EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

MULHERES NA DOCÊNCIA: NARRATIVAS E REFLEXÕES PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA CRÍTICA SOBRE SEXISMO, CULTURA E SOCIEDADE

WOMAN AND TEACHING: NARRATIVES, REFLECTIONS FOR CONSTRUCTION OF A CRITICAL AWARENESS ABOUT SEXISM, CULTURE AND SOCIETY

MUJERES Y ENSEÑANZA: NARRATIVAS, REFLEXIONES EN LA CONSTRUCCIÓN DE UNA CONCIENCIA CRÍTICA SOBRE EL SEXISMO, LA CULTURA Y LA SOCIEDAD

Luciana Xavier Morais dos Santos *
Rede Municipal de Ensino, Brasil
Mirian Maria Andrade **
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 10, núm. 3, e22064, 2022

revistareamec@gmail.com

Recepção: 01 Junho 2022

Aprovação: 13 Setembro 2022

Publicado: 02 Novembro 2022



DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v10i3.13918

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalhopublicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: Este artigo parte dos resultados de uma pesquisa de mestrado que teve como objetivo investigar o movimento de formação continuada de professores que ensinam matemática, por meio de narrativas elaboradas segundo os parâmetros da História Oral. Nesse texto, apresentamos uma discussão sobre como os aspectos culturais atrelados à figura feminina influenciam nos processos formativos e, para isso, destacamos alguns trechos de narrativas em que as professoras compartilharam suas experiências a partir da participação na Oficina Pedagógica de Matemática (OPM), um projeto de extensão universitária, que tem como objetivo principal a elaboração e execução de oficinas pedagógicas de matemática, fundamentadas teórica e metodologicamente na teoria Histórico-Cultural e Teoria da Atividade. O objetivo desse texto é proporcionar reflexões que conduzam a um pensamento crítico sobre gênero, igualdade e desigualdade na profissionalização das mulheres que exercem a docência, discorrendo sobre aspectos históricos, culturais e sociais que as atravessam nesse percurso formativo e que ainda são latentes nas narrativas dessas professoras. Nesta perspectiva, propomos a discussão como uma forma de desconstruir barreiras que ainda prejudicam o acesso das professoras em espaços de formação científica e tecnológica, assim como, se constituem como limitadores do acesso à pesquisa e a qualidade dos processos formativos.

Palavras-chave: Formação de professores, Educação Matemática, Igualdade, Gênero.

Abstract: This article is based on the results of a master's research that aimed to investigate the movement of continuing education of teachers who teach mathematics, through narratives elaborated according to the parameters of Oral History. In this text, we present a discussion on how cultural aspects linked to the female figure influence the training processes and, for that, we highlight some excerpts from narratives in which the teachers shared their experiences about participating in the Pedagogical Mathematics Workshop (OPM), a university extension project, whose main objective is the elaboration and execution of pedagogical workshops in mathematics, theoretically and methodologically based on Historical-Cultural Theory and Activity Theory. The objective of this text is to provide reflections that lead to a critical thinking about gender, equality and inequality in the professionalization of women who work in teaching, discussing historical, cultural and social aspects that cross them in this formative path and that are still latent in the narratives of these women teachers. In this perspective, we propose the discussion as a way of deconstructing barriers that still hamper the access of teachers to scientific and technological training spaces, as well as limiting access to research and the quality of training processes.

Keywords: Teacher training, Mathematics Education, Equality, Gender.

Resumen: Este artículo se basa en los resultados de una investigación de maestría que tuvo como objetivo investigar el movimiento de formación permanente de profesores que enseñan matemáticas, a través de narrativas elaboradas según los parámetros de la Historia Oral. En este texto, presentamos una discusión sobre cómo los aspectos culturales vinculados a la figura femenina influyen en los procesos formativos y, para ello, destacamos algunos fragmentos de narrativas en las que las docentes compartieron sus experiencias a partir de la participación en el Taller de Matemática Pedagógica (OPM ), un proyecto de extensión universitaria, cuyo objetivo principal es la elaboración y ejecución de talleres pedagógicos en matemáticas, fundamentados teórica y metodológicamente en la Teoría Histórico-Cultural y la Teoría de la Actividad. El objetivo de este texto es brindar reflexiones que conduzcan a un pensamiento crítico sobre el género, la igualdad y la desigualdad en la profesionalización de las mujeres que se desempeñan en la docencia, discutiendo aspectos históricos, culturales y sociales que las atraviesan en ese camino formativo y que aún permanecen latentes. en las narrativas de estas mujeres docentes. En esta perspectiva, proponemos la discusión como una forma de deconstruir las barreras que aún dificultan el acceso de los docentes a los espacios de formación científica y tecnológica, así como limitan el acceso a la investigación y la calidad de los procesos de formación.

Palabras clave: Formación docente, Educación Matemática, Igualdad, Género.

1. INTRODUÇÃO

Esse artigo é parte de uma dissertação de mestrado, em que nos propomos a investigar a formação continuada de professores que ensinam matemática nos anos iniciais na educação básica, a partir de ações vivenciadas no projeto Oficina Pedagógica de Matemática (OPM).

A OPM é um projeto de extensão vinculado à Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Curitiba, coordenado pela professora Dra Maria Lúcia Panossian e, desde 2015, envolve a participação de professores que ensinam Matemática[1] na educação básica, tendo como objetivo principal a elaboração, execução e avaliação de oficinas pedagógicas, centradas em atividades orientadoras de ensino (AOE), com base na teoria Histórico-Cultural[2] e na Teoria da Atividade[3].

No ano de 2020, o projeto foi realizado com professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental no município de Piraquara-PR[4] e, no corrente ano, a OPM teve como objetivo específico, o estudo do processo de ensino e aprendizagem de estatística nos anos iniciais e finais do ensino fundamental.

O ensino de estatística desde a educação básica se encontra entre as exigências presentes na BNCC, sendo um eixo fundamental para o desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes, que precisam conhecer e problematizar as situações cotidianas que envolvem a utilização desses conceitos. Outros fatores que influenciaram a escolha pelo ensino de estatística foram: o contexto pandêmico ocasionado pelo coronavírus em 2020 e o fato de um dos mestrandos envolvidos no projeto estar pesquisando especificamente sobre o ensino de estatística no espaço da OPM. O projeto OPM atualmente é coordenado pela professora Maria Lucia Panossian, professora da UTFPR[5] e pesquisadora com experiência em assuntos referentes à formação docente, inicial e continuada. Os encontros aconteceram de forma quinzenal e envolveram a participação de professores da UTFPR, doutorandos, mestrandos, estudantes da licenciatura em Matemática e professores que lecionam nos anos iniciais e finais do ensino fundamental no município de Piraquara-PR.

