UMA ANÁLISE DA PRESENÇA DAS TEMÁTICAS EDUCAÇÃO INCLUSIVA NOS PROJETOS PEDAGÓGICOS DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DA REGIÃO NORTE DO BRASIL

A CONCERNENT ANALYSIS OF THE PRESENCE OF THE THEMES INCLUSIVE EDUCATION IN THE PEDAGOGICAL PROJECTS OF THE LICENSING COURSES IN MATHEMATICS IN THE NORTH REGION OF BRAZIL

Marcia Rosa Uliana 1
Universidade Federal do Mato Grosso(UFMT), Brasil
Ingryd Luana Wonczak de Paula 2
Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Brasil
Pâmela da Silva Santos 3
Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Brasil
Thainani Rodrigues Amorim Nascimento 4
Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 8, núm. 3, 2020

revistareamec@gmail.com

Recepção: 15 Abril 2020

Aprovação: 08 Agosto 2020



DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v8i3.10185

Resumo: O estudo em tela teve por objetivo investigar como estão estruturadas, nos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs) presenciais de Licenciatura em Matemática da região Norte, as temáticas educação de estudantes com deficiência, diversidade humana, Educação Inclusiva e outras correlatas. Conforme dados do Censo da Educação Superior de 2017, na região Norte do Brasil são ofertados 57 cursos presenciais de Licenciatura em Matemática. Deste quantitativo, foi possível inventariar e analisar os PPCs de 43 cursos. Trata-se de um estudo desenvolvido na abordagem qualitativa, do tipo documental, em que se deteve em analisar, nos currículos dos cursos, como estão estruturadas as temáticas referentes a Educação Inclusiva supracitadas. Constatou-se que as temáticas de Educação Inclusiva estão presentes de forma tímida nos currículos dos cursos, e, dentre os grupos estigmatizados, o de pessoas com deficiência é o que apresentou maior recorrência nas ementas dos PPCs analisados.

Palavras-chave: Licenciatura em Matemática, Região Norte, Educação Inclusiva.

Abstract: The objective of the study was to investigate how the Pedagogical Course Projects (PPCs) for undergraduate courses in Mathematics in the Northern region are structured with the themes of education of students with disabilities, human diversity, Inclusive Education and other related subjects. According to data from the 2017 Higher Education Census, 57 classroom courses in Mathematics are offered in the Northern region of Brazil. Of this amount, it was possible to inventory and analyze the PPCs of 43 courses. It is a study developed in the qualitative approach, of the documentary type, in which it stopped to analyze in the curricula of the courses how the aforementioned Inclusive Education themes are structured. It was found that the themes concerning Inclusive Education are present in a shy form in the curricula of the courses, among the stigmatized groups the one of people with disabilities is the one that presented the greatest recurrence in the analyzed PPCs.

Keywords: Degree in Mathematics, North region, Inclusive education.

1 INTRODUÇÃO

Cabe mencionar que o estudo em questão está vinculado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) por meio do projeto intitulado PROJETO PEDAGÓGICO DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DA REGIÃO NORTE DO BRASIL: em foco a análise das temáticas educação de estudantes com deficiência, inclusão escolar, diversidade humana e educação inclusiva, e esse, por vez, é um desdobramento do projeto “guarda-chuva” denominado PANORAMA DA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA NA REGIÃO NORTE DO BRASIL, do Grupo Rondoniense de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática (GROEPEM).Esse grupo de pesquisa se encontra vinculado ao Departamento de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Rondônia - Campus de Ji-Paraná.

Considerando a pretensão do projeto “guarda-chuva”, a fonte de dados escolhida são os Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs) de Licenciatura em Matemática da modalidade presencial ofertados na região Norte do Brasil. Essa fonte foi escolhida pelo fato do PPC ser um documento obrigatório para todos os cursos de graduação, e nele se apresenta/define a formação inicial que se pretende com tal curso.

Apesar de a Constituição Federal do Brasil de 1988 estabelecer, no seu artigo 205, que “a educação é um direito de todos e dever do estado e da família” (BRASIL, 1988, p.71), estudos como de Gatti et al. (2019) mostram que a educação brasileira é elitista, discriminatória e de baixa qualidade.

Considerando, ainda, que “a qualidade da oferta educativa, por sua vez, tem como um de seus elementos-chave, professores bem formados e valorizados” (GATTI et al., 2019, p. 7), surgiu o interesse em pesquisar como as temáticas referentes à educação inclusiva estão postas nos currículos de formação inicial de professores de Matemática da região Norte do Brasil. Cabe destacar que concebemos educação inclusiva como a educação de qualidade para todos os estudantes independente destes possuírem especificidades de natureza econômica, cultural, política, social e física.

Com isso, o presente estudo se ocupou em investigar, nos currículos dos cursos de formação de professores de Matemática da região Norte, como estão sendo trabalhadas as temáticas correlacionadas a grupos estigmatizados como: pessoa com deficiência, indígenas, quilombolas, negros, pessoa com altas habilidades/superdotação, dentre outros.

O interesse em investigar os cursos da região Norte do Brasil se deve, principalmente, por essa região possuir um percentual significativo de sua população de indígenas e de pessoas que vivem no campo, bem como por possuir o menor índice de nível de escolarização do Brasil. Ainda, por essa região não possuir tradição em inovação tecnológica, ter baixa produção científica e possuir Índice de Desenvolvimento Humano e rendimento nas avaliações educacionais abaixo da média nacional.

Tivemos como perguntas norteadoras desse estudo as seguintes: Quantas e quais são as instituições da região Norte que oferecem cursos de Licenciatura em Matemática na modalidade presencial? Os currículos dos cursos possuem disciplinas que abordam sobre a Educação Inclusiva e temas correlatos? Qual a carga horária dessas disciplinas? Que grupos estigmatizados são objeto de estudo nos cursos de Licenciatura em Matemática?

