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PRESSUPOSTOS PREDOMINANTES NA ORGANIZAÇÃO DE LICENCIATURAS EM MATEMÁTICA NO BRASIL
ASSUMPTIONS PREVALENT IN ORGANIZATION UNDERGRADUATE IN MATHEMATICS IN BRAZIL
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol.. 4, núm. 1, 2016
Universidade Federal de Mato Grosso

Artigos

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 4, núm. 1, 2016

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: A melhoria no ensino de matemática passa necessária, embora não exclusivamente, pela melhoria na preparação docente e a superação dos problemas da formação inicial de professores exige a análise dos paradigmas que orientam tais cursos. Este artigo apresenta uma discussão teórica sobre pressupostos epistemológicos que tem predominado em licenciaturas em Matemática no Brasil. A análise sugere que mudanças vem ocorrendo nos cursos e nas pesquisas da área, porém, é preciso cuidar para que a busca de pressupostos (mais) adequados não implique em praticismo, nem em teoricismo na formação docente. São destacadas, ainda, algumas propostas que podem fortalecer nexos entre teoria e prática na formação, bem como, questões de pesquisa visando contribuir para a melhoria da preparação docente.

Palavras-chave: Pressupostos epistemológicos, Formação de professores de matemática, Articulação teoria e prática, Educação Matemática.

Abstract: The improvement in math instruction necessarily entails the improvement in teacher preparation and overcomingthe problems of initial teacher requires analysis of the paradigms that guide such courses. This article discusses epistemological assumptions that have prevailed in degrees in Mathematics in Brazil. The analysis suggests that changes have occurred in courses and the area research, however, must be careful that the search for assumptions (more) suitable not imply neither practicism nor in theorycism in teacher education. As a result, there is some proposals that can strengthen links between theory and practice, as well as research issues that can contribute to the improvement of teacher education.

Keywords: Epistemological assumptions, Mathematics teachers education, Theory and practice articulation, Mathematics education.

1. INTRODUÇÃO

A melhoria no ensino de matemática nas escolas da educação básica passa necessariamente pela melhoria na preparação docente, incluindo tanto a formação inicial, quanto a formação continuada. Por sua vez, a melhoria na formação inicial de professores de matemática envolve necessariamente avanços na forma como os cursos de licenciatura são concebidos e nas ações formativas ali desenvolvidas. Vale destacar que embora isto seja necessário, por si só não é suficiente, uma vez que tais melhorias devem vir acompanhadas de outros fatores, como por exemplo, a efetiva valorização da carreira docente.

As escolhas das atividades formativas, do currículo, dos objetivos e das características profissionais esperadas dos egressos das licenciaturas são definidas a partir de certo paradigma de formação, ou seja, a partir de um conjunto de conhecimentos, concepções, valores, crenças e suposições que constituem o modo como o profesor formador ve e concebe a matemática, o ensino de matemática, a escola, o professor etc. As leis que fornecem as diretrizes das licenciaturas também incorporam certo paradigma. Sendo assim, um passo importante para aprimorar os cursos é ter clareza sobre quais pressupostos interferem na preparação docente, pois “[...] o problema de formação dos professores não está centrado tanto no como formar bons profissionais da educação e sim, em quais os pressupostos que possibilitam e tornam possível uma proposta válida em detrimento e em oposição a outra” (GHEDIN, 2006, p.131, grifo nosso).

O objetivo deste artigo é realizar uma discussão teórica sobre pressupostos epistemológicos que tem predominado nas licenciaturas em Matemática no Brasil com o intuito de vislumbrar possibilidades de aprimoramento da formação inicial. São destacados cuidados que devem ser tomados na busca de pressupostos (mais) adequados para a preparação docente e são apresentadas algumas propostas que podem contribuir para fortalecer nexos entre teoria e prática nos cursos. Por fim, são encaminhadas algumas questões de investigação que podem auxiliar na melhoria da preparação docente.

Espera-se que este texto contribua para ressaltar a importância de se refletir e investigar sobre os pressupostos epistemológicos que orientam as escolhas das práticas e teorias veiculadas em cursos de licenciatura em Matemática.

2. PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS PREDOMINANTES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO BRASIL

Historicamente, tem-se que nos anos 1930 o modelo de formação docente possuía “[...] uma estrutura curricular que estabelecia uma hierarquia entre conteúdo e metodologia” (PEREIRA, 2005, p. 87). Nesta época, professores eram formados pelas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras por meio de uma estrutura curricular que oferecia três anos letivos de disciplinas de conteúdo específico (formando o estudante bacharel) e, em seguida, mais um ano de disciplinas pedagógicas, isto é, no modelo “3 + 1”.

Pelo que impõe tal modelo, baseado na racionalidade técnica, a estrutura da formação inicial de professores deve contemplar o princípio da subordinação – e a dicotomia inerente – dos saberes práticos em relação aos teóricos. Como explica Cyrino (2006), nestes cursos “primeiro trabalha-se com conteúdos científico-culturais (conteúdos a ensinar) e depois com conhecimentos psicopedagógicos: princípios, leis e teorias, e suas aplicações práticas (como atuar em sala de aula)” (p.79). Este modelo se baseia numa concepção epistemológica da prática, herdada do positivismo (GOMEZ, 1997).

O positivismo teve suas bases consolidadas entre os séculos XVI e XVIII com os epistemólogos Bacon, Hobbes e Hume, mas foi Augusto Comte (1798 – 1857) o precursor declarado. Podemos enumerar três ideias fundamentais do positivismo, segundo Comte, quais sejam:

- uma filosofia da história que engloba as bases de sua filosofia positiva e sua célebre lei dos três estados que marcariam as fases da evolução do pensar humano (teológico, metafísico e positivo);

- uma fundamentação e classificação hierárquica das ciências (Matemática, Astronomia, Física, Química, Fisiologia e Sociologia);

- a elaboração de uma disciplina para estudar os fatos sociais (Sociologia) que inicialmente foi denominada de física social (TRIVIÑOS, 1992).

As características da filosofia positivista tiveram repercussão em diversos âmbitos da educação, incluindo a formação de professores, o ensino na escola e a pesquisa nestas áreas, conforme destacamos a seguir.

No positivismo há uma classificação hierárquica do conhecimento humano. Para a formação docente, esta característica se reflete no modelo de formação “3+1” em que se estuda nos primeiros três anos os conteúdos matemáticos e no último as disciplinas pedagógicas, o que reflete uma separação e uma subordinação dos conhecimentos profissionais, práticos e pedagógicos em relação aos teóricos ligados ao conteúdo. Quanto ao ensino, neste paradigma, os professores são vistos como técnicos que desenvolvem sua atividade profissional visando “[...] a solução de problemas mediante a aplicação rigorosa de teorias e técnicas científicas” (GOMEZ, 1997, p. 97).

Tornar-se um professor exige o desenvolvimento de competências profissionais após o aprendizado do conhecimento científico básico e aplicado, isto porque, em primeiro lugar, não se pode construir competências de aplicação sem ter aprendido o conhecimento aplicável e, em segundo lugar, porque competências e capacidades configuram um tipo de conhecimento ambíguo e de menor importância (GOMEZ, 1997). Em relação à pesquisa educacional, segundo o positivismo, a realidade é entendida como algo formado por partes independentes e a visão dos fenômenos sociais fica desvinculada de uma dinâmica mais ampla.

Os pressupostos epistemológicos fundantes da racionalidade técnica predominaram nas últimas décadas do século XX e ainda permanecem em diversos cursos. Para compreender a amplitude do modelo da racionalidade técnica até os dias atuais pode se investigar a presença de quatro indicadores característicos, segundo Gomez (1997):

(i) A concepção do ensino como intervenção tecnológica,

(ii) a investigação baseada no paradigma processo-produto,

(iii) a concepção do professor como técnico e a

(iv) formação de professores por competências e capacidades.

Em síntese, percebe-se até os anos 1970 (embora não se encerre ali) uma influência predominante da Psicologia comportamental e da Tecnologia educacional na formação docente. A partir de então a Filosofia e a Sociologia entraram em cena para defender a educação como prática social conectada ao sistema político e econômico e, portanto, criticar a formação neutra e desvinculada de aspectos político-sociais até então praticada (PEREIRA, 2006). Este cenário encaminhou mudanças nos debates, pesquisas, políticas e ações de formação de professores.

