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LETRAMENTO MULTIMODAL CRÍTICO NAS AULAS DE
LÍNGUA INGLESA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NO
LIVRO DIDÁTICO
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Leopoldina Ramos de Freitas
Universidade Estadual do Ceará
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará
Ana Maria Pereira Lima
Universidade Estadual do Ceará
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
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RESUMO: Os livros didáticos atualmente apresentam textos multimodais, uma composição textual que alia a
linguagem verbal às demais linguagens, priorizando a visual, de forma que os estudantes precisam desenvolver
habilidades específicas para o trabalho com estes textos. O objetivo deste estudo é apresentar aos professores o
Show me framework, criado por Callow (2008), como uma proposta metodológica para promover o
desenvolvimento de práticas de letramento multimodal crítico, através das dimensões afetiva composicional e
crítica, utilizando os textos do livro didático. O Show me framework tem como base a Gramática do Design
Visual (Kress e van Leeuwen (1996; 2006) e apresenta perguntas que podem ser adaptadas pelos professores
de acordo com os textos que serão trabalhados em sala de aula.
PALAVRAS-CHAVE: Livro didático. Letramento multimodal crítico. Textos multimodais.
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As autoras:
Aluna do Mestrado Interdisciplinar em História e Letras (MIHL) da FECLESC/UECE. Professora do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. E-mail: leopoldina_90@hotmail.com
Doutora e Mestra em Linguística, na Universidade Federal do Ceará. É professora adjunta da
Universidade Estadual do Ceará. Professora categoria permanente no Curso Mestrado
Interdisciplinar em História e Letras - MIHL, na UECE e professora colaboradora do
PROFLETRAS/UECE. Atualmente, Pós-doutoranda na Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte PPGL/CAMEAM/UERN, bolsista PNPD/CAPES. E-mail: ana.lima@uece.br
Como citar este artigo:
FREITAS, L. R. de; LIMA, A. M. P. Letramento multimodal crítico nas aulas de língua
inglesa: desafios e possibilidades no livro didático. Revista Diálogos, v. 7, n. 1, 2019.
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Uma versão deste texto foi apresentada como comunicação na XIII Semana de História da FECLESC.
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1. INTRODUÇÃO
Os gêneros discursivos e as práticas sociais têm se reorganizado frente à
globalização e à influência das tecnologias digitais. Relevantes mudanças surgem diante
desse novo cenário, entre elas a ênfase para os textos multimodais, aqueles que contemplam
a presença de múltiplas linguagens para a sua composição e a necessária articulação de
conhecimentos para a construção de sentidos. A educação contemporânea, em particular o
ensino de Inglês como Língua Estrangeira (ILE), ocorre, principalmente, pela utilização de
livros didáticos que apresentam uma gama de textos multimodais, de forma que é necessário
o desenvolvimento, de capacidades leitoras requeridas para atender as especificidades desses
textos e as concepções de ensino/aprendizagem que ora estão em tela.
Segundo Predebon (2015), o conceito de letramento multimodal crítico está
vinculado aos conceitos de gênero discursivo e de letramento crítico. Para esta autora,
constituem-se como ações de letramento multimodal crítico, conhecer, selecionar, combinar
e analisar de maneira situada e crítica os múltiplos recursos semióticos: a) no nível léxico-
gramatical, mobilizando as potencialidades dos sistemas semióticos verbal e imagético; b)
no nível semântico e pragmático, percebendo as representações das experiências
socioculturais e estabelecendo relações entre as informações de forma coesa e coerente; c)
no nível do registro, mobilizando variáveis de campo, relações e modo no contexto de
situação; d) no nível do gênero, acionando conhecimentos textuais e contextuais recorrentes
em uma determinada cultura; e) no nível ideológico, analisando os diversos discursos
presentes nos textos; f) na interação entre os diferentes recursos semióticos em cada nível
aqui mencionado e entre os níveis supracitados; g) e na interação entre todos esses níveis.
Como afirma Pinheiro (2016), os professores podem e devem auxiliar os alunos a
desenvolver um letramento multimodal crítico, uma vez que as provas de ingresso no nível
superior, como o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM), por exemplo, apresentam
muitos textos multimodais com a predominância de imagens e links em muitas disciplinas,
principalmente na área de “Linguagens, códigos e suas tecnologias”, que inclui Português,
Língua Estrangeira (Espanhol ou Inglês), Artes e Educação Física. Dessa forma, uma
necessidade de aprimorarem-se as pesquisas sobre o letramento multimodal crítico.
