ENSINO DE FÍSICA EM ESPAÇOS NÃO-FORMAIS: VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA

Whasgthon Aguiar de Almeida 1
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT/REAMEC), Brasil
Adan Sady de Medeiros Silva 2
Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA/UEA), Brasil
Valdecy de Lima Araújo 3
Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 8, núm. 3, 2020

revistareamec@gmail.com

Recepção: 15 Junho 2020

Aprovação: 18 Agosto 2020



DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v8i3.10623

Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo discutir como a utilização dos espaços não-formais na educação podem ser relevantes para a contextualização de conteúdos para o ensino de Física. Para tanto, partimos dos seguintes objetivos específicos: apresentar experiências extraclasse que demonstrem os conteúdos de Física no cotidiano; refletir sobre as vivências adquiridas pelos estudantes na atividade desenvolvida; evidenciar como atividades práticas fora da sala de aula pode contribuir para o ensino de Física. No transcorrer da pesquisa observamos de maneira prática a ocorrência de fenômenos físicos de troca do estado da água líquida para o estado sólido (gelo), dentre outros processos termodinâmicos. Os resultados obtidos indicam que o ensino de Física, se executado de forma mais concreta em espaços não-formais pode facilitar a compreensão dos alunos sobre os conteúdos ministrados em espaço formal aproximando-os da sua realidade tendo em vista as situações vivenciadas e as experiências refletidas.

Palavras-chave: Ensino de Ciências, Ensino de Física, Espaços não-formais.

1 INTRODUÇÃO

O ensino de Física no Brasil há tempos tem uma característica meramente conteudista, entretanto, mesmo que ainda de maneira incipiente, observa-se que a partir do final do século XX ele passou a desenvolver metodologias de ensino baseadas na contextualização de conteúdos, tendo em vista a valorização dos conhecimentos prévios dos educandos e visa atingir com isso uma aprendizagem significativa.

Nesse contexto, percebe-se que mesmo com os significativos avanços realizados nas últimas décadas, que vão desde a criação de novos cursos de formação e capacitação docente, até a construção de novos laboratórios para aulas práticas e pesquisas, ainda se evidenciam inúmeras dificuldades enfrentadas pelos professores da Educação Básica, especialmente aqueles que ministram a disciplina de Física e estão relacionadas à escassez de laboratórios, equipamentos e livros. Daí a importância do desenvolvimento de atividades em espaços não-formais de ensino.

A Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, no artigo 35, parágrafo II, afirma que “A preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar apreendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições ou aperfeiçoamento posteriores” (BRASIL, 1996, p. 23). Como podemos ver, a preparação educacional com flexibilidade para novas condições de aprendizagens prepara o educando para a cidadania. Entretanto, sabe-se que mesmo com as melhores condições de ensino, não resultaria em assimilação sem a devida contextualização dos conteúdos trabalhados.

Dessa maneira, isto se refere a uma questão a ser enfrentada pelos educadores de cada escola em cada realidade social, procurando corresponder aos desejos e esperanças de todos os participantes do processo educativo, reunidos através do Projeto Pedagógico do Curso. Em suma, é a possibilidade de enfrentar desafios que interfiram no êxito do processo de ensino-aprendizagem. Assim, o repasse de conteúdos do ensino de Física em espaços não-formais de educação possibilita ao docente contextualizar conteúdos e viabiliza uma aprendizagem significativa dos educandos como forma de instrumentalizá-lo para transformar a realidade social em que estão inseridos.

Certamente, não se defende neste artigo, apenas a ideia de tirar os educandos das salas de aulas sem as devidas mudanças nas estratégias metodológicas. Acreditamos que o docente precisa fugir dos padrões tradicionais da educação, baseado na mera reprodução de conteúdos estanques e descontextualizados no espaço escolas, sobretudo a partir de estratégias de ensino elaboradas para viabilizar as atividades nos ambientes não-formais.

Nesse sentido, este artigo retrata um processo investigativo que resultou no Trabalho de Conclusão de Curso de um professor em formação inicial do Curso de Licenciatura em Física, oferecido pelo Centro de Estudos Superiores de Tefé – CEST, que faz parte da Universidade do Estado do Amazonas – UEA, entre o último trimestre de 2017 e o primeiro de 2018.

