EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

MALHAS GEOMÉTRICAS E LIVROS DIDÁTICOS: EM DESTAQUE OS OLHARES, AS APREENSÕES E A DESCONSTRUÇÃO DIMENSIONAL DAS FORMAS

GEOMETRIC MESHES AND TEACHING BOOKS: HIGHLIGHTS THE LOOKS, APPRECIATIONS AND DIMENSIONAL DECONSTRUCTION OF SHAPES

MALLAS GEOMÉTRICAS Y LIBROS DIDÁCTICOS: DESTACAN LAS MIRADAS, APRECIACIONES Y DECONSTRUCCIÓN DIMENSIONAL DE LAS FORMAS

Maria Bezerra Tejada Santos *
Universitário de Sinop, Brasil
Eberson Paulo Trevisan **
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
Andreia Cristina Rodrigues Trevisan ***
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 10, núm. 2, e22026, 2022

revistareamec@gmail.com

Recepção: 08 Fevereiro 2022

Aprovação: 31 Março 2022

Publicado: 19 Maio 2022



DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v10i2.13401

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: A aprendizagem em geometria, a partir da Teoria dos Registros de Representação Semiótica (TRRS), perpassa pela condução e pelo desenvolvimento de uma forma de olhar própria, que envolve, entre outros, três elementos cognitivos, os quais daremos destaque no artigo, a saber: os olhares, as apreensões e a desconstrução dimensional. Nosso objetivo, neste trabalho, é apresentar a análise de uma coleção de livros didáticos de matemática, destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental, no tocante ao uso de malhas geométricas, no ensino e aprendizagem de figuras planas e espaciais, focando nos três elementos da aprendizagem em geometria citados anteriormente. É uma investigação de abordagem qualitativa, em que buscamos identificar o que o uso dessas malhas, presentes em atividades da coleção analisada, nos diz sobre os três elementos cognitivos destacados como importantes para a aprendizagem em geometria na TRRS. Destacamos, como resultado da análise realizada, que a coleção em questão explora dois tipos de malhas nas atividades, a triangular e a quadriculada, dando grande destaque à última, porém, sendo interessante a articulação dos olhares e das apreensões apresentadas. No entanto, indicamos que os olhares avançam do icônico ao não icônico construtor, porém, o olhar inventor ainda precisa ser melhor explorado, pois é o olhar que mais favorece a desconstrução dimensional no trabalho com figuras em geometria. Também em relação à desconstrução dimensional, observamos que ela é explorada normalmente mudando apenas um nível da dimensão, o que é negativo frente a formação do olhar próprio para o trabalho em geometria.

Palavras-chave: Ensino de geometria, Anos iniciais do ensino fundamental, Teoria dos Registros de Representação Semiótica.

Abstract: Learning in geometry, based on the Theory of Register of Semiotic Representation (TRSR), involves the conduction and development of a particular way of looking, which involves, among others, three cognitive elements, which we will highlight in the article: looks, apprehensions, and dimensional deconstruction. Our aim, is to present the analysis of a mathematics textbooks collection, intended for the early years of Elementary School, regarding the use of geometric meshes, in the teaching and learning of plane and spatial figures, focusing on the three elements of learning in geometry mentioned above. It is an investigation with a qualitative approach, that we seek to identify what the use of these meshes, present in activities of the analyzed collection, tells us about the three cognitive elements highlighted as important for learning geometry at TRSR. As a result of the analysis carried out, we highlight that the collection explores two types of meshes in the activities, the triangular and the checkered, giving great emphasis to the latter, but the articulation of the views and apprehensions presented is interesting. However, we indicate that the looks advance from the iconic to the non-iconic build, but, the inventor look still needs to be better explored, as it is the look that most favors dimensional deconstruction in working with figures in geometry. In relation to dimensional deconstruction, we observe that it is explored, but usually changing only one dimension of the dimension, which is negative in the face of the formation of the proper look in geometry.

Keywords: Teaching geometry, Elementary school, Theory of Registers of Semiotic Representation.

Resumen: El aprendizaje en geometría, basado en la Teoría de los Registros de Representación Semiótica (TRRS), implica la conducción y desarrollo de una forma particular de mirar, que involucra, entre otros, tres elementos cognitivos, que destacaremos en el artículo, a saber: las miradas, aprehensiones y deconstrucción dimensional. Nuestro objetivo en este trabajo es reflexionar sobre la enseñanza de la geometría, específicamente la enseñanza y aprendizaje de figuras planas y espaciales, a partir del análisis de actividades que involucran mallas en una colección de libros de texto sobre algunos elementos de TRRS. Se trata de una investigación con enfoque cualitativo, en la que buscamos identificar qué nos dice el uso de estas mallas, presentes en las actividades de la colección analizada, sobre los tres elementos cognitivos destacados como importantes para el aprendizaje de la geometría en TRRS. Destacamos, como resultado del análisis realizado, que la colección en cuestión explora dos tipos de mallas en las actividades, la triangular y la cuadriculada, dando gran énfasis a esta última, sin embargo, la articulación de las miradas y las aprensiones presentadas es interesante. Sin embargo, indicamos que las miradas avanzan de lo icónico a lo no icónico constructor, pero la mirada de inventor aún necesita ser mejor explorada porque es la mirada que más favorece la deconstrucción dimensional en el trabajo con figuras en geometría. También observamos que normalmente explora cambiando solo un nivel de la dimensión, lo cual es negativo de cara a la formación de la mirada propia para el trabajo en geometría.

Palabras clave: Enseñanza de la geometría, Primeros años de la escuela primaria, Teoría de los Registros de Representación Semiótica.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente estudo é refletir sobre o ensino e a aprendizagem da geometria, em especial, o trabalho envolvendo figuras planas e espaciais nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para tal, buscamos lançar o olhar sobre uma coleção de livros didáticos e a forma de uso proposta aos diferentes tipos de malhas geométricas, ao longo dessa coleção.

Na coleção de livros de Matemática do Ensino Fundamental dos anos iniciais, o foco das análises foram as atividades que contêm no enunciado e/ou na resolução o uso das malhas geométricas. Buscamos, frente a essas atividades, fazer uma análise a luz de elementos advindos da Teoria dos Registros de Representação Semiótica (TRRS), assumindo, como em Duval (2005), Moretti (2013) e Hillesheim e Moretti (2020), a importância e a necessidade de alguns elementos da teoria no movimento de aprender geometria na escola, no caso: os olhares, as apreensões e a desconstrução dimensional das formas.

