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A INEVITABILIDADE DE ARCABOUÇO LINGUÍSTICOS
INTRÍNSECO NO PROCESSO DE ENSINO DE L1, L2 E L3
RESUMO: O presente artigo tem como
ABSTRACT: The objective of this article is
objetivo apresentar a necessidade de ser
to present the need to consolidate the first
consolidado o primeiro idioma da criança
language of the deaf child, the Brazilian
surda, a Língua de Sinais Brasileira para
Sign Language, to then reach a instruction
então alcançar uma instrução com menos
with fewer obstacles in the second
entraves no segundo idioma, a Língua
language, the Portuguese Language in its
Portuguesa em sua Modalidade Escrita
Writing Modality that comes to assist in the
que vem a auxiliar dentro do processo de
teaching and learning process of the
ensino e aprendizagem a assimilação de
assimilation of a third language that will
um terceiro idioma que igualmente será na
also be in Written Mode. The work
Modalidade Escrita. A abordagem de
approach is qualitative, with technical
trabalho é qualitativa, com procedimentos
procedures in the form of exploratory and
técnicos
na forma de pesquisa
bibliographic research, with analysis of
exploratória, bibliográfica, com análise da
specialized and varied literature on the field
literatura especializada e variada sobre a
of study with interpretative additions within
área de estudo com acréscimos
the adopted conception.
interpretativos dentro da concepção
adotada.
Palavras-Chave: Visual Mother Language.
Palavras-Chave: Língua Materna Visual.
Language Writing Mode. Plural
Modalidade
Escrita
de
Idiomas.
Approaches.
Abordagens Plurais.
The inevitability of an intrinsic linguistic framework in the process of teaching L1,
L2 and L3
ISABEL CRISTINA ALMEIDA FOGAÇA
Mestranda em Educação Universidade de Sorocaba - UNISO. Especialista em LIBRAS,
Educação Especial Inclusiva, Educação Especial: Área da Surdez. Licenciada em
LETRAS Português/Inglês pela FFCL e docente em Educação Especial na SEE - SP.
isabelfogaca858@gmail.com
Recebido em 14/01/2019. Aprovado em 03/02/2019.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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1. INTRODUÇÃO
O presente estudo é um recorte de um trabalho maior desenvolvido em
Escolas da Rede Pública do Estado de São Paulo em determinadas cidades de
Diretorias de Ensino, esta fração apresentada foi inserida com estrutura teórica
para amparar os tópicos aqui expostos.
São apresentadas as características da criança surda que pode ser
percebida como a maior atingida positivamente em seu desenvolvimento cognitivo
e linguístico quando há contato desde muito cedo a Língua de Sinais em
diferentes contextos igualmente é identificado posicionamentos de diferentes
autores com relação o quanto é benéfico quando existe convívio com utilizadores
de LIBRAS. Este primeiro momento auxilia em uma reflexão profunda, pois como
um Brasil composto de muitos “Brasis” é fato que a conjuntura não é inerente em
todas as realidades que envolvem as crianças surdas, filhas de pais ouvintes,
estimulando o questionamento sobre o que falta no setores que compõe a
sociedade e na Escola para realmente iniciar uma mudança de cenário.
No texto é citado em quais Ciclos são ministrados a L1, L2 e L3, quais os
personagens envolvidos neste processo, de modo igual identifica quatro autores e
suas definições distintas sobre o significado de Bilinguismo.
A análise finaliza retomando sobre o ensino de L1 e L2 para então
mencionar sobre o ensino de L3, interligando a necessidade das duas primeiras
serem bem estruturadas para adquirir a terceira e o formato inicial que pode ser
desenvolvida também. Nesta última parte são apresentados os principais Métodos
e Abordagens Predominantes de Ensino de Idiomas e na sequencia as duas
Abordagens que se repetem ao longo da História, que não necessariamente
devem ser percebidas como opostas, mas sim como complementares.
A intenção do presente texto é transmitir que dentro destes “Brasis” pode vir
a existir crianças surdas de pais ouvintes com proficiência na sua língua natural,
em sua língua adicional e estrangeira, basta oferecer estrutura necessária dentro
e fora da escola.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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2. AQUISIÇÃO PROGRESSIVA DO PRIMEIRO IDIOMA
“Ensinar é no máximo esperar pelo melhor” (Phabhu N. S.)