Visando responder essas perguntas, desenvolvemos uma pesquisa com o objetivo de investigar como estão estruturadas, nos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs) presenciais de Licenciatura em Matemática da região Norte, as temáticas concernentes à Educação Inclusiva.

2 A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO BRASIL

No Brasil, a formação inicial para atuação na Educação Básica está a cargo dos cursos de nível superior de licenciatura (BRASIL, 1996). Esses cursos têm como objetivo oportunizar/desenvolver uma gama de saberes referentes ao componente curricular a ser ensinado, bem como os que dizem respeito as metodologias educacionais, além dos que se referem a todo o sistema educacional de forma geral (TARDIF, 2012). Portanto, a formação inicial se constitui como ponto de partida para a atuação docente, todavia, não é o único momento de aprendizagens por parte dos professores, uma vez que aprender a ser professor é uma caminhada constante e infindável (SERRAZINA, 2012).

Nesse sentido, no contexto da formação inicial, Mizukami (2008, p. 216) salienta que esse é o “momento formal em que processos de aprender a ensinar e aprender a ser professor começam a ser construídos de forma mais sistemática, fundamentada e contextualizada”. Assim, deve-se possibilitar ao futuro docente a constituição “de uma bagagem sólida nos âmbitos científicos, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal que deve capacitar o futuro professor ou professora a assumir a tarefa educativa em toda sua complexidade” (IMBERNÓN, 2011, p. 68), tendo esta se intensificado com a imprevisibilidade e incerteza deste século (SERRAZINA, 2012).

Dentre as possibilidades de atuação docente há a que concerne ao componente curricular de Matemática, sendo que para lecionar na mesma necessita-se cursar Licenciatura em Matemática, que tem por objetivo a formação de professores para a Educação Básica, conforme estabelece o Parecer CNE/CES 1.302/2001 (BRASIL, 2001).

Historicamente, esses cursos têm seus currículos constituídos de forma similar aos de bacharelado em Matemática, pois se acreditava, em razão do senso comum, que qualquer pessoa poderia lecionar desde que conhecesse o conteúdo. Assim, os currículos se estruturavam, em sua maioria, sobre conhecimentos específicos de Matemática, desconsiderando o que diz respeito à docência e ao processo de ensino-aprendizagem.

Todavia, “saber Matemática para ser um matemático não é a mesma coisa que saber Matemática para ser um professor de Matemática” (SHULMAN, 1986 apud FIORENTINI, 2005, p. 109), pois o professor deve ter um conhecimento matemático profundo, bem como de sua natureza, evolução histórica e relevância social e na formação de sujeitos (ALBUQUERQUE et al., 2005). E, além disso, deve ter conhecimentos acerca das questões sociais e culturais que envolvem a educação, uma vez que, de acordo com Freire (2001, p. 22), a “natureza formadora da docência, que não poderia reduzir-se a puro processo técnico e mecânico de transferir conhecimentos, enfatiza a exigência ético-democrática do respeito ao pensamento, aos gostos, aos receios, aos desejos, à curiosidade dos educandos”.

É notório, portanto, que formar docentes para lecionar este componente curricular não deve se limitar aos conteúdos referentes apenas à Matemática, como comumente acontece, mas que deve ser nutrido de bases que possibilitem ao futuro docente adentrar nas turmas com conhecimentos suficientes para iniciar um processo de ensino-aprendizagem que oportunize aos alunos a construção de conhecimentos que lhe possam ser significativos.

Os primeiros cursos que visaram a formação inicial de professores de Matemática para atuar na Educação Básica no Brasil tiveram início na década de 30 do século XX (FERREIRA, 2012). De acordo com os Microdados do Censo da Educação Superior de 2017, existia no Brasil um quantitativo de 589 cursos de formação de professores de Matemática, sendo 518 cursos ofertados na modalidade presencial e 71 à distância. Os 518 cursos ofertados na modalidade presencial estavam, dessa forma, distribuídos pelas regiões brasileiras: Norte, 57 cursos; Nordeste, 173 cursos; Centro-Oeste, 56 cursos; Sul, 85 cursos; e, Sudeste, 147 cursos.

Ao longo dos anos foram sendo criados diversos documentos e leis a fim de regulamentar os cursos de formação de professores no Brasil. Em 2015, foi lançada nova reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Inicial em Nível Superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a Formação Continuada – Resolução CNE/CP nº 2/2015 (BRASIL, 2015), que visou uma reestruturação dos cursos de formação de professores, dentre eles os de Licenciatura em Matemática, sinalizando mudanças nos “princípios, fundamentos, dinâmica formativa e procedimentos a serem observados nas políticas, na gestão e nos programas e cursos de formação, bem como no planejamento, nos processos de avaliação e de regulação das instituições de educação que as ofertam” (BRASIL, 2015, p. 2-3).

Dentre os vários aspectos elucidados pelo documento, este estabelece que os cursos deverão ter, no mínimo, 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico divididas em, pelo menos, 8 semestres ou 4 anos. A carga horária mínima estabelecida se divide em: 400 horas de prática como componente curricular, que devem ser distribuídas ao longo do processo formativo; 400 horas de estágio supervisionado; 2.200 horas dedicadas às atividades formativas; e, 200 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos estudantes (BRASIL, 2015).

Uma questão bastante discutida na atualidade e também evidenciada pelas DNCs para a Formação de Professores (2015) diz respeito à formação docente para atender a diversidade humana. Para tanto, a referida diretriz especifica no Parágrafo Segundo do Artigo 13 que:

os cursos de formação deverão garantir nos currículos conteúdos específicos da respectiva área de conhecimento ou interdisciplinares, seus fundamentos e metodologias, bem como conteúdos relacionados aos fundamentos da educação, formação na área de políticas públicas e gestão da educação, seus fundamentos e metodologias, direitos humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, Língua Brasileira de Sinais (Libras), educação especial e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas (BRASIL, 2015, p. 11).

