EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS

E A PARTE DA HISTÓRIA QUE NÃO É CONTADA? REFLEXÕES FEMINISTAS SOBRE A HISTÓRIA DA CIÊNCIA

WHAT ABOUT THE PART OF THE STORY THAT IS NOT TOLD? FEMINIST REFLECTIONS ON THE HISTORY OF SCIENCE

¿QUÉ PASA CON LA PARTE DE LA HISTORIA QUE NO SE CUENTA? REFLEXIONES FEMINISTAS SOBRE LA HISTORIA DE LA CIENCIA

Ana Luíza Lima *
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Márlon Herbert Flora Barbosa Soares **
Universidade Federal de Goiás, Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 10, núm. 3, e22071, 2022

revistareamec@gmail.com

Recepção: 17 Agosto 2022

Aprovação: 10 Outubro 2022

Publicado: 13 Dezembro 2022



DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v10i3.14266

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalhopublicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: Compreendendo a importância das discussões de gênero e das mulheres na ciência, o presente artigo propõe, a partir de um olhar feminista, apresentar a história de algumas cientistas, em especial as primeiras mulheres aceitas nas universidades ocidentais. O presente estudo possui um caráter teórico e tem por objetivo analisar alguns aspectos e períodos da história da construção científica, como forma de evidenciar o processo de exclusão e invisibilização das cientistas nos períodos em destaque. É salutar destacar que a escolha pela abordagem feminista para a análise histórica da ciência se deu, especialmente, pelo caráter político, social e interseccional dos movimentos feministas. A partir do exposto, foi possível constatar a contradição nos ideais de neutralidade, objetividade e isenção de posicionamentos políticos/religiosos, ao qual a construção científica se baseou, em especial no que cerne as discussões de gênero. Diante de uma construção científica que invisibilizou, deslegitimou e excluiu as cientistas, além de terem tido seus saberes apropriados, a ciência ainda hoje permanece dentro de parâmetros misóginos e segregadores. Sendo assim, essa pesquisa propõe a urgência de reflexões e discussões de gênero nas comunidades científicas.

Palavras-chave: Gênero, Mulheres na Ciência, História da Ciência, Feminismos, Mulheres Cientistas.

Abstract: Understanding the importance of gender discussions and women’s in science, this article proposes, from a feminist perspective, to presente the history of some scientists, especially the first women accepted in western universities. The present study has a theoretical character and aims to analyze some aspects and periods of scientific construction, as a way of highlighting the process of exclusion and invisibility of scientists in the highlighted periods. It is salutary to point out that the choice for the feminist approach to the historical analysis of science was mainly due to the political, social and intersectional character of feminist movements. From the above, it was possible to verify the contradiction in the ideals of neutrality, objectivity and exemption from political/religious, on which the scientific construction was based, especially in terms of gender discussions. Faced with a scientific construction that made invisibilized and excluded scientists, in addition to having their knowledge appropriated, Science still remains within misogynistic and sogregating parameters. Therefore, this research proposes the urgency of reflections and gender discussions in scientific communities.

Keywords: Gender, Women in science, History of Sciense, Feminism, Women Scientists.

Resumen: Comprendiendo la importancia de las discusiones de género y de mujeres en la ciencia, este artículo propone, desde una perspectiva feminista, presentar la historia de algunas científicas, especialmente de las primeras mujeres aceptadas en las universidades occidentales. El presente estudio tiene un carácter teórico y tiene como objetivo analizar algunos aspectos y períodos de la historia de la construcción científica, como una forma de evidenciar el proceso de exclusión e invisibilidad de los científicos en los períodos destacados. Es saludable señalar que la elección por el enfoque feminista del análisis histórico de la ciencia se debió principalmente al carácter político, social e interseccional de los movimientos feministas. Con base en lo anterior, fue posible verificar la contradicción en los ideales de neutralidad, objetividad y exención de posiciones político-religiosas, en los que se basó la construcción científica, especialmente em cuanto a las discusiones de género. Frente a una construcción científica que invisibiliza, deslegitima y excluye a los científicos, además de apropiar sus saberes, la ciencia aún se mantiene dentro de parámetros misóginos y segregadores. Por lo tanto, esta investigación propone la urgencia de reflexiones y discusiones de género en las comunidades científicas.

Palabras clave: Género, Mujeres en la Ciencia, Historia de la Ciencia, Feminismos, Mujeres Científicas.

“Examinando las intersecciones entre estos mundos puede verse de qué manera ciertas moléculas se conviertieron en parte de nuestro sistema de género, o como ele género se convirtió en parte de la química” (Anne Fausto-Sterling, 2006, p. 182).

1. INTRODUÇÃO

Como seriam as histórias infantis de princesas se, além de realezas, elas também fossem cientistas? Teríamos mais meninas e mulheres no universo científico? Qual o impacto da mudança do arquétipo[1] das princesas na construção da representatividade de mulheres na ciência? Será que ainda teríamos uma história de uma ciência eminentemente masculina? Embora essas questões e inquietações não sejam centrais para a discussão desse trabalho, elas surgem uma vez que as crianças entram em contato com o universo fantástico das princesas ainda nos primeiros anos de vida, reforçando estereótipos de feminilidade, como, por exemplo, a beleza, a delicadeza e o desejo pelo casamento, enquanto os príncipes são corajosos, inteligentes e audaciosos.

Chimamanda Ngozi Adichi[2] (2019), em um de seus livros, elucida os problemas de uma história única, que reforça padrões de exclusão e não contribui com o processo de reconhecimento naqueles e naquelas que se debruçam sobre a história. Para além de somente sistematizar e apresentar a história de algumas mulheres na ciência, esse trabalho teórico busca possibilitar uma aproximação e reconhecimento da contribuição das cientistas em nosso cotidiano (MARIA DA CONCEIÇÃO DA COSTA, 2006). Diante disso, propusemo-nos a analisar alguns aspectos e períodos da História da Ciência a partir de uma abordagem feminista[3], buscando evidenciar o transcurso de exclusão e invisibilização das cientistas nesse período.

Mas por que pensar um diálogo entre os movimentos feministas e química e/ou a ciência? Conforme será discutido adiante, a exclusão das mulheres da ciência se deu por meio de uma construção sistêmica que, embora pudesse ter sido evitada, foi validada por muito tempo. Nesse lugar das validações da exclusão, implantou-se no inconsciente social que há “um sujeito universal” cientista, com gênero e raça bem delimitados. Aqui, cabe-nos apropriar do conceito de Joan Scott (1990), em que gênero nada mais é do que uma construção social, histórica e cultural, mantida por meio das relações de poder de um sujeito (masculino) frente a outro sujeito (feminino).

