O TEXTO DRAMÁTICO COMO OBJETO DE ARTE E SUA INTER-RELAÇÃO
COM O LEITOR
The dramatic text as an object of art and its inter-relationship with the reader
César B. de Souza Júnio
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RESUMO: Qual é a natureza do texto dramático? Podemos qualificá-lo como obra de
arte? Em caso afirmativo, como poderíamos conceber uma inter-relação desse texto
com o leitor? Este trabalho pretende oferecer um panorama dos elementos
constitutivos do texto dramático objetivando estabelecer uma categoria artística para
aplicá-lo ao passo que estuda sua recepção por parte do leitor. Utiliza conceitos de
Platão e Aristóteles acerca da gênese dos gêneros literários a contemporâneos
como Ball (2011) e Rosenfeld (2000) sobre as especificidades do drama. Realça
também as características da obra literária iluminados por Argan (1993), Barthes
(1989), Iser (1979) Jauss (1979) e Stierle (2002).
PALAVRAS-CHAVE: Texto dramático. Obra de Arte. Leitor.
ABSTRACT: What is the nature of the dramatic text? Can we qualify it as a work of
art? If so, how could we conceive an interrelationship of this text with the reader? This
work intends to offer an overview of the constitutive elements of the dramatic text
aiming to establish an artistic category to apply it while studying its reception by the
reader. He uses concepts from Plato and Aristotle about the genesis of literary genres
to contemporaries such as Ball (2011) and Rosenfeld (2000) about the specificities of
drama. It also highlights the characteristics of the literary work illuminated by Argan
(1993), Barthes (1989), Iser (1979) Jauss (1979) and Stierle (2002).
KEYWORDS: Dramatic text. Work of art. Reader.
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Literatura-PÓSLIT da Universidade de
Brasília-UNB, Mestre em Linguística Aplicada pelo PGLA-UNB, Especialista em Língua e
Literatura pela UEG, Bacharel em Interpretação Teatral pela FADM, Licenciado em Letras
Português/Inglês pela UEG e Docente de Língua Inglesa do Instituto Federal de Educação-
IFB. junioiscariotes@yahoo.com.br
1. INTRODUÇÃO
Longe da pretensão de tecer uma exposição milimétrica acerca das
características estruturais do texto dramático, este artigo propõe-se a realizar
uma reflexão sobre um breve panorama dos seus elementos constitutivos. Esta
etapa permite o nosso leitor elaborar um rascunho mental de forma que seja
possível compreender porque tal natureza textual se apresenta distinta como,
por exemplo, de um romance ou de um conto e porque necessita de uma
leitura diferenciada no que tange suas especificidades.
Em seguida, apresenta teorias acerca da estética da recepção com
vistas a estabelecer um patamar para o texto dramático como uma obra de
arte. Dentre elas, Argan (1993) sobre os aspectos que traduzem o objeto de
arte como tal dentro de um contexto da história da arte. Em Ball (2011)
contempla-se o tema da qualidade da estrutura dramatúrgica de modo a captar
a atenção do leitor/expectador, esboçando conceitos como Conflito Dramático
e Antecipação. em Neves (1987) expõe claramente a definição da
dramaturgia como objeto de arte do ponto de vista dos conhecimentos do
leitor/expectador.
No momento subsequente, discute questões da recepção a qual Iser
(1999) desenvolve reflexões sobre a relação de interconexão entre texto e
leitor. Retoma Ball (2011) para propor uma técnica de análise da literatura
dramática baseada na identificação das ações, efetuando uma leitura em
ordem inversa. Em seguida aborda Stierle (2002) discorrendo acerca do
conceito de horizontes de expectativas.
Na última sessão, O Prazer Estético, abre o texto com Eagleton (2003)
detalhando características da literatura ao passo que em Jauss (1979) retrata
sobre a experiência estética e aprofundando em conceitos da Poiesis,
Aistheses e Katharsis.
Por fim, cita Barthes (2006) diferenciando dois tipos textos: o texto de
prazer e o texto de fruição, e encerra a sessão construindo uma relação entre
Jauss (1979) e Zumthor (2006) no tocante a recepção do leitor. As teorias
apresentadas esboçam uma relação intrínseca entre texto e leitor, colocando
em evidência a maneira pela qual tal relação se estabelece.
2. O TEXTO DRAMÁTICO EM CENA
O gênero literário dramático tem origem com Platão em A República e
posteriormente com Aristóteles em Poética, os quais o especificam como a
principal característica a ação da personagem. Portanto, tomando como
pressuposto que o texto dramático é concebido com vistas a sua
materialização no palco por meio de atores, essa modalidade literária, além de
possuir aspectos peculiares, consequentemente requer também uma análise
criteriosa por parte do leitor, tanto para sua compreensão como para uma
possível fruição.
Destarte, o olhar do leitor para o texto em questão deve ser alicerçado
em elementos que fundam a sua natureza. Tais elementos funcionam como
diretrizes, pois assim como um trilho que somente por ali uma locomotiva pode
percorrer, o leitor exercendo a mesma função, também possui apenas um
caminho para ser seguido, um trilho que pode conter várias ramificações.