De acordo com Tilio (2012), os tópicos abordados nos textos dos livros didáticos
são essenciais para que o aluno possa negociar significados e construir conhecimentos.
Como este material não está presente na sala de aula sem mediação de professores e alunos,
mesmo que as atividades propostas não trabalhem os tópicos de maneira crítica e reflexiva, a
presença deles no livro pode servir de estímulo para este trabalho. Por outro lado, a presença
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não garante que um trabalho crítico seja desenvolvido, uma vez que é um desafio para o
professor encontrar quais estratégias e práticas podem ajudar seus alunos para o
enfrentamento dos multiletramentos demandados para a situação.
Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo apresentar o Show me
framework, desenvolvido por Callow (2008), como uma proposta metodológica que pode
ajudar os professores a utilizarem os textos do livro didático para desenvolver o letramento
multimodal (principalmente o letramento visual) dos estudantes por meio das dimensões
afetiva, composicional e crítica.
2. ABORDAGENS TEÓRICAS
2.1. Semiótica social
De acordo com Callow (2013), a Semiótica Social é uma vertente particular da
Semiótica que pesquisa a importância das configurações e dos contextos sociais em que
ocorrem todos os tipos de significados. Neste sentido, para se compreender os processos e as
estruturas da linguagem, é essencial imergir na dimensão social e considerá-la como ponto
de partida para a análise dos sistemas de significado.
Segundo Vieira e Silvestre (2015, p. 8) a Semiótica Social:
[...] muda o enfoque linguístico para o recurso semiótico para descrever,
interpretar e explicar como as pessoas produzem artefatos ou eventos
comunicativos e como os interpretam em contextos de situações e/ou práticas
específicas. Em vez de analisar os diferentes modos semióticos per se, devido às
características intrínsecas de cada um dos sistemas, devido às suas
sistematicidades ou regras, essa abordagem integra os modos pesquisando os
recursos semióticos dos diferentes sistemas organizados e instanciados em textos
multimodais.
Desta forma, a Semiótica Social fornece a visibilidade às abordagens teórico-
empíricas na educação multimodal, o que possibilita o desenvolvimento de situações em que
os multiletramentos sejam não apenas solicitados, como se tornem uma prática pedagógica.
Por meio da Semiótica Social, encontramos a possibilidade de investigar o desenvolvimento
do letramento multimodal crítico dos alunos através do uso do livro didático, a fim de
melhorar o processo de aprendizagem de Inglês como língua estrangeira, ressignificando a
aprendizagem, tendo como meta desenvolver a criticidade dos estudantes.
2.2. Multimodalidade
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A palavra multimodalidade surgiu da Psicologia da Percepção, na década de 1920,
para se referir aos diferentes efeitos das percepções sensoriais. Mais recentemente, o termo
teve o sentido ampliado por linguistas e analistas do discurso para significar o uso integrado
de diferentes recursos comunicativos, tais como a linguagem escrita, imagem, som e música
em textos multimodais e em diferentes eventos comunicativos. Para Jewitt (2005), uma
abordagem multimodal permite que os recursos semióticos usados na leitura e na escrita de
textos sejam contemplados como constitutivos da significação global.
Conforme afirmam Kress e Van Leeuwen (2006), o cenário semiótico da
comunicação visual tem passado por efetivas transformações. Essas mudanças têm gerado
efeitos nas formas e características do novo modo de escrever textos, que estão se tornando
cada vez mais multimodais, textos nos quais coexistem mais de um modo semiótico (visual,
sonoro, gestual e outros). As imagens não devem ser apenas identificadas, mas lidas e
interpretadas para que possamos compreender-lhes na totalidade composicional e para que
depreendamos quais são as representações discursivas produzidas por esses arranjos.
Destarte, a fim de compreender textos multimodais, os alunos precisam ter, além do
letramento apoiado no texto verbal, o de como interpretar imagens visuais e saber integrá-las
à linguagem verbal, às condições sociais inerentes ao processo de produção e circulação do
conteúdo, que chamamos de multiletramentos. Estes multiletramentos, que serão explorados
a seguir, são necessários para o enfrentamento dos desafios apresentados pelas mudanças
sociais, ideológicas e culturais que incidem sobre a produção de textos.