A relevância da investigação parte da baixa ocorrência de pesquisas em Educação Matemática que utilizam elementos da TRRS no ensino de geometria nos anos iniciais do ensino fundamental. Conforme mapeamento realizado por Colombo, Flores e Moretti (2008); Brandt e Moretti (2014) e Pontes, Brandt e Nunes (2017) a partir dos anos 1990 até 2015, e o levantamento realizado por Santos (2021), que mapeou o desenvolvimento de teses e dissertações no triênio 2016 a 2018, destacamos que no período de 1990 a 2018, foi encontrada apenas uma dissertação relaciona a geometria e a TRRS, tendo como foco/objeto de pesquisa a etapa dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Portanto, verifica-se que ainda faltam pesquisas em turmas de 1º ao 4º ano e análise de livros didáticos ou provas que aferem a alfabetização Matemática. Assim, nossa pergunta de investigação neste estudo busca identificar: o que o uso de malhas em uma coleção de livros didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental nos diz sobre apreensões, olhares e desconstrução dimensional?

Destacamos que este trabalho se constitui como parte de um recorte da dissertação de mestrado (SANTOS, 2021) vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da Natureza e Matemática (PPGECM), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), inserida na linha de pesquisa Ensino de Matemática.

Os elementos da Teoria dos Registros de Representação Semiótica que abordaremos neste texto com mais ênfase serão melhor tratados na próxima seção.

2. OLHARES, APREENSÕES E A DESCONSTRUÇÃO DIMENSIONAL DAS FORMAS

A TRRS busca descrever um modelo para aprendizagem da Matemática pautada em particularidades únicas da Matemática frente a outras ciências. Assim, tem como elemento central os registros de representação semiótica, a multiplicidade de registros para um mesmo objeto matemático, e as particularidades próprias relacionadas à mobilização dos registros.

Ao tratarmos da geometria, do ponto de vista da TRRS, assumimos, como Duval (2005), que aprender geometria é uma ati­vidade cognitiva complexa, pois necessita sempre da condução de dois registros de representações muito diferentes, a visualização e a linguagem. Aqui destacamos as particularidades da visualização, assumindo que a aprendizagem da geometria é uma aprendizagem que passa pela condução e pelo desenvolvimento de uma forma de olhar própria, envolvendo três elementos cognitivos: os olhares, as apreensões e a desconstrução dimensional.

Os olhares são apresentados em Duval (2005; 2011) em duas classes, o olhar icônico e o não icônico. No olhar icônico, temos presente o olhar conhecido como botanista e o olhar agrimensor, o olhar icônico é o “que repousa sobre uma similaridade entre a forma reconhecida em um traço e a forma característica do objeto identificado” (DUVAL, 2005, p. 09). Assim, nessa classe, ganha destaque as figuras que fazem menção a objetos reais, cujas formas e contornos podem nos levar a associá-los a objetos da realidade.

No olhar não icônico, temos presente o olhar construtor e o olhar inventor sobre esse olhar no trabalho com figuras geométricas. Duval (2005, p. 9) nos coloca que "existe uma sequência de operações que permitem reconhecer as propriedades geométricas, por impossibilidade de obter certas configurações, ou por invariância das configurações obtidas”. Essas operações, que nos levam às propriedades, caracterizam o olhar não icônico, ou seja, a forma de olhar as figuras necessária no trabalho geométrico em matemática apresenta particularidades importantes e diferentes do modelo de distinção de objetos reais.

Percorrer os olhares é importante no processo de aprender a ver uma figura em geometria. No Quadro 1 apresentamos cada um dos olhares com suas características.

Quadro 1
Os olhares em geometria
O L H A R E S Olhares icônicos Botanista: olhar que permite reconhecer as formas a partir das qualidades visuais, ou seja, é um tipo de olhar qualitativo, que permite diferenciar um quadrilátero de um triângulo ou de um círculo. Nesse olhar, entra em jogo também o reconhecimento de certas semelhanças. Agrimensor: permite a identificação e a comparação de medidas sem o uso de instrumento de medidas, por exemplo, permite o reconhecimento da distância entre dois marcos e a consequente passagem desses dados para o papel; temos, assim, a necessidade de relacionar duas escalas de grandeza.
Olhares não icônicos Construtor: Nesse olhar a geometria se articula através das realizações de medidas, da utilização de instrumentos adequados, como réguas e compassos, que permitem, assim, tomar consciência que uma propriedade geométrica não é apenas uma característica perceptiva. Inventor: Nesse olhar é explorado a modificação da figura, adiciona traços, opera sobre a figura e a modifica para descobrir um procedimento de resolução, em geral, a modificação busca explorar propriedade não dada de imediato na figura.
Os autores (2022), com base em Duval (2005, 2011, 2012, 2013, 2014)

Outro elemento de destaque dentro da TRRS são as apreensões, essas podem ser entendidas como operações cognitivas sobre as figuras geométricas utilizadas no trabalho com geometria. Dessa forma, Duval (2011, 2012 e 2013) nos detalha 4 tipos de apreensões, a saber: apreensão perceptiva, apreensão discursiva, apreensão operatória e apreensão sequencial.

No Quadro 2 apresentamos, em síntese, os elementos destaques de cada uma das apreensões.

Quadro 2
Apreensões em geometria
Apreensões Perceptiva: pode ser caracterizada pelo reconhecimento visual imediato da forma oferecido pelo contorno da figura; Operatória: pode ser caracterizada pela possibilidade de operar sobre a figura, promovendo modificações e possibilitando inclusive a reconfiguração dela (podem ser modificações mereológicas, ótica e/ou posicional); Discursiva: pode ser caracterizada pela influência de elementos do enunciado (da atividade, de teoremas etc.) sobre o entendimento da figura; Sequencial: pode ser caracterizada pela necessidade de seguir indicações, ordens ou passos, para construir ou descrever uma figura.
Os autores (2022), com base em Duval (2011, 2012, 2013, 2014)

Destacamos que as apreensões são independentes umas das outras, mas, na resolução de um problema, é sempre exigido a passagem de um tipo a outro (MORETTI, 2013). Na aprendizagem da geometria, as apreensões operatória, discursiva e sequencial se subordinam à apreensão perceptiva.