Devido à situação de emergência sanitária no ano de 2020, ocasionada pelo novo coronavírus, causador da síndrome respiratória Covid-19, os encontros do projeto Oficina Pedagógica de Matemática aconteceram de forma virtual e quinzenalmente, utilizando a plataforma Google Meet.

Participaram do projeto OPM, dez professores que atuavam nos anos iniciais da educação básica e todos foram convidados a ceder entrevistas, sendo que nove professores aceitaram, dentre eles, 8 mulheres e um homem. Não houve critério para exclusão. Para analisar o movimento de formação continuada de professores no espaço da OPM, mobilizamos a História Oral, produzindo narrativas a partir de entrevistas realizadas com os professores participantes. Nossa intenção foi conhecer diferentes formas de experienciar o processo formativo vivenciado no ano de 2020, o que permitiu a produção de novos significados às práticas docentes.

Pautando-nos em Garnica (2008, p. 130), concebemos a HO como uma metodologia de pesquisa que se difere das demais metodologias por ‘“constituir documentos ‘históricos’, registros do outro, ‘textos provocados’”. Ao utilizarmos essa metodologia de pesquisa, buscamos compreensões a partir de descrições e documentos constituídos intencionalmente, com o objetivo de compreender aspectos culturais e sociais presentes nas relações, por meio de procedimentos envolvendo a oralidade e a memória.

Para isso, elaboramos um roteiro de perguntas relacionadas ao processo de formação vivenciado e realizamos entrevistas, que foram gravadas, transcritas, textualizadas e validadas pelos depoentes. As entrevistas aconteceram após o encerramento das atividades do projeto, no início do ano de 2021.

No início da pesquisa na OPM, foi solicitado aos participantes a permissão para gravação e uso dos dados. Para isso, foram apresentados e disponibilizados o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Consentimento para uso de imagem e som de voz - TCLE/TCUISV. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética, sendo aprovado por meio do parecer consubstanciado no número 4.095.942.

Ouvir as professoras, possibilitou-nos reconstituir um pouco das suas histórias de vida, pelas quais também perpassam a trajetória na docência. As memórias das professoras, apresentadas por meio de narrativas, nos auxiliam a compreender elementos importantes na constituição dos sujeitos, nos levando a perceber a forma única com que cada indivíduo experiencia o processo formativo.

Neste artigo, trataremos sobre um dos tópicos apresentados na dissertação que se refere ao tempo dedicado ao exercício da docência, enfatizando as discussões sobre a desigualdade/igualdade de gênero na sociedade como um dos elementos que influenciaram a forma como as professoras experienciaram os momentos de formação.

Nesse aspecto, nos propomos a uma discussão a partir da perspectiva das professoras, considerando que, além da docência, essas mulheres também carregam aspectos históricos e culturais que atribuem a elas maior responsabilidade com relação aos afazeres domésticos e aos cuidados com os filhos, causando uma sobrecarga de trabalho.

As problemáticas apontadas no decorrer desse texto, são analisadas a partir de perspectivas históricas em que se constituíram as desigualdades de gênero, e que, mesmo diante de inúmeros avanços, por diferentes razões, a discriminação e o preconceito contra as mulheres ainda assombram as formas de organização da sociedade, influenciando também a formação continuada de professores.

De acordo com Vieira e Moreira (2020), o enfrentamento a essa problemática se faz necessária devido à "constatação de que vivemos em uma sociedade excludente e com imensa desigualdade social” (p. 623). Os autores ainda destacam que “evidencia-se, nessa sociedade, inúmeras manifestações de individualismo, de discriminação, de intolerância e de outras diversas formas de violência” (p. 623) que precisam ser enfrentados na escola, pois a escola também reproduz essa face perversa que compara e desqualifica o ser humano com base em características físicas, biológicas, culturais ou pelas capacidades individuais.

Nessa perspectiva, consideramos que gênero é uma importante categoria de análise em pesquisas e merece destaque devido às consequências que o preconceito baseado no determinismo biológico ainda exerce na sociedade. Ao trazer essa discussão, intencionamos refletir sobre as estruturas sociais fundamentadas na distinção entre sexos, resgatando a produção cultural e histórica das relações entre homens e mulheres, visando a superação de preconceitos baseados no determinismo biológico. Tais preconceitos são fatores que interferem no acesso e permanência de professoras em programas de formação continuada, assim como, na ocupação de espaços de formação científica e tecnológica.

Dessa forma, ao analisarmos as narrativas das professoras entrevistadas, fazemos à luz de constructos teóricos, que permitam reflexões sobre a importância de discutir essa temática nos ambientes formativos, a fim de compreender algumas das dificuldades dessas professoras, contribuindo para o redimensionamento e ressignificação do papel da mulher na sociedade.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS E CULTURAIS QUE FUNDAMENTAM A LUTA DAS MULHERES PELA IGUALDADE

As relações culturais e sociais estão em constante transformação e essas transformações trazem o desafio de lidar com o que é novo ou ainda desconhecido, mas principalmente, com o que é ressignificado ao longo da história da humanidade.

É comum observarmos entre as mulheres, a necessidade de conciliar o exercício da profissão com os demais papéis que esta ocupa cotidianamente, principalmente no que se refere aos cuidados da casa, dos filhos e demais familiares. Quando isso não é possível, surge o sentimento de culpa e, por vezes, a sensação de fracasso por não conseguir dar conta do que a sociedade impõe como sendo suas obrigações. Nesse sentido nos perguntamos: Até quando o desenvolvimento profissional das mulheres sofrerá pela influência da cultura sexista?

Numa perspectiva histórico-social, os indivíduos se apropriam de padrões comportamentais próprios da cultura na qual está inserido por meio das relações sociais que estabelece e, ao analisarmos nossas raízes históricas-sociais, percebe-se a grande influência de uma cultura patriarcal[6]. Essa cultura carrega em sua essência a desvalorização, submissão, preconceito e discriminação em relação as mulheres pelo fato de nascerem mulheres.

