DISCURSO, HISTÓRIA E MEMÓRIA EM BURGUESIA, DE CAZUZA

Discourse, history and memory in the Bourgeoisie, by Cazuza

Anísio Batista PEREIRA1

RESUMO: Esta pesquisa objetiva traçar um ponto de encontro entre discurso, história e memória, materializados no recorte escolhido, a letra musical Burguesia, interpretada pelo cantor e compositor Cazuza. Assim, o suporte teórico-metodológico que norteia este trabalho é a Análise do Discurso de linha francesa, abordando os conceitos supracitados, de acordo com a perspectiva foucaultiana. Esse suporte foi escolhido por possibilitar estabelecer uma relação entre discurso e história, na/pela qual o sujeito se constitui. Verificam-se situações envolvendo um jogo discursivo, cujo sujeito joga com a burguesia, classe social à qual pertence, mas que o considera diferenciado, não se incluindo à ideologia burguesa.

PALAVRAS-CHAVE: Discurso. Memória. Rock brasileiro de 1980.

ABSTRACT: This research aims to draw a meeting point between discourse, history and memory, materialized in the chosen clipping, the musical letter Bourgeoisie, interpreted by the singer and composer Cazuza. Thus, the theoretical-methodological support that guides this work is the Analysis of the French Speech Discourse, addressing the aforementioned concepts, according to the Foucaultian perspective. This support was chosen because it enables us to establish a relation between discourse and history, in which the subject is constituted. There are situations involving a discursive game, whose subject plays with the bourgeoisie, the social class to which it belongs, but which considers it differentiated, not including bourgeois ideology.

KEYWORDS: Discourse. Memory. 1980 Brazilian rock.

















1. INTRODUÇÃO

O rock nacional da década de 1980 apresenta seu processo de expansão em meio a algumas condições de emergência, tais como abertura política, crescimento da indústria fonográfica, interesse dos empresários pelas bandas, possibilitando a ascensão desse segmento musical na época supracitada. Dessa forma, na época de ditadura militar, a censura não permitia a veiculação de produções que apresentava conotação política e social, limitando, de certa forma, as produções culturais ligadas à música.

Nesse cenário, a abertura política que acontece em meados da década supracitada, de forma gradativa, permite uma nova forma de se fazer a arte musical, possibilitando a composição de letras com crítica à política e às questões sociais, atribuindo maior visibilidade a essas questões no Brasil. Esse gênero musical ganha espaço, devido às publicações que não sofrem mais a censura como em períodos anteriores a essa abertura na política brasileira que passa da ditadura para a democrática. No entanto, como esse fato se dá de forma gradual, esse período pode ser classificado como um momento de transição na política brasileira.

Além desse aspecto político, outros fatores merecem destaque como responsáveis pela ascensão do rock brasileiro, tais como o avanço da tecnologia, que possibilita a produção de instrumentos musicais em larga escala, bem como recursos para gravações mais eficazes. Consequentemente a esse avanço, ocorre um crescimento da indústria fonográfica, alcançado, também, devido ao consumo maciço desse gênero musical pela sociedade que o incorpora como estilo de vida e cultural, influenciando nos modos de se vestir (roupa rasgada) e na linguagem (gírias, estrangeirismos), o jeito despojado de se jogar na rua, enfim de costumes advindos dessa cultura de massa. No entanto, não se trata de uma produção apenas para o consumo, mas que apresenta uma crítica que a valoriza como produção artístico-musical, provocando uma marca histórica musical brasileira na década de 1980.

Essa intensificação das produções musicais de deve, também, à formação de várias bandas de rock, cujos músicos eram, em sua maioria, jovens (com idades entre 16 e 29 anos). Atrelado a essas formações está o interesse dos empresários de gravadoras por essas bandas, promovendo uma vasta produção facilitada pela tecnologia, tanto no que tange aos instrumentos e gravadoras propriamente ditos, quanto nos meios de divulgação das músicas que vão ao encontro dos anseios de uma geração de jovens que buscam por novas formas artísticas e rejeitam padrões estabelecidos.

Nessa direção, foi escolhida a letra Burguesia, tendo como autores seu intérprete Cazuza, ex-integrante da banda Barão Vermelho, George Israel e Ezequiel Neves, composta em 1989, integrando o quinto álbum solo do cantor, de mesmo nome: Burguesia. Nessa perspectiva, a letra materializa discursos sobre a classe burguesa que é negada pelo sujeito enunciador, retomando momentos históricos ligados ao regime militar como forma de protesto. A partir desses embates, este estudo procura evidenciar os elementos discurso, história e memória, propostos por Foucault, que se apresentam materializados na letra musical supracitada. Para análise, o corpus foi tomado como enunciado, considerando suas características peculiares: apresenta um referente, função sujeito, se liga a um campo associado e a uma materialidade repetível. Nesse sentido, este artigo se organiza da seguinte forma: de início, serão problematizados os conceitos de discurso, história e memória; posteriormente, será realizada a análise fundamentada no arcabouço teórico-metodológico apresentado, para então chegar às conclusões.

2. ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE DISCURSO, HISTÓRIA E MEMÓRIA SEGUNDO FOUCAULT

Este estudo analisa a letra musical Burguesia, de Cazuza, com o intuito de problematizar, a partir de sua materialidade, os conceitos de discurso, história e memória. Para tanto, esses conceitos foram problematizados, para a realização dessa leitura, cujos conceitos foucaultianos foram tomados para análise do objeto em questão.

Sobre a noção de discurso, destaca-se que se trata de uma rede de enunciados ou de relações, possibilitando afirmar que o sujeito não é o centro do seu dizer. Sobre os enunciados, considerados por Foucault (2008) como sendo o elemento por meio do qual o sujeito se inscreve no discurso, apresenta sua importância, também, no âmbito da língua. É válido afirmar que o enunciado é a realização efetiva da língua e está na ordem do acontecimento, provocando esse movimento. Segundo Foucault (2008, p. 96) “a língua só existe a título de sistema de construção para enunciados possíveis; mas, por outro lado, ela só existe a título de descrição (mais ou menos exaustiva) obtida a partir de um conjunto de enunciados reais”.

A AD de linha francesa considera o enunciado como acontecimento, este, por sua vez, ligado à história e suas condições de emergência. Para além do signo, podem ser vinculados, ao enunciado, fatores distintos que envolvem a linguagem. Assim, é possível estabelecer “a articulação entre a forma material do enunciado e o seu sentido, que envolve as relações entre o linguístico e o histórico” (Gregolin, 2006, p. 28, grifo da autora).

Nessa concepção,

o enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles "fazem sentido" ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita) (FOUCAULT, 2008, p. 98, grifo do autor).



Dentre as relações que integram os sentidos do enunciado, é preciso considerá-lo como pertencente a uma rede de outros enunciados. De acordo com os apontamentos de Foucault (2008, p. 112),

qualquer enunciado se encontra assim especificado: não há enunciado em geral, enunciado livre, neutro e independente; mas sempre um enunciado fazendo parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros, neles se apoiando e deles se distinguindo: ele se integra sempre em um jogo enunciativo, onde tem sua participação, por ligeira e ínfima que seja.


Essa interligação entre os enunciados ganha destaque à medida que considerá-los pertencentes ao conceito de interdiscursividade, cujos discursos se entrecruzam entre si, formando uma rede, cada qual com seu sentido ligado ao momento histórico em que é produzido. Um enunciado, ao mesmo tempo em que não é único, sem ligação, ele exerce um papel em meio aos outros nele ligados.

Apoiando-se em uma rede de discursos, dada pelo interdiscurso, vale ressaltar que todo discurso está ligado a outros discursos já ditos. Nessa linha de raciocínio, é possível detectar que o sujeito se constitui pela sua relação com outros sujeitos e por outros discursos.

A formação discursiva é formulada por Foucault (2008) em Arqueologia do Saber, destacando-a como um conjunto de regularidades que determina a homogeneidade e o fechamento do discurso. Essas regularidades se assentam em um sistema de dispersão, uma temática, modalidade enunciativa e um posicionamento de sujeito. Ao mesmo tempo é possível detectar que um discurso é um conjunto de enunciados pertencentes a uma mesma formação discursiva.

Foucault (2008) considera a flexibilidade da formação discursiva, assim como o discurso, possibilitando entendê-la como vinculada à temporalidade de emergência de um determinado discurso. Importante destacar, nesse contexto, os acontecimentos, nos quais os discursos se formam e as formações discursivas elencadas. É possível compreender que uma formação discursiva está intimamente ligada ao contexto histórico, fator que possibilita sua emergência, estando vinculada aos fenômenos constitutivos dos discursos.

Os discursos se constituem por uma rede de ligações. Porém, não são repetitivos, pois cada “já dito” se manifesta como um “não dito”, bem como defende Foucault (2008, p. 28, grifo do autor), afirmando que:


[...] todo discurso manifesto repousaria secretamente sobre um já-dito; e que este já-dito não seria simplesmente uma frase já pronunciada, um texto já escrito, mas um "jamais-dito", um discurso sem corpo, uma voz tão silenciosa quanto um sopro, uma escrita que não é senão o vazio de seu próprio rastro. Supõe-se, assim, que tudo que o discurso formula já se encontra articulado nesse meio-silêncio que lhe é prévio, que continua a correr obstinadamente sob ele, mas que ele recobre e faz calar.



Essas considerações demonstram que um discurso está sempre em consonância com outro(s), isto é, um “já dito” em algum momento na história. Porém, vale ressaltar, de acordo com as palavras do autor, é que esse discurso ganha sentido novo, de acordo com o momento histórico que é produzido, não simplesmente repetindo o que já foi dito. Além disso, considera-se que o sujeito fala de algum lugar social, fator que o influencia diretamente na emergência de seus discursos.

