Revista Diálogo RevDia
Dossiê Temático Avaliações, Identidades e Norma(s) Sociolinguísticas - v. 7, n. 1, 2019
APRESENTAÇÃO
com uma satisfação enorme que apresentamos aos leitores da RevDia o Dossiê
Avaliações, Identidades e Norma(s) Sociolinguísticas. Estão aqui reunidos nove artigos,
fruto de pesquisas recentes desenvolvidas pelos membros do
SoLAr Núcleo de
Pesquisas em Sociolinguística de Araraquara.
Esse conjunto de trabalhos marca um
momento importante das atividades do grupo, que completa 14 anos em 2019. Trata-se de
resultado da consolidação de um trabalho coletivo de reflexão sobre a língua em suas
(inter)relações com o social e o histórico.
O
SoLAr
nasceu como
NEVAr
(Núcleo de Estudos em Variação Linguística de Araraquara),
um grupo interessado em discussões sobre Variação e Mudança Linguística na perspectiva
laboviana, atuando no âmbito do LEDiP (Laboratório de Estudos Diacrônicos do
Português), sediado na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, Câmpus de Araraquara.
Gradualmente, o núcleo foi assumindo uma maior autonomia em relação às demais pesquisas
do Laboratório, até firmar-se como um grupo independente, que reúne pesquisadores de
diferentes níveis doutores, pós-graduandos, graduandos em torno de investigações sobre
as relações língua-sociedade e língua-cultura, em seus diferentes matizes.
Um dos focos principais das pesquisas do Núcleo foi e continua a ser as discussões sobre
processos de variação e mudança, particularmente do/no português brasileiro, mas também
em estudos comparativos, em consonância com um dos grandes tópicos da agenda da
Linguística Brasileira o processo de constituição do português brasileiro. Mas outros
interesses foram se agregando às questões iniciais, seguindo o próprio desenvolvimento da
área. E assim o NEVAr tornou-se SoLAr, revelando em seu nome a abrangência de suas
investigações.
As pesquisas do grupo se pautam pela profunda convicção de que a língua o se explica
apenas pela sua estrutura interna, mas sim a partir de um intrincado tecido de forças
linguísticas e sociais. A apreensão plena de seu funcionamento se quando observamos
como a razão de sua existência (o para quê) molda a massa complexa de fonemas, morfemas,
sintagmas, regras de combinação, articulações que compõem o repertório linguístico do
falante. Essa massa, ainda que historicamente determinada, normatizada, é apenas
relativamente estável. Está sempre sujeita às forças e desejos de seus usuários, num estado
permanente de tensão, que pode se manifestar menos ou mais fortemente, a depender das
injunções do momento histórico, do peso das normas, dos valores de menor ou maior
liberdade de expressão vigentes. A expressão linguística concreta emerge, assim, da
convergência ou do conflito entre norma(s) linguísticas e sociais, entre identidades, entre
avaliações. Desse jogo constante, -se a mudança, consequência natural e inevitável do
próprio uso.
É
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Os estudos que trazemos aqui são retratos dessas possíveis convergências e conflitos. Estão
organizados em três eixos da Identidade, da Avaliação e da Norma, em função do aspecto
destacado pelo estudo, ainda que os três, de algum modo, estejam quase sempre presentes,
entretecidos na construção dos significados sociais e linguísticos.
No eixo Identidade, dois trabalhos que investigam identidades locais de cidades do interior
do estado de São Paulo. O primeiro deles é intitulado Relação entre língua e identidade: a fala
denuncia quem somos, de autoria de Pricila Balan Picinato. Nele, a autora avalia como o falante
constitui sua identidade e como isso se reflete no comportamento linguístico que apresenta.
O que está em jogo nesse trabalho, principalmente, é a relação que esses falantes estabelecem
entre sua produção linguística e a ideia de falar caipira”. O segundo trabalho no interior
desse eixo - Atitude e avaliação linguística: os bonfinenses e os moradores de condomínio -, de Bruna
Loria Garcia, parte de um fenômeno específico a concordância verbal de terceira pessoa
do plural para analisar possíveis diferenças que se estabelecem entre o modo como falam
e como percebem essa fala tanto moradores de condomínios quanto os chamados
bonfinenses. Aos condôminos estão associadas as normas linguísticas prestigiadas (com
índices mais altos de concordância verbal), o estilo de vida urbano e um grau maior de
escolarização, enquanto os bonfinenses se associam mais aos valores sociais rurais, ao estilo
de vida mais pacato e a um menor grau de escolarização.