Logo, a exploração do texto deverá ser feita de forma paulatina, reflexiva e
progressiva, pois tais ramificações poderão levá-lo a destinos distintos. Chamá-
los-ei de Estações. E neste contexto, convido-vos a percorrer este breve
percurso composto de diversas paisagens as quais oferecerão subsídios
sólidos para o conhecimento da textualidade teatral. Avante.
Primeira Estação: O estilo discursivo. Ele é constituído por algo que
funda sua natureza e mencionado anteriormente: a encenação, podendo ser
escrito em forma de prosa ou verso ao passo que a figura do narrador
desaparece, dando lugar as falas das personagens.
Segunda Estação: O texto primário. Composto pelo discurso das
personagens, ou seja, elas são quem determinam a própria ação em si, quem
podem ser por meio dos diálogos ou de monólogos.
Terceira Estação: O texto secundário. Composto pelas rubricas ou
didascálias, estas são responsáveis por fornecer indicações tanto para o leitor
de textos dramáticos quanto para os profissionais do teatro as indicações de
como os atores devem se portar no palco, as entradas e saídas, as
localizações espaciais dos objetos cênicos, em síntese, toda composição
estrutural do espetáculo.
Quarta Estação: O tempo e o espaço. Tomando como premissa que
theatron (do grego) é o local de onde se vê, no palco o tempo e o espaço se
entrelaçam de tal forma que, seus traços são definidos pelas falas, figurinos e
materialização física dos cenários. Ademais, há o tempo da representação
(determinado pela duração do espetáculo), o tempo da ação (quando ela
acontece) e o tempo contextual da obra (época em que foi escrita). Assim, o
espectador seja ele leitor ou público do espetáculo cênico, pode ser
transportado para o futuro ou retroceder anos luz no passado quando
mergulhado no universo literário dramático mesmo estando sentado no
conforto de sua poltrona no tempo presente.
Quinta Estação: A estrutura textual externa. Contempla os atos e as
cenas. Os atos são as divisões que compreendem toda a dramaturgia,
incluindo as mudanças de tempo, espaço, cenários, figurinos. Enquanto as
cenas são demarcadas pela duração da permanência de cada personagem em
ação.
Sexta e última Estação: A estrutura textual interna. As ações evoluem
para três momentos sequenciais, a saber: a apresentação (exposição e
contextualização das personagens), o conflito (peripécias que impulsionam a
progressão das ações) e o desenlace (finalização da ação dramática).
Particularmente aqui, percebe-se toda a abstração contemplada na
dramaturgia de um texto, pois a função dêitica desta estrutura textual é o que
constrói toda a complexidade e toda a beleza da criação. Término deste
percurso. Afrente uma bifurcação.
Findado estes trilhos, começamos agora outra etapa da viagem pela
exploração do mundo literário dramático, contudo, não teremos mais estações
até o próximo destino, mas Situações Contextuais breves, onde estão inseridas
esta modalidade.
Adiante, uma Situação Contextual. Devido as paisagens observadas
neste percurso, acredita-se que não se faz necessário uma exposição
detalhada nem tampouco prolixa no que tange a importância do trabalho com
textos dramáticos e as ressonâncias que provocam no cenário da educação.
Todavia, vale frisar que teóricos apontam justificativas plausíveis para tal
questão, como por exemplo, Grazioli (2007)
“A escola está negligenciando a formação de outra categoria
de leitores aqueles capazes de interagir com a arte dramática,
seja como público receptor de espetáculos teatrais, seja como
aprendizes ou praticantes de atividades que envolvem o texto
teatral e a arte dramática. Assim, no nosso entender, um único
equívoco a negação da leitura do texto dramático apresenta
duas consequências negativas: o afastamento do leitor do texto
dramático impresso e da arte dramática, para a qual o texto é
elemento fundamental.” (GRAZIOLI, 2007).
A percepção da ausência do trabalho com textos dramáticos, esboçada
acima por Grazioli é uma constante nos meios educacionais. Portanto, neste
caso específico, representada pelo surgimento de uma lacuna: um leitor
iletrado acerca do universo artístico teatral. Nesta vertente, um indivíduo
inserido em um mundo globalizado o qual a rotatividade de informações e o
processo de decodificação dos signos semióticos exigem uma postura crítica e
dinâmica, o letramento artístico é basilar tanto para o entendimento de
contextos diversos quanto para o processo de desvelamento do mundo, um
dos principais papéis preponderantes da escola. Ampliando a discussão,
Japiassu (2001) disserta sobre sua multiplicidade potencial
Importante meio de comunicação e expressão que articula
aspectos plásticos, musicais, audiovisuais e linguísticos em sua
especificidade estética, o teatro passou a ser reconhecido
como forma de conhecimento capaz de mobilizar,
coordenando-as, as dimensões sensório-motora, simbólica,
afetiva e cognitiva do educando, tornando-se útil na
compreensão crítica da realidade humana culturalmente
determinada (JAPIASSU, 2001, P. 29).
De fato, a imagem proposta acima pelo autor permeia não apenas o
desenvolvimento das características intelectuais do educando, mas também as
de caráter psicocomportamentais. As concepções desse teórico levam a
conceber o fato de que o teatro em sua amplitude favorece o amadurecimento
do ser humano como um todo, sendo praticamente essencial no processo de
escolarização formal. E este tema era tratado por antecessores a Grazioli e
Japiassu ainda na primeira metade do culo XX. Aqui contempla-se outra
Situação Contextual. Vejamos!