Quanto à desconstrução dimensional das formas, Duval (2011, p. 86) nos coloca que

[...] as figuras geométricas se distinguem de todas as outras formas visuais pelo fato de que existem sempre várias maneiras de reconhecer as formas ou as unidades figurais, mesmo que o fato de reconhecer umas exclui a possibilidade de reconhecer outras. Em outras palavras, para ver matematicamente uma figura ou um desenho, é preciso mudar o olhar sem que a representação visual no papel ou no monitor seja mudada (DUVAL, 2011, p. 86).

Mudar esse olhar sem alterar a representação apresentada nos remete a essa visualização não icônica, ou seja, é uma particularidade da matemática, nela precisamos a todo momento mudar a dimensão para obter uma propriedade e assim progredir na solução, no entendimento etc.

Baseados em Duval (2011, 2014), temos que os elementos figurais, como cubos, esferas e pirâmides, são tidos como elementos 3D; todos os polígonos e círculos, como elementos 2D; as retas, as curvas e os segmentos de retas, como elementos 1D; e os pontos, como elementos 0D. Nesse sentido, podemos definir uma relação nD/mD, em que nD representa o espaço real ocupado pelo elemento figural, enquanto o denominador mD refere-se à dimensão na qual as representações são produzidas.

A desconstrução dimensional marca o transitar entre as diferentes dimensões da figura no trabalho geométrico. A título de exemplo, pensemos em um aluno manipulando um cubo: temos o cubo (físico), objeto tridimensional, que ocupa um lugar no espaço (3D), no ambiente real, representado pela fração 3D/3D. Um cubo desenhado no papel seria representado pela fração 3D/2D. Ao observar uma das faces do cubo, opera-se uma desconstrução dimensional da forma, isto é, há uma passagem do 3D para o 2D, representado por 3D→2D.

Duval (2014) destaca que essa forma de olhar as figuras, buscando mudar de dimensão, é uma forma de olhar próprio da matemática, e necessita ser ensinada, como podemos ver na passagem:

[...] ensinar os alunos a verem figuras como os matemáticos as veem, pois esta condição é essencial para a aquisição de conhecimentos em Geometria e para torná-los capazes de utilizá-los em outra situação. Concretamente isso significa que é necessário, primeiramente, fazer com que os alunos passem da maneira natural de ver as figuras, que consiste em um reconhecimento perceptivo imediato de contornos fechados em 2D, à maneira matemática de olhá-las que, ao contrário, focaliza retas e segmentos 1D e pontos de intersecção 0D. Isso leva a ver uma rede de retas subjacentes às diferentes formas 2D reconhecidas em primeiro olhar (DUVAL, 2014, p. 15).

Os elementos até aqui apresentados, olhares, apreensões e desconstrução dimensional, são chamados por Hillesheim e Moretti (2020) de elementos transversais para aprendizagem da geometria. Esses elementos, segundo os autores, estão presentes no decorrer de todos os processos do pensamento geométrico, “pois eles irão conduzir os olhares e as apreensões em geometria por meio da mudança dimensional dessas formas, possibilitando a tomada de consciência” (HILLESHEIM; MORETTI, 2020, p. 17). Assim, durante esse processo, é importante retomar o que Souza (2018) observa acerca da formação dos conceitos geométricos:

[...] dentre vários aspectos que formam os conceitos geométricos, DUVAL (2011) revela a necessidade de operar uma desconstrução geométrica das formas como operação fundamental à resolução de problemas com imagens. O autor nos revela algumas características das desconstruções dimensionais e coloca ser uma aprendizagem restrita à escola, ou seja, precisa ser ensinada. No entanto, existe a necessidade de pesquisas direcionadas às mudanças dimensionais que possam revelar elementos mais específicos das interações teóricas envolvidas e de como, na prática, a resolução de problemas que contenham imagens envolvem esse gesto intelectual (SOUZA, 2018, p. 30).

Diante ao exposto acima, este trabalho se justifica pela relevância, pertinência e importância dos elementos transversais que possibilitam a passagem do olhar icônico ao não icônico, favorecendo o ensino dessa forma matemática de ver em geometria. Vale retomar que Hillesheim; Moretti (2020, p. 18) orientam que “essa passagem não acontece por meio de um conteúdo geométrico específico, mas sim, pela ação cognitiva que é acionada quando da decomposição dimensional das formas”. Desse modo, nesse processo de conduzir o olhar em geometria, apreensões, olhares e desconstrução dimensional passam a operar conjuntamente e devem ser mobilizadas no desenvolvimento do trabalho didático pedagógico para ver uma figura em geometria.

Dada a importância desses três elementos no processo de aprendizagem da geometria, buscamos neste estudo identificar como esses elementos são articulados no trabalho com diferentes malhas geométricas em uma coleção de livros didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, como apresentaremos na próxima seção.

3. OS OLHARES, AS APREENSÕES E A DESCONSTRUÇÃO DIMENSIONAL DAS FORMAS OBSERVADOS EM UMA COLEÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA

O Ministério da Educação distribui de forma sistemática, regular e gratuita, livros consumíveis e reutilizáveis às escolas públicas brasileiras. São livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), que visa atender os estudantes de todas as escolas públicas do Brasil. Trata-se de uma demanda importante que abrange a rede pública de educação, configurando-se como um dos principais materiais pedagógicos na sala de aula.

É comum os livros didáticos dos anos iniciais serem consumíveis durante o ano escolar, sendo feita a reposição nos anos seguintes ao triênio ou quadriênio. Vale destacar que, embora o livro didático seja um dos principais instrumentos de apoio ao processo de ensino-aprendizagem, Trevisan e Trevisan (2019) reforçam a necessidade, sempre que possível, de complementar com outros tipos de materiais (livros, materiais manipulativos, TDIC, jogos e outros) para atender as particularidades do processo de aprendizagem em Matemática.

Como no artigo, apresentamos um recorte de uma pesquisa de mestrado, destacamos que o objeto de estudo foi delimitado à coleção de livros didáticos de Matemática do 1º ao 5º ano, adotada por uma escola pública de Juara, Mato Grosso, para o quadriênio 2019 a 2022, escola de trabalho da mestranda na época. Levando em consideração a seguinte pergunta de investigação: o que o uso de malhas em uma coleção de livros didáticos dos anos iniciais do Ensino Fundamental nos diz sobre apreensões, olhares e desconstrução dimensional? priorizamos as atividades presentes na coleção que fazem uso das malhas quadriculadas, triangulares e pontilhadas.

