científica pode ser definida como sendo saber ler a linguagem da ciência, ou como “o conjunto de conhecimentos que possibilitam aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo onde vivem” (CHASSOT, 2006, p.38).

Considerando tal definição, pensamos no uso das diferentes linguagens que permeiam o cotidiano escolar, a linguagem verbal, escrita, visual, corporal, científica e tecnológica, e como é importante que tais linguagens possam ser trabalhadas de diferentes formas e contextos no processo educacional.

Apesar da responsabilidade de ser o espaço formador oficial, a escola por si só não consegue abarcar todas as informações científicas necessárias para a formação das crianças, tendo em vista que esta alfabetização não se limita apenas a espaços formais de conhecimentos, como afirma Lorenzetti e Delizoicov (2001, p.7):

Os espaços não formais compreendidos como museu, zoológico, parques, fábricas, alguns programas de televisão, a Internet, entre outros, além daqueles formais, tais como bibliotecas escolares e públicas, constituem fontes que podem promover uma ampliação do conhecimento dos educandos.

Cabe a escola proporcionar as crianças novos meios de acesso à informação que venham colaborar com o seu aprendizado. É neste ponto que as NTIC e principalmente o computador conectado à Internet, podem ser uma ferramenta fundamental no processo de aquisição de conhecimentos e aprendizagem. Surge aí um desafio, o de tratar o processo educativo como uma possibilidade de ensino contextualizado, tendo as crianças como agentes[5] num processo de participação qualificada, bem diferente do modelo tradicional pautado na mera transmissão de informações.

É consenso entre os pesquisadores e teóricos da educação que para um aprendizado ter significado para aquele que aprende, o mesmo deve ser composto de relações com o seu cotidiano social. Neste sentido, Lopes (2009, p.7988), ressalta que as implicações ocasionadas pela sociedade midiática geram demandas de mudanças no contexto educacional atual, quando afirma que:

Os impactos das novas tecnologias se fazem sentir no cerne dos princípios formativos, até aqui alicerçados na transmissão de saberes reconhecidos e sabatinados pelo consenso, mediados pela figura do professor, em linguagem oral e/ou escrita, e referenciados em limites físicos de uma instituição. Com as novas tecnologias de comunicação e informação, fronteiras esvaem-se.

Corroborando com as discussões, Silva (2010, p.98) ressalta que o novo modelo comunicacional gera no seio educativo a necessidade de contextualização de saberes, que estarão imbrincados nas distintas relações que este estabelece em seu meio social. Assim, segundo o autor:

A educação do cidadão não pode estar alheia ao novo contexto sócio-econômicotecnológico, cuja característica geral não está mais na centralidade da produção fabril ou da mídia de massa, mas na informação digitalizada como nova infraestrutura básica, como novo modo de produção.

O computador e a Internet definem essa nova ambiência informacional e dão o tom da nova lógica comunicacional. Asssim, as crianças estão cada vez mais cedo fazendo uso do computador conectados à Internet. Dados da Pesquisa TIC KIDS Online Brasil de 2012, revelam que em média, os usuários de Internet entre 9 e 16 anos de idade tiveram contato com a Internet pela primeira vez entre 9 e 10 anos. O fator econômico também influencia nesse aspecto: quanto mais alta a classe social, mais cedo a criança inicia o uso da Internet. Se na classe AB 75% das crianças já tiveram contato com a Internet até os 10 anos de idade, na classe DE menos de 50% declararam o primeiro uso da Internet nessa mesma faixa etária (Figura 1).

Idade em que as crianças acessaram a Internet pela primeira vez
Figura 1
Idade em que as crianças acessaram a Internet pela primeira vez
Fonte: BARBOSA (2012, p.?)

A definição de classe social dessa pesquisa foi baseada no critério da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). O Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) é um instrumento de segmentação econômica que utiliza o levantamento das características dos domicílios (presença e quantidade de determinados itens de conforto doméstico, além do grau de escolaridade do chefe de família) para classificar a população.

O critério atribui pontos de acordo com cada característica e soma esses valores. A faixa da pontuação no critério é relacionada com um dos oito estratos de classificação econômica: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E.

