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UM EXEMPLO DE ESTUDO HISTÓRICO COMPARATIVO SOBRE A ADOÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS DE ARITMÉTICA EM SÃO PAULO E EM SANTA CATARINA NO ENSINO PRIMÁRIO: 1890-1930

AN EXAMPLE OF HISTORICAL COMPARATIVE STUDY ABOUT THE ADOPTION OF ARITHMETIC TEXTBOOKS IN SÃO PAULO AND SANTA CATARINA FOR USE IN PRIMARY SCHOOLS: 1890-1930

David Antonio da Costa
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 2, núm. 1, 2014

revistareamec@gmail.com



DOI: https://doi.org/10.26571/2318-6674.a2014.v2.n1.p47-59.i5295

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: Este texto tem como objetivo apresentar uma análise sobre os pareceres de adoção das obras didáticas de aritmética que ocorreram em tempos de implantação dos Grupos Escolares nos estados de São Paulo e Santa Catarina na virada do século XIX – XX, no início do período republicano. Esta análise tomou alguns aspectos da perspectiva histórico comparativa (NUNES, 2001; CHARTIER, 2007) e privilegiou o uso das fontes presentes no Repositório Institucional da Universidade Federal de Santa Catarina (https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/1769). Pode-se observar uma continuidade das políticas implementadas em São Paulo levadas ao estado de Santa Catarina devido a difusão do modelo paulista associado pelos seus emissários correspondentes, no caso de Santa Catarina, o Prof. Orestes Guimarães. Tais resultados revelam-se desde a mesma formatação e lógica das prescrições normativas - decretos com adoção e aprovação das obras didáticas -, assim como nas mesmas indicações dos títulos e autores para serem usados para o ensino da aritmética.

Palavras-chave: História da Educação Matemática, Grupo escolar, Livro didático, Legislação escolar, Ensino primário.

Abstract: This text aims to present an analysis of the reflections about the adoption of arithmetic‘s textbooks that have occurred in times of deployment of School Groups in the states of São Paulo and Santa Catarina at the turn of the nineteenth century - XX in the early republican period. This analysis took some aspects of comparative historical perspective (NUNES, 2001; CHARTIER, 2007) and favored the use of the sources present in the Institutional Repository of the Federal University of Santa Catarina (https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/1769). Can observe a continuity of policies implemented in São Paulo brought to the state of Santa Catarina São Paulo due to diffusion model associated by their corresponding emissaries, in the case of Santa Catarina, Prof. Orestes Guimarães. Such results are revealed from the same formatting and logic of normative prescriptions - decrees with adoption and approval of textbooks - as well as the same indications of titles and authors to be used for teaching arithmetic.

Keywords: History of Mathematics Education, School group, Textbook, School legislation, Primary education.

1. INTRODUÇÃO

As mudanças políticas chegaram com a queda da Monarquia e a instalação do regime republicano em 1889 no Brasil. Durante a Primeira República, o projeto educacional das classes dominantes apresentava-se como um projeto político ideológico e um projeto de realizações práticas. Os intelectuais, educadores e políticos liberais difundiram, propagandearam e instituíram suas concepções de educação popular por meio da imprensa e do poder legislativo – principais canais de expressão político-social. Consolidaram, por meio de seus discursos, um imaginário segundo o qual essencialmente indica a educação escolar para a vida política e social, isto é, reforça o poder da educação como fator de promoção e igualdade social e a fixação dos perfis quanto à função e as possibilidades sociais de um homem educado, detentor da razão, e o homem analfabeto considerado um ignorante. (SOUZA, 1998)

O Estado de São Paulo, por meio do Decreto nº 27, de 12 de março de 1890, inaugura a marca republicana no âmbito das políticas públicas: os múltiplos aspectos do sistema de ensino – estrutura administrativa, organização curricular, legislação específica e minuciosa – são produzidos, impulsionados e controlados pela ação legislativa do Estado representado como governo.

