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PESQUISA ETNOMATEMÁTICA: MÉTODOS E TÉCNICAS PARA UMA CONSTRUÇÃO SOCIOETNOCULTURALISTA
SEARCH ETHNOMATEMATICS: METHODS AND TECHNIQUES FOR CONSTRUCTION SOCIOETNOCULTURALISTA
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol.. 1, núm. 1, 2013
Universidade Federal de Mato Grosso

Artigos

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 1, núm. 1, 2013

Recepção: 29 Julho 2013

Aprovação: 25 Agosto 2013

Publicado: 20 Setembro 2013

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Buscamos neste trabalho desenvolver um caminho metodológico que nos propiciasse uma compreensão maior sobre etnociência. De posse de tal conceito podemos apresentar ao leitor um caminho metodológico que inicia-se em 1900 com a tendência pedagógica formalista clássica, discutimos a partir daí a empírico-ativista, a formalista moderna, tecnicista, construtivista e etnoculturalista, na perspectiva de identificar o melhor caminho metodológico a ser trilhado em uma pesquisa Etnomatemática. Procedemos em seguida a construção do modelo de pesquisa apresentando os métodos de pesquisa mais usuais em estudos etno como o observacional, o fenomenológico, o etnográfico e o social-construtivista ou mesmo a pesquisa-ação ressaltando suas vantagens. Na sequência, apresentamos as principais técnicas de pesquisa para estudos etno como a observação Assistemática, Sistemática, a Participante e a não Participante. Propomos ao final um caminho metodológico que acreditamos ser o mais adequado para estudos desta natureza.

Palavras-chave: tendências pedagógicas, etnomatemática, métodos de pesquisa, técnicas de pesquisa, construção metodológica.

Abstract: We seek in this work to develop a methodological way we propitiate a greater understanding about ethnoscience. Possession of such a concept can provide the reader with a methodological path that begins in 1900 with the pedagogical trend formalistic classical thereafter discuss the empirical-activist, the formalist modern technicalities, constructivist and etnoculturalista, so as to identify the best methodological approach to be followed in a research Ethnomatematics. Then proceeded to build the research model presenting the research methods most commonly used in ethnic studies as observational, the phenomenological, the ethnographic and social-constructivist or action research highlighting their advantages. Following, we present the main research techniques for studying ethno like observation, Systematics, the Participant and the Participant does not. We propose a path to the end methodology that we believe to be the most suitable for such studies.

Keywords: pedagogical trends, ethnomathematics, research methods, research technics, methodological construction.

1. INTRODUÇÃO

Frente aos atuais dilemas que se apresentam no cenário educacional ganham pujança os estudos relacionados à etnociência, Giorgio CARDONA(1943-1988), filólogo e linguista italiano, define etnociência como

...todas as formas de classificação que o homem escolheu para dar ordem e nome àquilo que ele vê em torno a si são substancialmente equivalentes, são todas substancialmente científicas, se mais não fosse que pelo sentido óbvio através do qual o substantivo scientia deriva de scio, 'sei', e portanto toda organização do nosso conhecimento é uma scientia; cada uma responde a uma fundamental exigência do homem, aquela de reencontrar-se, medir-se, conhecer-se, dar-se ordem medindo, conhecendo, ordenando tudo o que se encontra em torno, semelhante ou não a ele. (CARDONA, 1985, p.10).

Nesta posição fica transparente que uma analise intrínseca do termo deve ser centrada nas relações que envolvem homem e natureza, esta interação resulta de relações linguísticas constituídas ao longo de gerações somadas às articulações cognitivas que cada povo tenha aculturado, tais fatores corroboram para que muitos dos avanços sobre o tema estejam sendo desenvolvidos no âmbito da etnografia indígena, justamente por ser possível nestes espaços verificar com clareza e facilidade cada um dos elementos culturais e linguísticos supra citados.

Muito se produziu até que chegássemos ao atual momento sócio-histórico-cultural onde a educação não mais é vista como um processo nos dado naturalmente e sim construído a cada instante e a cada tema por meio da interação entre educador educando e o contexto social, donde desta sinergia depende a eficácia do processo de ensino aprendizagem.