A maioria das crianças que são usuários de Internet declaram acessar a rede frequentemente, sendo que 47% delas usam todos os dias ou quase, 38% utilizam uma vez por semana e apenas 5% utiliza a Internet menos de uma vez por mês. Uma agregação dos dados revela o assíduo perfil de uso das crianças: 85% utilizam a Internet, no mínimo, uma vez por semana.

É possível perceber que vivemos numa dinâmica social que se destaca particularmente pelos avanços tecnológicos e o acesso massivo as redes sociais, bem como a diversificação de aparatos informidiáticos que vão a cada dia modelando novos conceitos e linguagens sui generis na medida em que se propagam as informações. As tecnologias de informação e comunicação são encaradas como ferramentas que simbolizam a revolução pela qual devem passar as propostas formativas contemporâneas.

Pela assimilação das novas tecnologias, a educação se credenciaria a fazer frente aos desafios deste século. A imersão das ações formativas nas tecnologias de informação e comunicação é apresentada como a via socialmente posta rumo à superação do modelo ultrapassado de educação tradicional. Muito mais que meras ferramentas, as TIC parecem representar a razão maior das propostas de formação atual.

2. UMA NOVA LINGUAGEM

Marco Silva, sociólogo e Doutor em Educação, destaca em seu livro Sala de Aula Interativa, uma nova modalidade comunicacional e uma mudança proporcionada pelas novas tecnologias informáticas. Segundo o autor (2010, p.12):

Há uma mudança significativa na natureza da mensagem, no papel do emissor e no estatuto do receptor. A mensagem torna-se modificável na medida em que responde as solicitações daquele que a consulta, que a explora, que a manipula. Quanto ao emissor, este assemelha-se ao próprio designer de software interativo: ele constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências e modificações, vindas da parte do receptor. Este, por sua vez, torna-se ‘utilizador’, ‘usuário’ que manipula a mensagem como coautor, cocriador, verdadeiro conceptor.

Desta forma, destaca o autor resumidamente o papel dos novos agentes no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, alunos e professores. Percebe-se ainda uma mudança significativa na pragmática comunicacional, onde a comunicação se dá através da interação dos agentes, fator que propicia uma educação significativa e crítica, na medida em que os sujeitos manipulam a mensagem de acordo com as suas necessidades.

Neste sentido, uma sala de aula interativa seria, na perspectiva de Silva (2010, p. 27):

O ambiente em que o professor interrompe a tradição do falar/ditar. Deixando de identificar-se com o contador de histórias, e adota uma postura semelhante ao design de software interativo. Ele constrói um conjunto de territórios a serem explorados pelos alunos e disponibiliza coautoria e múltiplas conexões, permitindo que o aluno também faça por si mesmo.

Diante desta nova configuração educacional e levando-se em consideração a rapidez da informação, do conhecimento e do saber tido como “digno” de ser ensinado, é necessário encontrar estratégias para que a escola não fique alheia a esta realidade circundante. Trazer a discussão do uso das NTIC para dentro do espaço escolar não é uma tarefa fácil, principalmente no que diz respeito a quebra de paradigmas e métodos que vêm sendo utilizados há um longo tempo. No entanto, a nova conjuntura social demanda da escola processos de formação que correspondam os anseios da atual sociedade.

Assim, cabe a escola buscar relacionar os saberes trazidos pelos alunos e trabalha-los juntamente com o conteúdo formal pré-estabelecido no currículo. Uma forma bastante semelhante é o que ocorre com a transposição didática, um instrumento através do qual transforma-se o conhecimento científico em conhecimento escolar.

2.1. Transposição Didática

O termo foi inicialmente introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret, e rediscutido por Yves Chevallard em 1985 em seu livro La Transposition Didactique (1991), onde mostra as transposições que um saber sofre quando passa do campo científico para o campo escolar.

Chevallard (1991, p.39), conceitua transposição didática da seguinte forma:

Um conteúdo de saber que tenha sido definido como saber a ensinar, sofre, a partir de então, um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos de ensino. O ‘trabalho’ que faz de um objeto de saber a ensinar, um objeto de ensino, é chamado de transposição didática.

A Transposição Didática, em um sentido restrito, pode ser entendida como a passagem do saber científico ao saber ensinado. Tal passagem, entretanto, não deve ser compreendida como a transposição do saber no sentido restrito do termo: apenas uma mudança de lugar. Supõe-se essa passagem como um processo de transformação do saber, que se torna outro em relação ao saber destinado a ensinar.