A implantação dos grupos escolares racionalizou a organização escolar. Externamente tomou melhor forma o serviço de inspeção escolar enquanto que internamente a concentração do poder nas mãos do diretor constitui um elo entre professores e inspetores e entre estes e o pessoal administrativo. A hierarquia submetia rigidamente, em uma rede de cumprimento de deveres e obediência, diretor-professores-alunos; de outra parte, diretor-porteiro-serventes.

As proposições e ações dos reformadores do ensino paulista ao implementarem este conjunto de reformas que culminou com a instalação dos grupos escolares estava alicerçada na convicção que os professores bem formados na arte de ensinar seriam capazes de fazê-lo seguindo as orientações e cumprindo as normas.

Para contemplar este projeto político-administrativo, muitas normativas foram emitidas, tais como os Regulamentos e Regimentos Internos dos Grupos Escolares, Programas de Ensino e, objeto de estudo deste artigo, as prescrições quanto a adoção dos livros didáticos. Em São Paulo, o Parecer publicado na Revista do Ensino de 1904, p. 254 à 262, escrito por João Lourenço Rodrigues balizou as ações de adoção de obras didáticas. Em Santa Catarina estas prescrições se materializaram inicialmente com o Parecer sobre Obras Didacticas pelo Professor Orestes Guimarães, de março de 1911, seguidos dos decretos nº 596 de junho de 1911; nº 1062 de novembro de 1917 e finalmente o Decreto nº 2186 de julho de 1928.

Estabelecer as relações entre as prescrições relativas a adoção de obras didáticas para o ensino de aritmética no nível primário em São Paulo e Santa Catarina nos tempos de implantação do modelo administrativo-pedagógico dos Grupos Escolares é a tarefa que este artigo procura realizar.

Todos os textos normativos citados neste artigo podem ser encontrados no Repositório Institucional de Fontes para a Pesquisa em História da Educação Matemática (https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/1769). Este ambiente será simplesmente chamado de Repositorio.

2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Como estabelecer comparações entre as adoções dos livros didáticos nos Grupos Escolares de São Paulo e de Santa Catarina no início de sua implantação? Quais as semelhanças e diferenças que podemos constatar entre estas prescrições? O que elas se aproximam ou ainda, como se distanciam em relação as suas propostas? Quais são os aportes teóricos que poderão auxiliar nesta tarefa?

Na tentativa de obter respostas a estas indagações, recorro ao texto de Valente publicado em 2013 na Revista REMATEC intitulado Oito Temas sobre a História da Educação Matemática. Nele, o autor destaca o sexto tema ―História local, história global, história comparativa da educação matemática‖ (VALENTE, 2013, p. 41).

Não se pode negar a existência de pesquisas que privilegiam a temática da História da Educação Matemática no nível elementar em diferentes regiões do nosso país. Particularmente as investigações levadas a cabo pelos pesquisadores do GHEMAT (Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática) em diversas praças do Brasil. Mas apenas recentemente iniciou-se o movimento de fazer estas pesquisas na perspectiva de histórico comparativa. E como fazê-las?

Segundo Nunes (2001), comparar é estabelecer relações. Logo, uma pesquisa que leva em conta a comparação, trata-se de fato de um esforço cognitivo realizado pelo pesquisador orientado por perspectivas de percepção e estabelecimentos de critérios. Se na pesquisa o tempo todo se observa, então constantemente realiza-se comparações. Estabelece-se uma métrica, uma escala e, por meio de operações mentais realiza-se e discriminam-se as relações. No entanto estas operações, ainda segunda a autora, podem ser simples quando se relacionam objetos e se averiguam semelhanças e/ou diferenças. Mas também podem ser complexas, quando de fato se relacionam redes ou tramas de significados (NUNES, 2001).

3. AS NORMATIVAS DO ESTADO DE SÃO PAULO SOBRE A ADOÇÃO DAS OBRAS DIDÁTICAS

O artigo intitulado Parecer ao que o acto se refere (RODRIGUES, 1904), datado em 27 de fevereiro de 1904, foi escrito por uma comissão formada por João Lourenço Rodrigues, José Luiz de Brito e Antonio Rodrigues Alves Pereira que ficou encarregada de proceder uma revisão geral das obras didáticas aprovadas ou adotadas no ensino primário das escolas públicas do estado de São Paulo. Este parecer foi publicado na Revista de Ensino nr. 02, ano III, junho de 1904. O mesmo encontra-se disponível no Repositório (http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/97607).