O CEST/UEA está localizado na cidade de Tefé, distante cerca de 520 km da capital Manaus, e o acesso se dá apenas por via fluvial e aérea. O Centro forma professores das mais variadas áreas do saber, como: Pedagogia, Língua Portuguesa, História, Geografia, Química, Física, Biologia e Matemática. Ele atende a população não apenas de Tefé, mas também de inúmeras cidades vizinhas. Por conseguinte, registramos a reação dos discentes e do docente e apresentamos o resultado da pesquisa desenvolvida em um espaço formal (sala de aula) e num espaço não-formal (fábrica de gelo).

2 REFERENCIAL TEÓRICO: ESPAÇOS NÃO-FORMAIS NO ENSINO DE FÍSICA

Segundo as orientações da BNCC, o ensino da matéria de física para estudantes do Ensino Médio pode, deve seguir um padrão de contextualização para que articule o conhecimento teórico à prática, promovendo assim a educação científica. A rigor, muitas vezes os educandos não conseguem compreender como se dão alguns processos físicos apenas com as teorias ensinadas em sala de aula, isto é, num ambiente formal, como afirmam Vieira, Bianconi e Dias (2012, p. 23):

Os alunos comentam sempre que, quando observados, os conteúdos são melhor assimilados, e que o convívio social, tanto com seus colegas quanto com seus professores, torna-os mais estimulados. Os professores também concordam que a educação não formal é positiva para o processo de aprendizagem.

Como os conteúdos são apresentados de forma abstrata e podem aparentar não ter nenhuma relação com a sua vivência, este quadro pode perfeitamente ser revertido, caso o educador utilize em suas práticas pedagógicas exemplos do cotidiano, ou seja, a fim de facilitar a compreensão de conteúdos da disciplina de física. Nesse ínterim, a utilização de espaços não-formais possibilita a aproximação entre os conteúdos ministrados e a prática desenvolvida, proporcionando a compreensão do assunto por parte do educando.

Em outras palavras, isto significa que educar cientificamente é conectar a ciência à sociedade, aproximando os educandos de conceitos científicos que possam dar significados ao mundo que está a sua volta. Em síntese, tal situação possibilita o surgimento de um indivíduo crítico e autônomo que poderá de fato influenciar o contexto onde está inserido.

Defendemos que o conhecimento científico não deve ser distanciado do senso comum, mas sim que interaja para que se retroalimente nos educandos as situações do cotidiano, pois ambos interpretam a realidade, algo que consideramos importante para que haja uma continuidade nas duas formas de conhecimento, e não um rompimento entre eles.

Segundo Oliveira (2000, p. 121), “nos dias de hoje ensinar ciências é também ter atenção para as questões ligadas a hábitos, costumes, crenças, tradições, que não são deixados pelo alunado do lado de fora da sala-de-aula”. Dessa maneira, percebemos que no Brasil o ensino de ciências se valeu da utilização de espaços não-formais que visam a valorização de de peculiaridades culturais e de conhecimentos prévios. Entretanto, os resultados práticos que percebemos em nosso contexto educativo foram incipientes, haja vista que grande parte das nossas escolas, principalmente as localizadas em comunidades ribeirinhas ou em bairros periféricos das capitais, não possuírem laboratórios ou equipamentos específicos para o ensino de ciências.

Outro fator preponderante que dificulta ensinar ciências no Brasil é a escassez de museus na avassaladora maioria das cidades, de laboratórios em grande parte das escolas e de outros espaços formais ou não-formais de educação. Ressalta-se nessa afirmativa que mesmo com todas essas dificuldades que acarretaram resultados pífios para o ensino de ciências, o processo de Educação Científica avançou no Brasil, pois os professores buscaram uma formação contínua que os instrumentalizou para tal e acabou por contribuir no despertar do senso crítico dos educandos, possibilitando que conseguissem problematizar o próprio contexto, pois na opinião de Krasilchik e Marandino (2007, p. 19):

o ensino dessa área tem como uma de suas principais funções a formação do cidadão cientificamente alfabetizado, capaz de não só identificar o vocabulário, mas também de compreender conceitos e utilizá-los para enfrentar desafios e refletir sobre seu cotidiano.

Assim sendo, é de suma importância que os professores tratem a inclusão do alunado na Educação em Ciências por um prisma que vá além da mera internalização de conceitos científicos ou da utilização de metodologias para o ensino de ciências, pois a Educação Científica também ocorre através da legitimação da autonomia e da criticidade dos professores a partir da pesquisa.

Vale ressaltar que com o passar do tempo as teorias que tratam do Ensino de Ciências afirmaram que as respostas alternativas dadas pelos alunos nas atividades de sala de aula estavam muito aquém das aceitáveis cientificamente, haja vista a utilização de seus conhecimentos prévios que muitas vezes não tinha uma validade científica. Maldaner (2006), enfatiza que através de conflitos cognitivos nos educandos acontecem as mudanças conceituais que levam à aprendizagem significativa, tendo os professores o papel de mediar o processo de ensino de ciências na sala de aula.