A coleção analisada é a Ápis Matemática, elaborada e desenvolvida por Luiz Roberto Dante, autor de livros didáticos e paradidáticos de Matemática, para alunos e professores da Educação Básica.

No processo de análise, utilizamos os manuais da coleção voltados para o professor, por entender que esse material pode “oferecer subsídios para o planejamento e desenvolvimento das aulas” (DANTE, 2017, p. III), além de fornecer um respaldo à prática docente, com os princípios e fundamentos teóricos que norteiam o ensino da Matemática. As capas da coleção são apresentadas, a título de ilustração, na Figura 1.

Coleção Ápis Matemática aprovada pelo PNLD
Figura 1
Coleção Ápis Matemática aprovada pelo PNLD
Fonte: PNLD (2019)[1]

O autor destaca que a coleção foi organizada em seções, para atender aos objetivos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017) e contemplar os conteúdos inerentes à etapa atendida. As seções principais dos livros contam com as aberturas de cada capítulo (todas desenhadas em 3D), seguida do levantamento de conhecimentos prévios dos alunos. As primeiras páginas de cada volume abordam o mundo da Matemática dos anos iniciais (os números, as figuras geométricas, as medidas e os gráficos), seguido do “eu e a Matemática”, para o estabelecimento de relações.

A coleção articula as cinco unidades temáticas da Matemática (números, álgebra, geometria, grandezas e medidas e probabilidade e estatística), atendendo à recomendação de documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1997) e a BNCC (BRASIL, 2017). Nesse sentido, Dante (2017) expressa que os conhecimentos dos alunos são interligados, ao invés de classificados em campos geométricos, numéricos ou métricos.

Com base nas competências previstas na BNCC, o entendimento é que a Educação Matemática deverá contribuir com a formação de alunos que enfrentem problemas, para que eles possam ativar conhecimentos de diversas áreas e, dessa forma, possam trilhar caminhos que os conduzam a diferentes procedimentos de resolução.

Na coleção, observa-se que na unidade temática ‘geometria’ foram propostas atividades exploratórias de construção, de manuseio, de identificação dos sólidos geométricos (tridimensional) e, em seguida, a exploração das regiões planas (bidimensional) e finalmente os contornos (unidimensional).

Essa abordagem, ao nosso ver, promove a articulação entre as figuras espaciais (3D), as figuras planas (2D) e os contornos dos lados (1D), estimulando os olhares, a investigação e a experimentação, que são importantes para a aprendizagem da geometria, desde os primeiros anos da escolaridade.

Destacamos ainda que a produção de dados revelou uma grande diversidade de propostas que abordam a unidade temática geometria. Nos cinco volumes observados, a soma das atividades é de 455, dessas, 72 atividades (15,8%) contemplam o uso de malhas e foram analisadas neste estudo.

A escolha por esse tipo de atividade considera que recursos didáticos como malhas são relevantes e “têm um papel essencial para a compreensão e utilização das noções Matemáticas” (BRASIL, 2017, p. 276), considerando que elas precisam conduzir à reflexão e à sistematização, iniciando um processo de formalização. De acordo, com Barison “Malha é um espaço aberto entre nós de rede. No caso de os nós estarem situados num plano, como os nós se interligam por segmentos de reta, os espaços abertos entre eles tomam a forma de polígonos planos, cujos vértices são os próprios nós da malha.” (2005, p. 1).

Entre os vários tipos de malhas, destacamos as denominadas "malhas regulares" (BARISON, 2005), formadas por apenas um tipo de polígono regular, que podem ser o quadrado, o triângulo regular e o hexágono regular. A configuração dessas malhas se dá pelo uso desses três polígonos regulares, pelo fato deles terem como propriedade ângulos internos que são múltiplos de 360. Desse modo, em torno de um vértice, é possível posicionar os polígonos de forma a recobrir (ladrilhar) o plano. Apenas esses três polígonos regulares gozam dessa propriedade Matemática, conforme ilustrado na Figura 2:

Polígonos que cobrem o plano no software GeoGebra
Figura 2
Polígonos que cobrem o plano no software GeoGebra
Os autores (2022)

Na coleção de Dante (2017) tem-se dois tipos de malhas: a quadriculada e a triangular (também conhecida como isométrica ou triangulada). As malhas são apresentadas na Figura 3.

Malhas regulares no software GeoGebra
Figura 3
Malhas regulares no software GeoGebra
Os autores (2022)

Destacamos que, quanto aos nomes das malhas, na coleção, o autor denomina a primeira de “malha quadriculada” ou de “papel quadriculado” e a segunda de “malha triangulada. Na BNCC (BRASIL, 2017), no documento inteiro, há dez menções à malha quadriculada e uma menção à malha triangular. Definimos a mesma nomenclatura adotada pela BNCC.

Na coleção analisada, no primeiro e segundo volumes, o autor também trouxe atividades com malhas quadriculadas pontilhadas, porém, não localizamos na coleção malhas pontilhadas triangulares (malhas que lembram triângulos). Essas malhas são como as quadriculadas e triangulares apresentadas anteriormente, no entanto, na representação inicial delas aparecem apenas os “nós” (vértices dos triângulos ou quadrados).

Para distingui-las, apresentamos na Figura 4 as duas variações de malhas.

 Malhas pontilhadas: quadriculada e triangular no software GeoGebra
Figura 4
Malhas pontilhadas: quadriculada e triangular no software GeoGebra
Os autores (2022)

As malhas pontilhadas quadriculadas lembram o recurso pedagógico geoplano e constituem um apoio à realização de atividades de representação de figuras, localização e deslocamento, cálculo de áreas e perímetros, entre outras possibilidades.

Na análise da coleção, destacamos que o tipo de malha predominante é a malha quadriculada que está presente no enunciado e/ou na resolução de 67 das 72 atividades da coleção, conforme destacamos no Quadro 3 a seguir.