2.3. Multiletramentos
De acordo com Jewitt (2008), o conceito de “multiletramentos” foi apresentado por
um grupo de pesquisadores conhecido como New London Group, em 1996. Este conceito
evidencia duas mudanças no cenário comunicacional que provocam uma discussão a
respeito do que significa ser letrado: a crescente importância da diversidade linguística e
cultural na economia e a complexidade dos textos no que diz respeito às formas de
representação e comunicação multimodais.
Assim, podemos entender, segundo Lima (2013.p.47) que há, a partir da inserção da
necessidade de contemplar os multiletramentos demandados na contemporaneidade como
superação ou atualização dos estudos sobre os letramentos:
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Os multiletramentos superam as limitações da abordagem tradicional dos
estudos do letramento, porque atualizam as análises das interações sociais
mediadas por tecnologias diversas e enfatizam a negociação necessária
para a convivência com as múltiplas diferenças linguísticas e culturais em
nossa sociedade. As implicações resultantes dessa interação se tornam
centrais para a pragmática de demandas dos ambientes de trabalho,
públicos e privados, uma vez que são práticas além dos conhecimentos do
código escrito.
Uma vez que a possibilidade de inserção de linguagens simultânea ou adicionadas ao
texto verbal ocorre é importante trazer à tona as formas de trabalhar pedagogicamente essas
exigências das práticas de letramentos contemporâneas. Em seus estudos, Callow (2008)
ressalta que, na Austrália, o letramento visual, entendido como a habilidade de interpretar a
informação visualmente apresentada baseando-se na premissa de que imagens podem ser
lidas e ter seu significado decodificado através do processo de leitura, está integrado ao
programa curricular de alfabetização de todos os estados e territórios. Esta inclusão
reconhece que os alunos precisam desenvolver novas habilidades de alfabetização,
multiletramentos, a fim de poder entender a variedade de textos que permeiam suas vidas
domésticas e escolares.
Segundo Stokes (2002), os multiletramentos podem incluir o letramento visual, o
letramento midiático, o letramento digital, o letramento cultural e o letramento social, entre
outros. É importante que estes letramentos sejam trabalhados sob um ponto de vista
multimodal crítico, a fim de que os estudantes tenham acesso a ferramentas que os
possibilitem analisar as diversas linguagens e formas de representação para, dessa forma,
pensar sobre suas próprias condições sociais e culturais.
2.4. Letramento multimodal crítico
Uma teoria muito importante para a construção do conceito de letramento
multimodal crítico foi o desenvolvimento da Gramática do Design Visual (GDV) de Kress e
van Leeuwen (2006 [1996]), que teve suas bases teóricas alicerçadas na Gramática
Sistêmico-Funcional de Halliday. A GDV propõe a existência de três metafunções, a
representacional, a interativa e a composicional. A primeira diz respeito à representação de
aspectos do mundo da forma como eles são vivenciados pelos humanos, ou seja, como os
objetos, eventos e indivíduos podem ser representados de diferentes formas. A segunda trata
dos modos que existem para representar as relações interpessoais entre quem está
visualizando e o que está sendo visualizado. Já a última refere-se à maneira como as
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imagens podem ser analisadas com relação à estrutura e ao formato do texto. Diferentes
arranjos composicionais entre texto e imagem possibilitam a realização de sentidos textuais
diferentes.
De acordo com Araújo e Silva (2015), essas metafunções, propostas pelos autores
Kress e van Leeuwen, promovem exposições e compreensões que instrumentalizam
professores e alunos a desenvolverem uma prática efetiva de leitura e de interpretação dos
sentidos que as imagens veiculam. Baseado nos pressupostos teóricos da GDV, Callow
(2008) desenvolveu o Show me framework, agregando aspectos antes não analisados com
profundidade no desenvolvimento do letramento multimodal crítico dos estudantes, como as
dimensões afetiva, composicional e crítica.
Callow (2005) sugere que, em um contexto imagético, devem ser analisadas três
dimensões: afetiva, composicional e crítica. A dimensão afetiva reconhece o papel do
indivíduo ao interagir com imagens, levando em consideração a apreciação estética e a
resposta sensorial imediata; a composicional considera o modo como as imagens são
compostas, incluindo elementos semióticos estruturais e contextuais; a dimensão crítica
reconhece a importância da existência de uma reflexão crítica quando se trata de imagens,
uma vez que todas as imagens transmitem uma ideologia.