Casagrande, Luz e Carvalho (2011) chamam a atenção para pesquisas que evidenciam o pouco estímulo proporcionado às meninas para o conhecimento matemático, sendo esses conhecimentos a base para estudos científicos e tecnológicos. Nesse contexto de pouco incentivo e, por consequência, pouco acesso a esses conhecimentos, evidencia-se as consequências deixadas por modos de comportamento fundamentadas nas diferenças entre homens e mulheres, que dificultam e, por vezes, inibem o acesso das mulheres às áreas das ciências, tecnologia e demais conhecimentos produzidos pela sociedade.

Por séculos, esse problema se mostrou latente, se evidenciando por meio da baixa presença feminina nas academias e condicionando-as a um estigma essencialista, que se caracteriza por definir gênero às atribuições humanas. Como consequência, as mulheres foram afastadas dos processos de desenvolvimento de inovações e de posições de liderança em movimentos de pesquisas, nas áreas da ciência, tecnologia, entre outros tantos espaços que poderiam ser ocupados por mulheres, mas que atualmente, são majoritariamente ocupados por homens.

Nesta perspectiva, ainda no início do século XX,

Apenas os homens podiam sair de casa para trabalhar e trazer o sustento da família, então cabia à mulher cuidar da casa, dos filhos, dedicando todo o tempo com atividades domésticas. Numa sociedade machista apenas os homens tinham oportunidades de estudar e trabalhar enquanto que as mulheres eram excluídas desse processo. Em pleno início do século XX, nosso país ainda era atrasado e não havia oportunidade e igualdade de direito para ambos os sexos (SOUSA; SALUSTIANO, 2018, p. 3).

A cultura patriarcal e extremamente machista é a principal responsável por condicionar as mulheres apenas aos afazeres domésticos, e é também responsável pelo pouco ou nenhum acesso dessas ao ensino, à profissionalização, às ciências e à pesquisa. Essas raízes do passado são perceptíveis nos padrões de comportamento da sociedade atual, evidenciando as fragilidades de uma estrutura social que ainda peca pela falta de políticas de equidade, que garantam não apenas o direito de acesso, mas principalmente as condições de permanência em diferentes espaços, sejam acadêmicos ou profissionais.

De acordo com Cabral (2006), somente no século XX, é que as sociedades passaram a permitir o acesso das mulheres na educação superior, o que impulsionou o ingresso de um maior número de mulheres em áreas, até então, culturalmente masculinizadas. Esse movimento representou uma merecida valorização do trabalho feminino, no entanto, ainda existem diferentes barreiras que interferem na conquista pela equidade. Dessa forma, é preciso uma formação crítica para desmistificar certas visões e incorporar valores mais humanistas.

Foi a igualdade de direitos civis que abriu as portas das universidades para as mulheres. As conquistas vieram com o tempo e mesmo após décadas da conquista dos direitos civis, as mulheres continuam sofrendo os estigmas da cultura machista nas áreas de pesquisa, sobretudo nas áreas da ciência e tecnologia. Neste aspecto,

Estudos (CARVALHO, 2007; CASAGRANDE et al, 2005; LOMBARDI, 2006; SCHWARTZ et al., 2006; dentre outros) mostram que as mulheres são minoria nas carreiras científicas e tecnológicas, não só no Brasil como também em outros países. Isso pode ser consequência do fato dos pais/mães e professores/as oferecerem pouco estímulo para que as meninas se dediquem e se interessem pelos estudos matemáticos, fato que estaria também limitando suas possibilidades profissionais futuras (VELHO e LEON, 1990). Considera-se que o conteúdo matemático é fundamental para a maioria das carreiras científicas e tecnológicas e a afinidade com a matemática pode ser decisiva na escolha das profissões (CASAGRANDE; CARVALHO, 2011, p. 272).

Estudos mais recentes desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e sociedade - IPEA, demonstram um grande crescimento na participação das mulheres em pesquisas científicas, no entanto ainda apontam que esse crescimento varia de acordo com a área, conforme levantamentos realizados (2020),

Hoje, as mulheres são cerca de 54% dos estudantes de doutorado no Brasil, o que representa um aumento impressionante de 10% nas últimas duas décadas. Esse número é semelhante ao dos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde em 2017 as mulheres conseguiram 53% dos diplomas de doutorado concedidos no país. No Brasil, assim como no resto do mundo, no entanto, essa participação varia muito de acordo com a área do conhecimento. Nas ciências da vida e da saúde, por exemplo, as mulheres são a maioria dos pesquisadores (mais de 60%), enquanto nas ciências da computação e matemática elas representam menos de 25% (IPEA, 2020, p. 1).

Percebe-se que, nas últimas décadas, as discussões sobre o papel da mulher na sociedade ganharam maior visibilidade, estando em pauta em diferentes espaços ocupados por elas. Essa ressignificação é resultado de muitas lutas, estudos e políticas afirmativas que viabilizaram as discussões em diferentes âmbitos sociais, propiciando a desconstrução de estigmas culturalmente impostos e abrindo novas possibilidades de inclusão das mulheres como protagonistas da sua própria história.

Entre as muitas lutas feministas, surge as discussões sobre a igualdade/desigualdade de gênero, que se apresentaram de diferentes formas ao longo desse percurso histórico, mas que aqui definiremos como “o saber sobre as diferenças sexuais” (SCOTT, 1995, p. 91) o que pressupõe ideias que vão desde a “rejeição ao determinismo biológico baseado no sexo até uma rede de conexões que levam em consideração não só o corpo, mas toda a organização social e seu contexto histórico” (KOVALESKI; TORTATO; CARVALHO, 2011, p. 56).

Para Albuquerque (2020), somos seres culturais e não nascemos com um corpo, mas com uma matéria composta de carne e, essa carne, aprende a ser corpo por meio da cultura, expressa pela linguagem, pelas interações e relações sociais. Dessa forma, “nós humanos usamos as carnes que nos foram dadas, para encarnar, para materializar conceitos, concepções, modelos socialmente definidos e elaborados de corpo” (ALBUQUERQUE, 2020, p. 2).