A necessidade de incentivo no processo de aquisição da Língua de Sinais
Brasileira por crianças surdas na faixa etária adequada, apesar de ser uma
situação aparentemente óbvia e certa é observada dentro das realidades
brasileiras muitas vezes como algo extremamente difícil de acontecer, pois é um
país abarcado de múltiplas particulares e cada uma com seus incontáveis
contextos.
O artigo inicia apresentando as características daqueles que se verifica
atualmente como maiores atingidos, pelo fato de muitos apresentarem avaliações
demonstrando pouco conhecimento e desempenho em seu idioma natural (Língua
de Sinais), seu segundo idioma (Língua Portuguesa na Modalidade Escrita) e
inúmeros expondo absoluto desconhecimento sobre um terceiro idioma (Inglês), o
público a que se refere este parágrafo é a criança surda que somente possui
surdez, bilateral, severa ou profunda, simétrica, pré-lingual, não utilizadora de
Aparelho de Amplificação Sonora Individual, não oralizada, que possui como
único meio de comunicação o idioma na modalidade visual-espacial e que possui
pais ouvintes. A Instituição Educacional Formal que será citada no discorrer deste
texto é a que compõe a Rede Pública do Estado de São Paulo.
Determinadas as características familiares distintas e das inerentes ao
público a que este artigo envolve serão apresentadas conjunções positivas que
favorecem um desenvolvimento linguístico positivo com a referência cronológica
de até os “seis anos”, pois esta configura-se como a idade de ingresso a
Educação Formal, dentro da regulamentação apresentada na Resolução nº 1, de
14 de Janeiro de 2010, Resolução CNE/CEB 1/2010, publicada no Diário Oficial
da União, Brasília, 15 de janeiro de 2009, Seção 1, p. 31, que dispõe sobre
“Define Diretrizes Operacionais para a implantação do Ensino Fundamental de 9
(nove) anos" em seus Artigos 2º e 3º que:
Art. 2º Para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, a
criança deverá ter 6 (seis) anos de idade completos até o dia 31
de março do ano em que ocorrer a matrícula.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Art. 3º As crianças que completarem 6 (seis) anos de idade após a
data definida no artigo 2º deverão ser matriculadas na Pré-Escola.
Neste primeiro momento serão apresentados em quais momentos de vida
ocorre a estimulação linguística.
Esta questão de pré requisitos abarca a realidade de que o processo
educacional é percebido deixando de ser restrito a espaços exclusivamente
escolares, deste modo o primeiro contato, a interação em Língua de Sinais, para
que a criança se habitue e tenha oportunidade para interagir em seu sistema
linguístico deve estar presente em diferentes segmentos como família, lazer,
igreja, clubes, associações de surdos, entre outros.
É fato que se não há exposição e estimulação a sinais, a criança surda com
as características apresentadas não vai ocorrer nem ao menos o balbuciar em
sinais.
Este contato prévio com seu idioma irá influenciar diretamente o momento
em que a criança estiver exposta à informações dos conteúdos pedagógicos em
Instituições Educacionais Formais, local onde há uma estrutura pedagógica
idealizada para um processo de ensino em espiral, que acaba por ser uma
vivência bem sucedida quando há pré requisitos de boa qualidade que a criança
vai construindo em si.
Quadros e Cruz (2011, p.16) apresenta uma síntese com base em vários
autores
(Ruiz e Ortega,
1993; Petitto e Marantette,
1991; Boone e
Macfarlane,1994; Airmad, 1998; Quadros, 1997), este resumo envolve as fases
de desenvolvimento que se aplica tanto à língua na modalidade oral quanto na
modalidade visual. O Quadro 1 abaixo apresenta uma evolução satisfatória de
ambas as modalidades, para ouvintes e surdos, assim sendo, no caso de crianças
surdas pressupõe-se que possua contato com pares linguísticos de diferentes
níveis e incentivo em sinais dentro dos ambientes que frequentam.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Quadro 1: Síntese de Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem.
Idade
Aquisição e Desenvolvimento
Do 10 ao 30 mês
Emissão de sons guturais. Sorriso social. Choro com intenção
comunicativa. Emissão de vocalizações. Emissão de sons vocais e
consonantais. Murmúrios. Emissão de produção manual.
Do 40 ao 60 mês
Início do balbucio: escuta e joga com seus próprios sons ou gestos e trata
de imitar os sons ou produção manual emitidos pelos outros.
Do 70 ao 90 mês
Enriquecimento da linguagem infantil. Aparecimento das primeiras sílabas
orais ou manuais. Idade dos monossílabos (oral:
“bo” pode significar
consistentemente “bola” e a configuração de mão aberta no rosto pode
significar de forma consistente “mãe”.