Discussões essas que culminam com o que estabelecem as DCNs da Educação Básica (BRASIL, 2013) ao enunciar que se deve respeitar os estudantes levando-se em conta seus tempos mentais, socioemocionais, culturais e identitários, e isso em cada etapa do ensino, sendo que este se estende a todas as modalidades de ensino, a saber: Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Profissional e Tecnológica, Educação à Distância, educação nos estabelecimentos penais e a educação quilombola.

Nesse sentido, torna-se clara a relevância das discussões no que tange a temática diversidade humana e, consequentemente, a Educação Inclusiva, a qual “pode ser definida como a prática da inclusão de todos, independente de seu talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural em escolas e salas de aula provedoras, onde as necessidades desses estudantes sejam satisfeitas” (STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 21).

Dentre as discussões sobre a Educação Inclusiva, enuncia-se, entre as modalidades da Educação Básica, a Educação Especial, que se constitui, segundo o Art. 58 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB, p. 23) n° 9.394/96, como “a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”.

Logo, é evidente como tem se constituído, de forma complexa, a formação de professores para lidar com toda a demanda do sistema educacional e acrescida, nas últimas décadas, das discussões da diversidade de sujeitos presentes em suas turmas, assim como da influência significativa das questões socioculturais nas salas de aula. Com isso, surge a demanda, principalmente desde a década de 1990, com o aumento da diversidade de estudantes nos ambientes escolares, de inovações nas questões pedagógicas e de pesquisas na área (ULIANA; MÓL, 2019).

Frente ao paradigma de formação adequada e que muna o docente de recursos que o prepare para lidar com as situações que enfrentará, para oportunizar ao mesmo as condições necessárias para atender parte dessa demanda que tem surgido nas escolas, a Resolução n° 2 de 2015 também elucida a obrigatoriedade da oferta da disciplina de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) nos cursos de formação de professores, tendo sido promulgada através do Decreto de Lei n° 5.626/2005. Esse documento deixa claro, no Art. 3, que:

a Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (BRASIL, 2005, s.p.).

Além disso, há nesse contexto alguns documentos legais, nacionais e internacionais, de grande relevância no que diz respeito a seguridade dos direitos da pessoa com deficiência, entre eles o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n° 13.146, de 06 de julho de 2015) que se “destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015, s.p.).

No que diz respeito exclusivamente à Educação, esta lei enuncia no Art. 27 que:

a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (BRASIL, 2015, s.p.).

Percebe-se, portanto, parte da complexidade na qual tem se constituído a formação de professores que sejam capazes de atender a toda a diversidade presente nas salas de aula em razão das características próprias de cada sujeito e de cada contexto, e, ainda, sem deixar de considerar a unidade de todos os envolvidos. É preciso formar profissionais conscientes de seu papel na educação, pois a “inclusão e exclusão começam na sala de aula” (MITTLER, 2003, p. 137), concebendo-se, então, o docente como principal agente no processo de uma escolarização inclusiva.

E como bem evidenciam Gatti et al. (2019, p. 7),

a construção de sistemas educativos de qualidade, equitativos e inclusivos passa, necessariamente, pela efetivação de políticas docentes que promovam atratividade à carreira, formação inicial e continuada consistente, reconhecimento e possibilidade de desenvolvimento profissional, remuneração e condições de trabalho adequadas.

Fica evidente que é preciso que se proponham soluções às situações no que dizem respeito as lacunas que ainda existem e que precisam urgentemente serem sanadas na formação e atuação docente, visto que a diversidade de alunos presentes nas escolas de educação regular não pode continuar a ser ignorada e/ou vítima de sistema educativo discriminatório e elitista.

Para tanto, é sabido que, por mais que o professor seja o grande protagonista, para a efetivação do processo de inclusão escolar é necessário que haja articulação entre escola, universidades, poder público e sociedade, pois somente a partir daí poderá se alcançar o objetivo de uma escolarização inclusiva e que escolarize cidadãos para viver em sociedade de forma plena.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Considerando as questões norteadoras e os objetivos pretendidos com a pesquisa, optou-se pela abordagem qualitativa. A escolha dessa abordagem se deve, principalmente, ao fato dos dados serem coletados, analisados e apresentados de forma descritiva. Nas palavras de Bogdan e Biklen (1994, p. 48), nessa abordagem os pesquisadores “tentam analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto possível, a forma em que estes foram registrados e transcritos”. Quanto ao tipo de pesquisa, trata-se de um estudo documental exploratório que teve como fonte de dados os PPCs de Licenciatura em Matemática, da modalidade presencial, da região Norte do Brasil. A pesquisa documental “vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (GIL, 2008, p. 70).

Para identificar quantos e em quais Instituições de Ensino Superior (IES) são ofertados cursos de Licenciatura em Matemática na modalidade presencial na região Norte do Brasil, pautamo-nos nos Microdados do Censo da Educação de 2017. Conforme esse levantamento estatístico, havia, em 2017, 57 cursos de Licenciatura em Matemática na modalidade presencial nos estados da região Norte. Contudo, ao se proceder com o inventário dos PPCs junto aos sites das instituições, foi identificado que os cursos de Licenciatura em Matemática ofertados pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e contabilizado pelo Censo como presencial nas cidades de Tonantins, Maués, Barreirinha, Eirunepé e São Gabriel da Cachoeira são ofertados na modalidade presencial mediado; sendo esta modalidade distinta da que se tem como objeto de pesquisa, os cursos enumerados foram desconsiderados no inventario dos PPCs. Cabe destacar, ainda, que também foram desconsiderados os cursos ofertados pela UEA, nas cidades de Tefé e Itacoatiara, por serem de segunda licenciatura (os PPCs possuem 1.200 horas).