Nesse contexto, vinculado ao social, a produção do discurso obedece a uma ordem, envolvendo tanto fatores externos quanto internos a ele, como meios de controle, como se percebe a seguir. Entende-se por exclusão esse processo de seleção, tendo em vista que sua produção obedece a um período histórico que permite dizer algo, bem como sua acessibilidade em relação aos sujeitos receptores. Por outro lado, o sujeito do discurso deve possuir autoridade (saber) para produzir tal discurso de acordo com sua classificação categórica como, por exemplo, assuntos científicos, que exigem formação na área para se dizer sobre o tema.

Nessa perspectiva, pela ordem do discurso,


[...] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (FOUCAULT, 1999, p. 8/9).


Essa suposição de controle, tanto da produção quanto da circulação do discurso, envolve mecanismos de dominação nesse processo. Há um jogo de interdição que acaba por dominar o que pode e o que não pode ser dito e/ou circulado.

A vontade de verdade, sendo talvez o maior fator de exclusão, que julga as proposições como verdadeiras ou falsas, integra um sistema histórico, se constituindo em um tipo de separação, atribuindo julgamento aos discursos. Essa exclusão é tida, assim, pela separação entre o que pode e o que não pode ser considerável de acordo com as necessidades específicas dos sujeitos, isto é, pela vontade de verdade que determina essa exclusão.

Esse processo ligado à história determina o funcionamento do discurso como acontecimento, tomado como elemento relevante para se pensar o rock dos anos de 1980. O acontecimento, que pode receber classificações (histórico, jornalístico, discursivo...) funciona como meio “natural” de ordenação e distribuição do discurso, pertencendo, portanto, ao interior do próprio discurso. “O acontecimento é pensado como a emergência de enunciados que se inter-relacionam e produzem efeitos de sentido” (GREGOLIN, 2006, p. 27).

Nessa perspectiva histórica, os discursos estão sempre ligados a outros no seu processo de produção. Verifica-se, portanto, a diferenciação quanto à origem dos discursos, como aqueles corriqueiros, passageiros, e aqueles que são retomados frequentemente por se constituírem como base para a origem de outros. Destacam-se os discursos de base que servem de suporte para outros, como discursos de circulação contínua, de retomada, e sua projeção para o futuro, pois sempre funcionará como base para se produzir discursos a partir deles.

Vale destacar que os sentidos estão vinculados à história, são atrelados aos posicionamentos do sujeito a um determinado momento histórico. A história pode ser tomada como prática, “e toda prática discursiva envolve posicionamentos de sujeitos no interior de grupos sociais, além de que as enunciações comportam sentidos que mudam de um lugar para outro na história” (FERNANDES, 2012, p. 95).

Em meio a esses fatores de ordem discursiva, dados pela história, o sujeito ganha destaque. Afirma-se que cada sujeito fala de um lugar social, dentro de um campo que o mesmo domina, considerado como o seu lugar. Porém, vale ressaltar que esse lugar não é fixo, mas que esse sujeito pode se deslocar e assumir diferentes posicionamentos. Nessa perspectiva, detecta-se que:

[...] não há, por um lado, discursos inertes, já mais da metade mortos, e depois, por outro, um sujeito todo-poderoso que os manipula, subverte, renova; mas que os sujeitos falantes fazem parte do campo discursivo – eles têm aí o seu lugar (e suas possibilidades de deslocamento), sua função (e suas possibilidades de mutação funcional). O discurso não é o lugar de irrupção da subjetividade pura; é um espaço de posições e funcionamentos diferenciados para os sujeitos (FOUCAULT, 2010, p. 8).



O sujeito do discurso, na perspectiva foucaultiana, se constitui pelo seu contato com os discursos, por um processo de troca. Considerando que seja um sujeito que se constitui pautado na história, sua subjetividade não é fixa, mas que se desloca, isto é, há mutações nas suas funções, tendo os discursos como possibilitadores dessas mudanças e funcionamentos subjetivos. Os processos históricos se constituem como importantes aliados ao processo de produção do saber, pela demarcação temporal de verdades instituídas (FOUCAULT, 1999).

Os discursos historicamente instituídos se sustentam nas formações discursivas, que, segundo Foucault (2008) se enquadram em certas regularidades, formulando o discurso como algo minimamente fechado. O enunciado é tomado como produto da enunciação, no qual se encontra o arquivo, este sendo uma espécie de classificador do discurso, isto é, o conjunto dos enunciados produzidos dentro de um momento histórico, estando em consonância, portanto, com a memória/história. “As formações discursivas organizam (determinam o modo de falar) feixes de sentido do arquivo que, numa sociedade, rege o aparecimento dos enunciados com valor de acontecimento singular” (NAVARRO, 2008, p. 66).