Segundo Jean Scott (1995, p. 91), “as relações entre os sexos constituem um dos pilares da organização social “são, ao mesmo tempo o fruto e a fonte das estruturas hierárquicas da sociedade”, portanto, a relação entre matéria (carne) e corpo tem origem na cultura humana e essa cultura, repassada de geração a geração, por meio da socialização, determina padrões de comportamento, a identidade feminina, masculina e o papel desse corpo na organização da sociedade.

Nesse sentido, trazer para a discussão esses padrões de comportamento impostos pela cultura humana é essencial para compreender e transformar a sociedade, pois nos permite evidenciar a origem da desigualdade, discriminação e exclusão, por sua vez, fundamentadas nos preconceitos que permeiam as relações entre sujeitos.

De acordo com o Artigo 6º, Capítulo II do documento apresentado na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (BRASIL, 2006), nos “Direitos protegidos” reconhece que “toda mulher tem direito a uma vida livre” (BRASIL, 2006, p. 4), o que inclui “o direito da mulher ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamentos e práticas sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade de subordinação” (BRASIL, 2006, p. 4). Portanto, a violência contra a mulher não se limita ao aspecto físico, mas a qualquer sofrimento, seja ele físico, sexual ou psicológico que ocorram tanto na esfera pública, quanto privada.

A desigualdade de gênero ainda é uma realidade no Brasil, perceptível em todas as esferas da nossa sociedade, que carrega resquícios de uma cultura patriarcal, se fortalecendo por meio de padrões de comportamentos caracterizados pela dominação, discriminação e desvalorização da mulher na sociedade.

A criação de políticas públicas para a promoção da igualdade entre homens e mulheres foi conquistada com muitas lutas, principalmente de movimentos feministas nas décadas de 70 e 80 e, embora o reconhecimento de igualdade entre homens e mulheres tenha sido consolidado na constituição de 1988, estamos longe da garantia de equidade.

Apesar dos avanços significativos nas discussões sobre igualdade de gênero, ainda existem muitos fantasmas que assombram as mulheres e que cobram delas padrões comportamentais que já não cabem mais no contexto atual. As mulheres conquistaram muitos lugares de destaque na sociedade, mas ainda carregam resquícios culturais que lhes imputam tarefas que precisam ser compartilhadas e não apenas delegadas a elas pelo simples fato de serem mulheres.

As cobranças partem de diferentes setores da sociedade e, até mesmo, de si mesmas, pois ao reproduzir padrões históricos e culturais, incorpora-se o discurso, fazendo com que comportamentos se repitam, muitas vezes de forma inconsciente, apenas por acreditar que estão corretos.

Esses fatores enraizados são perceptíveis também quando observamos o grande índice de violência contra as mulheres evidenciados nos noticiários quase que cotidianamente, a dupla jornada das mulheres que possuem seus empregos e ainda dão conta dos afazeres domésticos, o desprestígio frente a cargos ocupados majoritariamente por homens e principalmente a desigualdade salarial entre homens e mulheres que exercem as mesmas funções no mercado de trabalho.

Os direitos adquiridos nos últimos anos, só se tornaram possíveis a partir de movimentos maiores, como destacado na citação abaixo,

A Proclamação do Ano Internacional da Mulher e a realização, no México, da Conferência Mundial sobre a Mulher (em 1975) impulsionaram as Nações Unidas a aprovarem, em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de discriminação contra a mulher – ratificada no Brasil em 1984 (LUZ, 2011, p. 24).

A luta pelos direitos das mulheres faz parte de uma causa maior, que é a luta por direitos humanos. Nesse sentido, destacamos que as “mobilizações sociais possibilitaram uma alteração sobre o conceito de direitos humanos e principalmente sobre a ideia de sujeito de direito” (LUZ, 2011, p. 21).

Nesse contexto, a profissionalização da mulher se constitui, atravessada pela influência de diferentes aspectos políticos, históricos, culturais e sociais, e, são esses aspectos que se interligam ao exercício da docência, o que abordaremos na sequência.

3. A DESIGUALDADE DE GÊNERO NO AMBIENTE ESCOLAR EXPRESSA NAS NARRATIVAS DE PROFESSORAS

As narrativas possibilitaram a investigação sobre a cultura presente nos espaços de formação continuada, a matemática em movimento de ensino e aprendizagem, sua função social, permitindo o diálogo entre professores, formadores e pesquisadores. As análises também permitiram identificar as potencialidades, limitações e desafios dos processos formativos mediados pelo uso de tecnologias, possibilitando (res)significar as ações por meio da ação e reflexão sobre os processos formativos nesses espaços e sua melhoria contínua.

Nesse processo investigativo, entre os resultados da pesquisa realizada, destacamos as narrativas das professoras sobre a experiência formativa vivenciada em ambientes mediados pelo uso da tecnologia, evidenciando a desigualdade de gênero presente no ambiente escolar, como um dos aspectos que influenciam a busca pela profissionalização docente.

A profissão docente, devido às tarefas que envolvem educar e cuidar, tornou-se ao longo dos anos, uma profissão associada à figura feminina, pois até então, essas tarefas eram delegadas exclusivamente às mulheres. Obviamente, as estruturas sociais construídas historicamente, exercem grande influência nas relações entre gênero e docência.

Esses aspectos culturais, denotam elementos importantes de análise, pois evidenciam padrões de comportamentos que influenciam na profissão e na vida cotidiana das professoras.

Para Sousa e Salustiano (2018), durante muito tempo a mulher foi excluída dos processos de escolarização e profissionalização, delegando-se a essas, o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos. No final do século XIX e início do século XX, com a expansão do ensino, surgimento da Escola Normal[7] e a partir das exigências do capitalismo, o magistério tornou-se uma necessidade, sendo esta, uma profissão aceitável - perante a sociedade da época - para que as mulheres a exercessem. Além disso, o ensino que as mulheres recebiam na Escola Normal, era autorizada pelo sexo masculino.

Nesse sentido, Almeida (1998) destaca que a formação recebida pelas mulheres na Escola Normal, precisava contribuir “de forma que o lar e o bem-estar do marido e dos filhos fossem beneficiados por essa instrução” (ALMEIDA, 1998, p. 73). Dessa forma:

As mulheres poderiam e deveriam ser educadas e instruídas, era importante que exercessem uma profissão — o magistério — e colaborassem na formação de diretrizes básicas da escolarização manter-se-iam sob a liderança masculina (ALMEIDA, 1998, p. 73).