Vale esclarecer que nem todas as instituições pesquisadas disponibilizam em seus sites o PPC de Licenciatura em Matemática que oferecem. Na tentativa de obter tais documentos, buscou-se entrar em contato com a coordenação dos referidos cursos, via e-mails institucionais disponíveis nos sites, apresentando a pesquisa em pauta e requerendo o PPPC do seus cursos de Licenciatura em Matemática. Ao término das buscas pelos PPCs, que ocorreu entre os meses de agosto de 2018 a março de 2019, foi possível obter, para análise, 43 dos 50 PPCs dos cursos que se considerou como objeto de pesquisa.

Cabe anunciar que não se conseguiu obter para análise os PPCs de Licenciatura em Matemática ofertados pelas seguintes instituições: Escola Superior Batista do Amazonas (ESBAM), em Manaus – AM; Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), em Macapá – AP; Faculdade Madre Tereza (FAMAT), em Santana – AP; Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Palmas – TO; Escola Superior Madre Celeste (ESMAC), em Ananindeua – PA; Universidade da Amazônia (UNAMA), em Belém – PA; e, Universidade Federal do Pará (UFPA), em Bragança – PA.

Ao todo, foram analisados 32 PPCs de 43 cursos, visto que a UEA/AM utiliza 1 PPC para 4 cursos (Manaus, Tabatinga, Parintins e Tefé) e a UEPA/PA 1 PPC para 9 cursos (Altamira, Belém, Conceição do Araguaia, Igarapé-Açú, Marabá, Mojú, Paragominas, São Miguel do Guamá e Vigia de Nazaré).

Considerando que intentávamos investigar se e como as temáticas educação de estudantes com deficiência, diversidade humana, Educação Inclusiva e outras correlatas estavam presentes nos cursos de Licenciatura em Matemática na região Norte, focamos a análise nas matrizes curriculares dos referidos cursos e em suas ementas. Para analisar os dados, foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Os PPCs dos 43 cursos de Licenciatura em Matemática da modalidade presencial na região Norte que obtemos para análise, são, na grande maioria, ofertados por instituições públicas. Apenas 2 cursos são de instituições privadas, ambos no Estado de Rondônia, sendo esses: o curso ofertado pela Faculdades Integradas de Ariquemes (FIAR) – Ariquemes, e o curso da Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal (FACIMED) – Cacoal. Cabe destacar que, dentre os cursos listados no Censo do Ensino Superior de 2017, havia outros 4 ofertados por instituições privadas, os quais não se conseguiu ter acesso ao PPC.

No Quadro 1 apresentamos, separado por Estado, os nomes das 43 instituições que oferecem o curso de Licenciatura em Matemática na modalidade presencial na região Norte aos quais se teve acesso ao PPC para análise.

Quadro 1
PPCs dos cursos presenciais de Licenciatura em Matemática de IES da região Norte do Brasil.
Estado Instituição Ano do PPC
Acre AC Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC) – Cruzeiro do Sul 2014
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC) – Rio Branco 2017
Universidade Federal do Acre (UFAC) – Rio Branco 2013
Amazonas AM Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFAM) – Manaus 2019
Universidade Federal do Amazonas (UFAM) – Manaus 2018
Universidade Estadual do Amazonas (UEA) – Manaus Universidade Estadual do Amazonas (UEA) – Parintins Universidade Estadual do Amazonas (UEA) – Tabatinga Universidade Estadual do Amazonas (UEA) – Tefé 2013
Universidade Estadual do Amazonas (UEA) – Presidente Figueiredo 2019
Amapá AP Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá (IFAP) – Macapá 2016
Pará PA Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) – Belém 2017
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) – Santarém 2014
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) – Marabá 2014
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA) – Santana do Araguaia 2016
Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Altamira Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Belém Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Conceição do Araguaia Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Igarapé-Açú Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Marabá Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Mojú Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Paragominas Universidade do Estado do Pará (UEPA) – São Miguel do Guamá Universidade do Estado do Pará (UEPA) – Vigia de Nazaré 2012
Universidade Federal do Pará (UFPA) – Belém 2011
Universidade Federal do Pará (UFPA) – Castanhal 2018
Universidade Federal do Pará (UFPA) – Breves 2010
Universidade Federal do Pará (UFPA) – Cametá 2011
Universidade Federal do Pará (UFPA) – Abaetetuba 2008
Universidade Federal do Pará (UFPA) – Salinópolis 2016
Rondônia RO Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO) – Cacoal 2014
Faculdades Integradas de Ariquemes (FIAR) – Ariquemes 2009
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO) – Vilhena 2011
Faculdade de Ciências Biomédicas de Cacoal (FACIMED) – Cacoal 2016
Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR) – Ji-Paraná 2016
Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR) – Porto Velho 2015
Roraima RR Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR) – Boa Vista 2016
Universidade Estadual de Roraima (UERR) – Boa Vista 2010
Universidade Federal de Roraima (UFRR) – Boa Vista 2011
Tocantins TO Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO) – Palmas 2017
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO) – Paraíso 2016
Fundação Universidade Federal de Tocantins (UFT) – Araguaína 2012
Fundação Universidade Federal de Tocantins (UFT) – Arraias 2010
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos PPCs analisados.

Conforme pode ser evidenciado no Quadro 1, 31 dos 43 cursos analisados são ofertados por universidades públicas, 10 por institutos federais e 2 por faculdades particulares. Cabe destacar a representatividade das universidades estaduais nos Estados do Amazonas e do Pará no processo de formação de professores de Matemática.