Neste sentido, estaremos discutindo neste trabalho a importância de se repensar a Educação Matemática na perspectiva da etnomatemática. Trataremos os aspectos relacionados a importância curricular, a subjetividade intrínseca ao meio, que nas palavras de D’Ambrosio caracterizam os estudos “etno”. Para ele:

Etnomatemática não é apenas o estudo de matemática das diversas etnias. Para compor a palavra “etnomatemática”, utilizam-se “as raízes” tica, matema e etno para significar que há várias maneiras, técnicas, habilidades (tica) de explicar, de entender, de lidar e de conviver com (matema) distintos contextos naturais e socioeconômicos da realidade (etnos) (D’AMBROSIO, 2001, p.60).

Esta definição acima em nosso entendimento é a mais precisa definição de etnomatemática para o contexto que propomos discutir. De acordo com o universo proposto por D’Ambrosio podemos verificar a importância de uma matemática que explora o senso comum, oferece através de sua interação mecanismos e relações que capacitem o indivíduo com vistas a promover mudanças sociais. E ainda é capaz de oferecer formação voltada a sustentar um indivíduo intelectualmente de forma a inseri-lo na sociedade da informação. Por estes motivos optamos por adotar esta para ser a definição de etnomatemática dentro deste trabalho.

Podemos entender assim que a etnomatemática é uma tendência dentro da Educação Matemática que foi construída contemplando o saber oriundo do cotidiano a qual mesmo sem rigor científico apresenta-se repleto de saberes e fazeres relacionados à cultura do indivíduo ora aprendente.

Propomos ainda um olhar sobre a construção metodológica por uma perspectiva idiossincrática desenvolvido a partir da interação entre os elementos teóricos do ora ensinante e suas reflexões sobre a sua prática pedagógica, por este motivo estaremos abordando a tendência socioetnoculturalista.

As discussões sobre produção e sistematização coletiva de conhecimento estão no centro da relação teoria-prática na formação do professor, embora não estejamos aqui tratando de um perfil formativo do docente é importante destacar que “tal prática é pautada num processo coletivo de pesquisa-ensino que problematiza a prática pedagógica desenvolvida nas instituições educacionais, analisa-a criticamente e propõe novas práticas” (MARTINS, 2003, p.133).

Tal forma una de tratar ensino e pesquisa, assim como a articulação com os movimentos sociais é que nos leva a conceber uma didática diferenciada que perpassa elementos sociais, étnicos e carregados de valores culturais.

No intuito de colaborar com demais pesquisadores que posteriormente virão tentaremos aqui dar um tratamento diferenciado as metodologias de pesquisa no sentido de discutir qual a mais adequada forma de tratar o assunto sem que tal processo se torne invasivo ou venha a corromper a cultura do povo a ser estudado. E com base nas diferentes abordagens e literaturas elencamos as principais diretrizes metodológicas para a Etnomatemática para ao final apresentar uma proposta de delineamento de pesquisas desta natureza.

Sendo a etnomatemática vista como uma tentativa de analisar os processos matemáticos que os indivíduos fazem uso para compreender as infinitas operações e manifestações que realizam em sua vida cotidiana relacionadas à comunicação, raciocínio lógico, tomadas de decisão, faz-se necessário lançar um olhar sobre as crenças, costumes e demais comportamentos sociais observados nas sociedades em estudo.

2. CONSTRUINDO UM MODELO ETNOMATEMÁTICO

O que está sendo abordado aqui não é a falência ou sucesso de alguma tendência específica, mas sim em que medida uma tendência interfere na formação integral do educando. Por volta de 1900 o modelo de ensino formalista clássico (FIORENTINI, 1995, p.5), e que embora ao olhar de muitos seja inapropriada aos ambientes pedagógicos contemporâneos, surgiu e foi muito empregada até a década de 50 do século passado.

Buscamos por meio de uma retomada de várias tendências pedagógicas compreender tanto a etnomatemática quanto instrumentos que melhor atendem às necessidades de uma construção de ciência carregada de historicidade e onde a fenomenologia é parte intrínseca do processo de cientifisação dos fatos.

Para Fiorentini (1995, p.5) a tendência formalista clássica é uma corrente que “se caracteriza pela ênfase às ideias e formas da matemática clássica, sobretudo ao modelo euclidiano e à Concepção Platônica da Matemática”. E tal perspectiva foi bastante producente no contexto socioeconômico da época.

Cabe destacar que não fosse a forte característica da geometria euclidiana de sistematizar logicamente os conhecimentos matemáticos partindo de postulados e definições, não teríamos hoje sequer cursos de Engenharia no país, pelo menos não com nível de desenvolvimento petroquímico e de nanotecnologias.