Segundo Catani (1997), a Revista de Ensino era de responsabilidade da Associação Beneficiente do Professorado Público de São Paulo e foi publicada desde 1902 à 1908.

Tal parecer realizado pela comissão formada de professores subsidiou o Decreto nº 1216, de 27 de abril de 1904 que trata da aprovação do Regimento Interno dos Grupos Escolares e das Escolas Modelo. Neste Regimento, no artigo 10º indica-se que: ―os livros e mais objectos destinados ao ensino preliminar serão aprovados e adoptados pelo Secretario do Interior e da Justiça, com exclusão de quaisquer outros‖ (SÃO PAULO, 1904).

Da mesma forma, o Decreto nº 1217, de 29 de abril de 1904 que trata da aprovação e manda observar o programa de ensino para os grupos escolares e escola modelo também aponta para o uso das obras didáticas adotadas nos diferentes níveis de ensino.

Os programas em conjunto com o Regimento das escolas públicas e o Parecer das obras didáticas formavam o conjunto normativo que instruía as condições de uso dos livros didáticos nas escolas públicas em São Paulo no início do século XX.

João Lourenço e demais autores citados fizeram uma revisão e classificaram as obras didáticas em dois grupos gerais: a) livros didáticos e b) cadernos, mapas e materiais de ensino.

Para o primeiro grupo, livros didáticos, os mesmos foram subdivididos em três seções:

a) livros de leitura compreendendo as obras que estavam em condições de serem adotados para o ensino dessa disciplina nos dois cursos – preliminar e complementar; b) compêndios e manuais que sem terem adoção oficial e obrigatória poderiam, contudo ser recomendados aos professores de um e outro curso como podendo servi-lhes de roteiro para o ensino das demais disciplinas dos respectivos programas; e c) livros diversos, que poderiam ser aproveitados na constituição de uma útil biblioteca escolar.

Na parte de Arithmetica da seção b, ou seja, dos compêndios e manuais das diversas disciplinas escolares, encontramos cinco obras citadas:

1) Arithmetica Escolar, livro do mestre, Ramon Roca Dordal;

2) Calculo mental, Brasilicus;

3) Calculo arithmetico, Alfredo Soares;

4) Compendio de Arithmetica Elementar, D.M.

5) Soluções e respostas de Arithmetica e Systema Métrico (curso elementar e médio) U. Auvert.

Para o segundo grupo, cadernos, mapas e materiais de ensino, na seção de Arithmetica encontramos:

1) Colleção de cadernos – Arithmetica Escolar, Roca;

2) Colleção de cadernos da Escola Americana;

3) Colleção de cadernos Arnaldo Barreto;

5) Contador Infantil, H. Galvão.

OBS: Ainda neste grupo encontramos uma nota explicitando que o ensino de aritmética deveria começar pelo emprego das cartas de Parker.

As cartas de Parker constituem-se um conjunto de gravuras cujo fim é o de auxiliar o professor a conduzir metodicamente o ensino, sobretudo das quatro operações fundamentais (VALENTE, 2014).

4. AS NORMATIVAS EMITIDAS NO ESTADO DE SANTA CATARINA SOBRE A ADOÇÃO DAS OBRAS DIDÁTICAS

O Decreto nº 596 (http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/123490) de 7 de junho de 1911 assinado pelo então governador do estado, Sr. José de Oliveira Ramos Vidal, apresenta-se como uma das primeiras normativas a tratar deste assunto no estado de Santa Catarina.

Em seu corpo, elencando-se na exposição dos motivos deste decreto, encontra-se o detalhamento sobre a forma que ―adopção de material escolar aconselhado pela moderna pedagogia para que uniformes sejam os processos usados pelo professorado a cujo arbítrio não deve ficar a escolha de obras didacticas‖ (SANTA CATARINA, 1911, p.8). E complementa que ―a fiscalização do ensino deve ser exercida também sobre o uso de taes obras‖. (idem, p.8).