O arquivo está vinculado ao social, desempenhando o papel de se constituir como condição de conter em si significações. Dessa forma, afirma-se que


[...] o arquivo não é o reflexo passivo de uma realidade institucional, ele é, dentro de sua materialidade e diversidade, ordenado por sua abrangência social. O arquivo não é um simples documento no qual se encontram referências; ele permite uma leitura que traz à tona dispositivos e configurações significantes (Guilhaumou; Maldidier, 1994, p. 164).


Ao tratar sobre o arquivo, no âmbito do discurso, diferentemente de um suporte material, ele [arquivo] se firma no fator social, contendo significados. O arquivo se sustenta no enunciado discursivo2, pela materialidade enunciativa que traz consigo o discurso que, por sua vez, faz emergir o arquivo em seu interior, portanto, o arquivo se faz presente nos enunciados. “Os enunciados que circulam em certo momento histórico constituem um arquivo, isto é, o conjunto de todos os textos efetivamente produzidos” (GREGOLIN, 2006, p. 27, grifo da autora).

A memória discursiva é outro fator relevante dentro do discurso. Pautada na história, trata-se de uma retomada daquilo já dito em algum momento na história, inserindo-se no discurso atual, em que, pelo contexto no qual o discurso atual se insere, a memória assume novo sentido. No entanto, para que essa memória seja significante, é preciso que esse saber registrado esteja dentro dos domínios sociais vigentes, para que o discurso ganhe sentido, tenha uma razão lógica para seu uso em determinado momento. Esse conceito sublinha a importância da história para a análise do discurso, “uma vez que os discursos fazem circular formulações anteriores, já enunciadas, produzindo um efeito de memória na atualidade de um acontecimento” (SARGENTINI, 2010, p. 98).

No que diz respeito à emergência de memória discursiva, Davallon (2010, p. 25, grifo do autor), formula que:

[...] para que haja memória, é preciso que o acontecimento ou o saber registrado saia da indiferença, que ele deixe o domínio da insignificância. É preciso que ele conserve uma força a fim de poder posteriormente fazer impressão. Porque é essa possibilidade de fazer impressão que o termo “lembrança” evoca na linguagem corrente.


É evidenciado, pelo fator “lembrança”, que, na memória discursiva, deve haver uma significação precisa, a fim de ser realizado futuramente um uso de forma que seus sujeitos receptores conheçam (recordem) tal acontecimento ou saber, atribuindo-lhe caráter de significação dentro do discurso corrente. E, sob o domínio dessa lembrança, contribuindo para uma significação, fazer impressão, possibilitando relacionar o passado rebuscado e o presente, se constituindo como memória. “Nessa perspectiva, o que se compreende por história situa-se no domínio do exterior linguístico, que, por sua vez, passa a estabelecer relação com o linguístico para o estudo do discurso” (SARGENTINI, 2010, p. 96).

A AD de linha francesa trabalha com elementos extralinguísticos, como o material histórico e o psicológico, fatores que possibilitam a compreensão dos discursos, tendo a língua como suporte. Nessa perspectiva, o elemento histórico é considerado relevante, uma vez que possibilita tomar o discurso como acontecimento, além de trazer à tona a memória que interliga discursos e atribui sentidos aos dizeres produzidos no momento da enunciação.

Vale ressaltar, nesse sentido, que é no âmbito da memória discursiva que os saberes povoam, pois os discursos apresentam sempre domínios, ou um “já dito”, possibilitando a identificação de sentidos, cujas memórias ali presentes sustentam essa relação com outros discursos. Pela memória, é considerável pontuar que se trata de um fator que serve de ponte para a relação do discurso produzido com outros discursos, mas que, esse discurso novo não se constitui apenas da repetibilidade do já dito, mas que é sempre um discurso novo, dito em outro momento da história. E essa memória serve de pano de fundo para o estabelecimento dos sentidos discursivos, ligados aos saberes dos sujeitos constituídos historicamente.

Nessa direção, a análise da letra musical Burguesia foi analisada a partir dessas concepções foucaultianas, objetivando uma discussão mais detalhada e prática dos elementos da AD de linha francesa, discurso, história e memória, os quais se constituem como aspectos consideráveis nessa linha teórico-metodológica discursiva.

3. A MEMÓRIA MATERIALIZADA NO DISCURSO: LEITURA DE BURGUESIA

De acordo com Dapieve (2000), o cantor e compositor Cazuza (1958-1990) inicia-se no meio musical como integrante da banda Barão Vermelho, desempenhando a função de vocalista do grupo. Essa banda foi formada no Rio de Janeiro, na época, por cinco integrantes, ocasião em que Cazuza se destaca na música, tendo Roberto Frejat como parceiro para suas composições. O primeiro álbum dessa banda é lançado no início da década de 1980, da qual Cazuza se desvincula anos depois, em 1985 e passa a seguir carreira solo, lançando sete álbuns.