Partindo do princípio de que para a ciência obter mais sentido na vida da população e continue avançando na construção de novos conhecimentos, com responsabilidade social e ambiental, é necessário que ela mantenha uma estreita relação com a sociedade e entenda, respeite e valorize as diversas culturas representadas na sociedade.

Para Krasilchik e Marandino (2007, p. 27): “ser letrado cientificamente significa não só saber ler e escrever sobre ciência, mas também cultivar e exercer práticas sociais envolvidas com a ciência; em outras palavras, fazer parte da cultura científica”. Ou seja, antes de ser considerado educado cientificamente, o educando passa por um processo de alfabetização, onde assimila os vários conceitos que caracterizam a ciência e ao ser instigado pelo professor será capaz de relacionas os conteúdos a sua realidade.

Os ambientes educativos são espaços para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. Nestes espaços os professores transmitem os conhecimentos presentes nos conteúdos curriculares aos estudantes num intenso momento de partilha, interação e experiências. Neste sentido, Silva e Perrude (2013) definem a Educação Formal como aquela oferecida em espaços institucionais de ensino, tendo por objetivo a certificação e a titulação a partir de conteúdos pré-estabelecidos pautados pela intencionalidade.

Como contraponto, na educação informal a transmissão de conhecimento é mais difusa sendo oferecida por outras instituições sociais. Para Queiroz et al (2011), os espaços formais são aqueles caracterizados por uma organização prévia, estrutura física e funcionários qualificados, tais como pesquisadores, técnicos, monitores etc, preparados para desenvolverem ações educativas.

Os espaços não-formais são locais que não fazem parte das instituições de Ensino Básico ou Superior, porém, neles são possíveis de se ensinar Ciências e promover a divulgação científica. Consideramos que a utilização de tais espaços para o ensino de Física é uma estratégia de suma importância para a consolidação de uma aprendizagem significativa aos educandos.

Jacobucci (2008) divide os espaços não-formais em dois tipos: institucionais e não-institucionais. Os espaços não-formais institucionais são aptos para a execução de práticas educativas. Possuem estrutura física, profissionais qualificados e planejamento prévio de todas as atividades, tais como: museus, zoológicos, parques ambientais, institutos de pesquisas, planetários, jardins botânicos etc. Os espaços não-institucionais são ambientes que não dispõem de estrutura adequada às necessidades educativas, porém, com um planejamento prévio podem se tornar um rico ambiente educativo, como: cinemas, teatros, praças, parques, feiras, associações, rua, casa, etc.

No tocante ao ensino de Física, a utilização de espaços não-formais são valiosas alternativas para o desenvolvimento de metodologias de ensino que estimulem os educandos a estudar os conteúdos da disciplina e ao mesmo tempo os instiguem a relacionar os fenômenos físicos presentes na natureza ao seu cotidiano a partir dos conhecimentos abstraídos na escola.

Logo, na cidade de Tefé-AM, o uso da praia, a vastidão de áreas verdes e até mesmo os espaços públicos com seus prédios e monumentos são de suma importância para o êxito do processo de ensino-aprendizagem, pois sempre que desenvolvemos atividades nesses espaços os resultados positivos são evidentes.

3 METODOLOGIA: OS CAMINHOS METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO

A investigação teve como objetivo geral discutir como a utilização dos espaços não-formais de educação podem ser relevantes para a contextualização de conteúdos no ensino de Física. Os sujeitos investigados foram os estudantes e o professor da disciplina de Física de uma sala de aula do 2º Ano “B”, em uma escola da rede pública estadual de ensino, situada no bairro do Abial, na cidade de Tefé-AM. Vale ressaltar que os dados coletados junto aos sujeitos pesquisados também se deram numa fábrica de gelo localizada na comunidade local, na qual coletamos as impressões e significados dos estudantes a partir das atividades desenvolvidas em ambos os espaços.

O processo investigativo por nós estabelecido se deu em dois contextos e momentos distintos: espaço formal (sala de aula) e espaço não-formal (fábrica de gelo). No espaço de sala de aula trabalhamos os conceitos teóricos que caracterizam os conteúdos do ensino de Física e no momento seguinte, na fábrica de gelo. Nisto, observamos as atividades cotidianas da empresa e instigamos os estudantes a relacionarem as rotinas que possuem aos conteúdos trabalhados em sala de aula, tal como defendem Ghedin; Oliveira e Almeida (2015) quando afirmam que o reconhecimento e a valorização dos conhecimentos prévios dos educandos, aliados a contextualização dos conteúdos, é uma estratégia fundamental para se atingir o êxito da aprendizagem.