A partir da exposição dos motivos, por meio de um único artigo, apoiando-se no Parecer do Inspetor Geral de Ensino, ―(...) ficam adotadas para serem exclusivamente usadas em todas as escolas públicas estadoaes as obras didacticas que a este acompanha, assignada pelo Secretario Geral dos Negocios do Estado‖ (ibidem, p.8)

A relação das obras didáticas para uso dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas anexada a este decreto discriminava uma cartilha de Arnaldo Barreto, quatro livros de leitura assim como um caderno de Calligrafia vertical de autoria de Francisco Vianna e mais um livro ―Minha Patria‖ de Pìnto e Silva.

Mas o que continha o Parecer do Inspetor Geral de Ensino acerca da aritmética?

4.1. O PARECER DE ORESTES GUIMARÃES

Uma cópia deste parecer pode ser encontrada no Repositório (http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/101130). Este parecer foi escrito pelo Prof. Orestes Guimarães, professor comissionado procedente do estado de São Paulo para atuar em Santa Catarina. Iniciou suas atividades no Colégio Municipal de Joinville (1907-1909). Contando com o apoio do governo regional e sua habilidade política, Orestes recebeu a simpatia do sucessor no comando do Estado, tornando-se inspetor-geral da Instrução Pública, em 1910, no governo de Vidal Ramos (1910-1914).

Nas páginas iniciais, Orestes Guimarães explica os critérios utilizados na escolha das obras:

Para dar cumprimento as ordens de Vossa excelência, comecei por fazer a revisão das obras didacticas aprovadas para as escolas publicas de S. Paulo (escolas isoladas, grupos escolares, escolas complementares), fazendo escolha d‘aquellas que me pareceram melhores, por isso que reunem condições pedagogicas, incontestaveis, observadas pelo magisterio paulista durante vinte e poucos anos de pratica (GUIMARÃES, 1911, p.4).

Explicita-se neste documento os fundamentos, os critérios das escolhas: os livros adotados paulistas fariam parte do rol das obras adotadas em Santa Catarina. Há quatro anexos numerados relacionados as finalidades destas obras. No primeiro anexo estão listados os títulos que deveriam formar a Biblioteca dos Inspetores junto à Diretoria da Instrução Pública. Em seguida, no anexo 2, estão indicados os livros que deveriam compor as bibliotecas dos Grupos Escolares. No anexo 3 estão referendadas as obras que já são indicadas nos programas de ensino dos Grupos Escolares e Escolas Isoladas. Finalmente no último anexo estão presentes as indicações dos livros para uso das escolas complementares.

No anexo 1 – Biblioteca dos Inspetores, encontram-se 165 indicações de títulos separadas por matérias. Particularmente para a Aritmética, destacam-se:

72. Arithmetica escolar, livro do mestre Ramon Roca Dordal.

73. Calculo mental, Brasilicus

74. Calculo arithmetico, Alfredo Soares

75. Compendio de Artihmetica Elementar, D.M.

76. Soluções e respostas de Arithmetica e Systema Metrico (curso elementar e médio), U. Auvert.

120. Explicador de artihmetica, Sá, 9ª. Edição.

121 Arithmetica, Aarão Reis.

122 PARA EXERCICIOS PRATICOS: Cours Supérieur, Auvert.

No anexo 2, isto é na Biblioteca dos Grupos Escolares, estão listadas 57 indicações destacando-se as seguintes para Aritmética:

27. Arithmetica Escolar, livro do mestre, Ramon Roca.

28. Calculo mental, Brasilicus.

29. Calculo Arithmetica, Alfredo Soares.

30. Soluções e respostas de Arithmetica e Systema Metrico (curso elementar e médio), U. Auvert.

Para uso dos Grupos Escolares e das Escolas Isoladas, no anexo 3, não há livros destacados para a Aritmética.

Finalmente para as Escolas Complementares, no anexo 4, há 14 livros indicados e um deles trata-se da Aritmética de Trajano (Curso Superior).

Para além das indicações dos títulos aos respectivos usos e finalidades, o parecer também apresenta as características destas Bibliotecas e o valor aproximado para a formação das mesmas. Por exemplo, para a Biblioteca dos Inspetores, as obras destinadas a este acervo serão utilizadas para consultas, estudos de observação e de comparação. O Prof. Orestes Guimarães orçou em 800$000 o valor aproximado para sua implementação.