Neste período, as mulheres que contrariassem as normas sociais, almejando a independência financeira e um nível de instrução mais elevado, eram vistas como uma ameaça às estruturas sociais e a hierarquia masculina e, nesse contexto, o exercício do magistério era uma boa alternativa, pois as mulheres receberiam um salário inferior ao de seus maridos, mantendo assim, a dependência e submissão feminina (SOUSA; SALUSTIANO, 2018).

Vale ressaltar que:

A docência feminina ganhou espaço com a urbanização da vida social da mulher (COSTA, 1999), assim ela foi vista como ideal para exercer a função de cuidar da educação da criança, ao passo que o Estado oportunizou a mulher a aparecer no cenário do mundo do trabalho. Como percebemos a classe feminina quando foi inserida no mercado de trabalho não teve oportunidade de escolher a profissão que desejava, pelo contrário, foi a sociedade machista que escolheu a mulher para ser professora das crianças no ensino primário (SOUSA; SALUSTIANO, 2018, p. 5).

Nessa perspectiva, percebemos que a forte presença da mulher no exercício da docência, teve sua origem em um contexto marcado pela exclusão e desvalorização da figura feminina em uma sociedade machista, e, ao analisarmos essa conjuntura, percebemos que essas relações inferiorizantes e discriminatórias influenciaram na desqualificação do trabalho da mulher e da profissão docente.

Há de se considerar ainda as dificuldades que as mulheres enfrentaram quanto ao acesso à ciência e tecnologia, que até pouco tempo, foi um espaço majoritariamente ocupado por homens. A inclusão das mulheres nesses espaços é de fundamental importância para a democratização de gênero, pois o conhecimento adquirido por meio do acesso à ciência e tecnologia contribui para o processo educativo, para a autonomia e empoderamento feminino, além de ampliar a participação no mercado de trabalho. Dessa forma, é importante destacar que:

As mulheres educadas e conscientizadas sobre ciência e tecnologia poderão ser agentes de seu próprio destino e agentes das transformações que o mundo vem passando. Não serão meros indivíduos passivos da contemporaneidade. Inseridas numa ambientação política, educacional, direcionadas à liderança e à conscientização da diversidade de culturas, classes sociais, gerações, interações sociais nas várias comunidades, e inclusive de orientações das manifestações diversas das sexualidades, estarão aptas a propor soluções para problemas que surjam; tomar decisões; refletir sobre situações que confrontem seus comportamentos e atitudes, etc. (CASAGRANDE; LUZ; CARVALHO, 2011, p. 161).

Nesta perspectiva, a escola é um espaço privilegiado de discussão e enfrentamento das desigualdades sociais. Mas como combatê-las se suas raízes históricas também estão presas a concepções estruturais e que, por sua vez, são a origem das desigualdades? Como superá-las então? Nesse sentido, destacamos a importância de propiciar aos professores a reflexão sobre as causas feministas, ressignificando o papel da mulher e os vários papéis que ela pode assumir, livre de preconceitos.

Nos anos de 2020 e 2021, durante o período de distanciamento social imposto como medida preventiva contra a pandemia do coronavírus, causador da síndrome respiratória COVID-19, as relações entre vida profissional e responsabilidades com os afazeres domésticos e cuidados com entes da família foram complicadores que se intensificaram na vida das mulheres.

Durante as atividades propostas no projeto de extensão Oficina Pedagógica de Matemática (OPM), percebemos que questões como o pouco tempo para realizar as tarefas, estudar ou participar de momentos formativos foram discursos recorrentes e durante o distanciamento social essa problemática se intensificou, se evidenciando principalmente no discurso das professoras, mulheres que exercem a docência.

Nas narrativas das professoras participantes do projeto Oficina Pedagógica de Matemática (OPM), percebemos que o pouco tempo para realizar os estudos foi atribuído em parte às demandas de trabalho nas instituições de ensino em que essas professoras atuavam e, também, às demandas pessoais que entendemos como a necessidade de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, pois ambas caminham juntas e em algum momento acabam se sobressaindo uma à outra, como destacamos nas narrativas das professoras Fernanda, Júlia e Larissa[8]:

Eu só me cobrei muito em participar de todos os encontros. Porém, nos últimos, eu já não consegui mais. A demanda de trabalho na escola foi muito grande e acabei ficando muito sobrecarregada, pois tínhamos relatórios, orientação de professores, professores que tinham bastante dificuldades, situações em casa com meus filhos, entre outras questões (narrativa da professora Fernanda, MORAIS, 2022, p. 76).

Não consegui ficar porque começou a vir muitas atividades, estava bem puxado. Eu tinha 64 alunos, eu tinha que fazer 64 apostilas, corrigir as 64 que vinham e estava bem puxado mesmo (narrativa da professora Larissa - MORAIS, 2022, p. 130).

Confesso que as demandas de final de ano, fizeram com que eu não conseguisse acompanhar da maneira como eu gostaria. E com a doença da minha mãe, complicou um pouquinho mais (narrativa da professora Júlia, MORAIS, 2022, p. 143).

Para Tardif e Lessard (2014), o tempo de trabalho do professor é algo complexo de se mensurar quantitativamente, pois não se restringe ao tempo de trabalho dentro da instituição de ensino, mas abrange demandas e preocupações que se estendem para além da escola, se constituindo como uma carga de trabalho informal. Essas questões se mostraram evidentes nas narrativas dos professores, pois denotam a dificuldade de se dedicar plenamente aos estudos na OPM. Sobre às diversas tarefas que fazem parte do cotidiano dos professores, salientamos que:

Tanto ao longo de uma jornada típica de trabalho quanto durante um ano escolar, um professor é convocado a realizar diversas outras tarefas além das aulas. Essas tarefas são, principalmente: a recuperação, as atividades para-escolares, a tutoria ou o enquadramento disciplinar, a vigilância, o papel de conselheiro pedagógico, a supervisão de estagiários no magistério, a supervisão de professores em treinamento, a liberação para atividades sindicais e o tempo à disposição da escola. Seria necessário acrescentar a essa lista as seguintes tarefas: os encontros com os pais, os períodos de preparação das aulas, a correção e a avaliação, a participação às jornadas pedagógicas, o aperfeiçoamento, bem como, outras atividades prescritas pela convenção coletiva, como a participação em diferentes comissões, até mesmo o voluntariado (TARDIF; LESSARD, 2014 p. 133).