Os conteúdos da disciplina de Física trabalhados na sala de aula e explorados no transcorrer da pesquisa dizem respeito ao conceito de Termodinâmica evidenciado anteriormente no transcorrer do processo de ensino.

Para tanto, partimos de uma abordagem qualitativa de pesquisa como estabelece Creswell (2010), que ao defende essa perspectiva como forma do investigador ter possibilidade de interpretar dados de maneira significativa. Por sua vez, a pesquisa qualitativa, como assegura Gil (2000, p.55): “caracteriza-se pela interação entre pesquisadores e membros da situação pesquisada”, ou seja, o pesquisador, no momento da pesquisa, participa junto ao informante, capta suas reações e o orienta.

Com o intuito de coletar dados significativos na pesquisa de campo utilizamos as técnicas de observação participante e entrevista semiestruturada, tal como sugerem Sampieri; Callado e Lucio (2013), ao indicarem a entrevista semiestruturada e a observação participante como instrumentos possíveis de realizarem uma coleta de dados objetivos e subjetivos com clareza e segurança para investigador e investigado. Dessa forma, o pesquisador fica instrumentalizado para contemplar o fenômeno investigativo estabelecido no seu projeto em toda a plenitude.

3.1 Caracterizações do contexto investigativo

Antes de nos dirigirmos ao campo de pesquisa preparamos um plano com as atividades a serem desenvolvidas na fábrica de gelo, tendo em vista os conteúdos ministrados na sala de aula.

Nas atividades na escola trabalhamos os conceitos de termodinâmicas no quadro branco e com o auxílio de vídeos curtos reproduzidos no projetor realizamos atividades de fixação. No momento posterior, levamos os estudantes para uma visita guiada a uma fábrica de gelo localizada na própria comunidade e mantida pela Associação dos Pescadores Z4 Tefé-AM, que gentilmente permitiu nossa pesquisa em suas instalações.

 Fachada
da fábrica de gelo com os estudantes
Figura 1
Fachada da fábrica de gelo com os estudantes
Fonte: Autor (2017).

Vale ressaltar que na visita à fábrica de gelo buscávamos comprovar que os conteúdos relacionados à termodinâmica repassados anteriormente na sala de aula também estavam presentes no cotidiano. Para isso, foi necessário que os mesmos observassem a realização dos fenômenos físicos in loco no ambiente da fábrica de gelo.

De acordo com Lakatos (2008) a experimentação de fatos deve ser comprovada em campo, sendo assim, consideramos que isso denota uma das características da pesquisa mista como abordagem quali-quantitativa que utilizamos neste trabalho. Conforme Jacobucci (2008, p.55, grifos do autor):

O termo “espaço não-formal” tem sido utilizado atualmente por pesquisadores em Educação, professores de diversas áreas do conhecimento e profissionais que trabalham com divulgação científica para descrever lugares, diferentes da escola, onde é possível desenvolver atividades educativas.

Entende-se então que os espaços não-formais tendem a ser aqueles onde não acontece o ensino formal, como citado anteriormente. Desta forma, é possível desenvolver atividades educativas não apenas na escola ou mesmo em suas próprias salas de aula. Em outras palavras, a associação do conteúdo aliado ao ambiente próprio da ocorrência do fato tende a se tornar forte parceiro na aprendizagem de Física.

De acordo com Jacobucci (2008), o ensino de qualquer modalidade é mais bem compreendido quando também é desenvolvido em espaços não-formais. Neste sentido, propusemos para os estudantes do 2º Ano do Ensino Médio uma aula “diferente”, num ambiente externo e possível de contextualização dos conteúdos curriculares trabalhados anteriormente em sala de aula: uma fábrica de gelo.

Todos os estudantes aceitaram o convite para conhecer a fábrica de gelo, pois certamente poderiam compreender melhor como os processos físicos da transformação da água em gelo se dão na prática. Vale destacar que a maior parte dos estudantes apresentavam muita dificuldade em compreender os conteúdos curriculares da disciplina de Física, principalmente no que se refere às fórmulas e aos cálculos matemáticos. Por esta razão, quando foi proposta a visitação a fábrica de gelo, os alunos não titubearam e aceitam prontamente o convite.