Com o intuito de compreender como ocorre o letramento visual/multimodal crítico
dos estudantes e desenvolvê-lo, Callow (2008) elaborou o Show me framework, um conjunto
de estratégias didáticas para que o professor possa explorar mais do modo imagético dos
textos multimodais dentro da sala de aula com os estudantes. Por esse motivo, a proposta de
Callow (2008) mostra-se essencial para as pretensões acadêmicas deste projeto, que o
Show me framework traz uma série de questionamentos que instigam os estudantes a
desenvolverem, por meio do livro didático, o letramento multimodal crítico através das três
dimensões supracitadas.
Na dimensão afetiva, Callow (2008) sugere que o professor esteja atento às
possíveis reações dos estudantes, como gestos e expressões faciais, no momento da atividade
de compreensão leitora multimodal, pois as imagens constituem signos de engajamento
afetivo. Após indagações de cunho afetivo, o docente deve expor o aproveitamento da
leitura e da observação das imagens.
Na sequência, pela dimensão composicional, o professor deve explorar,
inicialmente, o que está acontecendo na imagem, a fim de que os alunos descrevam e
expliquem ações e imagens simbólicas. Em seguida, o educador deverá indagar sobre como
as pessoas ou outros participantes reagem e interagem na imagem. Nesse sentido, a
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dimensão composicional faz uso de uma metalinguagem própria da análise de imagens, o
que engloba vários conceitos da GDV, como ações, símbolos, distância/proximidade,
ângulos, olhar, cores, layout, saliência, linhas e vetores. Por meio desta abordagem, o
professor sensibiliza os estudantes a perceberem que os aspectos composicionais das
imagens são muito importantes na construção de sentidos do texto multimodal.
Por fim, através da dimensão crítica, Callow (2008) sugere que o professor
incentive os alunos a perceberem e analisarem as questões socioculturais relacionadas aos
grupos sociais, aos gêneros sociais, às raças e às etnias. Isso possibilitará que os estudantes
se posicionem criticamente sobre as questões mencionadas e possam identificar e avaliar,
nos textos multimodais, os estereótipos construídos nas imagens.
2.5. Livro didático
O livro didático (LD) exerce um papel fundamental em sala de aula de ILE,
devendo, portanto, ser, conjuntamente com o professor, o agente para o desenvolvimento do
letramento multimodal crítico. Segundo Tilio (2006, p.106), “apesar de não ser condição
sine qua non para que uma situação de ensino e aprendizagem se concretize, o livro didático
está presente em quase todas as situações de ensino e aprendizagem de inglês”.
No que diz respeito à relação entre LD e multimodalidade, Predebon (2015)
salienta que devido a sua configuração semioticamente complexa, o LD acaba orientando o
ensino de línguas com base em parâmetros textuais multimodais. Deste modo, fica evidente
a necessidade da existência de práticas que explorem essa diversidade de recursos
semióticos dos livros para o desenvolvimento do letramento multimodal crítico dos alunos.
Para Kummer (2015), os LDs são utilizados na maioria das salas de aula e
desempenham um papel muito importante neste contexto. O LD, enquanto recurso, fornece
“conteúdos, textos e atividades que delineiam muito do que acontece em sala de aula”
(RAMOS, 2009, p. 173), funcionado, desta forma, como apoio ao professor, que muitas
vezes não tem tempo e nem recursos para preparar seu próprio material didático. Em
algumas situações, os LDs acabam moldando ou engessando, de acordo com Ramos (2009,
o que deve acontecer em sala de aula, ocorrência que se caracteriza como desvantajosa para
professores e alunos. Dessa forma, é necessário que se reflita como esse recurso didático
pode ser abordado em sala de aula.
Predebon, (2015, p. 85) apresenta quatro argumentos que permitem configurar o
LD enquanto gênero, o primeiro deles é que eles possuem:
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[...] materialização relativamente tipificada, por meio de unidades seções,
objetivos delimitados e diferentes oportunidades de exploração da linguagem por
meio de atividades didáticas. Sua função formadora no contexto de ensino de
línguas compreende o segundo e o terceiro argumentos na caracterização do LD
como nero, ao situá-lo como instanciação do discurso escolar e das práticas
pedagógicas. O LD funciona como instância recontextualizadora em um processo
de popularização de conhecimentos sobre a ciência da linguagem em propostas
pedagógicas, segundo resultados de pesquisas na área, o que explica o quarto
argumento, sobre os objetivos comunicativos do LD.