A concepção inatista de Platão tão defendida por Descartes (1596-1650) de que a matemática não é inventada ou construída pelos homens e sim admirada e compreendida, também teve seu papel destacado na história das ciências, embora nos dias atuais os aspectos sócio culturais que envolvem a matemática releguem o platonismo a uma posição de coadjuvancia frente a questões comportamentais.

O formalismo clássico desempenhava um papel social e politico ao mesmo tempo, uma de suas principais características era oferecer aos grandes senhores da burguesia e clero ensino “mais racional e rigoroso”, ao passo que para classes sociais inferiores eram oferecidas escolas, e escolas técnicas com a finalidade de ensinar basicamente o cálculo e abordagens mais mecânicas da matemática, de forma à converter se em mão de obra útil mais rapidamente, assim a instrumentalização técnica do indivíduo era o que se buscava.

Entre as décadas de 30 e 40 do século XX surgem com mais ênfase as preocupações com o desenvolvimento intelectual e comportamental do aluno em formação quase que em oposição ao tradicionalismo, surge a tendência empírico-ativista e discussões sobre a importância do processo ganham terreno. Para Saviani (1984, p.13) tal tendência é “uma teoria pedagógica que considera que o importante não é aprender, mas aprender a apreender.”

No sentido da construção do conhecimento mesmo com o processo agora sendo centrado no aluno, este continua a acreditar que as ideias matemáticas são obtidas por descoberta, ou seja, o conhecimento matemático emerge de observações empíricas sendo tomado pelos homens através dos seus sentidos, da maneira como sua própria natureza lhe prover.

Tal pensamento seguido por muitos educadores à época como Euclides Roxo tinha profundas raízes no empirismo de Bacon (1561-1626) e Locke (1632-1704) ao aceitar que todo conteúdo mental e assim também o conhecimento resultaria das experiências vividas. Tal pensamento igualmente teve grande influência no desenvolvimento do pensamento educacional inglês (MAGEE, 2011, p.104).

Algumas das principais características desta corrente são a valorização da descoberta, o “aprender fazendo”, menos ênfase nas relações matemáticas e mais nas inter-relações com outras ciências. Defende-se que o método mais adequado para o ensino de matemática é a modelagem ou a resolução de problemas.

No final da década de 40 e mais fortemente na década de 50 surge o pensamento formalista moderno que vem a constituir-se como tendência pedagógica e pode ser identificado historicamente como propulsor do Movimento da Matemática Moderna que propunha uma grande reformulação, otimização e modernização do currículo da matemática formal escolar, foi motivado principalmente pela percepção tida por muitos cientistas da época da defasagem do desenvolvimento industrial e tecnológico da sociedade, logicamente as discussões apontaram um caminho, a urgência em modificar a estrutura curricular vigente.

De uma forma geral, além de trazer para dentro dos currículos estruturas algébricas, teoria dos conjuntos, funções e outros mais, veio este movimento dar ênfase principalmente aos aspectos relacionais e estruturais da matemática em detrimento do pragmatismo e o conhecimento mecanizado da época.

Em parte isso significaria retornar ao formalismo clássico, porém, mais “modernizado” uma vez que a linguagem formal da Matemática contemporânea foi incorporada à prática pedagógica e assim também novos olhares sobre as estruturas e relações algébricas. O ensino volta a ser centrado no professor e com fortes características de autoritarismo, enquanto o aluno é visto como sujeito passivo no processo.

Tal tendência ainda é facilmente identificada dentro dos cursos de licenciatura de matemática na forma de organização de disciplinas e na pouca significação dada a elementos coletados a partir de experiências empíricas, e isto pode ser comprovado diretamente na malha curricular dos cursos de graduação.

Tinha por característica marcante verificações acerca das estruturas lógicas de organização de ideias e evidentemente também de alterações nas formas de tratamento algébricas mais contemporâneas, uma aproximação sobre discussões a respeito de métodos o que hoje representa para nós um elo onde possamos estudar metodologias de ensino de matemática e suas eficácias.

Já em meados da década de 60 começa a aquilatar-se a tendência Tecnicista com profundas marcas nas administrações públicas até o final da década de 70, voltada a atender uma demanda por produtividade da era industrial defendendo que o indivíduo e por meio dele a sociedade deveriam ser eficientes e funcionais para o sistema. Esta tendência foi marcada por características produtivistas e voltadas principalmente a formação de mão de obra em larga escala e barata.