4 ANÁLISES E RESULTADOS: VIVÊNCIAS E INTERPRETAÇÕES DO CONTEXTO

A visita guiada realizou-se numa sexta-feira pela manhã durante o horário normal da aula de Física e teve a participação dos estudantes, do professor da turma, do docente em formação que coletava dados para o TCC e de seus professores orientadores.

No transcorrer da atividade era perceptível que os estudantes apresentavam sinais de nervosismo e de curiosidade com o início da atividade, pois a maioria deles nunca tinha entrado na empresa vizinha às suas residências.

Consideramos que uma atividade em espaços não-formais de ensino também fortalece a interação entre professor e estudantes a partir de um diálogo estreito nos locais das atividades. Ao se deparar com situações de sua realidade os estudantes ficaram curiosos e se sentiram a vontade para questionar o professor a respeito dos processos físicos demonstrados na teoria e assim despertaram o seu senso crítico ao relacionarem os conteúdos a elementos de da realidade em que estão inseridos.

Os espaços não-formais têm por sua finalidade levar ao educando outros meios de concepção, já que podem ser as vezes mais interessantes do que a sala de aula, segundo a ótica do aluno, principalmente se o professor desses discentes ainda está atrelado ao ensino tradicional ou conservador (JACOBUCCI, 2008).

Estudantes conhecendo a fábrica de gelo
Figura 2
Estudantes conhecendo a fábrica de gelo
Fonte: Autor (2017).

A visita durou o equivalente a dois tempos de aula (90 minutos). Nesse tempo, os alunos puderam observar como ocorre na prática os processos físicos que ocorrem na transformação de água em gelo. A rigor, a visita foi executada de forma que a segurança estivesse em primeiro lugar, por isso não foi permitido aos estudantes manusear nenhum material ou produto químico, mesmo que estivesse ao alcance das mãos.

Ficou evidenciado na atividade que este mecanismo de compressão era o “coração” da fábrica de gelo, pois à medida em que a amônia por ele é comprimido, no mesmo momento, observou-se que é liberado um gás quente e um outro, frio, que ao se encontrarem, possibilita a expansão que absorve o calor do meio externo, onde é formado o gelo; por isso, é um processo reversível. Em síntese, esse foi um fenômeno termodinâmico e observado na prática pelos estudantes.

Estudantes
observando processos físicos
Figura 2
Estudantes observando processos físicos
Fonte: Autor (2017).

Como mostram as figuras anteriores, os estudantes estão observando como acontece a formação do gelo que está pronto para ser comercializado. O representante da fábrica que nos guiou relatou que a cada 13 minutos são formados 300 kg de gelo. A partir de tal explicação, o professor relacionou as ações da termodinâmica às vivências obtidas naquele momento, o que deixou muitos dos estudantes eufóricos com novas descobertas, porém, alguns poucos ainda tiveram dificuldades para contextualizar os conteúdos apresentados na fala do professor.

Durante a visita, o docente ainda procurou captar a reação dos alunos ao observarem os fenômenos físicos para direcionar alguns questionamentos diretamente a eles. Para isso, utilizava um caderno de campo no qual anotava os comentários realizados pelo guia para em seguida formular uma pergunta aos meninos e meninas.


Estudantes observando processos físicos
Figura 3
Estudantes observando processos físicos
Fonte: Autor (2017).

As reflexões realizadas no transcorrer da atividade confirmaram a importância da utilização de espaços não-formais para o ensino de Física, pois a animação e curiosidade dos estudantes era evidente em todo o transcorrer da visita guiada. Num dos momentos uma estudante comentou: “Professor, a gente não poderia vir aqui todas as semanas?” Neste momento o professor explicou a impossibilidade, porém, prometeu que a partir daquele momento, não apenas ele, mas também outros professores sairiam mais da sala de aula com os estudantes. Também enfatizou ser possível observar alguns fenômenos físicos na própria residência dos estudantes, citando como exemplo o congelamento dos alimentos. Para Oliveira (2000, p. 21): “nos dias de hoje ensinar ciências é também ter atenção para as questões ligadas a hábitos, costumes, crenças, tradições, que não são deixados pelo alunado do lado de fora da sala-de-aula”.

As conversas paralelas que aconteciam concomitantemente à apresentação do funcionário da fábrica e dos comentários do professor evidenciavam o interesse dos estudantes na atividade. Todos ficavam, de certa forma, impressionados com a presença da Física nas ações cotidianas da fábrica, e relacionavam os conteúdos da termodinâmica com suas rotinas diárias em casa e na vida social, desde o congelamento da água na geladeira até as máquinas de sorvetes na praça da igreja.

