ENSINO DA MATEMÁTICA EM INTERFACE COM A LÍNGUA MATERNA: PRÁTICA PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR

MATHEMATICS TEACHING IN INTERFACE WITH NATIVE LANGUAGE: interdisciplinary pedagogical practice

Patrícia Pena Moraes 1
Universidade Federal do Pará (UFPA), Brasil
Machado Júnior Arthur Gonçalves 2
Universidade Federal do Pará (UFPA), Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 8, núm. 3, 2020

revistareamec@gmail.com

Recepção: 20 Maio 2020

Aprovação: 01 Agosto 2020



DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v8i3.10452

Resumo: Um dos grandes desafios para o processo de ensino e aprendizagem é organizar esse processo de forma interdisciplinar, evitando, sempre que necessário e possível, a fragmentação do ensino. Pensar o ensino de Matemática de maneira interdisciplinar requer, primeiramente, refletir sobre a formação do professor que ensina Matemática nos anos iniciais de escolarização e as condições didático-pedagógicas que são possibilitadas para sua rotina diária na escola. Nestes termos, este artigo tem como objetivo analisar uma prática pedagógica sobre o ensino de Matemática em interface com a língua materna, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvida na perspectiva interdisciplinar. O contexto da investigação foi uma turma do 2º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede municipal de São Francisco do Pará. A inserção no espaço de pesquisa, a organização da sequência didática e o desenvolvimento das práticas, deu-se durante o terceiro bimestre de 2018. A metodologia da pesquisa está estruturada em uma abordagem qualitativa do tipo pesquisa participante. A pesquisa foi fundamentada, principalmente, no ensino de Matemática Interdisciplinar. Para a construção das informações foram utilizados o diário de bordo e o registro das atividades realizadas pelos alunos. A sequência didática foi organizada na perspectiva interdisciplinar tendo o texto como elo integrador das atividades propostas. Os resultados mostraram que uma prática pedagógica interdisciplinar no ensino de Matemática, com suporte em Sequência Didática Interdisciplinar (SDI), é possível de ser realizada no contexto da Educação Básica, principalmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Palavras-chave: Ensino, Sequência Didática, Matemática Escolar, Interdisciplinaridade.

Abstract: One of the great challenges for the teaching and learning process is to organize this process in an interdisciplinary way, avoiding, whenever necessary and possible, the fragmentation of teaching. Thinking about teaching Mathematics in an interdisciplinary way requires, first, to reflect about the formation of the teacher who teaches Mathematics in the early years of schooling and the didactic-pedagogical conditions that made possible his daily routine at school. In these terms, this article aims to analyze a pedagogical practice on the teaching of Mathematics in interface with native language, in the early years of Elementary School, developed in an interdisciplinary perspective. The context of the investigation was a class from 2nd year of Elementary School at a municipal school of São Francisco do Pará. The insertion in research space, the organization of didactic sequence and the development of practices, took place during the third two months of 2018. The research methodology is structured in a qualitative approach of participant research type, and was mainly based on the teaching of Interdisciplinary Mathematics. For the construction of information, the logbook and the record of activities performed by the students were used. The didactic sequence was organized in an interdisciplinary perspective with the text as an integrating link of proposed activities. The results showed that an interdisciplinary pedagogical practice in the teaching of Mathematics, supported by Interdisciplinary Didactic Sequence (IDS), is possible to be carried out in the context of Basic Education, especially in early years of Elementary School.

Keywords: Teaching, Following Teaching, School Math, Interdisciplinarity.

1 INTRODUÇÃO

Assumir uma postura interdisciplinar é quebrar barreiras de sua própria disciplina. Romper com um ensino transmissor e passivo, distante das perspectivas dos alunos. E na matemática isso também é possível. Como afirma José (2013, p. 93), “nas diferentes disciplinas há sempre mais de uma possibilidade metodológica de organização das aulas”. A interdisciplinaridade é uma forma de refletir sobre as possibilidades de organizações didático-pedagógicas.

Nestes termos, este artigo tem como objetivo analisar uma prática pedagógica sobre o ensino de Matemática em interface com a língua materna, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvida na perspectiva interdisciplinar. A presente pesquisa compreende que as organizações didáticas interdisciplinares podem estar centralizadas na formação do leitor (KLEIMAN; MORAES, 1999). Dessa forma, o texto aparece como uma ferramenta que evita a fragmentação do conhecimento, por exemplo, a partir da leitura de um livro de literatura infantil pode-se trabalhar com as crianças conhecimentos matemáticos integrados aos conhecimentos da língua portuguesa.

O trabalho foi desenvolvido em uma turma do 2º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da rede municipal de ensino de São Francisco do Pará e trata-se de um recorte de uma pesquisa[3] de “mestrado profissional” realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Docência em Educação em Ciências e Matemática (PPGDOC) da Universidade Federal do Pará (UFPA) (MORAES, 2019). A investigação assumiu uma abordagem qualitativa do tipo exploratória. As informações foram construídas a partir da observação participante, com suporte no diário de bordo, e dos registros das atividades realizadas pelos estudantes. Esse trabalho deu-se no período de um bimestre letivo e com encontros semanais. O método de análise foi estruturado a partir de uma perspectiva de análise interpretativa (SEVERINO, 2002).

O estudo parte do pressuposto de que o texto é o elo integrado da Matemática com a Língua Materna. Nesse sentido, o texto como objeto de ensino é considerado como toda “construção cultural que adquire um significado devido a um sistema de códigos e convenções: um romance, uma carta, uma palestra, um quadro, uma foto, uma tabela, são interpretados como textos” (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 62) e esses textos podem carregar diversos conceitos matemáticos que podem ser explorados nas aulas.