No que se refere ao ano de elaboração/reformulação dos PPCs, observa-se que 15 dos 43 projetos foram elaborados após a vigência da Resolução CNE/CP nº 02, de 01 de julho de 2015. Ao analisar os currículos dos cursos, constatou-se que todos possuem uma disciplina de Libras, sendo este um componente curricular obrigatório nos cursos de formação de professores, conforme estabelece o Decreto nº 5.626/2005. A carga horária da disciplina de Libras nos cursos analisados oscila entre 34 a 80 horas, e tem como ementas, em geral, os seguintes tópicos: introdução de aspectos histórico e legal sobre a surdez e utilização instrumental da Libras. Cabe destacar que as ementas são genéricas, visto que nenhuma aborda o que é trabalhado especificamente em tópicos/conteúdos e linguagem matemática.

No Quadro 2 apresentamos uma análise quantitativa das cargas horárias em relação as disciplinas de Educação Inclusiva e correlatas ofertadas nos cursos analisados.

Quadro 2
Carga horária geral e das disciplinas de Educação Inclusiva dos cursos presenciais de Licenciatura em Matemática de IES da região Norte do Brasil.
Estado Instituição C. H. Total do curso C. H. Educação inclusiva e correlatas Percentual de disciplina
AC IFAC – Cruzeiro do Sul 2.940 h 105 h 3,5%
IFAC – Rio Branco 3.210 h 105 h 3,2%
UFAC – Rio Branco 2.975 h 120 h 4%
AM IFAM – Manaus 3.500 h 120 h 3,4%
UFAM – Manaus 3.245 h 60 h 1,8%
UEA – Manaus UEA – Parintins UEA – Tabatinga UEA – Tefé 3.185 h 60 h 1,8%
UEA – Presidente Figueiredo 2.910 h 60 h 2%
AP IFAP – Macapá 3.277 h 200 h 6,1%
PA IFPA – Belém 3.860 h 456 h 11,8%
UFOPA – Santarém 3.328 h 51 h 1,5%
UNIFESSPA – Marabá 3.196 h 153 h 4,7%
UNIFESSPA – Santana do Araguaia 3.332 h 425 h 12,7%
UEPA – Altamira UEPA – Belém UEPA – Conceição do Araguaia UEPA – Igarapé-Açú UEPA – Marabá UEPA – Mojú UEPA – Paragominas UEPA – São Miguel do Guamá UEPA – Vigia de Nazaré 3.560 h 160 h 4,4%
UFPA – Belém 3.048 h 102 h 3,3%
UFPA – Castanhal 3.215 h 330 h 10,2%
UFPA – Breves 3.060 h 68 h 2,2%
UFPA – Cametá 3.050 h 60 h 1,9%
UFPA – Abaetetuba 2.910 h 225 h 7,7%
UFPA – Salinópolis 3.410 h 60 h 1,7%
RO IFRO – Cacoal 2.840 h 240h 8,4%
FIAR – Ariquemes 3.560 h 80 h 2,24%
IFRO – Vilhena 3.334 h 240 h 7,1%
FACIMED – Cacoal 3.334 h 100 h 2,9%
UNIR – Ji-Paraná 3.360 h 220 h 6,5%
UNIR – Porto Velho 3.660 h 220 h 6 %
RR IFRR – Boa Vista 3.170 h 80 h 2,5%
UERR – Boa Vista 3.088 h 36 h 1,1%
UFRR – Boa Vista 3.210 h 60 h 1,8%
TO IFTO – Palmas 2.955 h 180 h 6%
IFTO – Paraíso 2.865 h 160 h 5,5%
UFT – Araguaína 3.250 h 285 h 8,7%
UFT – Arraias 3.320 h 405 h 12,1%
Fonte: Elaborado pelas autoras com base nos PPCs analisadosQuadro 2 Carga horária (C.H.).

De acordo com o exposto no Quadro 2, 26 cursos analisados possuem carga horária igual ou superior as 3.200 horas exigidas pela Resolução CNE/CP nº 02/2015, ou seja, 17 cursos precisam ser reformulados, não mais para atender a esse documento, mas sim à Resolução CNE/CP nº 02/2019 (BRASIL, 2019), que substitui a Resolução CNE/CP nº 02/2015, em dezembro de 2019, e que também estabelece carga horária mínima de 3.200 horas para os cursos de licenciatura.

No que se refere ao currículo dos cursos, percebe-se que muitos dos analisados possuem um quantitativo de componentes curriculares mais recomendados para formar bacharéis em Matemática do que professores de Matemática na educação básica. Fato este que é perceptível, principalmente, pelo número elevado de componentes de Álgebra, Análise e Geometria, e um número muito restrito que aborda sobre o processo de ensino e aprendizagem de tópicos de conteúdos de matemática, em geral, para estudantes da educação básica e que abordem sobre demandas específicas de estudantes de grupos estigmatizados que fazem parte do público-alvo da educação básica. Como salientam Albuquerque et al. (2005) e Fiorentini (2005), um curso de formação de professores de matemática precisa ser considerado o desenvolvimento de conhecimentos aprofundados da Matemática, mas também o processo de ensino e aprendizagem da mesma.

Analisando o Quadro 2, também podemos averiguar que o curso com maior quantidade de horas de disciplina sobre Educação Inclusiva e temas correlatos é o da UNIFESSP/campus de Santana do Araguaia, com 425 horas de disciplinas nos referidos temas, carga horária esta que equivale a 12,7% da carga horária total do curso. Já o curso que apresenta o menor quantitativo de horas é da UERR/campus de Boa Vista, com apenas 36 horas destinadas à temática de pesquisa proposta nesse estudo, o que equivale a 1,1% da carga horária do curso.