4.1 Dialogando com os sujeitos

Após o desenvolvimento da atividade na fábrica de gelo, reunimos os estudantes na aula posterior para avaliarmos a visita técnica e fortalecermos o entendimento de determinados conceitos trabalhados anteriormente, tais como: trocas de calor, máquinas térmicas, transições de fase, dentre outros. Dividimos os estudantes em equipes de 6 membros e pedimos para eles apresentarem suas impressões a partir do relatório elaborado por cada equipe. Posteriormente, tendo em vista os relatórios dos estudantes e suas apresentações em sala de aula, elaboramos as questões que caracterizariam o questionário aplicado aos sujeitos investigados.

Anteriormente a visita, elaboramos ainda um roteiro de observação a partir de um problema elaborado pelos próprios estudantes em sala de aula: como contextualizar os processos físicos termodinâmicos discutidos em sala de aula numa fábrica de gelo? A partir daí organizamos os dados coletados para então elaborar as perguntas do questionário, tal como propõe Lakatos (2008) quando diz que um bom questionário é oriundo de experiências reais do campo de pesquisa.

Vale ressaltar que para preservar as identidades dos sujeitos investigados, optamos por indica-los pela letra “A” do alfabeto e o numeral “1”, sendo eles: A1, A2, A3, A4, A5 e assim por diante. Entregamos os questionários para os 10 sujeitos pesquisados, visando avaliar o nível de entendimento dos estudantes numa atividade desenvolvida num espaço não-formal, isto após a discussão teórica realizada na sala de aula.

Assim, para a maioria dos estudantes fica muito mais fácil de entender conteúdos ministrados na disciplina de Física quando são contextualizados. Alguns dos estudantes, quando questionados após a visita à fábrica, relataram que a observação do processo de fabricação do gelo os fez compreender melhor como ocorrem os processos químicos e físicos estudados na teoria. Dessa maneira, após a aplicação dos questionários, reunimos todo o material para realizar a transcrição das respostas dos sujeitos, isto com o intuito de conhecer suas impressões.

Nas respostas presentes no questionário, vale citar a estudante A1, quando questionada sobre as dificuldades de compreensão dos conceitos de termodinâmica trabalhados na disciplina. Ela respondeu: “Sim! Mas somente em sala de aula através do conteúdo escrito, e após a visita minha concepção mudou para melhor, pois essa visita me ajudou entender mais sobre esse processo. Antes não era assim!” Como percebido, as teorias permaneciam sem sentido, apenas abstraindo e conjecturando possibilidades, fugindo da realidade dos estudantes e, por consequência, dificultando o andamento do processo ensino-aprendizagem.

A maioria dos estudantes presentes na visita técnica afirmaram ter sido de grande relevância para a contextualização dos conteúdos trabalhados na sala de aula. Com efeito, ao ser indagada sobre a opinião quanto a isso, a estudante A1 relatou que se possível, após 10 aulas ministradas pelo professor dentro de sala de aula, gostariam de ter pelos menos uma aula realizada num espaço não-formal de educação, justamente para correlacionar o que aprenderam com o fato em si. Como se observa na fala da estudante A2, a seguir:

Com certeza, quando a aula é contextualizada com exemplos do cotidiano é muito melhor aprender pois facilita a compreensão. Os exercícios são muito importantes para ajudar desenvolver mais a mente, depois de ter tido uma boa aula sobre o assunto. Já pensou se pudéssemos ir a outros lugares para compreender melhor o ensino de física? Isso podia ser sempre depois de umas 10 aulas (ESTUDANTE A2).

A resposta da estudante A2 demonstra a importância da utilização de espaços não-formais no processo de ensino-aprendizagem da disciplina de Física, pois as metodologias executadas em sala de aula não contemplam na plenitude os anseios e necessidades dos estudantes, por isso, é interessante a estreita articulação entre os espaços formais e não-formais de ensino, tal como defende Piconez (2004) quando afirma que as perspectivas de interação e contextualização encurtaram os espaços entre teoria e prática.

Avançando nos resultados, quando questionado se a pesquisa na fábrica de gelo facilitou a compreensão de alguns conteúdos da Física, o estudante A3 respondeu: “Na verdade não mudou muito”. Enquanto a estudante A4 afirmou: “Só um pouco, porque faltou explicação sobre os conteúdos”. Diante disso, o professor reconduziu as explicações para sanar as dificuldades e as dúvidas evidenciadas pelos estudantes.