Nesse sentido, há uma construção social de gênero que antecede o nascimento e perpassa a aprendizagem (formal e informal) do que é ser homem e o que é ser mulher, bem como do que se espera de cada indivíduo a partir dos padrões sociais e culturais de gênero. Moldada nessa noção binária de gênero[4] e como produto social e cultural, a ciência não esteve isenta de reproduzir as exclusões. Diante de uma figura masculina, branca, colonial e elitista, os parâmetros que se estabeleceram para legitimar os conhecimentos científicos, como objetividade, racionalidade e neutralidade, partiram das lentes dos sujeitos considerados aptos a fazer ciência. E é partindo desta problemática, e diante das exclusões, das invisibilidades e apropriações, que os diálogos entre ciências e os movimentos feministas fazem-se necessários.

2. TRISTE, LOUCA OU MÁ

Das bruxas ao estereótipo da mulher “triste, louca ou má”, a relação binária de gênero definiu, e em muitos aspectos ainda define, os papéis sociais, performances, valores, comportamentos e limites socialmente estabelecidos para as mulheres, refletindo nos espaços que foram e são (ou não são) ocupados por elas.

A história, seja ela da ciência ou não, é uma construção social que, segundo Teresa Pinto e Teresa Alvarez (2014, p. 9), vai “desde o lugar epistemológico que a define, passando pelas teorias que a conformam até chegar aos modos de recolha e seleção dos dados empíricos que a sustentam”. À vista disso, Vivian Martins dos Santos Albuquerque (2006) destaca que para compreender os motivos que levaram à ciência por um caminho misógino, faz-se necessário retornar às origens culturais ocidentais.

Nesse viés, é necessário revisitar, então, a perspectiva da tríade greco-judaico-cristã (ÁTTICO CHASSOT, 2017) que tem a religião como um fator comum onde somente os homens poderiam ocupar postos de privilégio na sociedade. Em sequência passamos para as heranças aristotélicas, em que “[...] a educação masculina deveria se basear na razão, dando acesso ao conhecimento científico. Em contrapartida, a educação destinada às mulheres servia para ensinar-lhes a cumprir seu papel na vida em sociedade, permanecendo excluídas das Ciências” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 81) e das concepções tomistas, cuja “[...] reflexão acerca da condição feminina afirma a inferioridade natural da mulher e sua consequente submissão ao homem, perpassando por todas as esferas do cotidiano” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 81).

Jean-Jacques Rousseau, diante das ideias liberais e iluministas de igualdade e liberdade política, corroborou com a exclusão das mulheres na ciência, uma vez que, pautado nas tradições cristãs, “aconselhava incentivar nos meninos a livre iniciativa e a espontaneidade, [...] na repressão dos impulsos das meninas para acostumá-las à obediência e às tarefas do âmbito doméstico” (ALBUQUERQUE, 2006, p. 82) e argumentava ainda que, se homens e mulheres não são constituídos da mesma maneira “nem quanto ao caráter, nem quanto ao temperamento, segue-se que não devem ter a mesma educação” (ROUSSEAU, 2004, p.524 apud ALBUQUERQUE, 2006, p. 82). Nesse sentido, fica evidente que a exclusão das mulheres no campo científico não foi um mero acidente de percurso, mas sim um processo declarado e validado por aqueles que eram aceitos e tidos como sujeitos intelectualmente capazes de produzir conhecimento.

Diante de uma perspectiva falaciosa de racionalidade, objetividade e neutralidade científica, as cientistas foram excluídas e apagadas da história da ciência. Segundo Guacira Lopes Louro (1997, p. 16), “a segregação social e política a que as mulheres foram historicamente conduzidas tivera como consequência a sua ampla invisibilidade como sujeito – inclusive como sujeito da Ciência”, e muitas foram as alegações para a exclusão das mulheres na construção do conhecimento científico. Conforme apresenta Albuquerque (2006, p. 71),

A Ciência enquanto produção humana é perpassada pela cultura, tendo como uma de suas principais bases a religião, os mitos. Desta forma, embora o paradigma dominante afirme a ciência como sendo neutra e antagônica à religião, pelo contrário, ao ser considerada em sua construção a participação reconhecida de mulheres, percebe-se que nesta residem os valores misóginos presentes nas religiões que mascaram a ancestralidade da sociedade ocidental.

Constituída diante de uma sociedade machista e patriarcal, com origens e fundamentos em uma perspectiva masculina, branca, colonizadora, eurocêntrica, androcêntrica, cisheteronormativa e elitista, a ciência, que deveria ser isenta de qualquer valor e interesse pessoal, impõe obstáculos, desqualifica e descredibiliza as conquistas das cientistas. Segundo Elizabete Rodrigues da Silva (2000, p. 3), o processo de construção do conhecimento científico se fundou ignorando declaradamente “toda a possibilidade de considerar as mulheres como sujeitos de conhecimento e do conhecimento, embora isso não tenha sido dito diretamente”. Como consequência disso, Fabiane Ferreira da Silva e Paula Regina Costa Ribeiro (2014) afirmam que a ciência tem se definido como masculina, suprimindo mulheres e, por vezes, refutando seus feitos científicos mediante manifestações e ferramentas nada neutras, enquanto Londa Schiebinger (2001) evidencia a invisibilização das mulheres no processo formal de se fazer Ciência, deixando-as a sombra de seus pais, irmãos e/ou maridos.

Foram diversos os mecanismos que visavam afastar as mulheres da ciência, desde a implementação de leis que restringiam o acesso e delimitavam papéis sociais até os discursos científicos que naturalizavam a segregação por gênero, raça e classe. Além disso, cabe destacar as supressões que permearam o campo biológico − presença de barba[5] nos que eram capazes de produzir conhecimento até a ideia de que mulheres não poderiam fazer ciência por algo na constituição de seus cérebros ou corpos[6] − e ao campo social, com a improcedente ideia de que homens e mulheres produziam saberes distintos.

Anne Fausto-Sterling (2000), quando questiona a origem do termo “hormônios sexuais”, afirma que as pesquisas científicas no campo da endocrinologia só foram possíveis uma vez que os pesquisadores “só podiam torná-las inteligíveis em termos das disputas de gênero e raça que caracterizavam seu ambiente de trabalho. Cada escolha sobre como avaliar e nomear as moléculas que estudavam naturalizava ideias culturais sobre o gênero” (FAUSTO-STERLING, 2000, p. 181, tradução nossa). Nesse sentido, a autora ainda evidencia que o discurso da neutralidade científica, ao qual não era atribuído os conhecimentos produzidos por mulheres, curvou-se aos desígnios culturais e religiosos da época.