No PPC do curso da UFT/campus de Araguaia identificou-se o maior quantitativo de disciplinas específicas, 5 ao todo, concernentes ao tema da Educação Inclusiva e temas correlatos, sendo elas: Fundamento da Educação Especial; Fundamentos da Educação Inclusiva: Deficiência Auditiva e Visual; Educação Indígena; Cultura Brasileira e as Questões Étnicas Raciais; e, Libras.

Ainda, conforme apresentado no Quadro 2, em 23 dos 43 PPCs analisados identificamos, além da disciplina de Libras, pelo menos outra que aborda sobre temas relacionados à Educação Inclusiva.

Cabe sublimar que o termo Educação Inclusiva se caracteriza como educação de qualidade para todo e qualquer estudante, conforme definem autores como Stainback e Stainback (1999), Mittler (2003), Mantoan (2006) e outros. No entanto, identificamos em diversos PPCs, pelo menos em 15 dos analisados, que este termo está sendo utilizado de forma equivocada, como sinônimo da educação de pessoas com deficiência, apenas.

Apresentaremos, na sequência, uma análise dos currículos dos PPCs no que se refere à presença das seguintes temáticas: pessoas com deficiência; indígenas; estudantes com altas habilidades/superdotação; estudante do campo; e, quilombolas, negros e étnico-raciais.

4.1 Pessoa com deficiência

Identificamos que pessoas com deficiência são objeto de estudo em todos os cursos; contudo, nem todos os tipos de deficiência e suas especificidades são contemplados nas ementas das disciplinas no mesmo nível. A língua das pessoas surdas é objeto de estudo em todos os cursos analisados através da disciplina de Libras, já as demandas específicas dos estudantes surdos no processo de ensino e aprendizagem da Matemática só foi identificado em 3 cursos investigados.

Cabe destacar, ainda, que o curso ofertado pelo IFAP/campus de Macapá é o único dos analisados que oferta uma disciplina que aborda sobre os aspectos da demanda específica de estudante com deficiência visual no processo de ensino-aprendizagem da Matemática, sendo uma disciplina de 40 h intitulada Braille, com a seguinte ementa: “contexto Histórico do Ensino do Braile. Fundamentos Teóricos Metodológicos do Sistema Braile. Simbologia Matemática” (IFAP, 2016, p. 86). Já no curso do UFT/campus de Araguaína existe uma disciplina de 60 h com o nome Fundamentos da Educação Inclusiva: Deficiência Auditiva e Visual, na qual são abordadas as demandas específicas dos alunos com deficiência visual e auditiva. Consta também na ementa da disciplina intitulada “Educação Especial”, ofertada pelo curso do IFPA – Belém, deficiência visual como um tópico de estudo.

Em quase a totalidade das disciplinas, nas temáticas em análise, identificamos nas ementas a expressão “pessoa com deficiência” sem discriminar quais tipos de deficiências serão objeto de estudo nas referidas disciplinas.

4.2 Indígenas

Os indígenas são objeto de estudo em 8 dos 43 cursos analisados. Vale destacar que o curso da UFT/campus de Araguaína é o único, dentre os investigados, que oferta uma disciplina de 60 h exclusiva para abordar a temática, sendo essa intitulada Educação Indígena, possuindo a seguinte ementa:

exame de questões relacionadas ao índio e o não-índio no panorama histórico brasileiro. Estudos de causas e questões étnicas e culturais, bem como a tradição cultural do universo indígena: medicina, narrativas, mitos e saberes diversos. As nações indígenas do Estado do Tocantins e o papel das escolas indígenas nas comunidades (UFT/CAMPUS DE ARAGUAÍNA, 2012, p. 100).

Já o curso do IFPA/campus de Belém oferta uma disciplina de 40 h com o nome Educação para as Relações Étnicos-Raciais e Indígena, sendo abordados diversos aspectos relacionados aos indígenas, conforme pode ser conferido no texto da ementa:

bases Legais da Educação para Relações Etnicorraciais; A importância do continente africano no processo de evolução do Homem; Termos comumente usados nas questões Etnicorraciais (Raça, Etnia, Racismo, Preconceito, discriminação, estereótipo, etnocentrismo, Democracia Racial, Ações Afirmativas); História da Educação do Negro no período da escravização; Processo de Interdição Educacional do Negro; Formação Inicial e continuada de professores para Educação para Relações Etnicorraciais; O NEAB nas Instituições de Ensino Superior e sua atuação na Educação Básica; Intervenção Pedagógica da Educação para Relações Etnicorraciais na Educação Básica; o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil (IFPA/CAMPUS DE BELÉM, 2017, p. 43).

Nos outros 6 cursos, a temática indígena aparece apenas como um tópico da ementa de alguma disciplina que aborde sobre outros grupos de pessoas estigmatizadas.

4.3 Estudantes com Altas Habilidades/superdotação

Estudantes com altas habilidades/superdotação constituem outro grupo de estudantes que está presente nas escolas de Educação Básica e possuem especificidades no processo de ensino-aprendizagem; no entanto, identificamos que esse tema aparece na ementa dos seguintes cursos: IFTO – campus Paraíso de Tocantins; UNIR – Ji-Paraná; IFPA – campus Belém; e, IFAM – campus Manaus.

Cabe destacar que o curso da UNIR – campus de Ji-Paraná é o único que apresenta uma ementa na qual é contemplado não só aspectos e particularidades de grupos de estudantes estigmatizados, dentre eles os com altas habilidades/superdotação, mas que também aborda sobre o processo de ensino-aprendizagem de Matemática para esses estudantes, conforme pode ser contemplado no texto da ementa:

História e Fundamentos da educação e da Educação Inclusiva. As necessidades pedagógicas específicas no ensino-aprendizagem da Matemática para a diversidade de alunos; Dificuldades de Aprendizagem. Intervenções didático-pedagógicas no ensino-aprendizagem da Matemática para a diversidade de alunos (povos da floresta, negros, educandos do campo, educandos da Educação de Jovens e Adultos, pessoas com deficiência, pessoas com altas habilidades e pessoas em vulnerabilidade social) no contexto escolar. Questões Étnico-Raciais, direitos humanos e de gênero na educação (UNIR/CAMPUS JI-PARANÁ, 2016, p. 81).