A presente pesquisa apontou que para ler um texto matemático sobre frações, por exemplo, o nível de compreensão de um conceito ou ideia sobre o objeto matemático está intimamente relacionado à capacidade de interpretá-lo e comunicá-lo. Logo, um texto matemático pode trazer informações explícitas ou implícitas, o que vai determinar se a informação veiculada no texto é clara ou não é a experiência anterior de leitura. Por conseguinte, o texto nas aulas de Matemática oferece um contexto para o estudante perceber a importância dessa disciplina para a compreensão de outras áreas do conhecimento, portanto, a interdisciplinaridade pode contribuir para a aprendizagem da Matemática em sala de aula.

2 INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO DA MATEMÁTICA ESCOLAR

A interdisciplinaridade no ensino da Matemática possibilita olhar a sala de aula como um novo espaço de diálogo entre os diversos componentes curriculares. Inicialmente, os alunos podem estranhar essa “nova” abordagem de ensino, mas aos poucos vão entendendo a dinâmica da aula e passam a participar desse processo de forma mais consciente, como nos alerta José (2013, p. 95) quando assevera que, esse contexto “possibilita ao aluno questionar, pôr em dúvida determinadas verdades e, a partir delas, elaborar explicações”. A aula torna-se um ambiente de questionamento e pesquisa e de várias possibilidades de respostas construídas pelos próprios estudantes.

Nesses termos, o professor precisa refletir constantemente sobre sua prática. Isso causa também um impacto na organização didático-pedagógica adotada pelo docente, seja qual for a disciplina. Segundo Fazenda[4] (2003) apud José (2013, p. 95),

Para a interdisciplinaridade, ensinar matemática é, antes de mais nada, ensinar a pensar matematicamente, a fazer uma leitura matemática do mundo e de si mesmo. É uma forma de ampliar a possibilidade de comunicação e expressão, contribuindo para a interação social, se pensada interdisciplinarmente.

A Matemática vai além do espaço da sala de aula, em diversos aspectos, sobretudo, no que concerne sua linguagem. Por isso, dialoga com outras áreas do conhecimento. Essa característica contribui para um ensino interdisciplinar. Por exemplo, as listas de exercícios e as atividades de “arme e efetue” são substituídas por propostas didáticas mais críticas, a saber: atividades de pesquisa, desafios matemáticos, resolução de problemas, jogos matemáticos etc. Aprender Matemática passa a fazer sentido para os alunos.

A interdisciplinaridade, nesses termos, propõe uma nova dinâmica em sala, qual seja, o professor também aprende ao colocar sua disciplina em diálogo com outras. Ele adota uma postura de quem não tem todas as respostas prontas, provoca os alunos a buscar as respostas, mas sempre está disposto a ajudá-los.

Organizado assim, o conhecimento é tratado em constante construção. Os alunos são protagonistas no processo de ensino-aprendizagem. E o professor não assume sozinho a responsabilidade de provocar a aprendizagem, os estudantes são corresponsáveis.

A organização das aulas acompanha a construção do conhecimento. Essa forma de considerar a Matemática permite compreender e estabelecer uma nova forma de olhar o saber matemático, o ensino-aprendizagem da Matemática. Sobre a interdisciplinaridade no ensino da Matemática, Kleiman e Moraes (1999, p. 83) afirmam que o desenvolvimento de conteúdos atitudinais pode ser um dos aspectos do processo de ensino-aprendizagem da matemática, por exemplo,

[...] Entender as relações da matemática com problemas vinculados a outras ciências, como a Astronomia e perceber a importância da matemática para o desenvolvimento da ciência. Oferece um contexto para o aluno começar a perceber a magnitude e complexidade dos problemas matemáticos na vida real.

Ao refletir sobre a interdisciplinaridade no processo de ensino-aprendizagem da Matemática escolar, Tomaz e David (2013) afirmam que a Matemática ganha outro status diante da possibilidade de poder estabelecer uma relação da Matemática com as situações do cotidiano. O conhecimento matemático, portanto, é considerado como uma forma de descrever e ajudar na compreensão de fenômenos de outras áreas do conhecimento. Assim, ocorre a produção de “conhecimentos novos nessas áreas, ao mesmo tempo que se desenvolve enquanto campo de conhecimento científico” (TOMAZ; DAVID, 2013, p. 13).

Mesmo existindo a possibilidade de a Matemática dialogar com outras disciplinas por meio dos diversos aspectos sociais, econômicos, históricos e culturais pertinentes à vida em sociedade, na prática escolar, muitas vezes, não existe uma tendência para o trabalho interdisciplinar. Dessa forma, as disciplinas isoladas e os conhecimentos fragmentados deixam os alunos, sozinhos, com a responsabilidade de estabelecer relações entre os conteúdos.

A fragmentação do conhecimento matemático e a limitação da escola em integrar as disciplinas têm levado pesquisadores da Educação Matemática (TOMAZ; DAVID, 2013) a estudar maneiras de trazer para a sala de aula atividades interdisciplinares que ampliem consideravelmente o conhecimento e seu significado, no entanto, respeitando o aspecto disciplinar. Mas também, a prática empírica não pode, por si só, justificar um trabalho ser interdisciplinar, pois o professor precisa elencar a importância desse tipo de trabalho. Para Fazenda (2013, p. 26), “na interdisciplinaridade escolar, as noções, as finalidades, as habilidades e as técnicas visam favorecer, sobretudo, o processo de aprendizagem, respeitando os saberes dos alunos e sua integração”.