O escritor, dramaturgo, diretor, poeta e crítico, Bertolt Brecht germinava
suas obras com um traço pungente do teatro como instrumento de
reivindicação social. Seu caráter único e inovador trouxe para a arte dramática
uma função além apenas da fruição. Vale ressaltar que os resultados de seus
trabalhos são baseados nas práticas teatrais cotidianas de sua vida. Assim, o
autor esculpia sua arte como uma verdadeira proposta pedagógica, a qual o
teatro apresentava um universo para o público que muitas vezes estava velado
por inúmeras questões. E fazê-lo entender o funcionamento dos mecanismos
que articulam as relações políticos sociais que inclusive poderiam ser
transformados, era um abismo entre o teatro de Brecht e o de outros teóricos.
Contudo, esta transformação teria que partir do próprio indivíduo, mediante
uma tomada de posição crítica e consciente. A reflexão era um convite
constante nas peças de Brecht. De fato o que ocorre é: durante as
apresentações o(s) ator(es), em um momento específico, distanciava-se
(distanciamento) da(s) personagem(s) e reportava(m)-se diretamente ao
público (quebra da quarta parede) indagando-o a posicionar-se acerca do
conflito em questão. Essa concepção dialógica entre plateia e elenco fundava a
revolução teatral brechtiniana. Parada para reflexão.
3. O PATAMAR DE OBRA DE ARTE
“Se o texto teatral é o ponto de partida,
é preciso compreendê-lo para melhor transmiti-lo.
Para compreendê-lo temos de tomá-lo pelo que ele é: uma obra de arte”. (NEVES,
1987).
O fragmento acima delineia a natureza do objeto e concomitantemente
eleva-o a um patamar de obra de obra de arte. No tocante a este cenário, faz-
se necessário uma contextualização por meio de bases teóricas, para a partir
daí, tentarmos estabelecer um alicerce que possibilitem uma sustentação da
estrutura dramatúrgica qualificada como arte. Constata-se então, outra
Situação Contextual.
Compreender as esferas micro e macro da obra dramática sob o ponto
de vista artístico literário em sua plenitude extrapolam as nuances limítrofes da
estrutura textual como vislumbrada nas estações anteriores. Inicialmente,
reportemo-nos ao conceito de arte proposto por Argan (1993)
Uma vez que as obras de arte são coisas às quais está
relacionado um valor, duas maneiras de tratá-las. Pode-se
ter preocupação pelas coisas: procurá-las, identificá-las,
classificá-las, conservá-las, restaurá-las, exibi-las, comprá-las,
vendê-las; ou, então pode-se ter em mente o valor: pesquisar
em que ele consiste, como se gera e se transmite, se
reconhece e se usufrui. (ARGAN, 1993, P. 13).
Para nosso estudo, importa-nos a segunda forma de tratamento do
autor, que por sua vez é mais complexa em função do nível de abstração
necessária ao entendimento. Assim, é mister estabelecer uma relação entre a
história e obra, pois as circunstâncias em que ela foi gerada contribuem para a
conceituação de seu valor ao passo que a crítica por si não estabelece sua
“qualidade” (ARGAN, 1993). Dessa afirmação depreendem-se algumas
questões interligadas: uma é o lugar ocupado pelo autor da obra, e
consequentemente a intencionalidade discursiva, e a outra o contexto sócio
político histórico em que a obra foi construída.
Obviamente todo artista/autor uma vez inserido em sua realidade
temporal não é impermeável aos acontecimentos culturais, políticos e sociais
que lhe são característicos. Ele carrega consigo estas marcas e, portanto,
imprime em sua arte suas impressões. E de maneira lógica, aspectos como
escolarização formal, o nível intelectual, a classe social bem como a bagagem
cultural, nesta última refiro-me as experiências artísticas e interlocuções com
indivíduos oriundos de outras culturas, vão impactar diretamente no processo
de construção da obra de arte. Diante do exposto, faz sentido propor como
acepção que um texto dramático, objeto de análise em questão, seja então um
produto das relações interlocucionárias do seu criador.
Sob outro prisma a dramaturgia pode ser a representação de camadas
distintas da sociedade. De fato, como mencionado no parágrafo antecessor,
em outras palavras, o histórico do artista enquanto cidadão irá determinar o
lugar discursivo o qual ele se manifesta, podendo servir, por exemplo, tanto a
burguesia quanto as classes proletárias. E no âmbito de suas funcionalidades,
entende-se que a obra de arte de forma geral é um instrumento multifacetado.