Cazuza apresenta fortes influências tradicionais da MPB no seu estilo musical, porém, sua marca pessoal pode ser percebida, pela espontaneidade, linguagem marcada pela presença de gírias, características próprias do rock dos anos 1980. Marcado pelo sucesso, Cazuza era considerado polêmico e rebelde, tendo, inclusive, letras barradas pela censura. Sua trajetória de carreira solo durou nove anos, vindo a falecer em 1990. A letra selecionada para análise é Burguesia.

A música “Burguesia”, tendo como autores seu intérprete Cazuza, George Israel e Ezequiel Neves, foi composta em 1989 e integra o seu quinto álbum solo: Burguesia. Na letra, há uma autocrítica da própria identidade, traçando um contraponto com as de classe baixa. O sujeito que fala na letra integra à classe burguesa, bem como é possível perceber que os jovens que formam as bandas de rock da década de 1980 que, em sua maioria, são filhos de pessoas de classe média alta, produzindo uma crítica à sua própria identidade, perpassando pelo olhar do outro.


A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia


O sujeito inscrito na letra musical refere-se à classe burguesa. Do ponto de vista histórico, o termo “burguesia” apela para a classe dominante, rica, e o sujeito do enunciado joga com esse fator, classe dominante versus classe dominada, esta constituída pela sociedade de classe baixa, com a qual o sujeito se identifica. E esse sujeito aborda a maneira como essa classe é vista socialmente, recorrendo-se, o tempo todo, à sua condição de burguês, mas que essa classe pode apresentar exceções entre seus integrantes, bem como pode ser percebida de maneira diferenciada em “A burguesia fede”, a palavra “fede” provoca um efeito de sentido pejorativo de inferioridade, em que a classe alta leva um padrão de vida diferenciado da classe baixa. O termo foi utilizado no sentido de desqualificar essa classe superior. Além disso, no segundo verso é colocada uma redundância ao afirmar que “A burguesia quer ficar rica”, uma vez que o termo já possui o sentido de riqueza. Se levarmos para a história, o termo burguesia assume sentido de cidadão padrão, classe dominante e de direita política, bem como é reforçado em outro momento da letra, opondo-se ao posicionamento do sujeito inscrito no enunciado. Nessa direção, levando em conta esse posicionamento do sujeito, vale retomar as palavras de Foucault (2010) quando considera que o discurso funciona como condição para os posicionamentos diferenciados dos sujeitos.


Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal


Nestes enunciados, é evidenciado um jogo quanto à sua linguagem em “Pobre de mim que vim do seio da burguesia”, em que as palavras “pobre” se contradiz com “burguesia”. Esse recurso provoca um efeito de lamento do sujeito à sua própria condição de burguês. Além disso, nos dois últimos enunciados (repetição), é sugerida uma condição de igualdade. O sujeito que se revela burguês não se coloca na condição comum a todos os demais burgueses, já que possui esta identidade burguesa. Dessa forma, o sujeito não se identifica com a sua identidade de origem, buscando por uma identidade diferente daquela a qual se pertence.

Por outro lado, é possível perceber, no primeiro enunciado (verso) destacado, que a marca linguística “pobre” aponta para a visão do sujeito em relação ao olhar da sociedade sobre a burguesia, isto é, trata-se de uma classe historicamente criticada e essa visão do sujeito acaba por demarcar esse tratamento do outro em relação ao burguês. E a fuga do sujeito dessa realidade burguesa pode ser evidenciada em “Sou rico mas não sou mesquinho”, sugerindo que é possível construir uma visão diferente em relação à classe burguesa.


A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra


Nos discursos destacados acima, fica explícito que o sujeito demonstra lucidez ao tratar da burguesia. Do ponto de vista histórico, o termo burguesia apresenta seu significado como quem não apenas é rico, mas aquele que detém o poder, contrapondo-se à classe inferior. Esse termo funciona, na letra, a partir do ponto de vista negativo em relação à outra classe, referindo-se, sobretudo, aos políticos como pertencentes à classe alta que faz imposições sobre a população. Há uma contraposição entre os discursos, que ganha sustento na história, em relação aos domínios da classe burguesa sobre a classe baixa dominada, esta sendo adotada pelo sujeito em protesto à visão social daquela.

Uma situação de egoísmo é revelada nestes enunciados, em que a burguesia só tem olhos para si mesma, não se importando com as pessoas de classe baixa, tais como “a vendedora de chicletes”. Esse egoísmo, pautado pela sua condição social é reforçado em “A burguesia só olha pra si”. Além disso, a condição política dessa classe é colocada em xeque em “A burguesia é a direita, é a guerra”. “Guerra” política, isto é, atendendo aos interesses da classe alta e não se importando com os menos favorecidos, ausência de democracia. Nessa circunstância, é atribuída a condição política da burguesia, generalizando-a como sendo de direita e julgando-a como sinônimo de guerra, estando implícita, assim, a ideia de que a esquerda pertence a classe social baixa e o sujeito enunciador se encaixa nesta última.