Outro aspecto que reforça o sexismo na ciênica é que por muito tempo argumentou-se que os homens estavam ligados a um pensar objetivo, racional, enquanto as mulheres estavam ligadas ao pensar subjetivo, emocional. Silva (2000) explica que esse posicionamento interferia na leitura da realidade e evidenciava a problemática de gênero na construção científica:

A problemática de gênero é tão determinante na produção do conhecimento científico que estabelece lugares valorados hierarquicamente para as Ciências Naturais e Exatas e para as Ciências Humanas e Sociais. As primeiras, denominadas de “duras”, são as consideradas objetivas e, portanto, mais próximas da “verdade” e da confiabilidade no uso do seu método universal, por isso são reconhecidas como superiores e são estas as ciências que os homens “naturalmente” se ocupam. As segundas, denominadas de “moles”, tratam dos feitos humanos desde a complexidade inerente ao indivíduo àquela da dinâmica social e são mais “adequadas” às mulheres, ficando na segunda categoria. (SILVA, 2000, p. 4).

O físico alemão Christian Friedrich Harless, por volta da década de 1830, argumentava que “os homens procuravam revelar as causas subjacentes às aparências e descobrir leis na vida e na natureza; as mulheres pesquisam na natureza expressões de amor” (SCHIEBINGER, 2001, p. 56). Nesse sentido, não podemos deixar de elucidar que a história das mulheres na ciência é tomada por relações de poder, uma vez que a própria história foi descrita e representada, em sua maioria, por homens, reforçando um lugar à margem para as mulheres na ciência. Segundo Ana Colling (2004), quando historiadores do século XIX descreveram as mulheres em seu contexto histórico, “ocultaram-nas como sujeitos, tornaram-nas invisíveis. Responsáveis pelas construções conceituais, hierarquizaram a história, com os dois sexos assumindo valores diferentes; o masculino aparecendo sempre como superior ao feminino” (COLLING, 2004, p. 13).

Diante desse cenário, consequentemente, defendemos a relevância de entender os fatores que nos trouxeram até aqui. Eles são importantes mecanismos de combate a um sistema que ainda relativiza os problemas causados pela misoginia no processo de construção da ciência, pois, como afirma Paula Nunes (2017, p. 20) “ainda que as mulheres cada vez mais operem em lugares tidos masculinos, elas não conseguem, por muitas razões, identificar em tais lugares as normatizações e as heranças falocêntricas”.

Compreender que a trajetória das cientistas foi pautada na exclusão e invisibilização dos seus feitos nos mostra o efeito de uma ciência excludente, machista, androcêntrica e nada neutra, que forjou quem seriam os sujeitos do conhecimento científico (e, por consequência, o estereótipo de cientista) (SILVA, 2000; SCHIEBINGER, 2001). Como um produto cultural, histórico e social, a ciência[7] foi moldada na dicotomia de gênero e sustentada por parâmetros e valores de neutralidade, universalidade, objetividade e racionalidade, compreendendo como legítimo, no entanto, apenas produções de homens.

3. CAÇA ÀS BRUXAS E A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA

A ciência nem sempre esteve inserida nessa sistematização rígida e a segregação não era um caminho impossível de ser trilhado, sendo que muitas mulheres tinham conhecimento científico suficiente para serem relevantes na história da ciência. Na Alemanha, entre os anos de 1650 e 1710, cerca de 14% dos astrônomos eram mulheres que, em sua maioria, foram ensinadas por seus pais e/ou observavam seus maridos nos observatórios familiares. Schiebinger (2001) elucida que, no contexto familiar, os papéis atribuídos às mulheres e aos homens não eram divididos de maneira fixa e os casais trabalhavam como uma equipe, sendo que as mulheres exerciam funções como parteiras, guias locais para expedições e desenvolviam medicamentos a partir de plantas medicinais.

Muitos laboratórios eram localizados no interior dos lares dos cientistas, assim, muitas mulheres – filhas, esposas, irmãs – começaram a manipular o saber científico e a fazer ciência. As mulheres das classes mais abastadas, por sua vez, ao financiarem os estudos de cientistas, matemáticos, filósofos, em troca poderiam ter acesso à educação científica através destes homens. Nesta organização menos rígida, elas tinham maiores possibilidades de adentrarem nos círculos científicos. (ALBUQUERQUE, 2006, p. 86).

Conforme nos conta Lais dos Santos Pinto Trindade, Maria Helena Roxo Beltran e Sonia Regina Tonetto (2016), um interesse pela nova ciência começa a crescer no século XVII e, em Paris, espaços foram abertos para que a burguesia pudesse compartilhar os estudos científicos. Ainda segundo as autoras, “salões burgueses abriram espaço para discutir e estudar ciência [...]. Frequentá-los passou a ser símbolo de elegância e de cultura para essa nova elite e muitos deles eram organizados por mulheres” (TRINDADE; BELTRAN; TONETTO, 2016, p. 26). Foi justamente no século XVII, com a ascensão do mecanicismo e das obras de Nicolau Copérnico, Johannes Kepler e Galileu Galilei, que ocorreu a Revolução Científica.

As mulheres da nobreza eram encorajadas a conhecer o universo científico. De acordo com Schiebinger (2001, p. 64), “ao lado de cavalheiros virtuosi, damas observavam aos céus através dos telescópios, inspecionando a lua e as estrelas; elas também olhavam através dos microscópios, analisando insetos e tênias”. Como consequência da organização dos salões de estudos científicos, em 1760, surgem discussões sobre o problema educacional, admitindo a necessidade de melhorar o processo formativo das mulheres e, conforme nos conta Lucía Tosi (1997, p. 378-379), “[...] o debate se circunscreve, sobretudo, à questão do lugar onde o ensino deve ser ministrado: casa paterna ou instituição”. Entretanto, o modelo conservador do século XVIII preferiu que a educação feminina fosse feita na esfera privada, ou seja, no seio da família patriarcal, privilegiando mais uma vez as famílias nobres e burguesas.