Ainda neste pensamento, do ponto de vista funcional, encontramos um
primeiro elemento que contribui para a construção do alicerce que sustenta o
texto dramático como objeto de arte, que se traduz na possibilidade
estabelecer uma relação dialógica direta com seu tempo e com o passado, pois
ela pode conter reminiscências de contextos anteriores a ela. Exemplificando,
um clássico da literatura dramática nacional, a obra de Dias Gomes da década
de 60, O Pagador de Promessas é um drama social que abarca o sincretismo
religioso, apresenta uma relação direta com a história bíblica na pessoa de
Jesus Cristo. Considerando que a personagem principal “Zé do Burro” é um ser
humano humilde no que se refere a posses e postura comportamental, o
personagem bíblico também se configura dessa forma. Enquanto no drama
contemporâneo “Zé do Burro” se propõe a carregar uma cruz de madeira
perfazendo um percurso de sete léguas para salvar uma vida que não é a sua,
Jesus, como relata a história, carregou uma cruz pesada em favor dos
pecadores. Em sua relação com a sociedade, “Zé do Burro” encontra grupos de
pessoas que o apoiam e grupos que o condenam ao passo que na narrativa
dos evangelhos, Jesus também está a mercê daqueles que o condenam,
restando poucos a seu favor. Por fim, ambos morrem de forma muito
semelhante, portando-se fidedignos em suas convicções durante toda a
existência de suas jornadas.
Se considerarmos a obra de Dias Gomes como um épico moderno, o
qual a figura do herói é aquele se sacrifica em prol de um grande feito, neste
caso a valorização da vida, sua dramaturgia também contempla inúmeros
heróis do século XX e XXI os quais morreram lutando pelos direitos humanos.
Outros pontos poderiam ser elencados para o estabelecimento coerente dessa
ponte entre as duas obras, mas, acredita-se que esses sejam suficientes de
modo que “a força da arte está em atingir com um interesse atual um ponto do
passado e torná-lo presente” (ARGAN, 1993, p. 37).
Passeando ainda à busca de materiais que alicercem nossa construção
teórica nos deparamos com a eficiência da obra em si. Vejamos: se partimos
de sua natureza para realizarmos qualquer ação analítica isto implica que não
podemos excluir a materialização do espetáculo teatral. De tal forma, uma
questão que aparentemente é óbvia se verifica pela qualidade estética da obra,
ou seja, o alcance que ela possui de atrair e agradar uma grande quantidade
de espectadores. Neste momento, vislumbra-se o segundo elemento
constituinte da nossa teoria: a capacidade de provocar catarse segundo
Aristóteles.
Compreendendo que esta afirmação pode ser perigosa, principalmente
do ponto de vista cultural e acadêmico, lançamo-nos a detalhá-la. É comum
perceber que expectadores se emocionem com filmes ou obras de
teledramaturgia que não são considerados por especialistas da crítica teatral
uma obra de arte. Mas o ponto chave em questão não é exatamente a emoção
pela emoção, mas a forma pela qual foi possível se chegar a ela.
Este aspecto é tratado de forma visceral por David Ball baseando-se na
dramaturgia para se alcançar a plenitude da atuação cênica. Neste excerto,
Ball (2011) profere claramente
Assim, se uma representação não consegue absorver
suficientemente a plateia para o que vem depois, muitos irão
dar uma volta, passar a Cena 5 do Ato I no banheiro; ou na
melhor da hipóteses, se não saírem, ficarão pensando mais
em suas próprias necessidades biológicas do que na peça. O
espectador não pode dar uma volta, fazer uma pequena
parada, comer uma banana... ou seja o que for. O pobre
espectador tem de se manter quieto e sentado. Ao contrário do
poeta ou do romancista, o dramaturgo dever fazer com que o
público queira fica sentado e quieto. (BALL, 2011, P. 70).
E esta afirmação de Ball está diretamente ligada ao Conflito Dramático,
mencionado na seção “O Texto Dramático em Cena” na “Sexta e última
Estação: A estrutura textual interna”. O conflito deve ser construído com uma
qualidade excepcional, caso contrário a obra será comprometida. Ele é o que
move toda a dramaturgia, é o que impulsiona as cenas e desperta a
curiosidade do expectador/leitor. O Conflito Dramático nasce da linguagem e
evolui para o objetivo da comunicação em si, então “um ser humano fala para
obter aquilo que ele, ou ela quer. Essa é a chave da linguagem dramática, uma
linguagem bem distinta da linguagem da poesia ou da prosa escrita não-
dramática” (BALL, 2011, P. 48).
De fato, o conflito promove a magia e o encantamento da obra, sem ele
não emoção, não existe os porquês da existência humana e de suas
relações interpessoais. A ausência do conflito torna uma obra morta. Sobre sua
definição bem como seus contrates, Ball (2011) expõe
O conflito dramático distingue-se das outras modalidades de
conflito. O conflito de um romance pode ser livre arbítrio
versus destino. O conflito de um poema pode ser juventude
versus velhice, ou cidade versus campo. Mas, o conflito de
uma peça situa-se entre o que alguém quer e aquilo que
impede esse querer o obstáculo. (BALL, 2011, P. 49).
Em consonância com o excerto acima é pertinente afirmar que o Conflito
Dramático se remete as tensões da realidade humana. E o que fornece
plausibilidade ao texto dramático/espetáculo teatral é justamente a
verossimilhança com fatos da humanidade, em outras palavras o
leitor/expectador valoriza a obra de arte a partir do momento em que ele se
identifica com ela, estabelecendo uma relação de proximidade. Situações como
um adultério, um paciente em estado terminal, um assassinato brutal ou a
conquista de uma posição de destaque em uma empresa são contextos que
exigem uma ação para que algo mude seu estado de inércia ou movimento ao
passo que diversos obstáculos se farão presentes dificultando o desenlace dos
problemas. Expandindo mais estas relações, na medida em que os fatos são
tratados de forma mais intensa, mais identificação permeará entre
leitor/expectador e a obras em questão.