Quadro
Tipos e quantidades de malhas nos livros didáticos do 1º ao 5º ano
Tipo de malha/ quantidade Volume da coleção Total
I II III IV V
Quadriculada 9 3 17 19 19 67
Quadriculada pontilhada 1 2 0 0 0 3
Triangular 0 0 0 1 1 2
Triangular pontilhada 0 0 0 0 0 0
TOTAL 10 5 17 20 20 72
Os autores (2022)

Podemos observar no Quadro 3 que as malhas são utilizadas em todos os volumes da coleção[2]. Como destacado há uma ocorrência muito superior das malhas quadriculadas (93%) em detrimento aos outros tipos (apenas 7%). Apenas 2 atividades (2,8%) envolvem malhas triangulares, além disso não localizamos, nos cinco volumes da coleção, atividades com a malha triangular pontilhada.

3.1. Estrutura utilizada para análise dos problemas da coleção de livros didáticos

Para a análise das atividades que envolvem as malhas, estruturamos e utilizamos, a partir de uma adaptação de Scheifer (2017), um quadro de análise cognitiva (Quadro 4), que busca categorizar os elementos inerentes à investigação, destacados na primeira seção deste artigo, ou seja: olhares, apreensões e desconstrução dimensional.

Quadro 4
Quadro de categorias para a análise cognitiva
Indicador da atividade cognitiva Índices Descrição
I - Olhares presentes na atividade Olhar icônico Botanista - reconhece o contorno das formas.
Agrimensor - propriedades são mobilizadas para fins de medidas.
Olhar não icônico Construtor - formado no uso de instrumentos.
Inventor - opera sobre a figura e a modifica para fazer surgir novas propriedades.
II - Apreensão dos registros figurais Perceptiva É aquela que faz o reconhecimento imediato e automático das características de uma figura.
Operatória Relativo às possíveis modificações que uma figura pode permitir (modificações mereológicas, ótica e/ou posicional) e as reorganizações perceptivas que essas mudanças operam.
Discursiva Nessa apreensão, opera-se a coordenação entre figura e discurso.
Sequencial Ativada em atividades de construção ou em atividades de descrição, a partir de um roteiro de passos para obter uma construção.
III - Configuração global (Variáveis qualitativas) Representação nD/mD Numerador é o espaço referente ao objeto matemático. Denominador é o espaço no qual as representações são produzidas.
Desconstrução dimensional A desconstrução dimensional conduz à visualização das unidades figurais exigidas nas atividades Matemáticas, por exemplo, um triângulo (2D) e sua altura (1D), o gesto cognitivo da visualização leva a operar a desconstrução 2D→1D.
Os autores (2022), com base em Scheifer (2017) e Duval (2005; 2011)

De acordo com o Quadro 4, a Categoria I diz respeito aos diferentes olhares que se destacam na atividade proposta, indo de um olhar mais superficial botânico ao mais elaborado, o olhar inventor, ressaltando a importância de todos nessa etapa de escolaridade e desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Na Categoria II, observa-se a articulação entre as apreensões perceptiva, discursiva, operatória e sequencial durante a resolução de problemas de geometria. Na Categoria III, a análise para a representação da dimensão do objeto: seja 0D (pontos), 1D (retas, segmentos de reta), 2D (polígonos e círculos) ou 3D (cubos, esferas e pirâmides), no papel 2D (página do livro) ou material manipulável (manuseio ou o recorte, montagem de representação de sólidos 3D) e a sua desconstrução dimensional, observando como se processa a mudança de dimensão ao ver matematicamente a figura.

Apresentamos, na Figura 5, uma das atividades analisadas no livro didático do 4º ano do Ensino Fundamental, destacando os elementos transversais.

Atividade
do livro didático
Figura 5
Atividade do livro didático
Dante (2017, p. 190)

Na atividade acima, Figura 5, os olhares avançam até o olhar botanista. O aluno compara as medidas das figuras, contando os quadrinhos (inteiros e as metades) e resolve a atividade. Na condução da proposta, nas partes (A) e (B) da figura, as apreensões perceptiva e discursiva se articulam e, para a parte (C) da figura, tem-se a articulação da apreensão operatória. As três figuras são representadas por 2D/2D e a desconstrução dimensional operada é 2D→1D, pois o aluno visualiza os quadrados e o lado, na parte (C) da figura, olha o lado dos triângulos retângulos (1D) e reconfigura-se para surgir um quadrado. A título de ilustração do trabalho de análise realizado, trouxemos no Quadro 5, uma amostra das categorias analisadas, destacando a atividade nº 45 que foi a apresentada anteriormente na Figura 5.

Quadro 5
Quadro de análise das atividades do livro didático
Dados da Coleção Evolução dos olhares Apreensões das figuras Representação da dimensão (obj. /fig.) Desconstrução Dimensional
i n.i
Atividade Vol. da coleção Cap./Unidade Nº da questão Página Botanista Agrimensor Construtor Inventor Perceptiva Operatória Discursiva Sequencial
45 4 7 1 190 1 1 0 0 1 1 1 0 2D/2D 2D→1D
Os autores (2022)

Destacamos que em Santos (2021) todas as 72 atividades analisadas foram organizadas em quadros expandidos, como o Quadro 5, organizados ano a ano, além de contar com outras categorias observadas, que são as habilidades da BNCC (BRASIL, 2017) de cada ano e os tipos de registro utilizados no enunciado e na resolução de cada atividade, que aqui foram omitidos em função da limitação de espaço.

4. ANÁLISE E RESULTADOS DOS PROBLEMAS DA COLEÇÃO DE LIVROS DIDÁTICOS

Apresentamos, nesta seção, alguns quadros elaborados a partir das análises realizadas nos exercícios envolvendo malhas localizados na coleção. Separamos os dados analisados para apresentação por categorias: os olhares, as apreensões, a representação e a desconstrução dimensional das formas. O Quadro 6 inicia com a frequência e os percentuais dos olhares e das apreensões.

Quadro 6
Quantificação e frequência das categorias Olhares e Apreensões identificadas nas atividades/problemas
OLHARES (EM CONSTRUÇÃO) QUANT. % APREENSÕES QUANT. %
BOTANISTA 1 1,4 PERCEPTIVA 7 9,7
BOTANISTA E AGRIMENSOR 35 48,6 PERCEPTIVA E DISCURSIVA 24 33,4
BOTANISTA, AGRIMENSOR E CONSTRUTOR 29 40,3 PERCEPTIVA, DISCURSIVA E OPERATÓRIA 33 45,8
BOTANISTA, AGRIMENSOR, CONSTRUTOR E INVENTOR 7 9,7 PERCEPTIVA, OPERATÓRIA, DISCURSIVA E SEQUENCIAL 8 11,1
TOTAL 72 100 TOTAL 72 100
Dados da pesquisa

Ao descrever a análise do Quadro 6, percebe-se que a maioria das atividades encontradas na coleção, ao utilizar o recurso malhas, busca articular mais de um olhar, envolve no trabalho mais de uma apreensão, o que pode ser favorável para a aprendizagem da geometria, pois à medida em que os olhares avançam e as apreensões se articulam na resolução de uma atividade em geometria, construímos um ambiente favorável ao desenvolvimento do olhar matemático não icônico.