Assumir uma postura interdisciplinar nas aulas de Matemática, seja na Educação Básica ou seja no Ensino Superior, requer uma nova atitude docente diante da construção do conhecimento matemático, qual seja, o professor precisa tratá-la como um processo de construção humana, conferindo-lhe um caráter prático por natureza. Por isso, o conhecimento matemático não pode ser visto como algo que foi acumulado e que para ser aprendido pelo estudante, deve ser organizado de forma linear e hierarquizado. “Infelizmente, essa é uma visão ainda adotada por muitos professores, pois essa é a maneira como veem o conhecimento matemático, fragmentado e desarticulado de outras áreas do conhecimento” (ALVES, 2013, p. 110). No entanto, o ensino organizado a partir de uma postura interdisciplinar isso pode ser superado. Segundo o autor, o Movimento da Matemática Moderna acabou desvinculando o ensino da Matemática de outras disciplinas e das práticas sociais. Para a autora,

O Movimento da Matemática Moderna desconsiderava as particularidades culturais para a elaboração de currículos porque tendia a minimizar a influência da matemática cotidiana no ensino. O processo de construção do conhecimento matemático e as suas relações com situações concretas e cotidianas não eram considerados (ALVES, 2013, p. 112).

Essa forma de organizar o ensino da Matemática a afastava do seu caráter prático e da importância de articulá-la aos outros componentes curriculares. Isso fomentou a ideia de que não fazia sentido estudar diversos conteúdos matemáticos por apresentar-se desvinculados do cotidiano dos alunos. Essa problemática tem levado pesquisadores a refletir sobre propostas de ensino com suporte interdisciplinar, como alternativa de superar as barreiras que fragmentam o processo de ensino-aprendizagem da Matemática.

Uma proposta de ensino de Matemática menos fragmentado ancora na pedagogia de projetos interdisciplinares. Para Alves (2013), essa organização didático-pedagógica busca o respeito ao modo de ser de cada um, a autonomia no processo de construção do conhecimento, a existência de um projeto inicial claro, coerente e discutido no grupo e uma ampla bibliografia, pois o conhecimento interdisciplinar exige pesquisa e abertura para novas ideias.

Para Tomaz e David (2013), considerar o ensino da Matemática escolar interdisciplinar requer mudar, sobretudo, o isolamento e a fragmentação dos conteúdos, pois uma abordagem exclusivamente disciplinar não favorece uma compreensão global dos objetos de conhecimento estudados. Segundo as autoras, o ensino da Matemática visto nesses termos, pode ser abordado em diferentes propostas, “com diferentes concepções, entre elas, aquelas que defendem um ensino aberto para inter-relações entre a Matemática e as outras áreas do saber científico ou tecnológico, bem como em outras disciplinas escolares” (TOMAZ; DAVID, 2013, p. 14). Para isso, os professores que ensinam Matemática também precisam adotar um discurso e uma prática contextualizada.

Ao articular a interdisciplinaridade ao ensino de Matemática, segundo as autoras, a Matemática escolar “passa a ser vista como um meio de levar o aluno à participação mais crítica na sociedade, pois a escola começa a ser encarada como um dos ambientes em que as relações sociais são fortemente estabelecidas” (TOMAZ; DAVID, 2013, p. 15). Consequência disso, é ofertar aos estudantes uma formação mais crítica e integral, mas também um engajamento aos problemas sociais e um ensino voltado para a cidadania.

Uma barreira existente, algumas vezes, entre a interdisciplinaridade e o ensino da Matemática é encontrada nos livros didáticos. Segundo Tomaz e David (2013), muitas obras didáticas, principal ferramenta de ensino para muitos professores, apresentam os conteúdos matemáticos isolados das outras áreas do conhecimento, ou ainda, atividades que não dialogam com os problemas sociais. Portanto,

Contextualização e interdisciplinaridade, nem sempre elas têm sido avaliadas como bem-sucedidas porque muitas vezes os esforços de contextualização acabam resultando como artificiais, como naqueles livros didáticos em que o contexto das situações serve apenas como ponto de partida para obtenção de dados numéricos que vão ser usados nas operações matemáticas (TOMAZ; DAVID, 2013, p. 16).

Esse tratamento dado à Matemática escolar nos livros didáticos soa incoerente com as propostas didático-pedagógicas sugeridas e discutidas nos documentos oficiais (Parâmetros Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum Curricular) que defendem a Matemática como uma possibilidade de compreender fenômenos sociais e como ferramenta de construção da cidadania. Dessa forma, o ensino da Matemática poderia ser interdisciplinar na ocasião de tentar buscar explicação ou compreensão de um fenômeno por meio da linguagem matemática e por meio das linguagens das outras áreas do conhecimento. No entanto, isso torna-se um desafio para os professores.

A prática escolar tem uma organização tradicional situada na disciplinaridade. Ou seja, cada professor ou grupo de professores reúnem-se para discutir os conteúdos e propostas pedagógicas para sua disciplina específica. Por outro lado, do ponto de vista escolar, a interdisciplinaridade poderia ser compreendida de uma forma mais ampla, isto é, uma articulação entre duas ou mais disciplinas integradas em um mesmo projeto pedagógico organizado em torno de um objeto de conhecimento ou tema a ser estudado.