Até aqui os limites entre texto e concepção teatral foram tratadas com
proximidade pela própria natureza da dramaturgia. E ainda sob este prisma,
para que o espetáculo cênico ou o texto tenha a confiança e o interesse do
público/leitor é fundamental a presença de um recurso estilístico utilizado pelo
autor, a saber: de acordo com Ball (2011) o dramaturgo que escreve sem
antecipações, provavelmente jamais seum dramaturgo citado por alguém.
Encontramos agora o terceiro elemento alicerçante: a antecipação.
Delineando objetivamente a antecipação se resume nas técnicas que o
autor/diretor utiliza para antecipar algo que está por vir, todavia, é mister
afirmar que este ato não se configura como entregar o desfecho para o
leitor/público antes do momento oportuno. Significa aguçar os sentidos e
motivando o interesse pelo desenlace do Conflito Dramático por meio de
indícios, pistas e ações da personagem que contenham algo que estabelece
uma relação direta com as cenas seguintes, nisto se reside o conceito de
antecipação elaborado por Ball.
Embora outros elementos pudessem compor este corolário analítico,
optou-se por delimitar apenas estes, com vistas a evitar a prolixidade do tópico.
Vale frisar que a exposição das reflexões são uma tentativa de
estabelecer uma linha de pensamento coerente a qual seja possível afirmar
que o texto dramático pertença a uma categoria de obra de arte. Ressalte-se
ainda que tais reflexões não objetivam a refutação tampouco a exclusão de
inúmeras outras teorias existentes acerca do objeto de arte bem como do texto
dramático, portanto, entende-se que nossa atitude seja uma contribuição para
o escopo dos estudos literários dramáticos.
Para finalizar esta seção, parece pertinente mencionar dois conceitos
relacionados ao tema tratado. O primeiro deles é o entendimento de Neves
(1987) no que tange o texto dramático como obra de arte
Se o texto teatral é o ponto de partida, é preciso compreendê-lo
para melhor transmiti-lo. Para compreendê-lo temos de tomá-lo
pelo que ele é: uma obra de arte. Portanto, além de emocionar
é passível de ser analisado. [...] Realizar a passagem da
intuição para a consciência é, pois, o objetivo da análise de
texto. Para que esta passagem possa ser feita é necessário
conhecer todas as características do texto teatral, sua
estrutura, seus ritmos internos, etc. Quanto mais aprofundada
for a análise do texto, maior a liberdade criadora de seus
interpretes e não o inverso. (NEVES, 1987, p. 10-11).
O olhar do autor presente o excerto acima, confere ao leitor um fado que
somente ele pode carregar: a responsabilidade pelo entendimento do objeto de
análise. Isto, somente o processo de estabelecimento das relações culturais e
sociais do leitor lhe darão instrumentalização para realizar tal tarefa.
E em uma relação dialógica com o exposto, no segundo conceito
proposto, percebe-se consonância acerca de pré-requisitos por parte do
leitor/expectador no que concerne a obra de arte segundo Argan (1993)
Não é verdade que a arte é uma linguagem universal que todos
podem entender. Qualquer pessoa pode admirar uma obra de
arte, como qualquer pessoa pode divertir-se lendo uma
descrição ou vendo um filme que represente a batalha de
Waterloo. Mas apenas o historiador, que a situa numa série de
fatos e deles percebe a necessidade para a continuação da
série, entende seu significado. Assim acontece com a arte, que
cada um entende na medida da sua experiência dos fatos
artísticos ou de seus conhecimentos de história da arte: tanto
mais lúdica e profunda será a inteligência do fato isolado,
quanto mais extensa for a rede em que consegue situá-la.
(ARGAN, 1993, P. 33).
Poderia e seria até coerente elencar mais elementos alicerçantes para
aprofundar a reflexão do excerto acima, mas por motivos expostos, não
serão concretizados. Porém, o entendimento do texto dramático como objeto
de arte parte da perspectiva da recepção do leitor, tema que será tratado na
próxima seção.
5. A RECEPÇÃO DO LEITOR
É sensato pressupor que o autor, o texto e o leitor
são intimamente interconectados em uma relação a ser concebida
como um processo em andamento que produz algo que antes inexistia. (ISER, 2002).
A conexão proposta por Iser é o norte pelo qual nos basearemos daqui
por diante para as reflexões, ou seja, a corrente teórica da Escola de
Constança, após passar por uma longa trajetória nos estudos literários,
considera o leitor como um elemento fundamental no processo de leitura.
Dentre inúmeros conceitos da teoria da recepção, seria inviável apontar
um conglomerado deles objetivando uma relação com o objeto de estudo,
mesmo porque eles fornecem subsídios para muitas discussões intermináveis.
Nesta esfera, restringimo-nos a elencar apenas alguns conceitos a fim de
construir uma linha de pensamento que contemple apenas o texto dramático.