Segundo Chevallard (1991), a Transposição Didática é entendida como um processo no qual um conteúdo do saber que foi designado como saber a ensinar sofre, a partir daí, um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto para ocupar um lugar entre os conhecimentos a serem ensinados.

Refletir sobre o processo de construção dos conteúdos de ensino pela via da epistemologia a partir da tese defendida por Chevallard, significa interpretar a mediação didática como um movimento específico, cuja dinâmica precisa ser desvelada. O autor afirma que a transformação do saber acadêmico em saber escolar se faz em duas etapas: uma transposição externa, no plano do currículo formal e dos livros didáticos, e outra interna, no decorrer do currículo em ação, em sala de aula.

Em relação a transposição didática, pode-se dizer que um dos maiores problemas enfrentados pelo professor é exatamente o de redimensionar o objeto de conhecimento (o objeto de estudo, o objeto de ensino) ao “transpô-lo” de uma prática discursiva para outra, ou seja, tratar o conhecimento levando em consideração a mudança da situação discursiva e contextual.

Apesar desse processo de redimensionamento do conhecimento no ambiente da sala de aula ser da competência do professor, iniciativas de criação de cursos de formação que priorizem o processo reflexivo e interativo, pelo qual o aluno e o professor tenham a oportunidade de confrontar novos conhecimentos com aqueles subjacentes ao ambiente da sala de aula, podem oferecer pistas que auxiliem essa complexa tarefa. Dessa forma, a Transposição Didática, operada por aluno e professor, se iniciaria no próprio ambiente de formação interativa, sendo concretizada, por eles, na sala de aula.

A utilização das NTIC em sala de aula é um grande exemplo que permite ao professor ressignificar sua prática, desenvolvendo ações voltadas para trabalhar os processos socioculturais, de relacionamentos familiares, ambientais e comunitários, visando dimensionar o processo ensino-aprendizagem em colaboração como acontece quando há conexão em rede.

Para a construção da inteligência coletiva (LEVY, 1994), ou seja, as temáticas discutidas que compõem a matriz curricular, independente da série em questão e consequentemente as atividades desenvolvidas em sala de aula, podem ser elaboradas levando-se em consideração os grupos sociais de convívio nos quais os alunos estão inseridos, como por exemplo: a própria comunidade, a igreja, a família e a turma escolar.

Neste sentido, cada aluno, juntamente com o professor, contribui para o redimensionamento dos conteúdos, ou seja, desta forma o aluno passa da situação de mero receptor passivo a agente, coautor ativo neste processo de reelaboração de conteúdos, que serão posteriormente discutidos por toda a classe, tornando o ambiente de ensino interativo.

No entanto, esse redimensionamento ou transformação do objeto de conhecimento científico em objeto de conhecimento escolar (para ser ensinado pelos professores e aprendido pelos estudantes), significa selecionar e inter-relacionar o conhecimento científico/acadêmico, adequando-o às possibilidades cognitivas e socioculturais dos alunos e exemplificando de acordo com a sua realidade circundante, fato que influi significativamente na alfabetização científica do sujeito.

Chevallard (1991), parte do pressuposto de que o ensino de um determinado elemento do saber só será possível se esse elemento sofrer certas “deformações” para que esteja apto a ser ensinado, transformando-se automaticamente em novos conhecimentos, novas possibilidades de ver e interpretar o mundo.

Essa perspectiva pressupõe a transposição das práticas disciplinares no trato dos conteúdos dispostos, uma vez que o emprego da tecnologia pode contribuir de forma significativa para a promoção da interação e da articulação entre conhecimentos de distintas áreas, operando conexões que se estabelecerão a partir dos conhecimentos cotidianos dos educandos, confrontando-os com novas informações que serão mobilizadas na construção de conhecimentos científicos.

Ao educador reserva-se a responsabilidade de provocar a tomada de consciência sobre os conceitos implícitos no processo de ensino e suas devidas formalizações, fazendo as intervenções no momento e na proporção adequada, para que não se perca a compreensão da totalidade.

3. CONSIDERAÇÕES

Diante do atual cenário, a escola deve projetar suas ações no sentido de formar cidadãos críticos e com habilidades inerentes a sociedade intensiva do conhecimento, buscando adotar novas maneiras de ensinar, que leve em consideração o conhecimento próprio do aluno.