Ao aproximar as disciplinas por meio de um projeto interdisciplinar ou sequências didáticas, o professor que ensina Matemática rompe com a fragmentação do ensino, mesmo que de forma tímida. Essa ruptura dar-se também no interior da própria disciplina Matemática e desta com outros componentes do currículo. Seja por meio de projetos interdisciplinares ou sequências didáticas, não se pode correr o risco de deixar a essência da Matemática em segundo plano. Ao planejar, o professor precisa pensar no aluno como sujeito capaz de construir conhecimento e que toda a organização da aula parte de uma disciplina (Matemática) que visa dialogar com as outras áreas do currículo escolar, por exemplo, com a Língua Materna.

3 METODOLOGIA DO ENSINO COM PESQUISA

A presente pesquisa foi desenvolvida em uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública da rede de ensino de São Francisco do Pará. O processo investigativo deu-se no ambiente de sala de aula por meio de observação participante, mas em parceria com a professora titular da turma. A inserção no espaço de pesquisa, a organização da sequência didática e o desenvolvimento das práticas em sala de aula, deu-se durante o terceiro bimestre de 2018, com encontros semanais.

A professora que colaborou com a pesquisa já trabalhava com textos de literatura infantil nas aulas de matemática, porém não assumia uma perspectiva interdisciplinar e solicitou orientações para que transformasse sua prática e melhorasse o processo de aprendizagem de seus alunos.

Diante desse contexto, foi organizada uma sequência didática para o ensino de Matemática e de Língua Portuguesa a partir do livro intitulado Poemas Problemas. Assim sendo, durante o itinerário investigativo, a professora da turma e a pesquisadora assumiram momentos individualizados de estudo, por exemplo, desenvolveram leituras para compreender os objetos de conhecimento da matemática orientados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o 2º ano do Ensino Fundamental (BRASIL, 2017).

A turma do 2º ano era composta por 17 alunos na faixa etária de 7 anos de idade. Um grupo pequeno de estudantes possibilitaria realizar um trabalho com mais qualidade. Mas antes de ocorrer a inserção da pesquisadora em sala de aula fez-se necessário ela se reunir com a professora para que fosse definido o objeto matemático a ser explorado, e para isso foi marcado um novo encontro de planejamento.

Depois de se discutir sobre os objetos de conhecimento que poderiam ser explorados na pesquisa, decidiu-se organizar uma sequência didática interdisciplinar (SDI) que contemplasse conteúdos de língua portuguesa e matemática, ou seja, uma proposta interdisciplinar que atendesse as reais necessidades da turma. O Quadro (1) ilustra como ficou organizado o que seria trabalhado.

Quadro 1
Organização Curricular da SDI
Componente Curricular Unidade Temática Objetos do Conhecimento Habilidades
Língua Portuguesa Leitura/Escuta 1) Estratégias de leitura; 2) Formação do leitor; 3) Leitura multissemiótica. 1.1 Localizar informações explícitas em textos; 1.2 Identificar o efeito de sentido produzido pelo uso de recursos expressivos gráfico-visuais em textos multissemióticos; 2.1 Ler e compreender, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor e, mais tarde, de maneira autônoma, textos como poemas. 3.1 Apreciar poemas visuais e concretos, observando efeitos de sentido criados pelo formato do texto na página, distribuição e diagramação das letras, pelas ilustrações e por outros efeitos visuais; 3.2 Relacionar texto com ilustrações e outros recursos gráficos.
Matemática Números 4. Fatos fundamentais da adição e da subtração; 5. Problemas envolvendo diferentes significados da adição e da subtração. 4.1 Construir fatos básicos da adição e subtração e utilizá-los no cálculo mental ou escrito. 5.1 Resolver problemas de adição e de subtração, envolvendo números de até três ordens, com os significados de juntar, acrescentar, separar, retirar, utilizando estratégias pessoais.
Fonte: Brasil, 2017 (MORAES, 2019, p.74)

Ao concluir esse estudo do planejamento e da BNCC (BRASIL, 2017) e decidir os objetos de conhecimento e as habilidades que seriam aprofundadas e consolidadas, deu-se início à construção da SDI. Nessa perspectiva, uma SDI trata-se de um conjunto de atividades sequenciadas organizadas em torno de duas ou mais áreas do conhecimento que possibilitem a integração de distintos objetos de aprendizagem. Geralmente, a SDI é organizada a partir de um gênero textual que pressupõe agregar conhecimentos de cada uma das disciplinas envolvidas no processo de ensino e aprendizagem.

No curso de cada SDI são incluídas diversas atividades, por exemplo, atividades de leitura (individual ou coletiva), atividades de resolução de problemas, atividades com materiais manipuláveis e atividades de escrita. Portanto, essas atividades compõe uma rede de conhecimentos interdisciplinares

Nessa organização didático-pedagógica, entende-se atividades de leitura como um trabalho docente centrado na leitura “como objeto de conhecimento em si mesmo e como instrumento necessário para a realização de novas aprendizagens” (SOLÉ, 1998, p. 21). Nesta pesquisa, a leitura é a ponte entre a aprendizagem matemática e a aprendizagem da língua materna.

A atividade de resolução de problema é entendida como um momento da SDI em que o aluno é encorajado a enfrentar situações de aprendizagem desafiadoras. Por exemplo, em uma aula de matemática sobre números é importante o professor “encorajar a criança a pensar sobre número e quantidades de objetos quando estes sejam significativos para elas” (KAMII, 1995, p. 48). Assim, a criança pode desenvolver autonomia para enfrentar situações problemas.