Também foi neste período, e em parte devido ao tecnicismo, que eclodem as discussões sobre organização e melhor planejamento do sistema de ensino inclusive surgindo tecnologias de ensino, algo importante com certeza, mas, que infelizmente da forma com que foi e é feito restringe o aprendizado do indivíduo quando traz o conteúdo acompanhado de um processo já definido e testado de aprendizagem onde o aluno tende a ser um mero transmissor daquele conhecimento, ao passo que habilidades pessoais e valores culturais dão lado a instruções pré-programadas sem grande significação histórica ou epistemológica.

Concentra-se basicamente nos objetivos dados a cada bloco de instruções oferecidas ao indivíduo, muitas vezes através de regras, truques, macetes, isto é, as técnicas de ensino e o uso adequado dos instrumentos de aprendizagem são suficientes para promover o bom desempenho de habilidades lógico-dedutivas. Talvez a principal contribuição desta corrente para a comunidade escolar de hoje é ter sua aprendizagem voltada para o processo de ensino e não aos seus atores.

Tal aproximação e de certa medida dependência da Psicologia tem gradativamente através de análises comportamentais, impelido os profissionais do ensino a migrarem de posturas tidas classicamente como empírico-ativistas e mesmo tecnicistas para uma postura laboral mais voltada a explorar a subjetividade intrínseca no ambiente e na prática diária do cognoscente, cada vez mais ganham fluência pesquisas que consolidam a importância em identificar os conflitos éticos do aluno nas mais variadas “tribos” e tais fenômenos sociais quando publicados servem de baliza também e principalmente para estudos sobre etnociência.

Neste cenário já é possível perceber com clareza a influência da tendência socioetnoculturalista na construção intelectual do indivíduo, a interação, o contato com a ciência e o comportamento do próximo converte-se também em conhecimento para o ensinante. Aí o espaço de salas de aula, a rigidez de posturas e linguagens, passam a ser sentidos como grilhões aos alunos que a cada vez mais querem descobrir relações, fórmulas e métodos matemáticos ouvindo os colegas e como estes o fizeram, a transmissão de conhecimento nestas condições não verá barreiras tecnológicas, culturais ou étnicas.

Nesta tendência os atributos cognitivos e culturais do cognoscente passam a compor o pensar matemático de maneira mais completa e dinâmica posto que toda a aprendizagem matemática nestas condições já naturalmente será contextualizada, outro fator decisivamente potencializador da aprendizagem.

Numa perspectiva socioetnoculturalista não há como aceitar que uma criança em precárias condições financeiras tenha menos conhecimento que outras, posto que o ambiente a qual ela se insere está ele próprio exalando conhecimentos das mais variadas formas.

Isso ocorre em muitas situações e pode ser entendido como a carência destes indivíduos em saber identificar métodos e usa-los de forma a organizar cognitiva e teoricamente a grande gama de conhecimentos captados no seu entorno de forma a tornar isso culturalmente aceito aprendizagem formal e escolar.

Knijnik (2012) defende que, “Para a Etnomatemática a cultura passa a ser compreendida como algo pronto, fixo, homogêneo, mas com uma produção tensa e instável”. E neste sentido fica clara a interpretação da transitoriedade na construção do conceito de conhecimento matemático que “...estão constantemente reatualizando-se e adquirindo novos significados” (KNIJNIK, 2012, p.26), e assim esta matemática também passa a contribuir para a produção cultural dos indivíduos daquela determinada sociedade na mesma medida em que é entendida, captada e moldada à tais necessidades.

Assim, a interação, a comunicação, a ação deste indivíduo ocupam papel tão importante quanto a escrita na construção de sua propriedade intelectual ao mesmo tempo em que este se ocupa de transformar a cultura e o ambiente por onde passa. Possivelmente uma das limitações em se identificar estudos e metodologias voltadas à etnociência e mais precisamente à etnomatemática concentra se em desenvolver uma metodologia específica capaz de compreender e formalizar tão complexo processo onde o indivíduo constrói e é construído a cada momento no meio em que vive e pelas culturas com as quais teve contato.

Parece-nos evidente que não se trata apenas de uma abordagem comportamental acerca de instrumentos de cálculo, busca-se aqui uma orientação no sentido indicativo de uma metodologia que otimize o trabalho de educadores e pesquisadores na sua prática etnomatemática de maneira a conseguir os mesmos índices de comprometimento e motivação de épocas pré-industriais, mas com amplificação de seu potencial de abstração dos dias atuais.