Nesse sentido, Schiebinger (2001), sob o olhar do historiador Edgar Zilsel, nos apresenta que um aspecto importante para o desenvolvimento da ciência foram as oficinas artesanais, uma vez que

[...] o novo valor atribuído às habilidades tradicionais do artesão também permitiu a participação de mulheres nas ciências. As mulheres não eram novatas nas oficinas: foi nas tradições artesanais que Christine Pizan localizou inovações das mulheres nas artes e nas ciências – a fiação do algodão, seda, linho [...]. Na oficina a contribuição das mulheres (como a dos homens) dependia menos do conhecimento livresco e mais de inovações práticas em ilustração, cálculo ou observação. (SCHIEBINGER, 2001, p. 67).

A partir da necessidade de pontuar o contexto histórico em que ocorreu a Revolução Científica (com início no século XVI e ápice no século XVII), consideramos importante fazer a marcação do período antecedente conhecido como caça às bruxas, que impactou diretamente nos lugares que as mulheres puderam ocupar (ou não ocupar) após a profissionalização da ciência.

Nesse contexto, compreendemos que o processo de marginalização das mulheres se desenvolve no período da caça às bruxas (entre 1450 e 1560), diante da necessidade de exterminar a bruxaria e as chamadas “forças sobrenaturais” exercidas pelas bruxas, em especial aquelas consideradas demoníacas e repudiadas pelas lideranças religiosas. O processo de criminalização das mulheres se torna ainda mais marcante, principalmente para àquelas não tuteladas por seus pais, maridos e/ou irmãos, tornando-as suspeitas de bruxaria.

Construído pelos líderes religiosos da época, o estereótipo da bruxa foi divulgado a tal ponto que “a bruxaria foi considerada uma prática demoníaca e a mulher a principal agente do demônio” (TOSI, 1997, p. 374). Essa caça às bruxas buscava, entre suas várias premissas, fazer com que as mulheres não tivessem autonomia sobre sua função reprodutiva e serviu como fertilizante para que um regime patriarcal mais opressor pudesse crescer (FEDERICI, 2017).

Com a reforma protestante e a contrarreforma católica, o domínio do Estado e o início do capitalismo, o cenário econômico afetou não somente a vida de mulheres mas também de homens, incentivando um processo de profissionalização de diversos serviços. Nesse sentido, conforme apresenta Federici (2017),

[...] a Figura da bruxa [...] enquanto encarnação de um mundo de sujeitos femininos que o capitalismo precisou destruir: a herege, a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que ousa viver só, a mulher obeah que envenenava a comida do senhor e incitava os escravos à rebelião. (FEDERICI, 2017, p. 24, grifo da autora).

A demonização da mulher resultou na perda dos conhecimentos empíricos, em especial daqueles conhecimentos dominados pelas mulheres sábias, uma vez que eram passados por meio da ancestralidade. Tosi (1997) reforça ainda que

Nas comunidades rurais da Inglaterra e da Europa continental dos séculos XVI e XVII existia uma variedade considerável de praticantes da chamada magia benéfica que podiam ser identificados por diversos nomes: mulher sábia ou homem sábio, bruxa ou bruxo, curandeiro ou curandeira. Os serviços fornecidos por esses/as praticantes incluíam a adivinhação, o achado de objetos perdidos, a identificação de ladrões, a prática da medicina popular, os encantamentos, a magia amorosa ou de proteção e, às vezes, quando o praticante era uma mulher, a obstetrícia. (TOSI, 1997, p. 374).

Embora a Revolução Científica tenha se posicionado contrária à ideia da existência de poderes mágicos e/ou à ação de seres sobrenaturais, não contribuiu diretamente para o fim do massacre da caça às bruxas e, como consequência disso, consolidou-se como um espaço hegemonicamente masculino. Diante de uma perspectiva democrática liberal, o século XVIII veio acompanhado da Teoria da Complementaridade Sexual, em que homens e mulheres não seriam iguais entre si, mas sim opostos complementares. Essa ideia baseava-se na perspectiva de que mulheres e homens possuíam espaços que lhes eram naturais, intrínsecos ao “ser mulher” e ao “ser homem”, o que se mostra, na verdade, como uma forma de naturalizar a desigualdade e validar as injustiças nas divisões dos trabalhos.

Doravante as mulheres já não seriam mais vistas meramente como inferiores aos homens, mas como fundamentalmente diferentes e, portanto, incomparáveis a eles – fisicamente, intelectualmente e moralmente. A mulher privada, doméstica, emergiu como um contraste ao homem público, racional. [...] Os complementaristas procuravam eliminar a competição entre homens e mulheres na esfera pública, removendo as mulheres dessa esfera. (SCHIEBINGER, 2001, p. 142).

Com o advento do século XIX, as mulheres foram perdendo o pouco espaço conquistado nas comunidades científicas. Com o fim da velha ordem, mais do que nunca a divisão das esferas públicas e privadas foram limitadores para as mulheres. Responsáveis pelo cuidado com o lar, filhos e marido, as mulheres foram forçadas a permanecerem na esfera privada, enquanto o trabalho remunerado, os direitos civis e o processo de profissionalização da ciência permaneceram na esfera pública, sendo ela dos homens.

4. A EXCLUSÃO ERA INEVITÁVEL? ALGUMAS UNIVERSIDADES E A PRESENÇA FEMININA

No que tange às discussões sobre os feminismos, em especial sobre a exclusão e invisibilização das mulheres na ciência, não há possibilidade de realizar uma discussão que não seja interseccional e destaque a construção do conhecimento científico a partir de uma perspectiva machista, racista, eurocêntrica e colonizadora. Há, de fato, um apagamento na produção do conhecimento compartilhado por meio da ancestralidade, em especial no contexto científico produzido por mulheres negras e indígenas, como também pelos saberes construidos no continente africano, como relata Luiz Henrique da Silva, Pedro Magalhães e Bárbara Carine Soares Pinheiro (2021), no sentido de que

O reforço de perspectivas históricas eurocêntricas que negam o desenvolvimento histórico, científico, econômico e/ou cultural destas nações é essencial do (neo)colonialismo por, assim, contribuir para aniquilar os “sistemas de referência”, em termos fanonianos, dos povos africanos dominados, subjugando-os a aceitar a cultura colonial de desumanização por vias da pilhagem, pelos colonos, das preciosidades imateriais e materiais resultantes do desenvolvimento produtivo dos grupos dominados. Neste sentido, negar a história dos povos subalternos, bem como as suas produções culturais e científicas, é essencial para a manutenção violenta da hegemonia material e produtiva pelos colonos sob os grupos dominados. (SILVA; MAGALHÃES; PINHEIRO, 2021, p. 22-23, grifo dos autores).