No eixo Avaliação, temos dois trabalhos centrados em um espaço em que se constroem
crenças e se moldam atitudes a escola, com o objetivo de investigar atitudes de professores
frente a fenômenos da língua. No primeiro deles, intitulado Avaliações subjetivas de professores do
interior de São Paulo em relação aos desvios ortográficos, Marcus Garcia de Sene analisa o modo
como professores avaliam desvios ortográficos de naturezas distintas (fonética e de
convenção de escrita) produzidos por seus alunos. No segundo trabalho desse eixo,
intitulado A avaliação de professores da rede pública de Uberaba-MG e o fenômeno variável da concordância
verbal: uma reflexão sociolinguística, Larissa Campoi Pelucco e Rafaela Regina Ghessi partem
de um fenômeno de natureza morfossintática, analisando o modo como professores avaliam
produções escritas de seus alunos, sobretudo no que se refere ao peso que a concordância
verbal não-redundante acaba tendo nessa etapa do processo de ensino-aprendizagem.
Ambos os trabalhos, emprestando aqui as palavras de Sene, chegam a resultados que
apontam para certo distanciamento entre o ensino de língua portuguesa e uma atitude
predominantemente reflexiva sobre a língua.
Por fim, sob o eixo Norma estão reunidos cinco estudos. Em “Por onde anda você?” sobre a
norma e o uso de onde na fala paulista, Milena Aparecida de Almeida e Rosane de Andrade
Berlinck investigam o uso do pronome onde em uma amostra de variedade da fala paulista.
Contrapondo-se à visão tradicional sobre o emprego do item como pronome relativo
indicador de ‘lugar em que’, as autoras identificam usos “desviantes”, não locativos,
caracterizando-os segundo seus contextos sintáticos, os espaços textuais em ocorrem e o
perfil dos falantes que os empregam. Também discutem em que medida tais usos fazem parte
de um processo de gramaticalização de onde. Em A influência da escolaridade e do sexo/gênero no
uso variável da concordância verbal de terceira pessoa do plural, Alexandre Monte avalia o efeito das
variáveis escolaridade e sexo/gênero sobre o uso da concordância verbal de terceira pessoa
do plural em dados de São Carlos, SP. Ambas as variáveis mostraram-se, como esperado,
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relevante para as duas pesquisas com dados da cidade de o Carlos/SP. Para a variável
sexo/gênero, as mulheres lideraram mais a forma padrão de concordância do que os homens,
enquanto a variável escolaridade mostrou-se nitidamente a crescente frequência de
concordância (e os pesos relativos validam a importância da variável) na medida em que
aumenta a escolarização
Leandro Silveira de Araújo, em O impacto da referência temporal de passado sobre o uso do pretérito
perfecto em Madri, realiza um estudo acerca da variação no uso das formas do pretérito perfecto
simple (estudié - PPS) e compuesto (he estudiado - PPC) em Madri. O autor observou que a
inserção do PPC no contexto de Passado Absoluto ainda discreta e não prevista pela norma
gramatical parece ser um uso recente e com potencial de incremento, haja vista que está
especialmente relacionado a falantes mais jovens. Em “Atração do pronome”? Discutindo a
atuação de proclisadores no PE e no PB sob o viés das normas, Caroline Carnielli Biazoli analisa e
questiona a validade do princípio de “atração do pronome”, fixado pela tradição gramatical.
A autora realiza um estudo descritivo-comparativo entre o português europeu (PE) e o
português brasileiro (PB), a partir de textos orais e escritos produzidos nos primeiros anos
deste século.
O texto de Sílvia Maria Brandão - Variável faixa etária índice de pressão social e/ou mudança
em curso? fecha nosso Dossiê. Nele a autora discute o papel da faixa etária sobre o fenômeno
da alternância verbal em condicionais potenciais e irreais do português paulista. A partir da
constatação de padrões de uso distintos em cada tipo de condicional e em cada faixa etária,
chegou-se a interpretações também distintas do modo como funciona cada variante,
sobretudo no que se refere ao estágio em que podem se encontrar formas tempos
consagradas pela norma.
Desejamos que a leitura desses estudos seja prazerosa e enriquecedora para nossos leitores,
tal como tem sido essa mais de uma década de pesquisas e formação no âmbito do
SoLAr
.
Saudações cordiais!
Rosane de Andrade Berlinck