3. EM BUSCA DE PRESSUPOSTOS (MAIS) ADEQUADOS

A busca de mudanças na preparação docente teve sua origem fomentada fortemente pelas críticas de vários pesquisadores, nos anos 1980, aos pressupostos do modelo da racionalidade técnica que orientavam (e ainda têm orientado) a concepção e organização de cursos. A partir das ideias de John Dewey, pesquisadores como Donald Schön, Keneth Zeichner, Lee Shulman, Clermont Gauthier, Maurice Tardif, Philippe Perrenoud e Antonio Nóvoa, dentre outros, inseridos no movimento de reforma educacional, se apoiaram na premissa de que existe uma base de conhecimentos necessários para se ensinar – referência ao termo em inglês knowledge base definido por Shulman (1986). Seus estudos tem buscado convalidar um corpus de saberes e conhecimentos mobilizados pelo professor no ato educativo visando sua incorporação em cursos de preparação docente.

No bojo destes estudos surge o conceito de professor reflexivo (SCHÖN, 2000) apoiado na epistemologia da prática de Dewey. Tal conceito chegou ao Brasil impulsionado pela forte difusão da epistemologia pós-moderna do pragmatismo neoliberal na década de 90, parte integrante das pedagogias do aprender a aprender.

A mudança de pressupostos epistemológicos subjacente a este movimento significou alteração na forma de compreender a atividade do educador, promovendo assim a valorização da prática docente. Todavia, atualmente, diversos autores apontam para o perigo da (re)organização de licenciaturas sob um paradigma pragmático, particularmente, como implicação das políticas públicas neoliberais para formação docente (SILVA, 2011; PIMENTA, 2002; DUARTE, 2003).

Duarte (2003) chama atenção para o risco da desvalorização do conhecimento científico/teórico/acadêmico na formação do professor, pois segundo ele o ideário que se tornou dominante em estudos nesta área caminha neste sentido. Assim, é preciso cuidar para que não seja defendido um paradigma pragmático de formação de professores em virtude da oposição ao modelo de formação baseado no paradigma da racionalidade técnica. Deve-se tomar o cuidado para não ir de um extremo a outro, realizando um movimento que passa

[...] da valorização do conhecimento escolar à valorização do conhecimento tácito, cotidiano, não-científico; [...] de uma pedagogia centrada na transmissão do saber escolar para uma pedagogia centrada na atenção aos processos pelos quais os alunos constroem seu conhecimento; [...] de uma formação centrada no saber teórico, científico, acadêmico para uma formação centrada na prática reflexiva, centrada na reflexão-na-ação. (DUARTE, 2003, p. 619)

Embora os saberes construídos a partir da experiência sejam importantes, tomá-los como exclusivos na preparação para a prática docente significa reforçar ideias como ‘ensinar é um dom que Deus dá’, ou ‘ensinar é transmitir conhecimento’, o que exige apenas talento, bom senso, intuição ou saber o conteúdo a ser ‘transmitido’ para ensinar. Segundo Gauthier (1998), este equívoco é um dos problemas que a profissão deve superar, qual seja, romper com a concepção de que se trata de um ofício sem saberes científicos. Do contrário, corre-se o risco de acreditar que bastaria inserir o futuro professor na prática para que ele aprendesse o ofício. Além disso, há o risco do incentivo a políticas de aligeiramento dos cursos de licenciatura, sob o entendimento de que é na prática que o docente se forma. O referido autor também chama a atenção para o problema dos “saberes sem ofício”, que está no extremo oposto, em referência aos conhecimentos produzidos nas universidades desconsiderando as condições concretas do exercício profissional e que, portanto, não se dirigem ao professor real.