Essas tarefas ainda podem variar em sua intensidade quando nos reportamos ao número de estudantes por turma ou região onde a instituição de ensino se encontra. Esses fatores podem agregar mais ou menos intensidade ao trabalho, considerando que influenciam em questões como: quantidade de atendimento a familiares dos estudantes, quantidade de relatórios de avaliação, problemas de ordem social, tais como violência, defasagem de aprendizagem ou abandono escolar.

Ao refletir sobre a carga de trabalho dos professores, é preciso considerar que o sexo é uma das influências dessa sobrecarga “pois as mulheres, que são a maioria do corpo docente, muitas vezes têm que encarar uma dupla tarefa, no trabalho e em casa” (TARDIF; LESSARD, 2014, p. 116) e, embora ela seja uma profissional reconhecida, esses fatores também são desafios que estão presentes na vida cotidiana, não apenas das professoras, mas de toda mulher trabalhadora.

Nesse aspecto, percebemos que houve a dificuldade em se concentrar ou mesmo de participar dos encontros devido aos cuidados com os filhos, necessidade de preparar as refeições ou fazer alguma outra tarefa doméstica, como destacado pelas professoras Fernanda e Mariana:

Ao mesmo tempo em que eu estava no computador, eu também estava atendendo meu filho e, às vezes, ele aparecia e eu estava no computador, mas lembrava que aquele dia eu tinha que fazer a janta em tal horário. Então isso me dificultou um pouco” (narrativa da professora Fernanda - MORAIS, 2022, p. 80).

Eu me apressava, chegava em casa, ajudava meu esposo, dava aula e fazia as coisas. Me apressava para participar da OPM, às vezes começava quando eu estava chegando em casa, pois muitas vezes eu estava na rua ainda. Eu chegava em casa correndo e me enfiava no quarto, pode ver que a maioria das vezes eu estava no quarto. Às vezes eu colocava a janta para fazer, e deixava para alguém terminar e me perguntavam: o que que eu faço agora? Aí você vai perdendo a atenção. Presencialmente não. Presencialmente você está ali na sala de aula e você aprende melhor, pois conseguimos nos concentrar melhor e essa foi uma dificuldade, por ser à distância (narrativa da professora Mariana, MORAIS, 2022, p. 168).

De acordo com o relatório do INEP (CARVALHO, 2018), as mulheres ocupam em torno de 90% do total de professores que atuam na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental no Brasil. Com relação ao ensino fundamental II e ensino médio, as professoras mulheres correspondem, aproximadamente, a 60% do total de professores.

Os dados apontados não são apenas para constatar, mas evidenciam aspectos históricos, culturais e sociais importantes. Vianna (2001) destaca que esse fenômeno teve origem nas chamadas escolas domésticas ou de improviso no século XIX, em que as mulheres exerciam a função de cuidadoras. Posteriormente, após a transição do império para a república, teve início a institucionalização do ensino primário, as mulheres passaram a ser servidoras públicas e o magistério tornou-se uma porta de entrada das mulheres no mercado de trabalho.

Outro fator importante apontado por Gatti e Barreto (2009) se refere ao período de ascensão da industrialização, em que os homens passaram a abandonar os cursos de formação de professores para ingressar no mercado de trabalho.

A feminilização da profissão docente, também precisa ser analisada do ponto de vista da desvalorização social, pois ao atribuir certas profissões a determinados gêneros (feminino ou masculino), dificulta-se a inserção de mulheres em profissões até então vistas como masculinas, assim como, acaba por afastar os homens da docência, principalmente no que se refere aos anos iniciais do ensino fundamental. Esse movimento social causa o desprestígio da profissão frente a outras profissões, a desvalorização dos salários e poucas condições de trabalho.

A valorização da mulher enquanto profissional perpassa pelos crivos da superação de aspectos culturais que delegam às mulheres responsabilidades que não são só delas e pela valorização social da profissão docente. No entanto, ainda nos deparamos com diversas situações em que a mulher deixa de lado seus objetivos, para se dedicar à família e aos afazeres domésticos, como percebemos nas narrativas das professoras Camila e Fernanda:

Concluí a faculdade, mas fiquei cuidando da minha filha por dois anos e meio. Quando ela completou três anos e meio, comecei a fazer concursos. Fiz alguns concursos e a cidade mais próxima que passei foi aqui em Piraquara-PR (narrativa da professora Camila - MORAIS, 2022, p. 60).

Naquele momento, eu não poderia fazer faculdade presencial, por trabalhar os dois períodos e ter crianças pequenas, ter filho pequeno em casa. Eu tenho um casal de filhos e por isso não conseguiria estudar presencialmente (narrativa da professora Fernanda - MORAIS, 2022, p. 70).

Destacamos que o estado possui um papel fundamental na efetivação de políticas públicas que visem a promoção de direitos fundamentais aos seres humanos, no entanto, percebe-se a ineficiência dessas políticas que ainda não garantem condições melhores de vida para as mulheres, fazendo com que seu percurso em direção a profissionalização seja um caminho árduo.

Nesse sentido, a formação continuada de professores pode ser uma grande aliada no enfrentamento das desigualdades de gênero, possibilitando reflexões que perpassem pelos movimentos feministas, que, por sua vez, precisa ser analisada em um contexto histórico, social e político, permitindo a compreensão e a transformação social.

Não basta apenas proibir a exclusão ou a discriminação, é necessário promover ações que transformem a consciência humana, de forma crítica, dialógica, desconstruindo comportamentos culturalmente reproduzidos pela sociedade no que diz respeito ao papel da mulher, pois o direito à igualdade já é garantido pela constituição, no entanto, é preciso ainda garantir a equidade de condições de atuação da mulher nas diferentes esferas da sociedade e, nesse sentido:

Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação. A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia (FREIRE, 2002, p. 39-40).