Reportando ao primeiro parágrafo, uma vez que o foco desloca-se para
o leitor, as experiências interpessoais vão determinar a forma como esse leitor
irá interpretar a obra. E “o ponto de vista do leitor oscila sem cessar durante a
leitura e atualiza o sentido em diferentes direções, pois as relações, uma vez
estabelecidas, dificilmente podem ser mantidas” (ISER, 1996, P. 167). Neste
excerto o autor se refere à vasta possibilidade de significados que ressoam a
partir daqueles preexistentes sob o ponto de vista do leitor. Logo, a recepção
da obra dramática se revela de modo a negar, adequar ou reestruturar a
interpretação do leitor.
Nesta vertente em que o leitor está no centro do turbilhão no tema da
recepção, Iser (1996) profere
O não-dito de cenas aparentemente triviais e os lugares vazios
do diálogo incentivam o leitor a ocupar as lacunas com suas
projeções. Ele é levado para dentro dos acontecimentos e
estimulado a imaginar o não dito como o que é significado. Daí
resulta um processo dinâmico, pois o dito parece ganhar sua
significância no momento em que remete ao que oculta.
(ISER, 1996, P. 106).
Notoriamente que não é qualquer leitor/expectador (continuo a utilizar
esta expressão por referir-me tanto ao texto quanto a concepção cênica) que
terá condições intelectuais para realizar o preenchimento desses espaços vazio
como disserta Iser. Entretanto, quando se trata de um leitor/expectador
instrumentalizado culturalmente, capaz de preencher os espaços vazios e
estabelecer significados para o “não-dito” a recepção tende a ser
indubitavelmente mais rica e prazerosa, pois o leitor/expectador tendo
consciência de suas potencialidades, lança-se em uma jornada de descoberta
e encantamentos com a obra. Esta se torna necessária para ele.
No que se refere à dramaturgia, recorremos mais uma vez Ball (2011)
para contribuir na construção de uma reflexão da teoria da recepção, e
segundo o autor
A técnica, como qualquer bom instrumento de trabalho, não
opõe limites ao s resultados a serem obtidos. É verdade que
não existe uma única interpretação “correta” de uma boa peça;
mas técnicas eficazes de leitura ajudam a garantir que a
interpretação seja válida e de valor teatral. (BALL, 2011, P. 18).
Neste fragmento a ideia proposta faz alusão à técnica de leitura da obra
dramática sob o prisma da inversão da ordem cronológica dos acontecimentos.
O autor em seu livro Para trás e para frente: um guia para leitura de peças
teatrais” apresenta uma forma inovadora de realizar uma interpretação segura
e coerente de um texto dramático, a qual a leitura deve começar procurando as
ações recorrentes nas cenas, que por sua vez deverão estar ligadas
necessariamente a um evento. Assim, descobrindo as ações automaticamente
se descobre também o mote das ações e realizando este processo do “para
trás e para frente” não há, segundo o autor, nenhuma possibilidade de uma
interpretação ser equivocada. Mesmo porque o que torna exequível este
exercício é que “uma peça é uma série de ações. Uma peça não trata da ação
e nem descreve a ação. Por acaso o fogo trata das chamas? Descreve as
chamas? Não o fogo são as chamas. Uma peça é a ação. (BALL, 2011, P. 23).
Apesar deste autor não pertencer ao círculo da teoria da recepção,
entende-se que estabelecer uma relação estreita com sua forma de conceber a
recepção é de grande valia para os estudos literários, uma vez que a atividade
de leitura do leitor/expectador perpassa também por critérios semelhantes aos
da corrente da Escola de Constança.
Portanto, acredita-se também que dissertar sobre recepção, além de
recorrer a um conjunto de teorias consagradas é também estar predisposto a
assimilar novas concepções com vistas a realizar ampliação dos estudos que
mantém pontos de contato relevantes.
Retomando ao conceito de estética, considerando que sua temática seja
relevante para este tópico e tratada na seção “O Patamar da Obra de Arte”,
Jauss (1979) considera que o aspecto artístico da obra é realizado pelo efeito
que ele causa no seu leitor. Esta afirmação nos remete mais uma vez as
características culturais do receptor, uma vez que o elas que irão determinar
o valor estético da obra, neste caso à dramática. Aqui se relaciona o conceito
de horizonte de expectativas que poderão ser superados ou não de acordo
com a experiência do leitor/expectador. A compreensão de horizonte de
expectativa para o autor está diretamente ligada entre a distância da existência
prévia de um horizonte de expectativa e o surgimento de uma nova obra.
Reforçando as asserções acima, Stierle (2002) declara
Em Jauss, a recepção é sempre o momento de um processo
de recepção, que se inicia pelo horizonte de expectativa” de
um primeiro público e que, a partir daí, prossegue no
movimento de uma “lógica hermenêutica de pergunta e
resposta”, que relaciona a posição do primeiro receptor com os
seguintes e assim resgata o potencial de significado da obra,
na continuação do diálogo com ela. O significado da obra
literária é apreensível não pela análise isolada da obra, nem
pela relação da obra com a realidade, mas tão-só pela análise
do processo de recepção, em que a obra se expõe, por assim
dizer, na multiplicidade de seus aspectos. (STIERLE, 2002, P.