Superar os problemas elencados exige que se chegue a um bom termo na formação docente, isto é, que nos cursos a base de conhecimentos necessários para se ensinar seja constituída

[…] a partir de vivências e análise de práticas concretas que permitam constante dialética entre a prática profissional e a formação teórica e, ainda, entre a experiência concreta nas salas de aula e a pesquisa, entre os professores e os formadores universitários. (ALMEIDA; BIAJONE, 2007, p. 292)

O processo de discussão e (re)formulação que os cursos brasileiros de licenciatura em Matemática têm vivenciado nos últimos anos pode ter favorecido a revisão da concepção de formação de professores, pois a legislação atualmente em vigor, por meio do Parecer CNE/CP 1302/2001, representou um avanço ao propor a ruptura com o modelo ‘3+1’ de formação com inserção da prática pedagógica desde o início do curso e a licenciatura desvinculada do bacharelado (NACARATO; PASSOS, 2007). Todavia, ainda não há indicadores consistentes sobre esta mudança nos cursos, embora existam estudos sugerindo avanços em diversas licenciaturas em matemática do país (NACARATO; PASSOS, 2007; MORIEL JUNIOR, 2009).

Diante do exposto sobre o movimento de supervalorização da prática, em detrimento à teoria, fica evidente o problema da desarticulação entre teoria e prática. Este é um dos principais problemas que cursos de formação de professores de matemática têm enfrentado (BRASIL, 2001; FIORENTINI et al., 2002; PIRES, 2002; SBEM, 2003, CAMPOS, 2005; TROJAM, 2008).

4. ALGUMAS PROPOSTAS PARA FORTALECER NEXOS ENTRE TEORIA E PRÁTICA

Na busca de fortalecer nexos entre teoria e prática nos cursos de formação, a literatura recente tem apontado algumas formas de promover a incorporação do contexto da escola ao longo do curso de licenciatura (este é o sentido atribuído à articulação teoria e prática aqui). Essas formas, de modo geral, caminham no sentido do estabelecimento de parcerias entre professores e universidade, da incorporação nas licenciaturas de estudos de caso e práticas, estágios de longa duração (como o PIBID), memória profissional, análise reflexiva, explicitação de relações entre conteúdos da educação básica e da universidade, uso de problematizações e das tendências em Educação Matemática (como resolução de problemas, modelagem matemática, investigação em sala de aula e etnomatemática, tecnologias), dentre outras, porém sem desconsiderar a necessária análise das práticas à luz de referenciais teóricocientíficos adequados.

Moriel Junior e Cyrino (2009), sem serem prescritivos, apresentam um conjunto de propostas formativas de articulação entre teoria e prática a partir dos resultados de um estudo sobre Projetos Pedagógicos de cursos de licenciatura em Matemática no estado do Paraná e do diálogo com a literatura específica da área. As 26 propostas apresentadas são divididas em três grupos que tratam da (i) formação matemática do licenciando levando em consideração a dimensão didático-pedagógica; (ii) formação didático-pedagógica levando em consideração a dimensão matemática; e (iii) pesquisa, reflexão e prática in loco apoiadas pela literatura científica. Pela limitação deste texto e para não ser exaustivo, são apresentadas a seguir apenas algumas destas propostas, as quais podem representar meios de proporcionar aos futuros professores oportunidades para a construção de conhecimento especializado para ensinar matemática[3] (MONTES et al., 2014):

- Conhecer diferentes concepções de Matemática e reconhecer o paradigma ao qual se filiam que os permitam avaliar méritos e insuficiências de práticas didático-pedagógicas na Educação Básica associadas a estas concepções;

- Aprofundar conhecimento de matemática escolar por meio de análise das características e limitações de determinadas estratégias didáticas (englobando analogias, exemplos, ideias, explicações, representações ou demonstrações) usadas para abordar conceitos de Matemática em aulas na Educação Básica. Como exemplo, citamos a análise da introdução do conceito de Equação por meio de analogias ao mecanismo de uma “balança de dois pratos”;

- Conhecer articulações ao longo de todo o curso entre matemática científica e matemática escolar. Como exemplo, estudar e criar respostas adequadas para os “por quês” (perguntas) dos estudantes dos diferentes níveis da educação básica;

- Escolher um conteúdo matemático para o desenvolvimento, no decorrer de todo o curso, de uma atividade de pesquisa sobre seus aspectos didáticos, filosóficos, sociológicos, psicológicos, políticos, dentre outros, consistindo em um dos trabalhos de conclusão de curso;

- Analisar movimentos como o da “Matemática Moderna” e seus impactos nas práticas de sala de aula.