Portanto, a construção de uma sociedade democrática perpassa pela veemente rejeição de toda e qualquer forma de discriminação, o que reafirma o importante papel da educação na análise crítica dos fenômenos culturais - nos quais se incluem as discussões sobre gênero - que atravessam as diferentes formas de ser, estar e agir na sociedade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a execução do projeto de extensão universitária OPM, muitos foram os desafios de se alcançar o interesse, a participação e a aprendizagem dos professores, sendo esse o objetivo de um projeto que visa a profissionalização docente. Os participantes da OPM eram professoras dos anos iniciais e finais da educação básica, compondo um grupo majoritariamente do sexo feminino.

Realizar uma abordagem direcionada à de igualdade/desigualdade social a partir das discussões sobre gênero, não estava previsto quando iniciamos o processo investigativo, pois tínhamos como foco, o processo de formação de professores que ensinam matemática nos anos iniciais da Educação básica.

Durante o projeto OPM, discutimos diferentes aspectos referentes ao ensino de Matemática, mais precisamente sobre o processo de ensino de estatística nos anos iniciais. Então, como chegamos a esse texto e a vontade de disparar essa discussão? A resposta se encontra nas potencialidades das narrativas para o processo investigativo.

Ao entrevistar as professoras, esperávamos o que é previsível, mas fomos surpreendidos pela imprevisibilidade presente na subjetividade com que cada sujeito experiencia um mesmo movimento formativo. Nessa perspectiva, optamos por destacar nesse texto, os desafios da formação continuada de professores que estão interligados às questões de gênero que se fazem presentes no processo formativo de mulheres que exercem a docência e que, também são a causa da exclusão social em outros contextos da sociedade.

Essa percepção traz aspectos, já apontados anteriormente, sobre fatores histórico-sociais que resultaram na ocupação dos espaços escolares por mulheres, consequência de imposições da sociedade patriarcal e machista. Esse foi um dos fatores que se destacou durante a realização da pesquisa, considerando que, muitas das justificativas para a ausência, não realização das tarefas e pouca participação, estavam estritamente ligadas à conciliação do processo formativo com as tarefas domésticas.

Propiciar aos professores a reflexão sobre os aspectos culturais que dão origem às desigualdades é fundamental para quebrarmos o ciclo que vem se repetindo ao longo dos tempos e que se mostraram de forma gritante no contexto pandêmico, sendo este um dos fatores que prejudicaram a participação efetiva das professoras no processo de formação continuada ofertado pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Curitiba.

A exclusão social baseada no gênero, suas origens e consequências para a sociedade são problemáticas que precisam ser analisadas sob diferentes perspectivas, objetivando desconstruir os muros que insistem em dividir seres humanos em categorias como superiores ou inferiores. Nesta perspectiva, o acesso a pesquisas e discussões fundamentadas, é o caminho que nos levará para a construção de uma consciência crítica e uma sociedade em que todos tenham as mesmas condições e oportunidades.

Ao analisar as narrativas das professoras, percebe-se a necessidade eminente de repensar os espaços de formação inicial e continuada de professores, propondo ações que viabilizem o acesso e permanência nesses espaços, além de políticas que viabilizem a ocupação de mais mulheres em espaços de formação científica e tecnológica. Somente uma sociedade consciente da sua história e das consequências de suas ações é capaz de pensar e colocar em prática políticas públicas sociais que subsidiem a conquista da equidade.

Agradecimentos

Agradeço aos professores do município de Piraquara-PR que se prontificaram a participar do projeto formativo Oficina Pedagógica de Matemática (OPM) e serem colaboradores dessa pesquisa. Agradeço à Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Curitiba, que me acolheu e me deu o suporte necessário para que o trabalho fosse desenvolvido.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. D. (2020). (MAIS)CULINOS.outras possibilidades de corpos e gêneros para as carnes sexuadas pela presença de um pênis. Outros Tempos: Pesquisa Em Foco - História, 17(29), (p.260–281). https://doi.org/10.18817/ot.v17i29.776.

ALMEIDA, J. S. Mulher e educação: a paixão pelo possível (1998). São Paulo: Fundações Editoras da UNESP.

CABRAL, C. G. O conhecimento dialogicamente situado: histórias de vida, valores humanistas e consciência crítica de professoras do centro tecnológico da UFSC. 2006. 430 F. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.

CASAGRANDE, L. S. & CARVALHO, M. G. D. Desempenho escolar em matemática: o que o gênero tem a ver com isso? (2011) In CASAGRANDE, L. S.; LUZ, N. S. D.; CARVALHO, M.G. D. (Org) Igualdade na diversidade: enfrentando o sexismo e a homofobia. Editora UTFPR, (p. 269 – 303), Curitiba.

CASAGRANDE, L. S.; LUZ, N. S. D. & CARVALHO, M. G. D. Igualdade na diversidade: enfrentando o sexismo e a homofobia .2011). Editora UTFPR, Curitiba.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (2002). São Paulo: Paz e Terra.

GATTI, B. & BARRETTO, E. S. Professores do Brasil: impasses e desafios (2009). Brasília-DF: UNESCO.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA – IPEA (2020). Mulheres na Ciência no Brasil: ainda invisíveis? Brasília–DF: IPEA. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/177-mulheres-na-ciencia-no-brasil-ainda-invisiveis. Acesso em: 13 de fev. de 2022

KOVALESKI, N. V. J.; TORTATO, C. S. B.; CARVALHO, M. G.D. Gênero: Flashes de uma construção (2011). In CASAGRANDE, L. S.; LUZ, N. S. D.; CARVALHO, M.G. D. (Org) Igualdade na diversidade: enfrentando o sexismo e a homofobia. Editora UTFPR, (p. 47-68), Curitiba.

BRASIL, Lei Nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (2006). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; Dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 04 de jan. 2022.

LUZ, N. S. D. Direitos humanos das mulheres e a lei Maria da Penha (2011). IN CASAGRANDE, L. S.; LUZ, N. S. D.; CARVALHO, M.G. D. (Org) Igualdade na diversidade: enfrentando o sexismo e a homofobia. Editora UTFPR, (p. 19-45), Curitiba.

BOF, A. M.; OLIVEIRA, A. S. (organizadores). Cadernos de estudos e pesquisas em políticas educacionais. In CARVALHO, M. R. V. Perfil do professor da educação básica. Brasília-DF. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, INEP. 2018. https://doi.org/10.24109/9788578630669.ceppe.v1.