A utilização das NTIC podem contribuir significativamente no processo ensino-aprendizagem, trazendo ao processo de formação novas possibilidades que mudam o enfoque tradicional do ensino pautado na mera transmissão de conhecimento. Neste sentido o aluno sai da posição de mero expectador e passa a ser agente no processo de formação.

A transposição Didática considerada como sendo um processo de mudança que o saber a ser ensinado passa, pode através dos meios tecnológicos propiciar um ganho significativo para a aprendizagem das crianças, tendo em vista que o cenário atual em que elas vivem é cercado pelas NTIC e o uso das ferramentas tecnológicas é inerente a boa parte dos alunos. Assim, relacionar o processo de transposição dos conhecimentos científicos fazendo uso daquilo que é do cotidiano dos sujeitos, não somente dinamiza o processo, mas também o torna significativo.

Portanto, trazer à tona discussões que envolvam o uso das NTIC no processo de formação, e a contextualização de saberes se põe como condição fundamental para pensarmos na alfabetização científica das crianças na atual conjuntura, o que nos propicia uma constante busca por mais estudos, pesquisas e informações para subsidiar o trabalho docente e a melhoria das práticas pedagógicas.

REFERÊNCIAS

ADELL, J. Educação 2.0. In: BARBA, C. et al. Computadores em sala de aula: métodos e usos. Porto alegre: Penso, 2012.

BACHELARD, G. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro. Contraponto, 1996.

BARBOSA, F. A. TIC Kids Online Brasil 2012: pesquisa sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2013. Disponível em: < http://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/tic-kids-online-2012.pdf >. Acessado em: 11 abr. 2015.

BOURDIEU, P. A “juventude” é apenas uma palavra. In: Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

CHASSOT, Á. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: Unijuí, 2006.

CHEVALLARD, Y. La Transposition Didactique. Grenoble: La Penséesauvage, 1991.

CRESWELL, J. W. Projeto de Pesquisa: Métodos qualitativos, quantitativo e misto. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

LEVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34 Ltda.1999.

LEVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Edições Loyola, 1994.

LOPES, F. J. O. As tecnologias de informação e comunicação e o Processo formativo: uma crítica às orientações da UNESCO e as diretrizes dos PCNS. In: IX Congresso Nacional de Educação – EDUCERE. Anais. PUC, São Paulo, 2009. Disponível em < http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/pdf/3517_1970.pdf >. Acessado em 11 abr. 2015.

LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais do ensino fundamental. Ensaio – Pesquisa em educação em Ciências. Belo Horizonte, v.3, n 1, p. 5-15, 2001. Disponível em < http://www.redalyc.org/pdf/1295/129517973004.pdf >. Acessado em 11 abr. 2015.

OROFINO, M. I. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez. 2005.

SARMENTO, M. J. Imaginário e culturas da infância. Texto produzido para o projeto POCTI/CED/49186/2002. Braga: Instituto de Estudos da Criança: Universidade do Minho, 2002. Disponível em: < https://goo.gl/mWgfkl >. Acessado em: 11 ago. 2016.

SILVA, M. Sala de aula interativa. Edições Loyola. 5.ed. São Paulo-SP, 2010.

Notas

[3] A pesquisa da qual nos referimos se intitula “Inclusão Digital e Alfabetização Científico -Tecnológica: um estudo com crianças nos anos iniciais do ensino fundamental”. Pesquisa financiada pela CAPES. Para mais detalhes da pesquisa acesse: www.e-crianca.com.br.
[4] Pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação - Cetic.br. Com o objetivo central de mapear possíveis riscos e oportunidades online, foi realizada em 2012 a primeira onda da pesquisa TIC Kids Online Brasil. Para mais informações acesse: http://www.cetic.br/.
[5] A nossa concepção de agente esta embasada nos pressupostos de Pierre Bourdieu (1983), para o autor, o indivíduo é um agente social que se relaciona com as condições objetivas e estruturais do espaço social em que vive, agindo por meio de um habitus que orienta suas práticas de forma imperceptível, que vai muito além de sua razão, de sua consciência ou de sua capacidade de escolha.

Ligação alternative

Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R