Pelo posicionamento do sujeito, é revelada uma formação discursiva que contradiz à ideologia de sua própria identidade. É evidenciado um processo de subjetivação de um sujeito que se revela burguês dado pela diferença dos demais, tendo em vista sua posição contrária em relação a essa classe social, sobre a qual é construída socialmente uma carga negativa. Essa formação discursiva acaba por revelar um posicionamento antagônico à burguesia, na qual o próprio sujeito do discurso é integrante, mas que demonstra ser bem resolvido nessa questão. Nesse contexto, as FDs atribuem sentido aos discursos, no âmbito do arquivo, possibilitando o aparecimento de um enunciado na sua condição singular de existência, denominado de acontecimento discursivo (NAVARRO, 2008, p. 66).


As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
Vai haver uma revolução
Ao contrário da de 64
O Brasil é medroso
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Pra rua, pra rua


Nesse recorte enunciativo, em primeira pessoa do plural, o sujeito do discurso convida seu grupo para um movimento contra a burguesia política, isto é, se posiciona contrariamente à mentalidade política de direita, fazendo referência à revolução de 1964, quando se deu o chamado golpe militar. Nessa concepção, há uma rejeição do sujeito quanto à ordem estabelecida e apela pela desordem. Esse sujeito ameaça o presente rebuscando um passado como ameaça rumo a uma revolução contra a classe burguesa dominante. Essa capacidade de dar visibilidade negativa a essa ordem dominante fica evidente em “As pessoas vão ver que estão sendo roubadas”.

Essa retomada discursiva pode ser relacionada com as palavras de Foucault (2008) quanto ao discurso e seu vínculo com a história, pela noção de acontecimento, rebuscando um acontecimento anterior para dar sentido a um discurso novo que é apresentado. Além disso, essa ideia de revolução aponta para o entendimento de que a subjetividade é coletiva, em que todos se unem pelos mesmos ideais, pelos mesmos direitos (“Vamos pra rua”). E esse caráter de discurso rebuscado (revolução de 64), circulado anteriormente e que ganha novo sentido (no golpe militar de 64, os militares assumiram o poder, mas que agora, a revolução será idealizada pela sociedade, pela geração do sujeito do discurso em oposição à burguesia dominante). Nessa direção, discurso atual é denominado de memória discursiva, uma vez que remete a acontecimentos anteriores, de acordo com Sargentini (2010) e Davallon (2010). O termo “rua” apresenta uma carga semântica contrária a de “casa”, ou seja, espaço público, democrático, aonde os protestos ocorrem pelos representantes de classes sociais.

Pela FD considera-se que um discurso é sempre aberto à relação com outros discursos já ditos. Trata-se da memória discursiva de um enunciado que apresenta sua inscrição na história. Afirma-se que a produção discursiva, por meio das suas condições de existência, retoma discursos já ditos anteriormente, em algum momento na história e que esse enunciado (re)buscado ganha novo sentido conforme as condições sócio-históricas que o sustentam (retomando novamente a revolução de 64, afirma-se que o sujeito atribui esse acontecimento à burguesia, podendo ser classificado como golpe, mas que no contexto vigente desse sujeito, a revolução seria o contrário, democrática, dada a mudança de sua posição, de burguesia para a classe social baixa, o povo). Assim concebida a FD, uma vez ligada à história, é por meio desta que o indivíduo se constitui como sujeito, pela subjetivação, portanto, na sua relação com outros sujeitos e com outros discursos, formando seus posicionamentos. O sujeito se posiciona de forma contrária à ideologia burguesa que é histórica, sua origem enquanto classe, adotando uma FD diferenciada, buscando outra identidade.

Nessa perspectiva histórica em relação à constituição do sujeito, a noção de memória entra em consonância com a formulação do conceito de arquivo proposta por Foucault (2008) e Gregolin (2006), como o conjunto de todos os enunciados ditos em determinada época. Afirma-se que o arquivo determina o que pode ser dito. Ademais, é preciso considerar o enunciado como uma unidade do discurso que difere das proposições e dos atos de fala. Nessa concepção foucaultiana, o que está em jogo é a singularidade que demarca o aparecimento de um enunciado, o seu aspecto de raridade, como é o caso do “já dito” presente na letra (revolução de 64), que rebusca um acontecimento anterior, mas que não compromete a originalidade do seu discurso atual pelas suas condições históricas de emergência. As condições de existência do discurso permitem tomá-lo como um acontecimento (FOUCAULT, 2008).

Nesse contexto, a análise de um enunciado deve considerar o jogo de relações que ele estabelece com outros enunciados (essa questão é apontada pelo embate entre o sujeito ligado ao povo e a burguesia, que se liga à história, sobretudo pela luta de classes que sempre se fez jus na sociedade), podendo provocar o efeito de apagamento ou de valorização, fatores determinados pela sociedade (FOUCAULT, 1999).