120).
Stierle explana claramente o conceito de Jauss e amplia a discussão no
que tange ao significado da obra literária. É possível considerar também a
aplicável os conceitos expostos para literatura dramática, mesmo que ela não
seja tratada diretamente nos textos de recepção, todavia, uma vez tendo sua
natureza como uma vertente literária, somente esta característica valida sua
inclusão como objeto em análise.
Encerrando esta seção, percebe-se a riqueza de uma obra em diversos
aspectos, seja pela análise de sua própria concepção estrutural, seja pela
relação que se estabelece com seu contexto histórico ou também pelo
processo de recepção por parte do leitor/expectador.
6. O PRAZER ESTÉTICO
Acredito que a qualidade estética de um texto teatral contemporâneo
é mais bem avaliada pela complexidade e coerência com que este relaciona essas
diferentes dimensões do que pelos critérios tradicionais da tipologia dramática.
(BAUMGÄRTEL, 2011).
Tratar do Prazer Estético é uma discussão bastante melindrosa, pois
toca no cerne de subjetividade humana. Contudo, considerando como a nossa
última seção, assim como as outras faz-se necessário uma contextualização
para melhor compreensão das reflexões propostas. Partimos do nosso objeto
de estudo.
Os textos dramáticos oferecem possibilidades de desvelamento do
mundo, pois considerando que o universo literário é dotado de uma riqueza
imaginativa incomensurável, e trazendo uma realidade ao leitor muitas vezes
despercebida, segundo Eagleton (2003)
Na rotina da fala cotidiana, nossas percepções e reações à
realidade se tornam embotadas, apagadas, ou como os
formalistas diriam, “automatizadas”. A literatura, impondo-nos
uma consciência dramática da linguagem, renova essas
reações habituais tornando os objetos mais “perceptíveis”. Por
ter de lutar com a linguagem de forma mais trabalhosa, mais
autoconsciente do que o usual, o mundo que essa linguagem
encerra é renovado de forma intensa. (EAGLETON, 2003, P.
5).
No excerto acima está presente uma característica peculiar da literatura:
forçar o leitor trabalhar com a mente de forma que ele estabeleça relações
exteriores ao texto em uma tentativa de expandir e compreender o contexto
atual. Incluindo a literatura dramática, toda a ação de uma personagem é
movida por uma intenção, esta última pode ser a chave para o desenlace do
conflito. Logo, tentar compreender como e porque tal ação dramática foi
realiza, extrapola os limites do texto escrito e tal atitude passa a habitar o palco
da mente do leitor. Aqui especificamente, teríamos os primeiros indícios do
prazer estético, uma possível identificação com a obra, mas não a obra pela
obra, mas pelo desejo do conhecimento profundo de sua estrutura
composicional. Entretanto, para Jauss (1979) o processo é inverso, como
declara
A experiência estética não se inicia pela compreensão e
interpretação do significado de uma obra; menos ainda, pela
reconstrução da intenção de seu autor. A experiência primária
de uma obra de arte realiza-se na sintonia com [...] seu efeito
estético, i.e., na compreensão fruidora e na fruição
compreensiva. (JAUSS, 1979, P. 46).
Mas esta identificação mencionada no fragmento anterior nem sempre
se realiza em plenitude. Com vistas a elucidar a questão dos textos, citamos
Barthes (2006) quando fala da distinção dos textos
Texto de prazer: aquele que contenta, enche, euforia;
aquele que vem da cultura, não rompe com ela, está ligado a
uma prática confortável da leitura. Texto de fruição: aquele que
põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até
um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais,
psicológicas do leitor, a consistência de seus gostos, de seus
valores e de suas lembras, faz entrar em crise sua relação com
a linguagem. (BARTHES, 2006, P. 20 21).
Arriscamos afirmar que para Jauss, dentre as definições de Roland
Barthes sobre os textos, a que lhe convém para a experiência estética seja o
segundo: o texto de fruição. Destarte, o leitor em contato com a literatura, se
depara constantemente com estas duas categorias textuais e o que vai lhe
interpelar é exatamente a natureza contextual de cada uma.
Jauss em seu texto “O prazer estético e as experiências fundamentais
da poiesis, aistheses e katharsis” elenca uma rie de conceitos acerca do
prazer estético sob a ótica de vários pensadores.
Perpassando rapidamente por alguns autores, Aristóteles, por exemplo,
atribui o prazer à imitação no sentido duplo, uma baseada na técnica eficiente
de imitação e a outra o contentamento em face do reconhecimento da imagem
original no imitado. Dessa forma, em relação ao prazer estético, uma
consequência haveria, ou seja, dois efeitos: o sensível e o intelectual, o que
não significa um esgotamento dos conhecimentos “aisthesis” e “anamnesis”.
Em Santo Agostinho referindo-se ao uso e prazer, demonstra dois
caminhos: uma seria a bondade (orientada por Deus) e a outra seria a má
utilização do prazer dos sentidos, voltado exclusivamente para o mundo.