Em determinada medida o que buscamos reporta-se aos nossos antepassados no intuito de compreender como ocorria a assimilação de conhecimento matemático sem que se tivesse noção de correntes literárias, epistemológicas ou filosóficas. Para Manfredi (2003) o nosso desafio maior é justamente nos igualarmos aos nativos no que diz respeito a eficácia das técnicas de aprendizagem.

As práticas de aprendizagem efetivavam mediante a observação e a participação direta nas atividades de caça, de pesca, de coleta, de plantio e de colheita, de construção e de confecção de objetos, os mais velhos faziam e ensinavam, e os mais moços observavam, repetiam e aprendiam. (MANFREDI, 2003, p.66)

É mais um exemplo de que sem levarmos em consideração a cultura nativa durante a construção de um modelo matemático de aprendizagem, em determinado momento será inevitável que tal conhecimento venha a mostrar-se limitado para utilização em comunidade, e tal condição pode vir a ser um dos grandes dificultadores do ensino de matemática escolar atualmente.

E é no sentido de enfatizar ao máximo a valoração da fundamentação cultural do indivíduo na aprendizagem da matemática quando submetida a uma ação prática pedagógica que passaremos a tratar agora dos diferentes instrumentos de pesquisa voltados à utilização em pesquisas voltados à etnociência, e neste caso na etnomatemática.

2.1. A escolha de um Método

Se formos trilhar um caminho voltado à pesquisa científica devemos atentar para uma boa antecipação de situações no sentido de verificar tendências presentes em amostras, observação criteriosa além de intuição científica (GIL, 2008, P.12) o desafio começa tão logo se identifique o objeto de pesquisa, na escolha do método (trataremos aqui de alguns métodos que são mais identificados em pesquisas com etnomatemática), para então iniciar conjecturas acerca do problema a ser tratado.

O método fenomenológico propõe que a pesquisa avance diretamente para o objeto, livre de proposições, entendamos por objeto ou coisa, “o dado, o fenômeno, aquilo que é visto diante da consciência”, oferecendo limitações uma vez que a fenomenologia não se preocupa diretamente o que ocorre por de traz de um e um evento, ou com os elementos conjunturais que levaram àquelas conclusões.

Neste sentido, a fenomenologia pode se constituir em importante método de investigação pois “a pesquisa sob o enfoque fenomenológico procura resgatar os significados atribuídos pelos sujeitos ao objeto que está sendo estudado que tem seu potencial ampliado se utilizadas técnicas de natureza qualitativa de abordagem de dados” (GIL, 2008, p.15). Assim detecta-se tantas realidades quantas forem as interpretações dos sujeitos.

O método observacional em outrora discriminado, nas pesquisas sociais e de análise comportamental possibilita um elevado grau de precisão, permite que seja aplicado de maneira cumulativa outro método simultaneamente sem comprometer os dados, para GIL (2008, p.16) “...pode se afirmar com muita segurança que qualquer investigação em ciências sociais deve valer-se, em mais de um momento, de procedimentos observacionais”.

A método da etnometodologia ou etnografia, também conhecida por ciência dos etnométodos traz fortes influências da fenomenologia e apresenta algumas diferenciações positivas em relação aos demais métodos,

[...] já que analisa as crenças e os comportamentos do senso comum como os constituintes necessários de todo comportamento social organizado. Por isso os etnometodólogos tem a pretensão de estar mais perto das realidades correntes da vida social que os outros cientistas sociais. (GIL, 2008, p.24)

Evidentemente tal método exige após sua aplicação uma nova revisão da literatura uma vez que a base epistemológica que sustenta o problema pode vir a ser comprometida com tamanha flexibilidade de coleta e interpretação dos dados, mesmo assim é notória a eficácia do método.

A etnografia é habitualmente utilizada pelos antropólogos com o intuito principal de descrever os costumes e as tradições de um grupo humano. Este estudo auxilia a conhecer a identidade desta comunidade que se desenvolve num âmbito sociocultural adverso.

É de senso comum o investigador assumir um papel ativo nas actividades diárias da comunidade para se envolver com a compreensão da cultura tanto na observação participante quanto na pesquisa-ação. Estas actividades, por outro lado, permitem-lhe pedir esclarecimentos acerca de situações e dos comportamentos a cada um dos integrantes do grupo.