Os outros 3 cursos preveem, em suas ementas, que sejam trabalhadas nos cursos apenas as especificidades das pessoas com altas habilidades/superdotação.

4.4 Estudante do campo

Identificamos que a temática estudante do campo é objeto de estudo em apenas 2 dos cursos analisados, sendo o da UNIR – campus Ji-Paraná e o da UFT – campus Arraias. No curso da UFT – campus Arraias é ofertada uma disciplina de 60 horas com o título de Educação do Campo, com a seguinte ementa:

os sujeitos do campo. Cultura e identidade. Práticas escolares e não escolares de educação do campo. Práticas escolares e não-escolares de educação do campo no Tocantins. A educação do campo dos Movimentos sociais no Tocantins. A Pedagogia da Alternância e a educação do campo: abordagem sócio-histórica e pedagógica. Instrumentos pedagógicos da Pedagogia da Alternância. Experiências educativas em Alternância no Brasil. A Pedagogia do Movimento: histórico, contexto, princípios (UFT/CAMPUS ARRAIAS, 2010, p. 94).

Já no PPC da UNIR – Ji-Paraná, a referida temática se constitui apenas de um tópico na disciplina intitulada Educação e Inclusão no Ensino de Matemática.

4.5 Quilombolas, negros e étnico-raciais

Em 10 dos 33 cursos analisados identificamos que as temáticas quilombolas, negros e/ou étnico-raciais são contempladas nas ementas. No PPC da FACIMED – Cacoal localizamos uma disciplina exclusiva sobre o tema, sendo a mesma intitulada História Afro-brasileira, com a seguinte ementa:

a história afro-brasileira e a compreensão dos processos de diversidade étnico-racial e étnico social na formação político, econômica e cultural do Brasil. O processo de naturalização da pobreza e a formação da sociedade brasileira. Igualdade jurídica e desigualdade social. Povos Indígenas, cultura e diversidade (FACIMED/CACOAL, 2016, p. 47).

O curso da UFT – campus Araguaína também possui, em seu currículo, uma disciplina intitulada Cultura Brasileira e as Questões Étnicas Raciais que aborda quase que exclusivamente a temática. A mesma possui a seguinte ementa:

a formação étnico-racial da sociedade brasileira. A eugenia e as políticas de segregação racial no Brasil. História da África e dos africanos. O imaginário eurocêntrico e as bases do preconceito étnico-racial. O Movimento Negro no Brasil e as políticas de Ação Afirmativa. Exame de questões relacionadas ao índio e o não índio no panorama histórico brasileiro. Estudos das causas e questões étnicas e culturais, bem como a tradição cultural do universo indígena. As nações indígenas do Estado do Tocantins e o papel das escolas indígenas nas comunidades (UFT/CAMPUS ARAGUAÍNA, 2012, p. 101).

Nos outros 8 cursos, as temáticas quilombolas, negros e étnico-raciais são objeto de estudo em um ou dois tópicos.

Cabe destacar, ainda, que a temática Estudante de Jovens e Adultos (EJA) nos PPCs de Licenciatura em Matemática não foi analisada neste estudo, pois a mesma está sendo objeto de investigação em outra pesquisa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim da análise dos currículos, de 43 cursos de Licenciatura em Matemática da região Norte do Brasil, ficou evidente que pelo menos uma temática correlacionada à Educação Inclusiva se faz presente em todos os cursos, mas ainda de forma muito restrita, tanto no que se refere à carga horária de disciplinas nessas temáticas, como nos temas e grupos estigmatizados contemplados nas ementas. O curso que apresenta maior carga horária de disciplinas nas temáticas concernentes à Educação Inclusiva, computa apenas 12,7% de sua carga horária total de disciplinas nesse direcionamento.

A temática pessoa com deficiência, mais especificamente a surdez, é a mais discutida; constatou-se uma disciplina, no geral com o nome de Libras, em todos os cursos analisados de formação de professores, o que se deve à obrigatoriedade dessa disciplina expressa pelo Decreto nº 5.626/2005. Já os demais tipos de deficiências e suas especificidades são abordadas em um número bem limitado de cursos.

As temáticas indígenas, estudantes com altas habilidades/superdotação, estudante do campo, quilombolas, negros e étnico-raciais estão presentes em poucos cursos, e em apenas um PPC se encontrou todas essas temáticas como sendo tópico para discussão. De modo geral, identifica-se a presença de uma e não de outra temática nos currículos dos cursos, como se uma fosse mais importante em detrimento das outras, desconsiderando, de certa forma, o que estabelece a Constituição Federal do Brasil, de 1988, ao salientar que a educação de qualidade é direito de todo e qualquer estudante.

Considerando que o despreparo dos professores vem sendo apontado pelas pesquisas como o principal entrave para a efetivação do processo de inclusão da diversidade de alunos nas escolas de educação regular, a falta de espaço nos cursos de formação inicial de professores para desenvolver saberes, nesse direcionamento, se configura como um grande obstáculo para a efetivação de uma educação inclusiva. Cabe destacar que já se passaram três décadas da promulgação das primeiras leis que asseguram a todo e qualquer aluno o direto de ter uma educação de qualidade nas escolas de ensino regular, e não temos legislação que assegura a obrigatoriedade de disciplinas nessas temáticas nos cursos de formação inicial de professores, salve a disciplina de Libras. A Resolução CNE/CP nº 02/2019 de formação de professor, que substituiu a Resolução CNE/CP nº 02/2015, dá ainda menos enfoque à necessidade de temática dessa natureza nos currículos de curso de formação de professores.

