período, e só um autêntico romancista poderia realizar. José de Alencar era
metonímia dessa “autenticidade”.
Resgatando algumas técnicas de Honoré de Balzac e Walter Scott, é com
a obra de Alexandre Dumas Filho que Lucíola vai dialogar diretamente. Acusar o
escritor de plágio seria injusto, visto que, após a leitura e confronto das duas
obras, pode-se inferir que Alencar construiu uma cortesã de acordo com os
parâmetros daquele Brasil ainda em formação, importando a cortesã e a
construindo com mais sagacidade que o exemplar estrangeiro.
Por fim, a análise do romance em questão reflete a argúcia do escritor em
trabalhar os aspectos da mulher, na ficção, com o traço fundante de sua
descrição social e histórica; uma possibilidade de ver no texto a presença
diacrônica, sempre associada à fala dinâmica, que se produz dentro de
“determinado espaço de tempo, no âmbito das sucessividades, análoga a uma
visão linear da história dos acontecimentos” (LONGO, 2006, p. 31).
Em suma, Hernandes (2015) avalia a obra em questão, situando os
leitores a compreenderem que a narrativa é construída a partir de
[...] um engano de Paulo que, quando vê Lúcia pela primeira vez,
enxerga nela uma moça de alma pura e, ao exclamar isso em voz
alta, faz com que a cortesã tome conhecimento de sua impressão.
Posteriormente, em um segundo encontro ocasional, na festa da
Glória, ao descobrir que ela é uma prostituta, a visão do narrador
se altera e ele passa a ver nela um tipo social pré-estabelecido. A
partir desse engano inicial, a história acentua as ambiguidades na
caracterização da moça, pois ela se mostra, ao mesmo tempo,
depravada e recatada. Essa descrição ambígua oscila na primeira
parte do livro e atinge seu ápice em uma orgia, que ocorre na
casa do melhor amigo de Paulo. A partir desse clímax, o narrador
começa a descobrir que a cortesã possui uma faceta oculta que
seria ingênua e “pura” (HERNANDES, 2015, p. 88).
Nessa ótica, o feminino traduz-se por este viés ambíguo, endereçado a
um Outro no sintoma corpóreo que é um signo, pois:
[o] corpo fica marcado pela estranheza do sintoma. A mulher é
assim esse sintoma do homem, esse corpo que se iguala ao
objeto vazio de seu gozo, obediente, antes mesmo de haver
compreendido sua ordem, à injunção do Outro impessoal que está
para além de si. Esse corpo é então inteiramente signo, símbolo
da extrema ignorância e um corpo que se confunde (POMMIER,
l987, p. 85, grifos nossos).