Embora este trabalho focalize a questão dos pressupostos epistemológicos na formação docente, é preciso destacar que não se pode desconsiderar as limitações inerentes à licenciatura, bem como, fatores externos intervenientes. A formação inicial de professores de matemática é uma tarefa complexa por sua própria natureza. Ao longo do curso de licenciatura é preciso que os futuros professores construam uma identidade profissional, sendo imprescindível para tal o desenvolvimento de conhecimento matemático e de conhecimento sobre o ensino de matemática (PONTE; CHAPMAN, 2007). Tem-se que formar em pouco tempo sujeitos (muitos deles jovens) com diferentes conhecimentos e préconcepções (sobre matemática, ensino etc.) para desempenhar uma profissão que envolve a condução de atividades matemáticas, muitas vezes com grupos grandes de estudantes pouco interessados no assunto e com sérias necessidades afetivas, sociais e culturais (PONTE; CHAPMAN, 2007). A meta é não somente a integração dos futuros professores ao sistema educativo existente, mas também contribuir para que eles sejam agentes ativos na transformação desse sistema (CYRINO, 2006; PONTE; CHAPMAN, 2007; PONTE, 2002).

Esta tarefa complexa torna-se ainda mais complicada no Brasil se considerarmos o perfil dos ingressantes nas licenciaturas. No caso da matemática a maioria estuda no período noturno, trabalha, ajuda no sustento da família e cursou todo o ensino médio em escola pública (INEP, 2006; 2005). Este perfil sugere que muitos futuros professores possuem, por um lado, defasagens em relação a conteúdos básicos e, por outro, pouco tempo disponível para se dedicar aos estudos fora de sala de aula, em virtude da carga horária de trabalho.

Acrescente-se o fato de que muitos encaram a licenciatura “[...] como uma espécie de ‘seguro desemprego’, ou seja, como uma alternativa no caso de não haver possibilidade de exercício de outra atividade” (GATTI; BARRETO, 2009, p.160).

Discutir a formação de professores ignorando condicionantes deste processo, bem como, dificuldades gerais da educação, pode significar recair em “erros do pedagogismo ingênuo, que acredita ser possível atingir a melhoria da escola independente daquilo que se passa no contexto [de formação], de vida e condições de trabalho do professor” (BALZAN; PAOLI, 1988, p.149, grifo nosso). Considerar tais questões pode auxiliar a combater o mito de que “no dia em que tivermos educadores mais qualificados, teremos resolvido os problemas da educação” (PEREIRA, 2006, p.89). Reforçamos então que a melhoria na educação e na formação docente passa necessária, mas não exclusivamente, pela valorização efetiva da profissão.

5. CONSIDERAÇÕES

As escolhas formativas são orientadas por um amálgama de posições epistemológicas, tanto em um indivíduo, quanto em um grupo. Assim, se se pretende encontrar meios mais adequados para formar professores, então é preciso investigar quais são os pressupostos epistemológicos presentes nas licenciaturas e como eles se refletem nos planejamentos e nas ações formativas. Pode-se buscar respostas para questões como: Por que se faz aquele tipo de formação, em detrimento de outro? Quais opções epistemológicas determinam a formação? Como elas se constituem no corpo docente e como se mantém ou se transformam? Será por opção própria ou pela falta de outras opções? Quais os motivos e as limitações?

Há também a necessidade de se colocar no centro da discussão sobre a formação de professores a questão dos pressupostos epistemológicos predominantes atualmente neste campo de pesquisa, os quais contribuem para a emergência de determinadas perspectivas e concepções de formação.

Argumenta-se aqui em favor de que a (re)organização de cursos de formação inicial de professores deve levar em consideração os resultados das pesquisas sobre conhecimentos de professores experientes, assim como, cuidar para que não ocorra uma desvalorização do papel do conhecimento científico/teórico/acadêmico. Desta forma, pode-se contribuir tanto para o distanciamento da ideia de profissão vocacionada, quanto para a consideração das condições concretas da atividade docente na produção de novos conhecimentos. Todavia, é preciso levar em conta limitações e condicionantes inerentes ao próprio processo de formação inicial de professores para que não sejam feitas críticas ingênuas.

REFERÊNCIAS

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Notas

[3] Mathematics Teachers’ Specialized Knowledge (MTSK)

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