As atividades com materiais manipuláveis são situações organizadas pelo professor na perspectiva de auxiliar os alunos nas atividades de resolução de problemas. Ou ainda, na possibilidade de introduzir, aprofundar ou consolidar conceitos matemáticos. Essas atividades podem incentivar diferentes formas de procedimentos em busca da solução de um problema matemático, além disso contribuir para a compreensão da linguagem matemática. Possibilita também fazer com que as crianças avaliem seus erros e a partir deles buscar novos caminhos para enfrentar a atividade proposta.

A finalização da SDI dar-se por meio de uma produção escrita ou desenho. Nestes termos, a atividade de escrita (feedback) é um momento didático em que o aluno expressa os significados dados ao processo de aprendizagem matemática e linguística. Essa etapa da SDI pode ser organizada a partir de diversas situações, por exemplo, um comentário acerca do conteúdo estudado ou a construção de um novo texto a partir do texto explorado na sequência didática.

O mais importante dessa etapa da SDI é que os textos sejam utilizados como forma de identificar as aprendizagens dos alunos, suas necessidades, suas potencialidades, suas incompreensões (e suas origens), e que para o professor sirva como uma bússola que aponta o ensino na/para a direção da aprendizagem.

Em consonância com essas posturas, as sequencias didáticas foram organizadas a partir do livro intitulado Poemas Problemas, de autoria de Renata Bueno (2012). Neste livro os poemas são problemas matemáticos ou os problemas matemáticos são poemas, depende do ponto de vista do leitor. Renata Bueno consegue integrar a magia da poesia com os enigmas matemáticos, ou seja, um processo de metamorfose em que conceitos matemáticos fundem-se à magia da literatura infantil.

Poemas Problemas é uma obra que une situações matemáticas em rimas coloridas e divertidas, dando ludicidade ao ensino e à aprendizagem de conhecimentos matemáticos e linguísticos. Uma literatura, que por si só, dialoga com uma proposta de ensino interdisciplinar. O livro explora os efeitos de sentido produzidos pelo uso de recursos expressivos gráfico-visuais em textos multissemióticos. Portanto, o livro traz em seus poemas objetos matemáticos relacionados, por exemplo, as ideias fundamentais de adição.

Nesse contexto, a prática pedagógica aqui analisada trata-se de um dos momentos da SDI relacionado com atividades de Resolução de Problemas. Essas atividades tinham como objetivos: identificar o efeito de sentido produzido pelo uso de recursos expressivos gráfico-visuais em textos multissemióticos; relacionar texto com ilustrações e outros recursos gráficos; construir fatos básicos da adição e subtração e utilizá-los no cálculo mental ou escrito; e, resolver problemas de adição e de subtração, envolvendo números de até três ordens, com os significados de juntar, acrescentar, separar, retirar, utilizando estratégias pessoais.

Os materiais utilizados nessa atividade foram: computador, projetor, papel A4, lápis de cor, pincel para quadro branco, cartolina e fita gomada. Para o desenvolvimento das tarefas, a turma foi organizada em grupos de 3 ou 4 estudantes. Após isso, foram escolhidos problemas para o trabalho em sala, entre eles o poema Vai Decolar! ­ [Quadro (2)] e o poema Meu Aquário [Quadro (3)]. Seus versos foram escritos em tiras de cartolina, distribuídos entre os grupos e os estudantes foram desafiados para montar o poema. Depois de montado, fizeram a leitura do texto e o solucionaram.

Poema
Vai Decolar!
Quadro (2)
Poema Vai Decolar!
Fonte: Moraes (2019, p.114)

Poema Meu Aquário
Quadro (3)
Poema Meu Aquário
Fonte: Moraes (2019, p.115)

Ao selecionar os poemas problemas, partiu-se do pressuposto de que mesmo os alunos tendo contato diariamente com informações numéricas, isso não significava, necessariamente, a aprendizagem/construção do conceito de número nas crianças. Da mesma forma que não era pelo fato de um aluno utilizar estratégias de contagem em determinada situação que ele conhecia como funciona o sistema de numeração decimal/posicional e soubesse operar com os algoritmos tradicionais da adição e da subtração. Essas considerações foram relevantes na organização e principalmente na análise das atividades.

4 ANÁLISE DAS ATIVIDADES

Nessas atividades, os alunos precisavam observar, com atenção, aspectos gráfico-visuais que pudessem auxiliar na interpretação e compreensão do poema. Aqui, a Linguagem Matemática e a Língua Materna estabelecem uma relação mútua e corroboram entre si a partir de suas particularidades. Segundo Machado (2011), existe entre a Língua Materna (língua portuguesa) e a Linguagem Matemática uma relação de complementaridade. Por exemplo, as informações numéricas contidas nos poemas estão expressas por meio de algarismos, mas poderiam estar, como em outros poemas, escritas por extenso. Essa complementaridade auxilia o estudante na compreensão e interpretação do texto e, por conseguinte, na resolução do problema.

Os recursos expressivos gráfico-visuais também auxiliam na identificação do efeito de sentido produzido no poema. O livro apresenta, junto com os poemas, imagens que contribuem para a leitura. No poema Vai decolar! a imagem de um foguete e as informações numéricas possibilitam relacionar o conteúdo do texto com as ideias matemáticas, portanto, os recursos gráficos são importantes nesse processo. Texto e imagem, como nos alerta Smole (2000), são pontos de apoio entre a matemática e a língua materna.