MORAIS, L. X. (2022) Vozes de professores que ensinam matemática: perspectivas sobre a formação continuada a partir de um projeto de extensão. 257 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba. Disponível em: http://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/handle/1/27991. Acesso em: 18 ago. 2021.

BRASIL, Resolução CNE/CP 1/2006 (2006). Diário Oficial da União, Brasília, 16 de maio de 2006, Seção 1. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Acesso em: 18 ago. 2021.

SCOTT, J. (1995) Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, (n. 20) v. 2, jul./dez.

SOUSA, M. A. A. & SALUSTIANO, D. A. (2018) Um olhar sobre a docência feminina e a diversidade. Anais III CINTEDI. Campina Grande: Realize Editora. Recuperado de: https://www.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/45092. Acesso em: 08 de fev. 2022.

TARDIF, M; LESSARD, C. Saberes Docentes e Formação Profissional (2002). Petrópolis, RJ: Vozes.

VIANNA, C. P. (2001) O sexo e o gênero da docência. Cadernos Pagu, Campinas (n. 17-18), p. 81-103.

VIEIRA, L. B; MOREIRA, G. E. Políticas públicas no âmbito da educação em direitos humanos: Conexões com a educação matemática. Revista REAMEC, v. 8, n. 2, p. 622-647, maio/agosto. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v8i2.10500.

APÊNDICE 1

FINANCIAMENTO

“Não houve financiamento”.

CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA

Resumo/Abstract/Resumen: Luciana Xavier Morais dos Santos

Introdução: Luciana Xavier Morais dos Santos e Mirian Maria Andrade Gonçalez

Referencial teórico: Luciana Xavier Morais dos Santos e Mirian Maria Andrade Gonçalez

Análise de dados: Luciana Xavier Morais dos Santos

Discussão dos resultados: Luciana Xavier Morais dos Santos e Mirian Maria Andrade Gonçalez

Conclusão e considerações finais: Luciana Xavier Morais dos Santos

Referências: Luciana Xavier Morais dos Santos e Mirian Maria Andrade Gonçalez

Revisão do manuscrito: Natanael Filipe de Melo

Aprovação da versão final publicada: Rogerio dos Santos Carneiro

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver nenhum conflito de interesse de ordem pessoal, comercial, acadêmico, político e financeiro referente a este manuscrito.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

O conjunto de dados da pesquisa desenvolvida está disponível no Repositório Institucional Nacional – Público e Gratuito. Acesso: http://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/handle/1/27991

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM

“Não se aplica”.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética, sendo aprovado por meio do parecer consubstanciado no número 4.095.942.

COMO CITAR - ABNT

MORAIS, Luciana Xavier; ANDRADE, Mirian Maria. Mulheres na docência: Narrativas e reflexões para a construção de uma conciência crítica sobre sexismo cultura e sociedade. REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática. Cuiabá, v.10, n. 3, e22064, setembro a dezembro, 2022. http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v10i3.13918.

COMO CITAR - APA

MORAIS, Luciana Xavier; ANDRADE, Mirian Maria. (2022). Mulheres na docência: Narrativas e reflexões para a construção de uma conciência crítica sobre sexismo cultura e sociedade. REAMEC - Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, 10 (3), e22064,. http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v10i3.13918.

LICENÇA DE USO

Licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0). Esta licença permite compartilhar, copiar, redistribuir o manuscrito em qualquer meio ou formato. Além disso, permite adaptar, remixar, transformar e construir sobre o material, desde que seja atribuído o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico.

DIREITOS AUTORAIS

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática - os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

PUBLISHER

Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Publicação no Portal de Periódicos UFMT. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da referida universidade.

EDITOR

Geslane Figueiredo da Silva Santana

Orcid:https://orcid.org/0000-0002-6281-8719

Lattes:http://lattes.cnpq.br/8713263360849396

Notas

[1] Entendemos, aqui, por “professores que ensinam Matemática” os professores que cursaram a Formação de Docentes (magistério) ou Pedagogia e que, embora não sejam licenciados em Matemática, promovem o processo de ensino e aprendizagem dessa área na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
[2] A teoria histórico-cultural busca compreender e explicar a formação humana no decorrer da história e seu desenvolvimento psíquico. Essa teoria se desenvolveu com base nos trabalhos do psicólogo russo L. S. Vygotsky (1896 – 1934) e de seus principais colaboradores, A. R. Lúria e A. N. Leontiev.
[3] Para Leontiev (1978), a aprendizagem acontece quando os indivíduos são colocados em atividade (trabalho), reconstruindo trajetórias pelas quais os conceitos foram construídos, em contato com os instrumentos necessários, onde possam interagir com outros indivíduos em um processo colaborativo de aprendizagens mútuas.
[4] Piraquara é um município brasileiro do estado do Paraná fundado oficialmente em 29 de janeiro de 1890. Piraquara faz parte da região metropolitana de Curitiba e sua população, conforme estimativa do IBGE de 2020, era de 114.970 habitantes. Para conhecer mais a cidade, acesse: www.piraquara.pr.gov.br.
[5] UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
[6] O patriarcado é um sistema social que se fundamenta em uma cultura, estruturas e relações que privilegiam os homens, sobretudo, o homem branco e heterossexual.
[7] A Escola Normal foi criada no ano de 1879 e foi a porta de entrada das mulheres no ensino superior. Essas escolas tinham como objetivo, a formação de professores para atuarem no magistério do ensino primário e era oferecido em cursos de nível secundário, o que equivale hoje ao ensino médio.
[8] Todos os nomes mencionados durante as narrativas são pseudônimos e foram utilizados na pesquisa para preservar a identidades das professoras entrevistadas.

Autor notes

* Mestre em Formação Científica, Educacional e Tecnológica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Curitiba, Paraná, Brasil. Professora da Rede Municipal de Ensino (SMED), Piraquara, Paraná, Brasil. Endereço para correspondência: rua Cedro, 15, casa, Santa Maria, Piraquara, Paraná, brasil, CEP: 83306-370.
** Doutora em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, (UTFPR), do Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica (PPGFCET), Curitiba, Paraná, Brasil e do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Ensino de Matemática (PPGMAT), Cornélio Procópio e Londrina, Paraná, Brasil. Endereço para correspondência: Av. Sete de Setembro, 3165 – Rebouças, Curitiba, Paraná, Brasil, CEP 80230-901.

Ligação alternative

Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R