Também trazendo à tona a definição do sofista Górgias do poder da fala,
ele a define pela sensibilidade causada no interlocutor por meio dos discursos,
ou seja, a persuasão, alcançada pelo prazer catártico. Segundo Górgias a
preparação do ouvinte é primordial para a recepção discursiva auditiva, pois ali
estariam contidas as condições para uma nova convicção.
Neste momento, percebem-se confluências com a teoria de Zumthor
(2007), como verificado no fragmento seguinte
A recepção, eu o repito, se produz em circunstância psíquica
privilegiada: performance ou leitura. É então e tão somente que
o sujeito, ouvinte ou leitor, encontra a obra; e a encontra de
maneira indizivelmente pessoal. Essa consideração deixa
formalmente íntegra a teoria alemã da recepção, mas lhe
acrescenta uma dimensão que lhe modifica o alcance e o
sentido. Ela o aproxima, de algum modo, da ideia de catarse,
proposta (em um contexto totalmente diferente) por Aristóteles!
Comunicar (não importa o quê: com mais forte razão um texto
literário) não consiste somente em fazer passar uma
informação; é tentar mudar aquele a quem se dirige; receber
uma comunicação é necessariamente sofrer uma
transformação. Ora, quando se toca no essencial (como tende
o discurso poético... porque o essencial é estancar a
hemorragia de energia vital que é o tempo para nós), nenhuma
mudança pode deixar de ser concernente ao conjunto da
sensorialidade do homem. (ZUMTHOR, 2007, P. 53).
A exposição de Zumthor dialoga com rgias no sentido da
comunicação oral, ao afirmar que a recepção se em uma circunstância
psíquica privilegiada (performance ou leitura), a qual o sujeito encontra-se com
a obra de maneira indizivelmente pessoal o que se aproxima do conceito de
catarse proposto por Górgias. Ao afirmar ainda que o ato de comunicar não
consiste simplesmente em passar uma informação, mas, pretende-se modificar
a que se dirige, estabelecendo outro ponto comum ele toca no essencial da
relação dialógica entre emissor e receptor. Assim, em um espetáculo teatral,
por exemplo, o expectador poder ser levado a um estado de êxtase devido ao
calor da cena bem como seu estado de sensibilidade. Em outro momento
poderíamos citar uma simples recitação poética, se realizada de forma visceral
ela pode modificar o seu ouvinte fazendo-o se emocionar. O contexto emotivo o
qual o receptor está inserido pode certamente, contribuir para a elevação de
seus sentidos ao estado da catarse.
Retomando os conceitos de Jauss, o autor propõe uma distinção entre o
prazer estético e os prazeres simples, traduzido no distanciamento estético.
Então, o cerne da questão é o prazer desinteressado, da doutrina Kantiana.
Pois, uma vez estabelecida uma distância estética, o que exclui o objeto em si,
é possibilitado um momento adicional, uma “tomada de posição”.
O teórico também trata dos conceitos de Poiseis, Aisthesis e Katharsis.
A primeira é definida como próprio prazer ante a arte. A segunda se expressa
por meio de um duplo sentido, ou seja, uma percepção através de um
conhecimento/experiência e a percepção sensível e a terceira se resume na
sensibilização do ouvinte/espectador provocados pelo discurso ou pela poesia,
com potencial transformador de convicções individuais. Jauss acerca dessas
três categorias básica da estética afirma que as mesmas não devem ser vistas
como uma hierarquia de camadas, mas como uma relação de funções
autônomas, sem subordinação, porém como processo. Por conseguinte, o
criador pode, em face de sua obra, exercer os papéis tanto de leitor quanto de
observador, passando pela experiência da poiesis e da aisthesis.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após percorrer trilhos, vislumbrar paisagens, refletir acerca de situações
contextuais, chegamos ao final deste percurso. Vale ressaltar que vários outros
destinos poderiam ter sido alcançados, mas dependeria primeiramente do trilho
a seguir. A paisagem final retrata um olhar particular deste caminho e de seus
aspectos.
Os trabalhos dos teóricos da Escola de Constança certamente
contribuíram de forma definitiva para os avanços na área da Estética da
Recepção. E no que concerne a uma obra, baseando-se nestes estudos, é
possível realizar uma observação mais serena, distante um pouco das paixões
arrebatadoras da obra pela obra. Importa-nos também considerar a
permanência da obra no tempo. Sobre este, Eco (2000) expõe
A obra se enriquece ao longo dos séculos com as
interpretações que delas são dadas; tem presente a relação
entre efeito social da obra e horizonte de expectativa dos
destinatários historicamente situados; maso nega que as
interpretações dadas do texto devam ser comensuradas com
uma hipótese sobre a natureza da intentio profunda do texto.
(ECO, 2000, P. 9).
A obra de arte, neste caso a Literatura Dramática, não sofre nenhuma
transformação com o tempo. Ela pode receber acréscimos em suas reedições,
comentários, reflexões, mas sua essência resiste ao tempo. Logo, em
consonância com o excerto acima ela ganha valor de acordo com a
multiplicidade de suas interpretações. Ela também permanece com sua
originalidade imutável, exprimindo os traços de sua época, seus antagonismos
sociais, suas lacunas, seus relevos históricos. Ela é eternizada, pois remete
sempre ao seu contexto histórico. A Literatura Dramática é imortal.
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