Como mencionado anteriormente, o trabalho foi desenvolvido em grupo, os poemas foram fatiados e suas partes escritas em tiras de cartolina para que fossem montados e resolvidos em grupo pelos estudantes. Ao longo desse processo, a turma interagiu e discutiu sobre a coesão textual, pois precisavam dar sentido à estrutura do texto. Eles destacaram, no processo de construção da coesão textual, o título do poema, a letra maiúscula no início de cada verso e o uso de vírgulas e de pontos ao final dos versos. Esses destaques serviram como “pistas” para a reconstrução do poema.

Essas habilidades relacionadas à aprendizagem da Língua Materna auxiliam no processo de resolução do problema. A competência linguística relacionada à oralidade serviu como suporte para o entendimento de conceitos e ideias matemáticas, principalmente na significação para o aprendizado da escrita matemática. Nesse sentido, Smole (2000), destaca dois papéis da Língua Materna em relação à Matemática: ler e interpretar os enunciados; organizar a sintaxe da Linguagem Matemática.

Sobre a leitura e a interpretação dos enunciados, pode-se afirmar que essa prática permitiu, por meio da linguagem usual, que os estudantes relacionassem a Linguagem Matemática com a linguagem expressa nos poemas. Ou seja, “uma rota para ligar uma ideia matemática às suas representações, para estabelecer relação entre o pensamento e a palavra, entre a escrita e a sua interiorização, entre a escrita e sua representação” (SMOLE, 2000, p. 65). Dessa forma, ao trabalhar a matemática por meio da literatura ocorreu um rompimento com o paradigma tradicional do ensino da Matemática.

A Língua Materna também auxilia na compreensão da sintaxe da Linguagem Matemática. Uma cooperação para a organização do discurso matemático, principalmente, no seu aspecto dedutivo. Por exemplo, nos versos, 5 gatas animadas usam gorro/E outros 12 tripulantes, o conectivo E, conjunção aditiva, expressa a ideia de adição. Isso ajuda o estudante a encontrar uma operação que ajude na resolução. Da mesma forma que a expressão Quantos lugares coaduna com a ideia de que o problema pode ser resolvido por um processo de contagem. Mas nem sempre as operações que podem ser realizadas a partir da escrita da Linguagem Matemática têm relação direta com a Língua Materna. É o caso na palavra mais que nem sempre conota uma adição.

Sobre as habilidades matemáticas, a Figura (1) ilustra como uma estudante resolveu o poema problema.

Resolução do poema
Vai Decolar!
Figura (1)
Resolução do poema Vai Decolar!
Fonte: Moraes (2019, p.114)

Na Figura 1, fica evidente que a resolução se deu por meio do processo de contagem. Os desenhos mostram que a literatura, na interface com a Matemática, possibilitou a criação de imagens e a capacidade de imaginar o contexto do poema problema. As crianças puderam fantasiar e criar, a partir do poema, significações para a aprendizagem matemática. Conforme Kleiman e Moraes (1999), a interdisciplinaridade provoca o questionamento em relação à fragmentação e a linearidade do conhecimento, seja ele matemático ou linguístico.

Outra atividade consistiu em solicitar que os estudantes lessem e resolvessem o poema problema Meu Aquário! e que, em uma folha de papel, registrassem o processo de resolução. Essa atividade tinha como objetivo construir fatos básicos de adição, quando possível, por meio do cálculo mental ou escrito.

O poema auxiliou os estudantes em criar estratégias de resolução e a construir fatos básicos da adição. Por exemplo, no quarto verso E mais 9 amarelinhos, a palavra mais chamou a atenção da turma. Os estudantes observaram que se tratava de uma situação problema de adição, pois a palavra mais dava a ideia de somar. Declamar o poema também ajudou na compreensão e interpretação do texto. No entanto, a professora da turma nem sempre sentia segurança em orientar os alunos de maneira interdisciplinar, pois em alguns momentos sentia a necessidade de parar a atividade e ministrar uma aula de Matemática sobre adição. Essa situação corrobora com a ideia de que o professor “não consegue pensar interdisciplinarmente porque toda a sua aprendizagem realizou-se dentro de um currículo compartimentado” (KLEIMAN; MORAES, 1999, p. 24). Por isso, a priori, sentia-se com dificuldades em desenvolver algumas atividades.

Com o passar das atividades, a professora foi superando tais dificuldades e compreendeu a proposta da SDI. O trabalho envolvendo Língua Portuguesa (literatura) e Matemática não foi planejado de forma que os alunos aprendessem primeiro os conteúdos matemáticos (adição e subtração) para depois aplicá-los durante a leitura dos poemas. Pelo contrário, a SDI possibilitou explorar, nas aulas, conceitos e ideias matemáticas, concomitantemente, a exploração da leitura dos poemas e a escrita de conceitos matemáticos na Língua Materna.

Além de mobilizar a construção de fatos básicos da adição (a ideia de somar), a atividade mobilizou a construção de significados de juntar ou acrescentar, conforme desenho realizado por um dos estudantes Figura (2).

 Resolução
do Poema Problema Meu Aquário
Figura (2)
Resolução do Poema Problema Meu Aquário
Fonte: Moraes (2019, p.116)

A construção de fatos aritméticos, conforme Kamii (1997), não se dá espontaneamente por meio de figuras dos livros didáticos, porque a construção de significados de juntar ou acrescentar é obtido a partir de construções próprias da criança. “Se elas precisam de alguma coisa para contar, farão seus próprios símbolos, desenhando risquinhos ou usando seus próprios dedos” (KAMII, 1997, p. 30). Essa construção simbólica própria da criança está evidenciada no desenho realizado para resolver o poema problema.