Destacamos que atividades que envolvem os olhares botanista e agrimensor, que aqui representam 48,6%, exigem do aluno o desempenho de habilidades que envolvem reconhecer o contorno das formas, comparar e mobilizar algumas propriedades para fins de medida. Em 40,3% das propostas, chega-se também ao olhar não icônico construtor, utilizando a régua como instrumento para realizar as construções e verificar as medidas; e, em apenas 9,72% das atividades, tem-se o desenvolvimento do olhar inventor, que de fato opera sobre a figura, modificando-a para fazer surgir novas propriedades.

Kummer e Moretti (2016) destacam essa importância de reconhecer as diversas formas de olhar a figura geométrica pelo aprendiz no processo de ensino e aprendizagem, assim, a falta de explorar esse olhar, por parte das atividades, representa um ponto negativo frente a aprendizagem da geometria.

Olhando mais para às apreensões e suas articulações, observa-se, no Quadro 6, que à medida que os olhares avançam, as apreensões acompanham, pois, em 45,8% das atividades, as apreensões perceptiva, discursiva e operatória se articulam para a formação do olhar construtor. Quanto à apreensão sequencial, percebe-se que ainda é pouco explorada nesse nível de escolaridade, com 11,1% de atividades que demandam uma sequência de passos/roteiro para a construção/descrição de uma figura.

Essa articulação entre os diferentes olhares, bem como as apreensões, contribui para a formação de uma semiosfera do olhar, defendida por Moretti (2013) como um espaço dinâmico e necessário para a construção do pensamento geométrico e, consequentemente, para a aprendizagem da geometria.

Outra categoria a ser destacada em nossas análises é a da Representação da Dimensão do Objeto/Figura que apresentamos no Quadro 7.

Quadro 7
Quantificação e frequência da categoria Representação da Dimensão das atividades/problemas
REPRESENTAÇÃO DA DIMENSÃO (OBJ/FIG.) QUANT. %
0D/2D 10 13,9
1D/2D 11 15,3
2D/2D 45 62,5
2D/2D e 1D/2D 1 1,4
2D/2D e 3D/2D 2 2,7
3D/2D 3 4,2
TOTAL 72 100
Dados da pesquisa

O Quadro 7 nos indica que 62,5% das figuras representadas nas malhas são 2D/2D, ou seja, nessa coleção, as representações das figuras estão superiormente concentradas nesse tipo de objeto. Destacamos também a pouca exploração de figuras 3D/2D, com apenas 4,17%. Olhando para a coleção, as figuras 3D/2D aparecem nas atividades com malhas somente a partir do terceiro volume da coleção.

O problema é que essa concentração de atividades com malhas em 2D/2D está no fato de que, segundo Duval (2011, p. 94), “a percepção visual impõe sistematicamente o reconhecimento de unidades figurais 2D contra o reconhecimento de unidades figurais 1D, independentemente de pertencerem às unidades figurais 2D reconhecidas.” Ou seja, o modo natural de ver já nos impõe a facilidade de reconhecimento de regiões 2D, assim, propor atividades, que explorem outras dimensões possíveis, favorece o desenvolvimento desse modo matemático de visualizar figuras geométricas.

Dando continuidade aos dados produzidos e tratados, no Quadro 8, a seguir, trouxemos a frequência da categoria Desconstrução Dimensional, operada nas atividades observadas.

Quadro 8
Quantificação e frequência das dimensões mobilizadas durante a Desconstrução Dimensional
DESCONSTRUÇÃO DIMENSIONAL QUANT. % %
0D 0D→1D→2D→3D 1 1,39 37,50
0D→1D 14 19,4
0D→1D→2D 8 11,1
2D→0D→1D→2D 1 1,39
2D→1D→0D→2D 1 1,39
0D→1D→2D→1D 2 2,78
1D 2D→1D→2D 5 6,94 43,06
1D→2D 3 4,17
2D→1D 18 25,0
1D→1D 2 2,78
1D→1D e 2D→1D 1 1,39
3D→1D→2D→1D 1 1,39
2D→3D e 2D→1D 1 1,39
2D 2D→2D 13 18,1 19,44
2D→3D e 3D→2D 1 1,39
TOTAL 72 100 100
Dados da pesquisa

Como pode ser visto, o Quadro 8 foi organizado pela menor unidade dimensional mobilizada durante a desconstrução das formas: em 37,5% das propostas é possível transitar até a dimensão 0D, em 43,06% das atividades é possível transitar até a dimensão 1D (não chegando a 0D), 19,44% das atividades não favorecem a visualização das unidades 1D e 0D, permanecem em 2D. Quanto à dimensão 3D, visualiza-se em apenas 4 atividades, o que corresponde a 5,55%, essa informação não aparece explicitamente no quadro, pois, em nenhuma das atividades, a desconstrução permanece apenas nessa dimensão.

Importante observar que em um número significativo de atividades a desconstrução ocorre mudando apenas um nível da dimensão (2D→1D - 1D→2D - 0D→1D), ao todo são 35 atividades, que equivalem a 48% das atividades.

Também temos um número considerável de atividades que desconstroem a figura, mas em outras figuras da mesma dimensão (2D→2D - 1D→1D), ao todo são 15 atividades com essa característica, totalizando 20,8% das atividades. Ou seja, apenas pouco mais de 31% das atividades envolvem desconstruções que levam o aluno a transitar por mais de uma dimensão diferente. A grande responsável pelo quadro encontrado é a limitação de representações 3D/2D, como vimos anteriormente.

Hillesheim e Moretti (2020) ressaltam a importância de o currículo atender as especificidades da geometria pela ação cognitiva, que é acionada quando há a desconstrução dimensional das formas. Nesse contexto, as atividades específicas de geometria são as que favorecem os olhares construtor e inventor, para que o aluno possa operar e descobrir uma ou mais propriedades geométricas.