Nesse sentido, é visível o epistemicídio na construção e legitimação do conhecimento científico. Conforme define Sueli Carneiro (2005),

O epistemicídio se constituiu e se constitui num dos instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação étnica/racial pela negação que empreende da legitimidade das formas de conhecimento, do conhecimento produzido pelos grupos dominados e, consequentemente, de seus membros enquanto sujeitos de conhecimento. (CARNEIRO, 2005, p. 96 apud SILVA; MAGALHÃES; PINHEIRO, 2021, p. 21).

A construção e profissionalização da ciência corroborou com a exclusão das mulheres, desconsiderando-as como sujeitas de conhecimento e capazes de produzir saberes. Atribuiu um caráter subjetivo ao pensamento feminino e restringiu o acesso das mulheres às universidades com a “suposição de que cientistas seriam homens com esposas em casa para cuidar deles e de suas famílias” (SCHIEBINGER, 2001, p. 69). Essa exclusão feminina se deu no processo formal de se fazer ciência, deixando-as à sombra de figuras masculinas, e até hoje suprime e refuta seus feitos científicos a partir de ferramentas nada neutras.

Ainda no século XV, os saberes caminhavam entrelaçados entre aspectos práticos e mágicos; mágico, pois estavam ligados os rituais dos homens sábios e das mulheres sábias, e prático, pois estavam ligados aos saberes tradicionais da vivência e utilização de ervas, minerais e plantas medicinais; nesse aspecto, ainda se distinguia a medicina prática e a medicina oficial, sendo que a principal característica que as diferenciava era quem a praticava, a primeira mulheres e a segunda homens (TOSI, 1997).

Porém, com a chegada do século XVI, os saberes práticos e os conhecimentos empíricos das mulheres foram considerados suspeitos, uma vez que os homens (em especial, os religiosos) argumentavam que devido a “fraqueza física e moral, sua limitada inteligência, sua carência de raciocínio, sua sexualidade incontrolável e sua lubricidade, a mulher era a vítima privilegiada de Satã” (TOSI, 1997, p. 375). À vista disso, situar as mulheres na esfera privada, num entrelace entre ciência e religião, foi um caminho de sucesso para controlá-las e marginalizar as que buscassem subverter o sistema. Catalisadas por essa união entre ciência e religião, barreiras foram erguidas e o acesso ao conhecimento científico permaneceu, durante séculos, restrito aos homens.

Faz-se necessário pensar que o ambiente acadêmico, por décadas, não era receptivo às mulheres. A primeira instituição científica no continente europeu, a Universidade de Bolonha[8] - Itália, de sua fundação no século XII até o início do século XX, possibilitou o ingresso para lecionar e estudar de pouquíssimas mulheres[9] e diversas foram as dificuldades encontradas por elas para serem aceitas nas academias. Além dela, as Universidade de Paris, fundada em 1200, Universidade de Oxford, em 1210, e Universidade de Salamanca, em 1218, eram organizadas por um sistema de cátedra em que os sucessores eram especialmente homens. Usando a dialética como instrumento de discussão, o ensino da época incentiva o uso da racionalidade crítica como forma de analisar os textos das escrituras, gerando um desconforto nos seguidores da igreja. Em um modelo de “ensino profissional”, as corporações de ofício foram importantes para o surgimento das primeiras universidades na Idade Média.

O século XII foi marcado pela tradução de textos gregos, fazendo com que a ciência e a filosofia gregas fossem divulgadas entre os estudiosos italianos e franceses, bem como o surgimento das corporações de mestres e alunos, que além das artes liberais e teologia, também se dedicava ao estudo e pesquisa nos campos da medicina e direito (JOSÉ GERALDO DE SOUZA, 1996). Segundo Albuquerque (2006), as primeiras universidades europeias fizeram com que o acesso restrito às mulheres fosse, de fato, proposital. Ainda que nesse contexto estarem inseridas nas academias não representasse nenhuma vantagem para as mulheres participarem da construção da ciência, a universidade e o acesso aos laboratórios foram proibidos (salvo algumas exceções) para as cientistas.

As mulheres não tinham acesso às aulas, não podiam ir à universidade, pois eram efetivamente impedidas de participar dos estudos filosóficos e da matemática na Idade Média. De fato, poucas mulheres participaram da academia até o século XIX, sendo que em muitos departamentos universitários não era permitida a entrada feminina até o século XX. (ALBUQUERQUE, 2006, p. 85).

O desenvolvimento de várias universidades se deu no século XIII. Com o apoio da igreja, o ensino nessas instituições tinham por objetivo formar “homens para a carreira eclesiástica e para combater os hereges que atacavam a organização e o dogmatismo da Igreja” (SOUZA, 1996, p. 44). Diante de uma crise teológica entre agostinianos (que atribuíam o conhecimento a uma iluminação divina) e aristotélicos (o conhecimento a partir dos sentidos e das sensações), uma nova corrente filosófica ganhou forças por tentar conciliar a teoria aristotélica com os dogmas cristãos. Os tomistas defendiam “ser possível o conhecimento através dos sentidos e que Deus podia ser alcançado por meio das causas do conhecimento” (SOUZA, 1996, p. 44). É importante destacar que a inferioridade feminina e a natureza do pensamento subjetivo eram naturais para tomistas e aristotélicos, e ambas as correntes defendiam um ensino feminino destinado ao desenvolvimento de habilidades domésticas e à submissão das mulheres.

A Universidade de Bolonha, ainda no século XIII, permitiu que Bettisia Gozzadini ministrasse aulas no curso de direito da instituição, bem como a Novella d’Andrea, no século XIV, assumindo a cadeira de seu pai no curso de direito canônico. Embora pouco se conheça da história dessa médica, Dorotea Bucca, entre os anos de 1390 e 1430, também ocupou a cátedra que era de seu pai na Universidade de Bolonha. Elena Cornaro Piscopia, em 1678 na Universidade de Pádua - Itália, foi a primeira mulher a receber o título universitário, seguida pela física Laura Bassi, em 1732, que se tornou a segunda mulher a receber um título acadêmico e a primeira a ser convidada a ocupar um lugar na Universidade de Bolonha.

Em 1751, a física Cristina Roccati, foi a terceira mulher a se formar na Universidade de Bolonha, tendo estudado línguas clássica, filosofia natural, metafísica, meteorologia e astronomia. Tornou-se professora de física na Accademia dei Concordi di Rovigo, tendo sido eleita presidente desta instituição. Alguns anos depois, em 1748, por conta do desenvolvimento do seu manual de Cálculo Diferencial e Integral, Maria Agnesi também foi agraciada com o convite para lecionar na Universidade de Bolonha, seguida por Anna Morandi Mazolini, em 1750, pelo desenvolvimento de modelos de feto no útero, confeccionados em cera. Ainda, em 1889, Sofia Kovalevskaya assumiu uma cadeira na Universidade de Estocolmo - Suécia.