O Método do Social-construtivismo, uma das pelo menos 5 ramificações do construtivismo que tratamos como corrente pedagógica ainda a pouco, se apresenta como importante método de busca etnocientífica na medida em que “defende o papel ativo do sujeito em sua relação com o objeto de conhecimento” e, neste sentido, nos permite perceber que transmissão das relações e informações é tão mais eficaz quanto maior for a interação entre eles. Desta forma a captação dos elementos “etno” presentes no ambiente da pesquisa interferem diretamente no sucesso da mesma.

A Pesquisa-ação embora muito criticada pelo caráter empírico de abordagem constitui-se num instrumento potente de pesquisa no sentido que apresenta excelentes resultados quando tratando de questões coletivas ou sociais. Nela os sujeitos envolvem-se na pesquisa de forma co-operativa, principal crítica de estudiosos, muitos dos estudiosos da Pesquisa-ação propõe sua substituição pela “relatividade observacional”.(THIOLLENT apud GIL, 2008, p. 31)

De uma forma geral uma pesquisa com esta caracterização obedece uma sequência lógica na organização de suas atividades de maneira a discutir com máxima propriedade o problema da pesquisa como demonstrado por Santos (2011), para ele as etapas da pesquisa-ação são:

Fase exploratória; formulação do problema; construção de hipóteses; realização do seminário; seleção da amostra; coleta de dados; análise e interpretação dos dados; elaboração do plano de ação; divulgação dos resultados. (SANTOS, 2011, p.194)

2.2. A Escolha da Técnica de abordagem

Em Pesquisa Social, a observação contribui para que o autor possa se aproximar sistematicamente do objeto estudado podendo auxilia-lo no sentido de obter provas necessárias para se atingir os objetivos propostos.

A observação Assistemática é entendida nos termos de Marconi e Lakatos (2011, p.278) como uma técnica que não possui planejamento ou controle, no entanto, possui relativo grau de utilização em estudos exploratórios pelo entendimento de alguns cientistas de que o mínimo de planejamento e controle do processo já é pressuposto nas atividades que buscar a elucidação de objetivos da pesquisa.

A observação Sistemática também conhecida como observação estruturada possui eficácia em situações onde o autor faz uso de instrumentos de coleta de uma maneira predefinida que também se destinam a buscar respostas a questões preestabelecidas geralmente no plano de trabalho diretamente representadas nos objetivos da pesquisa assim como a Assistemática.

A observação participante é uma técnica que se caracteriza pela interferencia constante do antropólogo durante um período de tempo em que esteja em contato direto com o grupo onde está sendo feito o estudo etnográfico. É necessário mais de um instrumento de coleta neste tipo de estudo, nestas condições o trabalho pode ser complementado com entrevistas para recolher mais informações e descobrir dados que sejam inacessíveis a simples vista para uma pessoa que não pertença àquele contexto etno.

Exige um alto grau de interação entre o pesquisador e a população foco, para Santos (2011) a observação participante é um tipo de pesquisa de campo que deve conter as seguintes etapas,

Amostragem institucional e metodológica; estudo preliminar e provisório da região e da população pesquisada; análise dos problemas; programa-ação; e aplicação de um plano de ação. (SANTOS, 2011, p.194)

Embora seja o instrumento mais utilizado por pesquisadores para estudos de natureza qualitativa oferece riscos quanto a sua objetividade. Para Lakatos e Marconi (2011, p.279) o observador sofre tal limitação “pelo fato de exercer influência sobre o grupo ou ser influenciado pelas atitudes ou comportamentos pessoais do entrevistado”.

Por meio da observação não participante o pesquisador tem a oportunidade de diminuir os riscos no sentido de comprometer a objetividade da pesquisa, para Marconi e Lakatos (2011, p.278) o pesquisador “Apenas participa do fato, sem participação efetiva ou envolvimento. Age como espectador. Porém, o procedimento tem caráter sistemático”.

Há de se destacar ainda a importância da pesquisa bibliográfica como Técnica que pode ser utilizada em qualquer método por permitir a descoberta de novos dados e fatos sem alterar o objeto da pesquisa, acrescentando relações, leis principalmente no campo das ciencias humanas, pode ser utilizado em qualquer tipo de estudo exploratório e faz-se necessária mesmo na delimitação de um problema, tema de pesquisa.