O LD, enquanto gênero do discurso, pode ser visto como heterogêneo, uma vez que
ele é:
[...] um produto sócio-histórico e cultural em que atuam vários agentes (autores,
editores, revisores, leitores críticos, professor, etc), com certas relações sociais
entre si, na produção e seleção enunciados concretos com determinadas
finalidades. (BUNZEN, 2005, p.37)
Seguindo o raciocínio acima, podemos dizer que o LD é o resultado dos interesses
de seus autores/editores/produtores e de seu público-alvo (professores/alunos), assim como,
é um reflexo do contexto em que é produzido e publicado”. (KUMMER, 2015, p.50)
Ao recordamos a história do livro para o ensino de línguas, observamos que os
primeiros exemplares foram as gramáticas, que faziam referência estritamente à língua
escrita. No contexto brasileiro, apenas em 1939, chega ao Brasil o primeiro livro
considerado multimodal, que apresentava alguns símbolos da fonologia da língua inglesa.
Nas décadas seguintes, é elaborada a coleção New Concept English, que aliava os recursos
da imagem e da ilustração como formas de auxiliar a compreensão (OLIVEIRA E PAIVA,
2009). Antes de 1970, os LDs usados no Brasil eram produções de outros países, até que a
professora brasileira Solange Ribeiro de Oliveira publica o Structural English. Atualmente,
o fator principal na escolha do LD é que ele enfatize a interação social, e não tenha apenas
exercícios mecanicistas da língua, mas que também possa contribuir para a formação da
consciência crítica dos alunos.
Os componentes curriculares de Línguas Inglesa e Espanhola foram somente
incluídos no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) a partir de 2011, para o Ensino
Fundamental, e 2012 para o Ensino Médio. Com a implementação do PNLD para línguas
estrangeiras, possibilita que o uso de LDs seja ampliado na rede pública. Com o advento do
PNLD, todos os estudantes e professores de escolas públicas brasileiras têm o direito de
receber, gratuitamente, o livro selecionado dentre as coleções aprovadas pela comissão
avaliadora.
As coleções aprovadas pelo PNLD passam por um rigoroso processo de avaliação,
com diversos itens gerais a todas as áreas, além de critérios específicos para cada
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componente curricular, que, no tocante às línguas estrangeiras, incluem, entre outros, 1)
textos de diferentes gêneros discursivos e que circulem em diferentes esferas sociais; 2)
tarefas que contemplem as quatro habilidades (escrita, leitura, produção e compreensão
orais); 3) situações que mostrem a diversidade cultural, trazendo diferentes pronúncias do
idioma; e 4) situações contextualizadas para o ensino de gramática (BRASIL, 2012, p. 73-
76). Com o objetivo de auxiliar os responsáveis pela escolha dos livros nas escolas, o PNLD
disponibiliza o Guia de Livros Didáticos (BRASIL, 2013), que contém resenhas sobre as
coleções aprovadas, fornecendo detalhes sobre os conteúdos, as características e o
funcionamento de cada uma.
O PNLD garante que LDs de qualidade estejam à disposição de alunos e
professores da rede pública de ensino. É importante reconhecer esse programa como um
avanço no processo de ensino e aprendizagem. Contudo, devemos ter em mente que o livro
didático não é um material completo e perfeito, uma vez que cada comunidade escolar está
inserida em um contexto diferente e que cada turma constitui um universo distinto. A
adaptação e a visão crítica dos professores em relação aos LDs são fundamentais.
Vilaça (2009) afirma que o LD não deve ser a única fonte de atividades e
conteúdos, pois, em algumas situações, é necessário que o professor faça adaptações, tanto
nas atividades quanto nos conteúdos abordados. Diante dessa necessidade de adaptação de
atividades do livro didático, na próxima seção, apresentamos uma sugestão de como melhor
utilizar os textos dos LDs de língua inglesa para desenvolver o letramento multimodal
crítico dos alunos.
3. PERCURSO METODOLÓGICO
Para promover o desenvolvimento do letramento multimodal crítico dos alunos por
meio do livro didático, é necessário que o professor faça a adaptação de algumas atividades,
pois, como afirma Kummer (2015), apesar de estudiosos destacarem a importância de se
considerar a linguagem em todos os níveis, o foco das atividades de leitura e produção
textual nos LDs de língua estrangeira residem na materialidade do texto, não enfatizando os
aspectos visuais dos textos imagéticos nem focando o desenvolvimento crítico dos
estudantes.
Callow 2008 propõe o modelo Show me framework com objetivo de fornecer
alguns exemplos e tarefas que podem ajudar os professores a desenvolver o letramento
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multimodal crítico de seus alunos, baseados em contextos, aulas e fontes de aprendizagem
disponíveis. O autor dividiu seu modelo em três dimensões: afetiva, composicional e crítica.