Com a revolução científica e a profissionalização da ciência, esse movimento de inserção de mulheres nas instituições científicas europeias não durou muito tempo, uma vez que existia a ideia de que os cientistas eram homens que possuíam mulheres a sua espera, cuidando do lar e dos/das filhos/filhas. Até mesmo Marie Curie foi recusada duas vezes pela Academia de Ciências de Paris e, embora já laureada por um Prêmio Nobel, só foi aceita como professora na Universidade de Sorbonne após o falecimento de Pierre Curie, ocupando a cadeira que a ele pertencia. Diante de um poder assimétrico na prática científica, no que tange às relações de gênero, Gabriel Pugliese (2007) nos revela que

Uma das dificuldades de Marie era publicar suas conclusões, uma vez que a Academia de Ciências só editava trabalhos que fossem apresentados por membros e, entre eles, não aceitava mulheres. As pesquisas eram dela, mas as apresentações e láureas eram deles. [...] O gênero aparecia desde esse momento como um obstáculo suplementar no que toca a prática científica, pois as relações de poder que atravessam os laboratórios estigmatizam mulheres, excluindo-as, o que dificultava a circulação de suas pesquisas. (PUGLIESE, 2007, p. 357).

Nesse contexto, não só estudos sobre mulheres não eram bem-vindos, como as próprias mulheres também não eram quistas dentro do ambiente acadêmico. Entretanto, embora não fossem aceitas nessas instituições e o conhecimento científico só fosse acessível de maneira informal, as mulheres das classes mais altas da sociedade tinham contato (embora limitado) com os conhecimentos produzidos na época, sendo reguladas pelos homens que as cercavam.

Segundo Schiebinger (2001, p. 70), dois caminhos eram possíveis para as mulheres que quisessem seguir na carreira científica; o primeiro consistia em sua permanência na esfera privada, entretanto colaborando como “assistentes de laboratório” de seus pais, maridos e/ou irmãos, sendo “o casamento um caminho informal para a ciência”[10], e o segundo caminho seria o do ingresso nas instituições científicas, que, embora possível, não era fácil. Esse processo de exclusão não foi aceito de maneira dócil pelas mulheres, muito menos de maneira silenciosa.

As cientistas buscaram inúmeras maneiras de burlar a supressão injusta e permanecer em seus trabalhos científicos. Prova disso são os trabalhos de cientistas como Marie Meudrac (século XVII), autora da obra La Chymie charitable et facile, em faverur des dames[11], que ensinava a preparação de cosméticos femininos e medicamentos obtidos através de processos de destilação de matérias primas curativas; Geneviève Thiroux D’arconville (1720-1805)} estudou o processo de putrefação, registrando dados sobre como se dava o processo e as condições favoráveis, bem como um modo de retardá-lo; Marie-Anne Pierrette Paulze (1758-1836), que participou ativamente nas descobertas de Antoine Lavoisier, como sua assistente de laboratório, era também desenhista, editora e, principalmente, tradutora; Janet Marcet (1769-1858) escreveu o livro “Conversations on Chemistry”, que tinha como público-alvo as mulheres; e Yulya Lermontova (1846-1919), que foi a primeira mulher a obter um doutorado em química no mundo.

Além destes nomes de peso, tivemos ainda Marie Curie (1867-1934) como a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel, em Física e primeira pessoa a ganhar dois Prêmios Nobel, o segundo em Química. Pioneira em pesquisas sobre radioatividade, Curie descobriu e isolou os elementos polônio e rádio. Harriet Brooks (1876-1933) foi a primeira mulher física-nuclear canadense, com pesquisas na área de radioatividade e transmutação nucleares; Chica Kuroda (1884-1968), especialista em pigmentos naturais, foi a primeira mulher a receber o título de bacharela em ciências e a segunda japonesa a conquistar o título de doutorado; Alice Augusta Ball (1892-1916) desenvolveu um extrato de óleo de chaulmoogra injetável que possuía potencial terapêutico e era utilizado no tratamento da hanseníase. Para além de sua pesquisa, Alice foi a primeira mulher negra a se graduar e obter o título de mestra pela Universidade do Havaí; Ida Noddack (1896-1978) foi a primeira pessoa a propor a ideia de fissão nucelar, tendo sido indicada ao Prêmio Nobel de Química três vezes, e Irène Joliot-Curie (1897-1956), ganhadora do Prêmio Nobel de Química pela descoberta da radioatividade artificial.

Em 1869, na Inglaterra, houve a criação de Virton College, o qual permitiu que as mulheres estudassem e realizassem as provas, ainda que não estivessem formalmente registradas e não recebessem o título (SILVA, 2012). Foi somente a partir das décadas de 1870 e 1880 que as mulheres começaram a ser incentivadas a ocupar lugares na universidade. Em virtude das manifestações feministas, em especial nos Estados Unidos e em países da Europa, na década de 1920 houve um aumento no número de doutoras nas ciências biológicas e físicas, tendo novamente um declínio com a ascensão do fascismo na Europa, o início da Guerra Fria e a perseguição a comunistas delatados entre os anos de 1930 ao final da década de 1960 (SCHIEBINGER, 2001). No período da Segunda Guerra Mundial, com os homens estadunidenses sendo convocados pelo exército, ocorreu um crescimento no número de mulheres ingressando nas universidades,

O lançamento do Sputnik, em 1957, desencadeou um frenesi de recrutamento, estimulado pelo senso de que os Estados Unidos precisavam de mais cientistas para manter seu perfil competitivo. Nesta atmosfera, mesmo mulheres e minorias figuravam como recursos nacionais valiosos. (SCHIEBINGER, 2001, p. 73).

Entretanto, após a guerra, essas instituições estadunidenses buscaram o que Margaret Rossier (1995) apud Schiebinger (2001) chamou de “remasculinização da ciência”, ou seja, como forma de aumentar o prestígio buscaram contratar mais doutores, devolvendo as cadeiras de professores aos homens, aumentando salários e reduzindo as cargas horárias da jornada de trabalho. No que tange ao cenário brasileiro, infelizmente, o país seguiu o fluxo dos colonizadores, onde a educação das mulheres estava restrita apenas aos anos iniciais. As faculdades de direito, medicina e engenharia estabelecidas no Brasil no século XIX eram quase que exclusivamente masculinas, consolidando o cenário de exclusão das cientistas também no contexto brasileiro. Além disso, a influência maciça da igreja católica também corroborou para esse processo educacional misógino.