Tal instrumento também demanda planejamento das atividades, estruturação de dados, adoção de metodologias específicas de coleta de dados seja por meio de entrevistas, auxilio áudio visual ou outro, elementos que contribuem para a eficácia do método.

3. CONSIDERAÇÕES

Não é interesse neste trabalho estabelecer um método, ou tipificar instrumentos específicos para realização de pesquisas em etnomatemática, propúnhamos sim realizar uma investigação pormenorizada acerca de alguns métodos, técnicas e autores onde a etnociência possui maior sustentação científica.

Propomos a partir de tais levantamentos uma vasta investigação onde será feito uso deste mesmo material aqui coletado no sentido de confrontar com o maior número possível de teses e dissertações sobre etnomatemática para desta forma oferecer além deste apoio no sentido de orientar a pesquisa que foi feito neste trabalho podermos também destacar como se comportam tais métodos, técnicas e possíveis instrumentos correlacionados durante o trabalho de campo em diferentes etnos.

O que podemos até o momento oferecer ao leitor é o produto resultante da interação entre os principais métodos, técnicas e instrumentos, articulados no sentido de oferecer um delineamento que das etapas habituais de pesquisas em etnomatemática, são:

a) Formular o problema, geralmente identificável no meio onde o próprio pesquisador se encontra, necessita de sustentação teórica;

b) Determinar os objetivos da pesquisa, apontar o que realmente se almeja com o estudo, em casos envolvendo estudos comportamentais além dos identificados inicialmente podem surgir outros no decorrer da pesquisa que se destacam a partir da consequente eficácia dos instrumentos iniciais adotados apontando para a necessidade de aprofundamento do estudo;

c) Proceder no delineamento da pesquisa, transcrever detalhadamente como se deseja proceder é imprescindível na pesquisa etnográfica, porém depende fortemente de vasta pesquisa bibliográfica;

d) Descrever e discutir os conceitos, necessária no sentido de deixar claro em que perspectiva o autor pretende criticar os dados futuramente, é preciso que fique explícito dentro dessas discussões o que o autor entende por cada um dos elementos basilares da pesquisa, o objeto, principalmente;

e) Proceder na seleção da amostra, uma vez definidas justificativa da pesquisa, algumas das técnicas de amostragem que mais se destacam em estudos etno estão presentes no corpo deste estudo cabendo ao ora pesquisador a adequação da mesma aos sujeitos;

f) Elaborar e selecionar os instrumentos adequados para coleta dos dados, algumas sugestões que se coadunam com pesquisas em etnomatemática foram citadas nesta artigo, o principal objetivo do trabalho que estamos finalizando é a disponibilização de tais elementos ao leitor;

g) Proceder à coleta, o trabalho a campo exige além de preparo físico prévio conhecimento do foco e dos sujeitos que se deseja abordar, para tanto é imprescindível que cada uma das etapas anteriores seja entendida e praticada em sua completude pelo autor, sob pena de incorrer em conflito ético subjetivo o que compromete seriamente a execução da pesquisa ou ainda questões judiciais;

h) Analisar e interpretar os dados procedendo a discussão, todas as etapas da pesquisa que se principia por uma simples observação empírica manifesta-se sob a forma teórica e na prática (através dos dados coletados), nesta etapa o pesquisador precisa de máxima concentração e perícia no sentido de, por ser etnomatemática uma questão também comportamental, demonstrar sensibilidade suficiente no sentido de dar significação objetiva aos conflitos observados através da coleta justificando-os por meio da revisão de literatura que tem norteado o trabalho, sem permitir a interferência ou tendência de outros autores em sua pesquisa;

i) Apresentar e redigir relatório, parte final da etapa anterior, a apresentação dos dados criticamente em muitas vezes é mais importante para o próprio autor do que para os leitores, é imprescindível que sejam depois de finalizadas, apresentadas a comunidade científica e principalmente para a sociedade pertencente àquele ambiente etno pesquisado, seja através de tecnologia oriunda da pesquisa, trabalho extensionista, palestras etc...

Nossa intenção com tal trabalho era de delinear teoricamente uma pesquisa voltada para a etnomatemática, muitas sugestões foram apontadas, a cultura de cada etno é uma e neste sentido cada método, técnica e instrumento de pesquisa precisa ser testado, negociado e ajustado rigorosamente sob pena de infringir questões éticas, neste sentido entendemos ter atingido o objetivo proposto para este artigo.

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