Um dos fatores que nos chamou atenção no transcorrer da pesquisa foi a surpresa do professor com a excitação e curiosidade dos alunos durante a visitação. Daí perguntamos no questionário se o docente já havia realizado alguma atividade extraclasse com a turma, tendo ele respondido: Ainda não, pois trabalho em várias turmas no mesmo dia e ainda não consegui gerenciar isso. Em outra pergunta do questionário, ao ser indagado sobre o que ele entende por espaços não-formais sua resposta foi a seguinte: “Li alguma coisa num artigo e também assisti uma palestra na universidade que tratava disso, mas nunca me interessei. As condições de trabalho aqui não permitem, mas depois da visita na fábrica vi que dá pra fazer mais”. Logo, observamos que ficou evidente que os espaços não-formais são pouco ou nunca utilizados no ensino de Física nessa escola de Tefé pela falta de tempo, condições de trabalho e da própria formação do docente. Entretanto, quando incentivado ficou extremamente motivado a adotar tal estratégia ao longo do período letivo.

Vale salientar que os estudantes não possuíam noção dos processos físico-químico ocorridos durante a formação do gelo. O questionário elaborado constava de perguntas abertas e fechadas, sendo que estas eram de múltipla escolha, e questionava: A atividade desenvolvida no espaço não-formal contribuiu para que você contextualizasse os conteúdos e melhorasse seu entendimento? Tal situação se evidencia na tabela abaixo:

Quadro 1
Tabulação dos dados obtidos na pergunta fechada do Questionário
Quantidade Resposta assinalada Percentual
23 SIM 78%
05 NÃO 17%
02 NÃO SEI 05%
Fonte: Autor (2017).

Os resultados do questionário aplicado aos 30 estudantes indicaram que 78% gostaram muito da visita e afirmaram que a contextualização dos conteúdos favoreceu a assimilação de conhecimentos obtidos em sala de aula. Embora 17% dos sujeitos tenham se mantido indiferentes, não significa que não tenham aprendido nada. Estes até se mostraram interessados, pois sua compreensão não continuou a mesma após a visita, como ficou indicado numa das respostas das questões abertas da estudante A1: “Não posso dizer que ficou totalmente claro os conteúdos, mas que facilitou a minha compreensão sim, não de todos mais de alguns”.

Apesar de 5% das respostas serem negativas, um percentual baixo no estudo, é possível que tais sujeitos realmente tenham encontrado alguma dificuldade na assimilação dos conteúdos, mesmo nas atividades em espaços não-formais, pois não conseguiram relacionar a prática vivenciada a teoria estudada; o que levou o professor da turma a realizar uma aula de reforço sobre os conteúdos que não foram bem compreendido pelos estudantes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É discurso comum na sociedade, desde a família até a própria escola, que os conteúdos da disciplina de Física são difíceis e complicados, daí os educandos não sentirem prazer em estudá-los. Entretanto, é possível utilizar variadas estratégias metodológicas que dinamizem o processo de ensino-aprendizagem e despertem o interesse dos educandos em estudar a disciplina. Logo, uma das principais estratégias de ensino são o desenvolvimento de atividades em espaços não-formais de educação, seja em processos mais longos e elaborados, ou mesmo em situações pontuais extraclasse.

Em cidades do interior da Amazônia, tais como Tefé-AM, a distância dos grandes centros, a escassez de bibliotecas, de laboratórios e a dificuldade de acesso à internet dificultam a realização de estratégias inovadoras no espaço escolar, sendo de suma importância ensinar Física para além dos muros da escola, isto é, nos espaços não-formais de educação, para amenizar tais dificuldades evidenciadas.

O desenvolvimento de atividades de ensino em espaços não-formais de educação pode contribuir significativamente para a contextualização dos conteúdos curriculares da disciplina de Física, os quais quando reforçados a partir dos conhecimentos prévios dos educandos, possibilita o êxito do processo de ensino-aprendizagem.

Este trabalho teve o objetivo de discutir como a utilização dos espaços não-formais na educação podem ser relevantes para a contextualização de conteúdos no ensino de Física. Nos resultados ficou evidente a aceitação dos estudantes quando foram avisados da atividade fora do contexto da escola, mais especificamente numa fábrica de gelo localizada no entorno da própria comunidade. Os sujeitos da pesquisa jamais haviam saído da sala de aula para estudar temas voltados à Física e demonstraram grande motivação no transcorrer do processo indicando nas respostas aos questionários aplicados, isto ao terem abstraído conhecimentos significativos dos conteúdos trabalhados no espaço não-formal.