Paralelamente à alfabetização forçada dos/as indígenas e à vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, a educação brasileira foi configurada pela submissão das mulheres, pela divisão dos papéis sociais de gênero e pautada nos valores religiosos. Diante de um modelo pedagógico catolicista, os jesuítas direcionaram seus esforços aos negros, indígenas e mestiços, com o objetivo de torná-los mão de obra para trabalhos manuais; enquanto isso a elite masculina era educada para o trabalho intelectual. Segundo relata Souza (1996), com a reforma pombalina, em 1759, houve um rompimento do império português com a Companhia de Jesus e se instaurou um caos no modelo educacional brasileiro vigente, com inúmeras transformações no contexto escolar, implementação de novos currículos, novas estruturas escolares, novos métodos e formas de ensino. A partir dessa desestruturação do sistema educacional, novos cursos superiores foram estruturados e surgiram as academias militares e escolas de direito e medicina. Em todos esses contextos, a educação feminina restringia-se à formação de boas esposas, prendadas e recatadas, uma vez que as mulheres não faziam parte da elite intelectual brasileira.

Fausto-Sterling (2000) afirma que as organizações sociais mais antigas se constituíam de forma matriarcal e, por isso, permitir que mulheres participassem da vida pública, do voto e fossem reconhecidas como pessoas de direitos significaria um retorno ao matriarcado e, conforme acreditavam os cientistas do século XIX, os modelos sociais de gênero eram validados pelos estudos da embriologia e da evolução, uma vez que

A ideia de que a esfera pública era masculina por definição estava tão enraizada no tecido metafísico daquele período que parecia natural argumentar que as mulheres que aspiravam aos Direitos dos Homens teriam que ser também masculinas por definição. Se a masculinidade feminina era um absurdo evolutivo ou uma anomalia embrionária era assunto de debate. Mas foi nesse contexto, onde a diferença inerente entre os sexos – e a inferioridade feminina – se tornou um fato inquestionável, que condicionou a pesquisa científica das secreções internas do ovário e testículos. (FAUSTO-STERLING, 2000, p. 188-189, tradução nossa).

Embora o discurso dos embriologistas e evolucionistas não tenha mais a mesma força, diversos são os fatores que ainda hoje afastam as mulheres do campo científico. Entre eles estão questões relacionadas à maternidade, casamento, múltiplas jornadas de trabalho, machismo institucional, situações de assédio, expectativas culturais sobre os lugares que podem ser ocupados por homens e mulheres e a falta de representatividade.

[...] As mulheres, argumentam eles. São menos persistentes em suas carreiras do que os homens, porque elas podem depender da rede de segurança socialmente sancionada do casamento. Os homens, em contraste, alcançam posição social quase exclusivamente através do sucesso profissional. Assim, os homens devem persistir em profissões de alto prestígio, mesmo em face da adversidade, enquanto as mulheres não precisam esforçar-se tanto porque, se fracassarem profissionalmente, elas podem sempre tornar-se esposas de alguém. (SCHIEBINGER, 2001, p. 126).

As mulheres que transgridem e ingressam nas carreiras científicas encontram dificuldades para ascenderem em seus postos de trabalho. Nas áreas de química, matemática e física a porcentagem de pesquisadoras registradas no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 2018, era de apenas 32% (NAIANE NAIDEK, 2020). No processo de construção de suas carreiras, as cientistas encontram, muitas vezes, dificuldade de conciliar as responsabilidades com a família e com as exigências da profissão, já que essa trajetória científica é constituída num modelo envolvendo pressão por produtividade, atividades em tempo integral, além de “relações academicamente competitivas e a valorização de características masculinas que, em certa medida, dificultam, restringem e direcionam a participação das mulheres nesse contexto” (SILVA; RIBEIRO, 2014, p. 451). Mesmo em 2022, há muito o que se discutir acerca da ausência das mulheres na ciência. Aquelas que transgridem e ingressam no universo científico enfrentam uma cultura[12] em que as barreiras, implícitas e explícitas, dificultam sua permanência na pesquisa e atrapalham o desenvolvimento de suas carreiras científicas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como parte de um contexto sociocultural, a ciência se desenvolveu pautada em princípios sexistas e misóginos, às custas do apagamento das cientistas diante de critérios que excluíram as mulheres do processo formal de se fazer ciência. Tivemos a delimitação dos espaços e a divisão sexual dos papéis sociais e, conforme apresentado no trabalho, inúmeros argumentos e barreiras para que as mulheres não se fizessem presentes nas esferas de produção do conhecimento científico. Apesar disso, temos uma quantidade bastante expressiva de mulheres que se rebelaram contra a ordem vigente e contribuíram para o desenvolvimento da ciência, merecendo, portanto, o devido destaque por suas contribuições.

Acreditamos que ao sistematizar e apresentar algumas mulheres cientistas que fizeram parte da construção da ciência, além de compreender os caminhos que nos trouxeram para o modelo científico que conhecemos hoje, em especial no que tange à exclusão e invisibilização das cientistas, temos a possibilidade de refletir e dialogar sobre a construção de um conhecimento científico que se aproxima e reconhece a contribuição feminina na história da ciência, bem como possibilita uma maior representatividade para que mais meninas e mulheres se interessem e ingressem nas carreiras científicas.

Nesse viés, é válido destacar que não tivemos aqui a intenção de romantizar as dificuldades vivenciadas por essas cientistas, muito menos de torná-las “supermulheres”, mas sim de evidenciar a forma como a construção científica se fez misógina, no intuito de chamar a comunidade científica para uma reflexão crítica acerca dos parâmetros considerados neutros utilizados na construção do conhecimento científico, os quais ainda hoje impactam no processo de se fazer ciência. O caminho foi e continua sendo árduo, entretanto seguiremos lutando para ocupar os espaços que nos foram negados.

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APÊNDICE 1

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver nenhum conflito de interesse de ordem pessoal, comercial, acadêmico, político e financeiro referente a este manuscrito.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

Não se aplica.

COMO CITAR - ABNT

LIMA, Ana Luíza do Prado; SOARES, Márlon Herbert Flora Barbosa. E a parte da história que não é contada? Reflexões feminitsas sobre a história da ciênica. REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática. Cuiabá, v. 10, n., 3, e22071 , set./dez., 2022. http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v10i3.14266.