A Biblioteca dos Grupos Escolares, relativa as indicações do anexo 2, estão orçadas no montante de 400$000. A existência deste local também está prevista no artigo 9º do Regimento dos Grupos Escolares Catarinenses. Seu orçamento é da ordem de 400$000.

Em especial, para as obras relacionados no anexo 3, Orestes Guimarães esclarece que tais obras são destinadas a auxiliar na reforma dos métodos de ensino nas Escolas Isoladas e no início das atividades nos Grupos Escolares. E para cumprir este importante papel, tais obras (que estão elencadas nos seus respectivos programas de ensino) exigem ―aprovação‖ e ―adoção‖, logo após a publicação de ditos programas. Tanto a ―aprovação‖ como a ―adoção‖ serão feitas por decreto cuja observância será recomendada pelo Secretário Geral às autoridades escolares e professores. E isto apresenta alguns particulares desdobramentos:

Opto, portanto, por este systema, em se tratando das installações, conforme o modo abaixo, que reune as condições de exito, a saber:

1º - rapidez e uniformidade nas installações;

2º - propaganda das obras necessárias á methodisação do ensino;

3º - facilidade aos pobres.

Fornecendo o Governo os livros, conforme a TABELLA A, os directores farão sentir:

a) que elles são de propriedade do Estado;

b) que não serão retirados para fóra dos Grupos;

c) que os alumnos que quiserem tel-os, em casa, deverão compral-os, onde houver;

d) que o Governo só faz fornecimento para os primeiros alumnos e que do futuro, os que se forem matriculando, deverão adquirir tudo quanto fôr necessário. (GUIMARÃES, 1911, p.15)

O que de fato, indica-se neste Parecer trata-se do mesmo dispositivo previsto e em uso em São Paulo desde o Decreto nº 248 de 26 de julho de 1894 (SÃO PAULO, 1918), isto é, o estado torna-se o grande consumidor das obras didáticas e as editoras se especializam a este nicho de mercado que passara a existir.

4.2. OUTRAS NORMATIVAS CATARINENSES: 1917, 1928

Seguindo as recomendações deste parecer descrito acima, a legislação catarinense se atualiza e emite os decretos com as adoções na medida que ocorrem as reformas dos programas.

O Decreto nº 1062 (http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/117123), de 7 de novembro de 1917, indica a adoção de diversas obras didáticas para serem usadas nas escolas públicas catarinenses. Há menção ao então Decreto nº 596 de junho de 1911 e indicam-se um item relacionado a aritmética:

- Mappas de Parker – F. Parker.

A próxima normativa presente na legislação trata-se do Decreto nº 2186, de 21 de julho de 1928 (http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/122149). No texto deste decreto também há menção ao decreto anterior de 1917 e há referências de obras para Escolas Isoladas, Grupos Escolares, Escolas Complementares e Escola Normal. Para o ensino de aritmética destacam-se as seguintes referências:

Para Escolas Isoladas – sem indicação.

Para Grupos Escolares – 20. Mappas de Parker – Weisflog

Para Escolas Complementares – 3. Arithmetica Superior (Progressiva) – Trajano

Para Escola Normal – 9. Arithmetica – F.T.D.

Nota-se a permanência dos Mappas de Parker, desde a adoção pelo Decreto de 1917, alterando-se apenas a referência de F. Parker para Weisflog. As pesquisas apontam que F. Parker trata-se de fato do nome do idealizador deste material didático a saber: Francis Wayland Parker (COSTA, 2009). A empresa Weisflog Irmãos Incorporada resultou da associação ocorrida em 1920, entre duas distintas empresas: a Companhia Melhoramentos de São Paulo, fundada em 1877, e a Weisflog Irmãos, estabelecimento gráfico fundado por Otto e Alfried Weisflog (VALENTE, 2014).