Percebeu-se que a partir da interação com os colegas e da contextualização dos conteúdos nas atividades da fábrica de gelo, os estudantes demonstraram um grande interesse pelas aulas, indicando que essas se tornam mais atrativas quando realizadas em espaços não-formais, haja vista aproximarem-se das realidades dos mesmos. Percebemos que a maioria dos sujeitos aumentaram o interesse pelas aulas de Física após o desenvolvimento das atividades em espaços não-formais, mais especificamente na Fábrica de Gelo da Associação de pescadores da comunidade.

Ficou evidenciado no decorrer da pesquisa que o desenvolvimento de atividades de ensino em espaços não-formais contribuem significativamente, não apenas para o êxito do processo de ensino-aprendizagem, mas também para despertar o interesse dos estudantes pelos conteúdos de Física, levando-os a participar mais das aulas e interagir com os demais estudantes a partir de situações da realidade relacionadas ao ensino da disciplina Física.

Por fim, considera-se que o objetivo da investigação foi alcançado, porém, ressaltamos que nossa intenção neste artigo é de socializar uma das tantas possibilidades de ensino de Física em espaços não-formais. Assim, essa se realizou no estado do Amazonas. E nisto é importante destacar que foram processos investigativos como esse que possibilitaram à Universidade do Estado do Amazonas executar o Projeto Academia Stem, em parceria com a Samsung, projeto de P&D que desenvolverá metodologias ativas para o ensino de ciências a partir de estruturas móveis que atenderão estudantes do Ensino Médio.

6 REFERÊNCIAS

CRESWELL, John W. Projeto de Pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

GHEDIN, Evandro; OLIVEIRA, Elisangela S; ALMEIDA, Whasgthon Aguiar de. Estágio com Pesquisa. São Paulo: Cortez, 2015.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2017.

JACOBUCCI, D.F.C. Contribuições dos Espaços não-formais de educação para a formação da cultura científica. Em extensão, v.7, p. 55-66, 2008.

KRASILCHIK, Myrian; MARANDINO, Martha. Ensino de Ciências e cidadania. 2.ed. São

LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da Metodologia Científica. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MALDANER, Otávio Aloísio. A formação inicial e continuada de professores de Química. 3.ed. Ijuí - RS: Unijuí, 2006.

MOURA, Maria Teresa Jaguaribe Alencar de. Escola e Museu de Arte: uma parceria possível para a formação artística e cultural das crianças. Rio de Janeiro: Anais da 28ª Reunião Anual da ANPED, 1-18, 2005.

OLIVEIRA, Renato José. A escola e o ensino de ciências. São Leopoldo-RS: Unisinos, 2000.

PICONEZ. Práticas educativas. São Paulo: Sinodal, 2004.

QUEIROZ R. M.; TEIXEIRA, H. B.; VELOSO, A. S.; TERÁN, A. F.; QUEIROZ, A. G. A caracterização dos espaços não-formais de educação científica para o Ensino de Ciências. Revista Amazônica de Ensino de Ciências, v. 4, n. 7, p.12-23, 2011.

SAMPIERI, Roberto Hernandéz; CALLADO, Carlos Fernández; LUCIO, María del Pilar Baptista. Metodologia de Pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso, 2013.

SILVA, A. L. F.; PERRUDE, M. R. Atuação do pedagogo em espaços não-formais: algumas reflexões. Revista Eletrônica Pro-Docência/UEL, v. 1, n. 4, p. 46-56, 2013.

VIEIRA, Bianconi e Dias. Espaços não-formais de ensino e o currículo de ciências. Rio de Janeiro: UFRJ, 2012.

Autor notes

1 Doutor em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT/REAMEC). Professor do Centro de Estudos Superiores de Tefé da Universidade do Estado do Amazonas (CEST/UEA), Tefé-AM, Brasil. Estrada do Bexiga, 1085, bairro Jerusalém, Tefé-AM, Brasil, CEP: 69.470-000.
2 Doutor em Clima e Ambiente pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA/UEA). Professor da Escola Superior de Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (EST/UEA), Manaus, Amazonas, Brasil. Av. Darcy Vargas, 1.200 número, Prq. X, Manaus-AM, Brasil, CEP: 69.050-020.
3 Licenciado em Física pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Estrada do Bexiga, 1085, bairro Jerusalém, Tefé-AM, Brasil, CEP: 69.470-000.

Ligação alternative

Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R