COMO CITAR - APA

Lima, A.L.P; Soares, M.H.F.B. (2022). E a parte da história que não é contada? Reflexões feminitsas sobre a história da ciênica. REAMEC - Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, 10 (3), e22071. http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v10i3.14266.

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DIREITOS AUTORAIS

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PUBLISHER

Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Publicação no Portal de Periódicos UFMT. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da referida universidade.

EDITOR

Patrícia Rosinke

Orcid:https://orcid.org/0000-0003-0433-7113

Lattes:http://lattes.cnpq.br/3135869298084965

Notas

[1] Compreendemos o conceito de arquétipo a partir da observação de que existem imagens construídas por meio das vivências de cada um/uma e que possui uma estrutura semelhante. É um padrão de comportamento herdado de uma estrutura social que permite o desenvolvimento dessa conduta, como um molde, modelo ou padrão culturalmente construído, possível de ser reproduzido.
[2] No decorrer do trabalho, ao realizar citações pela primeira vez, sejam elas diretas ou indiretas, a autora e o autor destacaram o nome completo das pessoas referenciadas. É de nosso conhecimento que tal atitude descumpre as normas adotadas pela revista, a NBR 6023/2002. Para tanto, justifica-se essa transgressão por entender que, a partir da proposta do artigo, manter em destaque apenas o sobrenome do autor ou autora dos trabalhos referenciados reforça alguns padrões misóginos estabelecidos socialmente e que são amplamente criticados ao longo do texto. Destaca-se também que as revistas científicas são os espaços que oportunizam tais discussões de forma a contribuir com a desconstrução de uma Ciência ainda machista e segregadora.
[3] Em consonância com Guacira Lopes Louro, a escolha por uma abordagem feminista se dá, principalmente, em virtude do caráter político e social de tais discussões. Conforme será apresentado ao longo desse trabalho e em conformidade com a autora, a “objetividade e neutralidade, distanciamento e isenção, que haviam se constituído, convencionalmente, em condições indispensáveis para o fazer acadêmico, eram problematizados, subvertidos, transgredidos” (LOURO, 1997, p.18).
[4] “A noção binária de masculino/feminino constitui não só a estrutura exclusiva em que essa especificidade pode ser reconhecida, mas de todo modo a “especificidade” do feminino é mais uma vez totalmente descontextualiza, analítica e politicamente separada da constituição de classe, raça, etnia e outros eixos de relações de poder [...]” (JUDITH P. BUTLER, 2019, p. 22).
[5] “A presença ou ausência de barba não apenas traçava uma linha nítida entre homens e mulheres no século XVIII, ela também servia para diferenciar as variedades de homens. Mulheres, homens negros (numa certa medida), e especialmente os homens das Américas careciam desse "distintivo de honra" masculino - a barba de filósofo” (SCHIEBINGER, 2001, p. 53).
[6] “[...] em tentativas de craniologistas do século XIX de provar que o cérebro feminino era muito pequeno para o raciocínio científico” (SHCIEBINGER, 2001, p. 57).
[7] Sobre tal aspecto, compactuo com a concepção de Silva (2000) sobre a ciência e a produção do conhecimento científico “[...] Portanto, a ciência não está isenta de intenções, mas está profundamente comprometida com interesses sociais, econômicos e políticos. O conhecimento é produzido não porque há uma “vontade” dos(as) cientistas, mas porque há muitos interesses. Há diferentes ideias e concepções sobre o mundo, sobre o que deve ser investigado, sobre o que é considerado um “problema”, sobre o que são saúde e doença, sobre o que é prioridade para determinados segmentos da sociedade, entre outras questões. Portanto, a ciência não é neutra, mas se encontra inscrita na cultura e na história. Ela é produto da atividade humana, impregnada de valores e costumes de cada época, sendo, portanto, provisória, mutável e questionável” (SILVA, 2000, p.33).
[8] A universidade mais antiga da d.E.C., fica no continente africano, no Marrocos, e foi fundada por Fatima al-Fihri. É reconhecida pela Unesco e pelo Guiness World Records como a universidade mais antiga do mundo e ainda está em funcionamento, oferecendo cursos de graduação, pós-graduação e programas de doutorado. Fonte: https://www.ufrgs.br/africanas/fatima-al-fihri-880/. Acesso em: 31 maio 2022.
[9] Destacamos a presença dos marcadores de raça e classe entre as mulheres que conseguiram ingressar na Universidade de Bolonha. Conforme relata Schiebinger “Redes de nobres também floresciam nos salões, instituições intelectuais organizadas e dirigidas por mulheres. Do mesmo modo que as academias francesas, os salões criavam coesão entre elites, assimilando os ricos e talentosos na aristocracia francesa. [...] Do mesmo modo que o privilégio dava às mulheres acesso limitado ao mundo do conhecimento. Porque eram barradas nos centros de cultura científica – a Royal Society de Londres, a Acadèmie Royale des Sciences de Paris – a relação das mulheres com o conhecimento científico era inevitavelmente mediado através de homens, fossem estes seus maridos, companheiros ou tutores” (SCHIEBINGER, 2001, p. 66).
[10] A saber, Schiebinger (2001) relata que os estudos sobre lésbicas na ciência, bem como se houve vantagens ou desvantagens na carreira em virtude da sexualidade, são quase inexistentes.
[11] La Chymie charitable et facile, em faverur des dames, em tradução livre: Química caridosa e fácil, a favor das senhoras.
[12] “Uma cultura é mais do que instituições, regulamentações legais governando uma profissão, e uma série de gruas ou certificados. Ela consiste nas assunções e valores não formulados de seus membros. A despeito de reivindicações de neutralidade de valor, as ciências têm culturas identificáveis cujos costumes e modos de pensar se desenvolveram no decorrer do tempo. Muitos desses costumes tomaram forma na ausência das mulheres [...]” (SCHIEBINGER, 2001, p. 139).

Autor notes

* Licenciada em Química, Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestranda em Educação em Ciências e Matemática, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil. Endereço para correspondência: Laboratório de Educação Química e Atividades Lúdicas – LEQUAL, Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências (NUPEC), Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás – Avenida Esperança, S/N, Campus Samambaia, CEP: 74690-900.
** Doutor em Química, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor Titular da Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasil. Endereço para correspondência: Laboratório de Educação Química e Atividades Lúdicas – LEQUAL, Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências (NUPEC), Instituto de Química, Universidade Federal de Goiás – Avenida Esperança, S/N, Campus Samambaia, CEP: 74690-900.

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