Além disso, vale destacar esse discurso do sujeito como prática ligada à história, bem como afirma Fernandes (2012), quando aborda o discurso e sua relação com posicionamentos do sujeito, que na letra a posição do sujeito é bem demarcada (diz que pertence à classe burguesa, mas discorda dela e se posiciona). A história ganha lugar especial, levando em conta que ela se vincula às próprias práticas discursivas e nas quais o sujeito se mostra ligado a grupos, se posicionando por meio das enunciações, cujos sentidos variam de acordo com o momento histórico. E esses posicionamentos se ligam a subjetividades que, por sua vez, se traduzem em identidade jovem.

Nesse trecho supracitado, mais uma vez é tocado no aspecto político em relação à burguesia e sua condição de direita, quanto à política partidária. No primeiro enunciado, a expressão “As pessoas” incluem apenas a classe baixa e exclui a burguesia da sociedade, uma vez que ela é tomada como bandida. Forma-se então um jogo de “mocinhos” e “vilões”: de um lado, a sociedade baixa e, de outro, a burguesia política. Nesse sentido, é estabelecido um jogo de relações de poder entre duas classes, a burguesia dominadora e a classe baixa dominada.

Em “O Brasil é medroso”, há um efeito de sentido, uma vez que é percebida uma negação, da classe burguesa como integrante desse país. “Medroso” refere-se à classe baixa, que tem medo da burguesia política e pela falta de espírito revolucionário daquela em relação a esta. A voz do sujeito “chamando” a sociedade para a revolução pode ser percebida na repetição do enunciado “Vamos pra rua”, sobretudo pelo verbo em primeira pessoa do plural. Além disso, essa expressão revela um sujeito urbano. A marca linguística “medo” pode ser tomada como domínio de memória do discurso, sendo que, do ponto de vista histórico, a população brasileira aceita as situações adversas de forma passiva, sem lutar por mudanças. E nesses discursos contidos nos enunciados da letra, o sujeito demarca esse sentimento de falta de revolução para equacionar as duas classes opostas, considerando que a burguesia é tomada como sendo principalmente os governantes dominantes em contraposição à classe dominada, a sociedade da classe baixa. E essa colocação do sujeito da letra como pertencente à classe baixa, discordando da burguesia, acaba por quebrar essa continuidade de classes pela história, uma vez que ele busca pela igualdade social.


Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo


Aqui há um discurso em que o sujeito se vê na condição de exceção quanto à classe burguesa. Ele se coloca do lado do povo, “Vamos”, na luta contra os burgueses. Por outro lado, o pronome “Eu” assume a sua condição de burguês, porém, negando sua conduta em relação aos demais burgueses, revelando-se artista e, por isto, estando do lado do povo. Isto é, o sujeito, apesar de burguês, não se inclui nessa classe, procurando estar ao lado da classe baixa, com a qual se identifica. Essa negação da própria identidade revela que, apesar de as identidades são consideradas coletivas, por grupos, existem as individualidades, cujas particularidades demarcam diferenças identitárias dos sujeitos.

Além disso, é evidenciado que as identidades, atreladas aos discursos, não são fixas, estando vinculadas à história que apela sempre para o novo, para mudanças e evoluções. Essa não fixação apela para um deslocamento do sujeito que procura se vincular a outro grupo, elencando seu status de artista para assumir um papel de líder do povo, da classe baixa. O sujeito do discurso coloca, assim, duas classes sociais em confronto, apresentando a burguesa como origem, mas pertencendo, ideologicamente, à classe popular.

Nessas circunstâncias, ocorre um deslocamento do sujeito, que pode ser tomado como sempre inacabado, assim como os discursos que nunca podem ser considerados como acabados, mas que estão sempre em construção. Arraigado na história, cada momento é responsável pela produção de discursos e de sujeitos, cuja memória desempenha o papel de atribuir sentidos e de retomar os “já-ditos” para a construção dos discursos do presente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou analisar a letra musical Burguesia, de Cazuza, integrante do rock brasileiro da década de 1980, a fim de problematizar algumas formulações foucaultianos, como sujeito, discurso e, a partir desses elementos, discutir sobre a memória que se vincula à história. Para tanto, tomou-se a letra como enunciado, estando em consonância com a metodologia de análise, de acordo com a proposta foucaultiana, para discutir de forma relacional os aspectos citados.

Nesse contexto, o teor do discurso materializado vincula-se ao social e por meio dos quais o indivíduo se faz sujeito, bem como é possível notar pelas subjetividades em questão. Para a realização dessa contestação expressa nesses enunciados, o sujeito recorre a acontecimentos anteriores, em que os discursos da época são incorporados ao produzido na atualidade da música, ganhando sentidos de acordo com o momento histórico em questão.