Observa-se que para cada peixe foi relacionado um risquinho. Assim, até o peixe que está na nona posição foram feitos nove risquinhos. Portanto, pode-se inferir que a construção do fato aritmético se deu por meio de dois processos mentais básicos chamados por Piaget de contagem por ordenação e de inclusão hierárquica.

Sobre o processo de contagem por ordenação, caracterizado na Figura (2), pode-se afirmar, a partir das ideias piagetianas, que as crianças não sentem a necessidade lógica de sempre colocar os objetos em ordem para contá-los e verificar se não esqueceu de contar algum ou pulou a contagem. No entanto, “a única maneira de um indivíduo estar seguro de não esquecer nenhum e de não contar o mesmo objeto mais de uma vez é colocá-los em uma relação de ordem” (KAMII, 1997, p. 27).

Essa ordenação pode ser representada mentalmente ou simbolicamente. Na Figura (2), a ordenação fica evidente: . Esse processo de ordenação aproxima-se do processo de cardinação (PIAGET; SZEMINSKA, 1981). Assim, o desenho expressa que a estudante estabelece uma relação de correspondência cardinal e ordinal. Isso implica em afirmar que a aluna consegue determinar um valor cardinal por meio de uma posição. Ela compreendeu, portanto, a estreita correspondência entre os processos mentais básicos (ordenação e cardinação) para a construção do conceito de número e de fatos aritméticos na criança.

Outro processo mental básico inerente à construção de fato aritméticos básicos observado no registo da estudante é a inclusão hierárquica. O desenho mostra que os peixes foram sendo incluídos em um grupo e que o último peixe da série serve para representar o total de peixes, conforme ilustrado na Figura (3).

Representação simbólica da Inclusão Hierárquica
Figura (3)
Representação simbólica da Inclusão Hierárquica
Fonte: Moraes (2019, p.117)

Essa estudante conseguiu estabelecer uma hierarquia ou uma inclusão permanente entre o todo e as partes (PIAGET; SZEMINSKA, 1981). Desse modo, no processo de contagem, a estudante só conseguiu quantificar o conjunto de peixes quando colocados em uma única relação que sintetizasse ordenação e inclusão hierárquica. Ou seja, um processo mental de “assimilação recíproca de dois esquemas, o esquema de ordenação e o de ir incluindo hierarquicamente um em dois, dois em três etc” (KAMII, 1997, p. 28).

Esses processos mentais (ordenação e inclusão hierárquica) auxiliam na construção de fatos aritméticos. Eles ajudam a criança a entender que a “adição é uma operação reversível” (PIAGET; SZEMINSKA, 1981, p. 257). Os poemas problemas provocaram a manifestação de dois tipos de adição, segundo Piaget e Szeminska (1981), a adição de classes e a adição aritmética.

Em termos gerais, a adição de classe é um processo mental em que ocorre a reunião de indivíduos que apresentam em comum a mesma qualidade. Enquanto a adição aritmética consiste em um processo mental em que ocorre a junção de elementos caracterizados pelo seu aspecto cardinal (quantitativo) e não por aspectos qualitativos (PIAGET; SZEMINSKA, 1981).

Esses processos mentais básicos implicam em um processo de transferência de conceitos matemáticos expressados na linguagem matemática para a língua materna e vice e versa. Por exemplo, na interpretação do poema Meu Aquário o estudante recorre à linguagem pictórica e a elementos da Linguagem Matemática, conforme ilustrado na Figura 4.

Aspectos
da Linguagem Matemática
Figura (4)
Aspectos da Linguagem Matemática
Fonte: Moraes (2019, p.118)

O desenho possibilita inferir que o estudante, na interpretação do poema problema, associa a palavra mais com o conceito de adição expressado na utilização do sinal de mais (+), . As bolinhas, o sinal + e o algarismo 12, representam a expressão do pensamento matemático da criança e suas estratégias pessoais para o enfrentamento da situação problema. Aqui percebe-se uma relação de complementaridade entre a Língua Portuguesa (o poema), a Linguagem Pictórica (os desenhos) e a Linguagem Matemática (sinais matemáticos e algarismos), possibilitando apresentar a Matemática de forma mais lúdica e significativa aos estudantes, ou seja, evitando uma mera aplicação de exercícios prática que tem causado, nas crianças, aversão à Matemática.

5 A TÍTULO DE CONCLUSÕES

Os resultados da pesquisa mostraram que uma prática pedagógica interdisciplinar no ensino de Matemática é possível de ser realizada no contexto da Educação Básica, principalmente, nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Dessa forma, a SDI desenvolvida assumiu os gêneros textuais como suporte ao ensino de Matemática em interface com a Língua Materna. A interdisciplinaridade traduziu-se nessa pesquisa como uma forma de olhar a construção do conhecimento a partir da curiosidade das crianças. O não estabelecimento de fronteiras entre as disciplinas possibilitou a integração dos saberes matemáticos e linguísticos. Mesmo que as atividades partissem de objetivos inerentes à Matemática, não se tinha um fim nela.

Essa interação entre a Língua Portuguesa e a Matemática (interação entre as disciplinas) não se deu somente nas atividades com os poemas. As habilidades de leitura, de escrita e de cálculo também foram exploradas, interdisciplinarmente, nas tarefas com materiais manipuláveis e nas atividades de escrita. Nesse contexto, a interdisciplinaridade provocou na pesquisadora e na professora da turma uma nova atitude diante da construção do conhecimento matemático e linguístico.