Do
100 ao
120
Primeiras palavrassem forma de sílabas duplas (“mama-papa”) e de forma
mês
análoga sinais repetidos, compreendendo a entonação/a expressão facial
associada às frases/ que acompanha a fala ou a sinalização.
Do
120 ao
180
Sabe algumas palavras. Compreende o significado de algumas frases
mês
habituais do seu entorno. Acompanha sua fala com gestos e expressões.
Pode nomear imagens. Compreende e responde as instruções. Seu
vocabulário compreende cerca de 50 palavras. Frases holofráticas1 (uma
palavra pode vir a representar uma frase completa).
Aos 2 anos
Usa frases com mais de um elemento. Usa substantivos, verbos, adjetivos
e pronomes. Primeiras combinações substantivo-verbo e substantivos-
adjetivo. Uso frequente do “não”. Seu vocabulário varia de 50 a algumas
centenas de palavras.
Aos 3 anos
Linguagem compreensível para estranhos. Usa orações. Começa a
diferenciar tempos e modos verbais. Idade das “perguntas”. Usa artigos e
pronomes. Inicia singular e plural. Há a chamada
“explosão de
vocabulário”, ou seja, a criança incorpora ao seu dicionário mental uma
quantidade grande de palavras.
Aos 4 anos
Melhora a construção gramatical e a conjugação verbal tanto na língua
falada como na língua de sinais. Usa elementos de ligação. Joga com as
palavras. Etapa do monólogo individual e coletivo (a criança conversa
consigo mesma em sinais ou usando fala).
Aos 5 anos
Progresso intelectual que conduz ao raciocínio. Compreende termos que
estabelece comparações. Compreende contrários. É capaz de estabelecer
semelhanças e diferenças, noções espaciais, etc. Construção gramatical
equivalente ao padrão do adulto. A partir desta fase incrementa o léxico e
o grau de abstração. Uso social da linguagem.
6 anos em diante
Progressiva consolidação das noções corporal, espacial e temporal.
Lectoescrita2. Aquisição dos últimos aspectos da linguagem, ou seja,
construção de estruturas sintáticas mais complexas de forma progressiva.
Fonte: QUADROS E CRUZ, (2011, p.16).
Vygotsky (1989, p. 104) sobre este processo de maturação cognitiva que
inevitavelmente acompanha a linguística afirma que:
1 Holofráticas: É a utilização de palavras isoladas.
2 Lectoescrita: Habilidade adquirida de poder ler e escrever.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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O significado de uma palavra representa um amálgama tão
estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se
tratar de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do
pensamento. Uma palavra sem significado é um som vazio; o
significado, portanto, é um critério da “palavra”, seu componente
indispensável. Pareceria, então, que o significado poderia ser visto
como um fenômeno da fala. Mas, do ponto de vista da psicologia,
o significado de uma palavra é uma generalização ou um conceito.
E como as generalizações e os conceitos são inegavelmente atos
do pensamento, podemos considerar o significado como um
fenômeno do pensamento. Daí não decorre, entretanto, que o
significado pertença formalmente as duas esferas diferentes da
vida psíquica.
Fernandes (1990, p. 15) explica que: “através da aquisição gradual de um
sistema simbólico, o ser humano descobre uma maneira de adaptação ao meio e
novas formas de pensamento transformando sua concepção de mundo”.
Em uma comparação entre a criança e o adulto, ambos possuem uma
referência objetiva básica, isto é, conhecem palavras, porém diferem na
compreensão de seus significados em razão de possuírem níveis diferentes de
compreensão, definidos por seus diferentes níveis de maturação cognitiva e
linguística, Fernandes (1990, p.10) apresenta um exemplo muito adequado para
representar estes diferentes domínios de linguagem:
Ao conceituar a palavra
“saudade”, por exemplo, usando as
palavras poéticas do trágico grego Eurípedes, do século IV a.C.,
em sua obra “Alceste”, poder-se-ia dizer que
“saudade é a
presença de uma ausência”. Para um adulto, esse conceito, por si
só, basta: atinge mente e a emoção. Não se pode defini-la dessa
forma, no entanto, para uma criança de sete anos. Seria
necessário buscar outros recursos mais práticos e outros apelos
subjetivos para explicar a uma criança o que é “saudade”. As
referências objetivas básicas coincidem, na criança e no adulto,
mas não há equivalência nas suas referências conceituais a esse
nível de abstração.