O discurso trava situações de lutas, apresentando rejeição à classe burguesa a qual pertence, sendo considerada pela sociedade como padrão, e se filia à outra identidade, outra classe social. Essa contestação, tendo como pano de fundo a história, caracteriza-se como memória discursiva, tendo-se uma espécie de desordem, cujo sujeito nega a ordem estabelecida e apela por mudança, referenciando-se a movimentos anteriores. E esse contexto discursivo se liga à história pelo arquivo, conjunto de enunciados pertencentes à determinada época, como se verifica o termo “revolução”, o qual é acionado e relacionado ao presente do sujeito, pela história na qual está inserido.

Para alavancar esse sentido no discurso atual, o sujeito, representando a sua geração, convida a sociedade para a rua, democraticamente, assumindo-se como porta-voz dos demais sujeitos, posicionando-se como demanda a maioria dos brasileiros, principalmente a classe baixa, com a qual esse sujeito se identifica. O discurso faz um rebuscado na história, trazendo o golpe militar de 1964 como um fato semelhante ao projetado para a tão almejada revolução, mas invertendo o sentido desse termo, já que agora seria diferente, não de forma golpista, atribuindo razão à sua geração, significaria justiça. O termo “revolução” então assume uma espécie de ligação entre os três elementos destacados: discurso, história e memória, pelos sentidos assumidos historicamente e servindo de ponte entre os acontecimentos histórico-discursivos do passado (memória) e do presente da geração do sujeito.

Nesse contexto, é possível destacar a relação entre discurso, história e memória num contexto de resistência, cujo discurso se liga a discursos anteriores, marcados pela história social e política do Brasil. Conclui-se que essa memória dá consistência ao discurso dito no presente do sujeito, sobretudo pela formação discursiva que vai de encontro aos governantes, objetivando quebrar uma situação social que sempre se manteve na história e propondo uma revolução baseada em outra já acontecida, mas em outro contexto e por outros sujeitos, marcada na história.

REFERÊNCIAS

DAPIEVE, A. Brock: o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34, 2000.

DAVALLON, J. A imagem, uma arte de memória? In: ACHARD, Pierre et al. Papel da memória. Trad. José Horta Nunes. 3. ed. São Paulo: Pontes, 2010, p. 23-32.

FERNANDES, C. A. Discurso e sujeito em Michel Foucault. São Paulo: Intermeios, 2012.

FOUCAULT, M. [1968]. Ditos e Escritos VI (Repensar a Política). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

_____. [1970]. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 1999, p. 2-79.

_____. A Arqueologia do saber. 7. ed. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

GREGOLIN, M. do R. AD: descrever – interpretar acontecimentos cuja materialidade funde linguagem e história. In: NAVARRO, P. (Org.). Estudos do texto e do discurso: mapeando conceitos e métodos. São Carlos: Claraluz, 2006, p. 19-34.

GUILHAUMOU, J.; MALDIDIER, D. Efeitos do Arquivo: a análise do discurso no lado da história. In: ORLANDI, E. P. (Org.) [et al.]. Gestos de leitura: da história no discurso. Trad. Bethania S. C. Mariani [et al.]. São Paulo: Editora da Unicamp, 1994.

NAVARRO, P. Discurso, história e memória: contribuições de Michel Foucault ao estudo da mídia. In: TASSO, I. (Org.). Estudos do texto e do discurso: interfaces entre lingua(gens), identidade e memória. São Carlos: Claraluz, 2008, p. 59-74.

SARGENTINI, V. M. O. As relações entre a Análise do Discurso e a história. In: GASPAR N. R.; MILANEZ, Nilton (Orgs.). A (des)ordem do discurso. São Paulo: Contexto, 2010, p. 95-102.

DISCOGRAFIA

CAZUZA; ISRAEL, J.; NEVES, E. Burguesia. Intérprete: CAZUZA. In: CAZUZA. Burguesia. Rio de Janeiro: Universal Music, p1989. 1 LP. Faixa 1.

Anexo


- Burguesia


A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
A burguesia quer ir a New York fazer compras


Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal

A burguesia tá acabando com a Barra
Afunda barcos cheios de crianças
E dormem tranquilos
E dormem tranquilos

Os guardanapos estão sempre limpos
As empregadas, uniformizadas
São caboclos querendo ser ingleses
São caboclos querendo ser ingleses

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra


A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
Vai haver uma revolução
Ao contrário da de 64
O Brasil é medroso
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Pra rua, pra rua


Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo


A burguesia fede - fede, fede, fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

Porcos num chiqueiro
São mais dignos que um burguês
Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos
Tentando te enforcar na janela do carro
No sinal, no sinal
No sinal, no sinal

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia


1 Mestre em Estudos da Linguagem Pela Universidade Federal de Goiás (UFG/RC). A realização desta pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás-FAPEG. anisiopereira2008@hotmail.com

2 De acordo com Gregolin (2006, p. 27), “desse ponto de vista, a análise de discurso busca compreender o enunciado na singularidade de sua situação, a condição de sua existência, sua correlação com outros enunciados, em suma, qual é a natureza de sua singular existência, que vem à tona em um momento histórico”.