5. DISCUSSÕES

Seguindo as indicações de Nunes (2001), em um primeiro momento procurou-se arrolar na série de fontes presentes no Repositório os documentos pertinentes que de alguma forma tangenciavam o tema em questão deste estudo nas duas unidades federativas: São Paulo e Santa Catarina.

A partir da pergunta de pesquisa, colocou-se lado a lado os documentos que passaram a ser examinados em pelo menos duas dimensões: quanto aos seus conteúdos explicitados no texto e quanto a sua forma. Observou-se os conteúdos presentes no texto levando em conta as semelhanças de notações, no estilo de escrita fundamentada em referências estrangeiras teóricas como argumento de autoridade, e, no limite, a identificação das mesmas indicações de obras nos dois locais, tanto no estado de SP, quanto em SC. Analisou-se as formas dos pareceres, mas no sentido das suas intenções implícitas que os autores desejavam incorporar a este modelo de adoção de obras didáticas para serem usadas no ensino. Tais intenções revelaram uma trama de relações entre os autores propositores deste modelo, um mercado editorial atento e sensível ao nicho de mercado que se estabelecia além de outros desdobramentos.

Notadamente quanto aos conteúdos, muitos exemplos podem ser relatados. Como ilustração apresento os comentários sobre os compêndios. Ambos pareceres tratam os compêndios como livros que poderão ser consultados, mas nunca utilizados de forma sistemática no ensino. Tais publicações representavam o que a modernidade pedagógica queria ultrapassar, isto é, a recusa do modelo livresco. O compêndio poderia ser usado como apoio, mas não como referência.

O parecerista de São Paulo, ―...(...) entende a commissão que a adoptação official de taes livros é inconveniente ou mesmo nociva‖ (RODRIGUES, 1904, p.255). E na mesma direção, há apontamentos presentes pelo Prof. Orestes Guimarães em Santa Catarina: ―...os mais distinctos pedagogistas têm comndenado a acção perniciosa dos compêndios nas escolas primarias, assegurando que estes matam a intelligencia infantil..‖ (GUIMARÃES, 1911, p.5).

E ambos finalizam sua preleção quanto a este ponto com a citação de Rayot:

Il ne doit pas, il ne peu pas remplacer l‘enseignement du maître, parce que rien ne peut pas remplacer le maître, avec sa parole plus souple et sa liberté plus grande; seulement nous croyons qu‘il peut venir à son secours. (RODRIGUES, 1904, p. 255; GUIMARÃES, 1911, p.6)

Quanto ao conteúdo, em ambos pareceres, é possível ainda observar os resultados das adoções e recomendações, com igualdade na maioria dos títulos, particularmente da Arithmetica escolar, livro do mestre Ramon Roca Dordal; Calculo mental, Brasilicus; Calculo arithmetico, Alfredo Soares; Compendio de Artihmetica Elementar, D.M.; Soluções e respostas de Arithmetica e Systema Metrico (curso elementar e médio), U. Auvert.

Tomando a outra dimensão quanto as intenções, os pareceres fazem parte de um cabedal de imbricadas normativas que se associam nas obrigações do uso tão somente do material prescrito. A adoção reforça o compromisso do estado, por meio dos decretos que se interligam aos programas de ensino emitidos pelo Secretario do Estado, no fornecimento de tais livros.

Da comparação dos documentos, depreende-se em primeiro plano uma distância de temporalidade. O documento de São Paulo publicado na Revista de Ensino de 1904, trata do assunto das adoções das obras didáticas no momento da fundação do modelo em São Paulo. O documento utilizado em Santa Catarina, datado em 1911, trata-se de um marco de implantação dos Grupos Escolares que começariam a se instituir no mesmo ano. No entanto, ainda que haja este distanciamento temporal entre as datas de emissões, ambos os documentos se apresentam com características de implantação, com a intenção de estabelecimentos de políticas e determinações no âmbito político-administrativo-pedagógico. A indicação de uma outra obra poderá significar o predomínio de uma ou outra corrente pedagógica mais forte. O fator ideológico não foi deixado de lado, uma vez que os instrumentos de poder se colocam a disposição do sistema implantado.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar as exposições relativas as prescrições acerca da adoção de livros didáticos para uso no ensino público nos estados de São Paulo e Santa Catarina realizadas pelo mesmo tipo de instrumento, ou seja, por pareceres que foram incorporados aos regimentos e programas de ensino, pode-se inferir certa semelhança entre seus formatos, finalidades e implementações.