Por mais que se tenha o entendimento que em um curso de formação inicial de professores não seja possível desenvolver no futuro professor todos os saberes demandados para o exercício da profissão, acredita-se ser de suma importância que esse profissional tenha a oportunidade de conhecer, nesse processo formativo, pelo menos as especificidades básicas de todos os seus possíveis alunos. Vale ressaltar, também, que cada aluno é único em suas limitações e potencialidades, mesmo que tenham um mesmo laudo ou fator socioeconômico.

Esperamos que o presente estudo sirva de reflexão e aprimoramento para os currículos dos cursos de formação de professores em relação à questão em pauta, e, ainda, que encadeie novos estudos e, quiçá, reflexões para mudanças de políticas de formação docente.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Carlos; VELOSO, Eduardo; ROCHA, Isabel; SANTOS, Leonor; SERRAZINA, Lurdes; NÁPOLES, Suzana. A matemática na formação inicial de professores. Lisboa: APM/SPCE, 2005.

BOGDAN, Robert C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em educação: uma introdução á teoria e aos métodos. Trad. Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto Editora, 1994.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei n° 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília: Congresso Nacional, 2015.

BRASIL. Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o artigo 18 da Lei n° 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, 2005.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação. Parecer 1.302/2001. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura. Brasília: MEC/CNE/CES, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução n° 2, de 1° de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Brasília: CP/CNE/MEC, 2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução n° 2, de 20 de dezembro de 2019. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores para a educação básica e institui a Base Nacional Comum para a formação inicial de professores da educação básica (BNC-Formação). Brasília: CP/CNE/MEC, 2019.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Brasília: MEC/SEF, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB/DICEI, 2013.

FACULDADE DE CIÊNCIAS BIOMÉDICAS DE CACOAL. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática. Cacoal: FACIMED, 2016.

FERREIRA, Ana Cristina. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Minas Gerais e a primeira Licenciatura em Matemática do Estado 2012. In: FERREIRA, Ana Cristina; BRITO, Arlete de Jesus; MIORIM, Maria Ângela (Orgs.). História de formação de professores que ensinaram Matemática no Brasil. Campinas: Ílion, 2012. p. 93-114.

FIORENTINI, Dario. A formação matemática e didático-pedagógica nas disciplinas da Licenciatura em Matemática. Revista de Educação PUC-Campinas, Campinas, n. 18, p. 107-115, jun./jul. 2005.

FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001. (Coleção Questões de Nossa Época. v. 23).

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática. Ji-Paraná: UNIR, 2016.

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática. Araguaína: UFT, 2012.

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática. Arraias: UFT, 2010.

GATTI, Bernardete Angelina et al. Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO, 2019.

GIL, António Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008.

IMBERNÓN, Francisco. Formação Docente e Profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO AMAPÁ. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática. Macapá: IFAP, 2016.

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática. Belém: IFPA, 2017.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como Fazer? São Paulo: Moderna, 2006.

MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Aprendizagem da docência: conhecimento específico, contextos e práticas pedagógicas. In: NACARATO, A. M. A formação do professor que ensina matemática perspectivas e pesquisas. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 213-231.

MITTLER, Peter. Educação inclusiva: contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.

SERRAZINA, Maria de Lurdes Marquês. Conhecimento matemático para ensinar: papel da planificação e da reflexão na formação de professores. Revista Eletrônica de Educação, São Carlos, v. 6, n. 1, p. 266-283, maio 2012.

STAINBACK, Susan; STAINBACK, William. Inclusão: um guia para educadores. Traduzido por Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1999.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

ULIANA, Marcia Rosa; MÓL, Gerson de Souza. Formação de professores de matemática na perspectiva da inclusão de estudantes com deficiência visual: análise de uma experiência realizada em Rondônia. Revista REAMEC, Cuiabá, v. 7, n. 2, p. 127-145, jul./dez. 2019.

Notas

[1] Doutora em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal do Mato Grosso(UFMT) – Rede Amazônica De Educação Em Ciências e Matemática (REAMEC). Professora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Endereço para correspondência: Rua das Pedras,738. Jardins dos Migrantes, Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. CEP:76900-463 E-mail: marcia.rosa@unir.br.
[2] Acadêmica de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Noé Inácio, 2122, Ernandes Gonçalves, Presidente Médici, Rondônia, Brasil, CEP: 76916-000. E-mail: luawion@gmail.com.
[3] Acadêmica de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Girassol, 146, 2 de Abril, Ji-Paraná, Rondônia, Brasil, CEP: 76900-816. E-mail: pamela.silvasantos46@gmail.com.
[4] Acadêmica de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Maria do Nascimento Gambartti,1529, Copas Verdes, Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. CEP: 76901-432. E-mail: thainanirodriguesamorim3873@gmail.com.

Autor notes

1 Doutora em Educação em Ciências e Matemática pela Universidade Federal do Mato Grosso(UFMT) – Rede Amazônica De Educação Em Ciências e Matemática (REAMEC). Professora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Endereço para correspondência: Rua das Pedras,738. Jardins dos Migrantes, Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. CEP:76900-463
2 Acadêmica de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Noé Inácio, 2122, Ernandes Gonçalves, Presidente Médici, Rondônia, Brasil, CEP: 76916-000.
3 Acadêmica de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Girassol, 146, 2 de Abril, Ji-Paraná, Rondônia, Brasil, CEP: 76900-816.
4 Acadêmica de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Maria do Nascimento Gambartti,1529, Copas Verdes, Ji-Paraná, Rondônia, Brasil. CEP: 76901-432.

Ligação alternative

Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R