Assim, destaca-se pela análise que, embora a coleção apresente atividades que envolvem os elementos da TRRS relacionados a geometria explorados nesta pesquisa, ainda assim é importante que o professor utilize outros materiais complementares que favoreçam ver matematicamente uma figura em geometria.

5. CONSIDERAÇÕES

Ao tratarmos da geometria do ponto de vista da TRRS, neste trabalho, assumimos que aprender geometria é uma ati­vidade complexa, pois necessita sempre da condução de dois registros de representações muito diferentes, a visualização e a linguagem. Assim, a partir de atividades que exploram malhas geométricas em uma coleção de livros didáticos, destacamos as particularidades da visualização, com base em três elementos cognitivos: os olhares, as apreensões, e a desconstrução dimensional.

Após as análises das atividades com malhas, apontamos que na coleção estudada aparecem os dois tipos de malha, triangular e quadriculada, porém é necessário lembrar a minimização encontrada em relação ao uso da malha triangular, o que remete à importância de propor e explorar esse tipo de malha de forma mais igualitária, se não disposto via livro, o professor pode encontrar alternativas em materiais complementares[3].

A articulação dos olhares e das apreensões encontrada na coleção é interessante e importante para a aprendizagem da geometria, pois esses dois elementos estão diretamente ligados a variadas desconstruções que são realizadas durante a resolução da atividade proposta, porém faltou às atividades propostas explorarem mais o olhar inventor, pois ele exige em maior grau o trabalho de mudança de olhar para fazer uso de novas propriedades não dadas a ver de imediato, o que é essencial para o trabalho matemático e precisa ser desenvolvido desde as etapas iniciais de escolarização.

Na análise realizada observa-se que se têm atividades com representação e articulação de figuras 0D/2D, 1D/2D, 2D/2D e 3D/2D, porém com limitação de atividades 3D/2D, por sinal sendo trabalhadas apenas a partir do 3º ano. Além disso, há uma concentração de atividades partindo de figuras 2D/2D.

Quanto à desconstrução dimensional exigida nas atividades, encontramos um número significativo de atividades em que a desconstrução ocorre mudando apenas um nível da dimensão, além de um número considerável de atividades que descontroem a figura, mas em outras figuras da mesma dimensão. Ou seja, a minoria das atividades envolve desconstruções que levam o aluno a transitar por mais de uma dimensão diferente. Grande responsável pelo quadro encontrado é a limitação de representações 3D/2D, como vimos anteriormente.

Quanto ao tipo de perspectivas encontradas nos livros, mesmo não se tratando de uma categoria analisada no quadro de categorias, observamos que as figuras espaciais representadas na coleção são apresentadas tanto na perspectiva[4] cavaleira quanto na perspectiva isométrica. Porém, nas atividades com malhas foi identificada apenas a perspectiva cavaleira na representação do cubo, bloco retangular e prisma de base triangular. Também fruto da limitação de atividades que partam de objetos tridimensionais.

Por fim, cremos que o trabalho apresentado se revela importante, pois aponta pontos favoráveis e limitações encontradas ao analisar uma coleção de livros didáticos frente ao uso de malhas, no tocante a elementos da TRRS (apreensões, olhares e desconstrução dimensional), podendo vir a favorecer professores no entendimento da importância desses elementos para a aprendizagem da geometria; e, ao olharem com mais atenção voltada a esses elementos, as atividades que propõem para seus alunos, sejam advindas de livros didáticos ou materiais complementares.

REFERÊNCIAS

BARISON, Maria Bernadete. Resumo: definições e figuras relativas ao estudo de Malhas Planas Poligonais em Desenho Geométrico. Geométrica, vol. 1, n. 12ª, 2005.

BRANDT, Celia Finck; MORETTI, Méricles Thadeu. O cenário da pesquisa no campo da educação Matemática à Luz da Teoria dos Registros de Representação Semiótica. Perspectivas da Educação Matemática, v. 7, n. 13, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/pedmat/article/view/488. Acesso em 02 out. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação (ORG). Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/base-nacional-comum-curricular-bncc>;. Acesso em: 17 set. 2019.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC; SEF, 1997.

COLOMBO, Janecler Aparecida Amorin; FLORES, Claudia Regina; MORETTI, Méricles Thadeu. Registros de representação semiótica nas pesquisas brasileiras em Educação Matemática: pontuando tendências. Zetetike, v. 16, n. 1, 2008.

DANTE, Luiz Roberto. Ápis Matemática, 4º ano: Ensino Fundamental, anos iniciais. 3. ed. São Paulo: Ática, 2017.

DUVAL, Raymond. Les conditions conitives de l’aprentissage de La geometrie: développement de La visualisation, différenciation dês raisonnements et coordination de leus fonctionnements. Annales de Didactique e de Sciences Cognitives, nº 10 p. 5 a 53, 2005.

DUVAL, Raymond. Ver e Ensinar a Matemática de Outra Forma - entrar no modo matemático de pensar: os registros de representações semióticas. Organização: Tânia M. M. Campos. Tradução: Marlene Alves Dias. 1ª ed. São Paulo: PROEM, 2011.

DUVAL, Raymond. Abordagem cognitiva de problemas de geometria em termos de congruência. REVEMAT - Revista Eletrônica de Educação Matemática. v. 7, n. 1, p. 118-138. Tradução: Méricles Thadeu Moretti. Florianópolis, 2012. https://doi.org/10.5007/1981-1322.2012v7n1p118

DUVAL, Raymond. Entrevista: Raymond Duval e a teoria dos registros de representação semiótica. Revista Paranaense de Educação Matemática. (Entrevista realizada por José Luiz Magalhães de Freitas e Veridiana Resende) v.2, n.3 jul-dez. Campo Mourão, PR, 2013.

DUVAL, Raymond. Rupturas e Omissões entre manipular, ver, dizer e escrever: história de uma sequência de atividades em geometria. In BRANDT, C. F. e MORETTI, M. T. (Org.) As contribuições da teoria das representações semióticas para o ensino e pesquisa na Educação Matemática. Ed. Unijuí, p. 15 – 38. Ijuí, RS, 2014.

HILLESHEIM, Selma Felisbino; MORETTI, Méricles Thadeu. Elementos transversais para a aprendizagem da geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental: uma proposta de currículo possível. Revista Eletrônica de Educação Matemática, v. 15, p. 1-20, 2020.