Idealizado primeiro em São Paulo, o parecer paulista foi substancialmente utilizado para escrita do parecer catarinense. De fato, segundo estes documentos, os mesmos livros adotados nas escolas paulistas, também foram adotados nas escolas catarinenses. E isso se estende também ao uso das chamadas Cartas de Parker.

A expansão da escola pública no Estado de São Paulo acelerou o desenvolvimento do mercado editorial e ampliou o mercado de trabalho, envolvendo professores, artistas, editores, técnicos na escrita, ilustração e produção de livros didáticos.

A centralização e hegemonia do ensino primário paulista evidenciou um grupo de normalistas que lá se formaram e que, além de exercerem cargos chaves na hierarquia da Instrução Pública, muitos deles tornaram-se autores de livros didáticos. Para nosso caso, Ramon Roca Dordal é um exemplo emblemático.

Este processo é explicado mediante o entendimento das ações de controle que são exercidas no chamado circuito do livro escolar. Em São Paulo, desde o início da República, o governo controla a adoção dos livros didáticos nas escolas públicas, quer seja sob a alegação da necessidade de uniformização do ensino, quer seja porque legislava sobre programas e currículos, ou ainda por se tornar em principal comprador. E esta situação se perpetua também em outras localidades na medida em que os professores comissionados levam este modelo aos outros estados, no caso particular, em Santa Catarina pelo Prof. Orestes Guimarães.

Outras pesquisas ainda poderão contribuir para melhor compreensão e identificação dos livros e materiais que circularam em São Paulo e Santa Catarina permitindo novos cotejamentos com fontes a serem catalogadas.

REFERÊNCIAS

CATANI, D.B.; BASTOS, M.H.C. A imprensa periódica e a História da Educação. IN: CATANI,D.B.; VICENTINI, P. P. e LUGLI, R.S.G. O Movimento dos Professores e a Organização da Categoria Profissional: estudo a partir da Imprensa Periódica Educacional. São Paulo/SP: Escrituras, 1997.

CHARTIER, Roger. La historia o la lectura del tiempo. Barcelona, Espanha: Editorial Gedisa, S.A., 2007.

COSTA, David Antonio da. Arithmetic in primary school of Brazil. In: Proceedings... Conference of European Research in Mathematics Education – CERME, 6. Lyon, 2009. p.2712-2721

COSTA, David Antonio da. A aritmética escolar no ensino primário brasileiro: 1890- 1946. São Paulo: PUCSP, 2010. 278f. Tese (doutorado em Educação Matemática). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

GUIMARÃES, Orestes de Oliveira. Parecer sobre a adoção das obras didacticas. 1911. Florianópolis, 1911. Disponível em http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/101130. Acesso em 04. out. 2014.

NUNES, Clarice. História da educação comparada: algumas interrogações. Educação no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados: São Paulo: SBHE, 2001.

RODRIGUES, João Lourenço et al. Parecer ao que o acto se refere. Revista de Ensino, vol. 3, São Paulo: SP, 1904. p. 254-262. Disponível em http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/97607. Acesso em 04. out. 2014.

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______ Decreto nº 1216, de 27 de abril de 1904. Approva e manda observar o Regimento Interno dos Grupos Escolares e das Escolsa Modelo. Colleção das Leis e Decretos do Estado de São Paulo de 1904. São Paulo: Typographia do Diario Official, 1918.

SOUZA, Rosa Fatima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo: 1889-1910. São Paulo: Unesp, 1998.

VALENTE, Wagner Rodrigues. Oito Temas sobre História da Educação Matemática. REMATEC, Natal, RN. Ano 8, n.12. jan.-jun. 2013. p.22-50.

______, Wagner Rodrigues. Lourenço Filho e o moderno ensino de Aritmética: produção e circulação de um modelo pedagógico. História da Educação, Porto Alegre, RS. v.18, n. 44. set./dez. 2014. p.61-77.

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