A dimensão afetiva valoriza e reconhece o papel dos indivíduos quando interagem
com imagens, incluindo o sensorial e a resposta imediata, bem como a apreciação estética
(CALLOW, 2005). No quadro 1 temos uma adaptação do modelo Show me framework”,
nele podemos observar algumas perguntas que podem ser feitas aos alunos de forma a
desenvolver o letramento multimodal por meio da dimensão afetiva. É possível observar
também alguns indicadores dos níveis de desenvolvimento dos alunos.
Quadro 1 - Modelo Show Me: Dimensões Afetivas adaptado de Callow (2008)
Fonte: Silva (2016, p. 85).
Na dimensão composicional verificamos como as imagens são compostas,
incluindo os elementos sociais, estruturais e contextuais. Nessa dimensão é analisado como
os elementos e signos trabalham para criar sentido na estrutura de uma imagem, bem como o
impacto de situações sociais específicas e o contexto cultural. O quadro 2 exemplifica a
aplicação do modelo “Show me” a partir das dimensões composicionais.
Quadro 2 - Modelo Show Me: Dimensões composicionais adaptado de Callow (2008)
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Fonte: Silva (2016, p. 86-87).
Para Silva (2016, p. 88), a dimensão crítica “reconhece a importância de trazer à
tona a crítica social de imagens, de campos tais como teoria pós-estruturalista, análise crítica
do discurso e da teoria feminista”. Segundo Kress e Van Leeuwen (1996; 2006), todas as
imagens, mesmo as que aparentemente são neutras, estão inteiramente no campo da
ideologia, onde discursos particulares são privilegiados, enquanto outros são
marginalizados, menosprezados ou até mesmo silenciados.
É nessa dimensão que reside o letramento crítico. Este tipo de letramento, em
especial, de acordo com Silva (2016, p. 88), pode ser entendido como “a capacidade de ler,
de interpretar, de reconhecer esses discursos marginalizados ou privilegiados, de concordar e
de discordar do que vê, de endossar ou de refutar, de poder reconhecer dominação,
manipulação ou tendenciosidades nos textos compostos visualmente”. O quadro 3
exemplifica a aplicação do modelo “Show me” a partir das dimensões críticas.
Quadro 3 - Modelo Show Me: Dimensões críticas adaptado de Callow (2008)
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Fonte: Silva (2016, p. 88-89).
Baseado no modelo de Callow (2008) para o desenvolvimento do letramento
multimodal crítico, o professor pode adaptar muitos textos e questões do livro didático de
forma a trabalhar aspectos multimodais como a exploração de cores, saliência, distâncias,
perspectivas, dentre outros. O modelo também sugere, além de questionamentos, atividades
que focam as opiniões, as emoções e a criatividade dos alunos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, discutimos sobre o desenvolvimento do letramento multimodal
crítico dos alunos e qual o papel do livro didático para a promoção dos multiletramentos.
Além disso, propusemos uma sugestão de adaptação de atividades com base nos textos e nas
imagens do LD de inglês, buscando considerar os recursos semióticos imagéticos, com isso
pretendemos contribuir para a prática de seleção e adaptação de material didático,
especialmente o livro didático, na sala de aula de língua inglesa.
Entendemos que o desenvolvimento do letramento multimodal crítico desperte os
alunos para a participação consciente e crítica em sociedade, e a proposta
apresentada neste trabalho é um exemplo de como isso poderia ser feito em sala de
aula, podendo ser adaptada dependendo de cada situação.
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CRITICAL MULTIMODAL LITERACY IN ENGLISH LANGUAGE LESSONS:
CHALLENGES AND POSSIBILITIES IN THE DIDACTIC BOOK
ABSTRACT: The textbooks currently have multimodal texts, a textual composition that
combines verbal language with other languages, prioritizing the visual, so that students need
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to develop specific skills to work with these texts. The objective of this study is to present to
the teachers the Show me framework, created by Callow (2008), as a methodological
proposal to promote the development of critical multimodal literacy practices, through the
compositional and critical affective dimensions, using the texts of the textbook. The Show
me framework is based on the Grammar of Visual Design (Kress and van Leeuwen (1996;
2006) and presents questions that can be adapted by the teachers according to the texts that
will be worked in the classroom.
KEYWORDS: Textbooks. Critical multimodal literacy. Multimodal texts.