KUMMER, Tarcisio.; MORETTI, Méricles. Thadeu. Processos Psicológicos na construção do conhecimento matemático. Revista ARETÉ, Manaus, v. 9, n. 8, p. 100 – 114, jan-jul, 2016.

LELLIS, Marcelo. Desenho em perspectiva no Ensino Fundamental: considerações sobre uma experiência. Seminários de Ensino de Matemática, v. 2, p. 1-9, 2009.

MORETTI, Méricles Thadeu. Semiosfera do olhar: um espaço possível para a aprendizagem da geometria. Acta Scientiae, vol. 15, n. 2, p. 289 – 303. Canoas/RS, 2013.

SANTOS, Maria Bezerra Tejada. Ensino e aprendizagem de figuras planas e espaciais nos anos iniciais do ensino fundamental: um olhar à desconstrução dimensional das formas. Dissertação (mestrado profissional). UFMT, 2021

SCHEIFER, Carine. Design metodológico para análise de atividades de geometria segundo a teoria dos registros de representação semiótica. Dissertação. UFSC. 2017.

SOUZA, Roberta Nara Sodré de. Desconstrução dimensional das formas: gesto intelectual necessário à aprendizagem da geometria. Tese (doutorado) UFSC, Florianópolis, 2018.

TREVISAN, Eberson Paulo; TREVISAN, Andreia Cristina Rodrigues. LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA: um olhar a validações teóricas e empíricas com enfoque na teoria dos registros de representação semiótica. In: Carmen Wobeto; Eberson Paulo Trevisan; Jean Reinildes Pinheiro; Larissa Cavalheiro. (Org.). Ciências da Natureza e Matemática: relatos de Ensino, Pesquisa e Extensão. 1 ed. Cuiabá: Sustentável, 2019, v. 1, p. 364-392.

APÊNDICE 1

AGRADECIMENTOS

“Não se aplica.”

FINANCIAMENTO

“Não se aplica.”

CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA

Resumo/Abstract/Resumen: Maria Bezerra Tejada Santos; Eberson Paulo Trevisan; Andreia Cristina Rodrigues Trevisan

Introdução: Maria Bezerra Tejada Santos; Eberson Paulo Trevisan; Andreia Cristina Rodrigues Trevisan

Referencial teórico: Maria Bezerra Tejada Santos; Eberson Paulo Trevisan; Andreia Cristina Rodrigues Trevisan

Análise de dados: Maria Bezerra Tejada Santos; Eberson Paulo Trevisan; Andreia Cristina Rodrigues Trevisan

Discussão dos resultados: Maria Bezerra Tejada Santos; Eberson Paulo Trevisan; Andreia Cristina Rodrigues Trevisan

Conclusão e considerações finais: Maria Bezerra Tejada Santos; Eberson Paulo Trevisan; Andreia Cristina Rodrigues Trevisan

Referências: Maria Bezerra Tejada Santos; Eberson Paulo Trevisan; Andreia Cristina Rodrigues Trevisan

Revisão do manuscrito: Pâmela Natiele Pereira Bispo

Aprovação da versão final publicada:

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver nenhum conflito de interesse de ordem pessoal, comercial, acadêmico, político e financeiro referente a este manuscrito.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

O conjunto de dados que dá suporte aos resultados da pesquisa foi publicado no próprio artigo.

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM

“Não se aplica.”

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

“Não se aplica.”

COMO CITAR – ABNT

SANTOS, Maria Bezerra Tejada; TREVISAN, Eberson Paulo; TREVISAN, Andreia Cristina Rodrigues. Malhas Geométricas e Livros Didáticos: em Destaque os Olhares, as Apreensões e a Desconstrução Dimensional das Formas. REAMEC - Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática. Cuiabá, v. 10, n.2, e22024, jan./abr., 2022. http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v10i1.13401.

COMO CITAR - APA

Santos, M. B. T; Trevisan, E. P.; Trevisan, A. C. R. (2022). Malhas Geométricas e Livros Didáticos: em Destaque os Olhares, as Apreensões e a Desconstrução Dimensional das Formas. REAMEC - Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, 10 (2), e22024. http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v10i1.13401.

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Obs.: Deixar este texto completo.

PUBLISHER

Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática (PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Publicação no Portal de Periódicos UFMT. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da referida universidade.

Obs.: Deixar este texto completo.

EDITOR

Geslane Figueiredo da Silva Santana

Orcid:https://orcid.org/0000-0002-6281-8719

Lattes:http://lattes.cnpq.br/8713263360849396

Notas

[1] 923feb6a-1c0d-45e0-8a88-7c37a0fb30e3-thumbnail.png (960×1202) (saber.com.br)
[2] A respeito das atividades que contêm malhas, na dissertação (SANTOS, 2021) há a apresentação, os exemplos e as análises das atividades contidas na coleção.
[3] Nesse contexto, a dissertação de mestrado e o produto educacional de Santos (2021) apresentam uma Sequência Didática para complementar atividades que exploram objetos 3D representados nas malhas quadriculadas e triangulares, além de explorar as passagens do olhar icônico ao não icônico.
[4] Perspectiva cavaleira: tipo de perspectiva que representa a face com maior número de detalhes, paralela ao plano de trabalho. Perspectiva isométrica: tipo de representação que mantém as proporções do objeto (comprimento, largura e altura) (LELLIS, 2009).

Autor notes

* Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências da Natureza e Matemática (PPGECM/UFMT), Campus Universitário de Sinop. Professora na EE “Luiza Nunes Bezerra” (SEDUC/MT). Endereço para correspondência: Rua João Pessoa, 151, Centro Juara, Mato Grosso, CEP 78575-000 Juara, Mato Grosso.
** Doutor em Educação em Ciências e Matemática pela Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC/UFMT). Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Universitário de Sinop, vinculada ao Instituto de Ciências Naturais, Humanas e Sociais. Endereço para correspondência: Rua Alexandre Ferronato, 1200, Sinop, Mato Grosso, Brasil.
*** Doutora em Educação em Ciências e Matemática pela Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC/UFMT). Professora Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Universitário de Sinop, vinculada ao Instituto de Ciências Naturais, Humanas e Sociais. Endereço para correspondência: Rua Alexandre Ferronato, 1200, Sinop, Mato Grosso, Brasil.

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