Os conteúdos dessas duas disciplinas tiveram uma conexão entre si. O ensino de Matemática teve sentido para os estudantes. A escola possibilitou que eles estabelecessem uma relação com o mundo. Essa relação se deu a partir das práticas de leitura e de escrita permeadas pela literatura. Desse modo, a organização da SDI foi pensada a partir de uma escola que tivesse o potencial para ensinar. Uma escola que não limita, que fomenta a aprendizagem e que amplia as possibilidades de ensinar e de aprender e que não impede o estudante de tecer sua própria rede de conhecimento.

O ensino de Matemática interdisciplinar forneceu ao estudante habilidades e competências necessárias para que ele compreendesse o mundo e o seu lugar nesse mundo, ou seja, uma compreensão global do conhecimento e não fragmentada, pois pensar dessa forma é analisar os problemas a partir de diversos contextos. Mas para isso o professor também precisa mudar sua prática, principalmente, se adotar uma postura interdisciplinar diante da construção do conhecimento.

A presente pesquisa possibilitou refletir que uma postura docente interdisciplinar exige um projeto de trabalho colaborativo. Agir dessa forma ajuda evitar a fragmentação e a alienação dos saberes escolares e que um projeto de ensino interdisciplinar rompe com as fronteiras existentes entre as disciplinas escolares. Por conseguinte, o desenvolvimento de um projeto pedagógico interdisciplinar questiona e faz seus profissionais e estudantes pensarem sobre a identidade da escola, a ação pedagógica e a dimensão das práticas pedagógicas.

A Sequência Didática desenvolvida na pesquisa trouxe uma abordagem diferenciada para o ensino de Matemática[5]. Por meio dos poemas, por exemplo, a prática da leitura abriu espaço para um diálogo entre distintas áreas do conhecimento. Deu autonomia aos estudantes, provocou neles uma postura investigativa, pois não foram dadas respostas prontas. As soluções dos poemas problemas foram construídas individual e coletivamente.

A leitura, nesse trabalho, teve lugar central na prática pedagógica. Por isso, precisa ser ensinada por todo professor, qualquer que seja a disciplina que leciona. Ler é uma condição necessária para a produção do conhecimento escolar. Uma das maiores contribuições que a escola pode proporcionar aos estudantes é a aprendizagem da leitura. Portanto, o ensino de Matemática, desde os anos iniciais de escolarização, precisa ajudar os estudantes a compreender como a sociedade pode ser desigual e injusta. A escola, então, precisa formar indivíduos cada vez mais letrados nas diversas áreas do conhecimento, que possam seguir aprendendo pelo resto de suas vidas e capazes de saber utilizar a leitura, a escrita e a Matemática para compreender o mundo de forma mais crítica.

REFERENCIAS

ALVES, Adriana. Interdisciplinaridade e Matemática. In: FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 103-118.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular do Ensino Fundamental. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2017.

BUENO, Renata. Poemas Problemas. São Paulo: Editora do Brasil, 2012.

FAZENDA, Ivani (org.). Interdisciplinaridade-transdisciplinaridade: visões culturais e epistemológicas. In: FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 21-32.

JOSÉ, Mariana Aranha Moreira. Interdisciplinaridade: as disciplinas e a interdisciplinaridade brasileira. In: FAZENDA, Ivani (org.). O que é interdisciplinaridade? 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013, p. 91-102.

KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. 20. ed. Campinas, SP: Papirus, 1995.

KAMII, Constance. Aritmética: novas perspectivas e implicações sobre a teoria de Piaget. 6. ed. Campinas, SP: Papirus, 1997.

KLEIMAN, Ângela. MORAES, Silvia. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999.

MACHADO, Nilson José. Matemática e Língua Materna. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

MORAES, Patrícia Pena. ENTRE POEMAS E PROBLEMAS: o ensino de matemática nos anos iniciais e sua interface com a língua materna. Dissertação (Mestrado Profissional) sob a orientação do Prof. Dr. Arthur Gonçalves Machado Júnior. Programa de Pós-Graduação em Docência em Educação em Ciências e Matemáticas do Instituto de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, Brasil. 172 f. 2019.

PIAGET, Jean. SZEMINSKA, A. A gênese do número na criança. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

SEVERINO, A. J. Metodologia do Trabalho Científico. 22 ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SMOLE, Kátia Cristina Stocco. Textos em Matemática: por que não? In: SMOLE, Kátia Cristina Stocco. DINIZ, Maria Ignez. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2000, p. 29-68.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

TOMAZ, S. DAVID, M. Interdisciplinaridade e aprendizagem matemática em sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

Notas

[3] Mais informações, acesse: http://ppgdoc.propesp.ufpa.br
[4] SEVERINO, Antonio Joaquim; FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Orgs.). Políticas Educacionais: o ensino nacional em questão. Campinas. SP: Papirus, 2003. 192p.
[5] Mais informações, acesse: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/566483

Autor notes

1 Mestra pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora dos Anos Iniciais na Prefeitura Municipal de São Francisco do Pará (PMSP), São Francisco do Pará, Pará, Brasil. Endereço para correspondência: Av. Inácio de Queiroz, S/N, Vila de Jambu-Açu, São Francisco do Pará, Pará, Brasil, CEP: 68748-000.
2 Doutor pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor do Magistério Superior na Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará, Brasil. Endereço para correspondência: Av. Eng. Fernando Guilhon, número: 2304 (fundos), 14 de março e Pass. Teixeira, Cremação, Belém, Pará, Brasil, CEP: 66045-205.

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