Isto evidencia uma questão dentro do processo da aquisição da língua
visual, que é a necessidade da continuidade do processo de contato com o idioma
em diferentes contextos/temas para que através deste possa ampliar o
vocabulário e propiciar a criança subsídios que possa utilizar como base para
novos conhecimentos ou novas situações, pois como define Vygotsky (1989, p.
63): “... o desenvolvimento, nesse caso, como frequentemente acontece, se dá
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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não em círculos, mas em espiral, passando por um mesmo ponto a cada nova
revolução, enquanto avança para um nível superior”.
Segundo Peirce (1980, p.
69) que possui uma visão acompanhando
Vygotsky com relação ao desenvolvimento das cognições ser um processo
relacional:
A cognição que mal começa já está mudando; só no primeiro
instante se pode dizer que seja intuição. É, portanto, apreendê-la
seria um evento que não aconteceria no tempo. Além disso, todas
as faculdades cognitivas que conhecemos são relativas, e seus
produtos são relações. Mas a cognição de uma relação é
determinada por cognições anteriores. Nenhuma cognição não
determinada por outra anterior pode ser conhecida.
Até o presente foi mencionado sobre aquisição e expansão da língua
natural que podem ocorrer em Instituições não Formais, porém na vivência da
pessoa surda existe a situação de ensino e aprendizado da Língua Portuguesa na
Modalidade Escrita, que transforma a criança como Sujeito Bilíngue e esta
circunstância ocorre efetivamente e continuamente dentro de Instituições Formais
Escolares, consequentemente adentrando no segundo momento do texto que
envolve o ensino do segundo idioma.
3. (BI)LINGUÍSMO
A necessidade de enfatizar a sílaba de (BI)LINGUÍSMO, como muitos
autores, ocorre pela circunstância de que Língua Brasileira de Sinais é uma língua
na Modalidade Visual somada a Língua Portuguesa na Modalidade Escrita.
O governo brasileiro reconhece o estatuto da Língua de Sinais Brasileira,
Lei 10.436/2002, e apresenta a Língua Portuguesa na Modalidade Escrita como a
língua acadêmica.
Uma comparação válida que possui suas aproximações e distanciamentos
é com a situação em que crianças ouvintes aprendem Língua de Sinais, isto é,
igualmente dois idiomas, em modalidades distintas, porém a aproximação ocorre
somente até este ponto, visto que caso não ocorra um desempenho satisfatório
em Língua de Sinais academicamente não haverá consequências. Com relação a
criança surda caso não ocorra um desenvolvimento satisfatório em leitura e
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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escrita em Língua Portuguesa o efeito no meio acadêmico a que será inserida aos
seis anos terá consequências em todos os ciclos que irá percorrer, pois toda a
Educação Básica é constituída por Língua Portuguesa na Modalidade Escrita.
É fato que na Educação Básica no Estado de São Paulo não há um ensino
de LIBRAS no Currículo da Sala de Aula Regular, esta situação ocorre somente
dentro das Salas de Recursos, possuem como público alvo única e
exclusivamente as crianças com Surdez/Deficiência Auditiva e esta modalidade
igualmente proporciona o ensino de Língua Portuguesa como segundo idioma,
priorizando metodologias voltadas a perspectiva surda, como pode ser verificado
na Instrução CGEB de 14/01/2015 Diário Oficial de 15/01/2015 - Seção I - p.28 e
29:
8.1.3- atender aos alunos nos aspectos da linguagem,
estimulando a comunicação e dissipando as dificuldades
impeditivas de aprendizagem pelos quais os alunos são
encaminhados.
Para tanto, deverá trabalhar:
8.1.3.1- o Ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras como
primeira língua (L1);
8.1.3.2- o Ensino da Língua Portuguesa, na modalidade escrita,
como segunda língua (L2);
8.1.4- produzir e adequar materiais didáticos e pedagógicos, de
acordo com as necessidades do aluno, utilizando o apoio visual e
em Libras, entre outros;
Na Sala de Aula Regular, como já foi mencionado, não há ensino de
LIBRAS, porém há o ensino com LIBRAS efetuado através do Interlocutor
Pedagógico, nome designado para a função de Intérprete nas Escolas da Rede
Pública Estado de São Paulo, que traduz a ideia de Escola Inclusiva Bilíngue.
Para compreender as possibilidades sobre o que é ser Bilíngue com foco
notadamente na ideia da aquisição da Língua Portuguesa na Modalidade Escrita
é necessário apresentar as concepções sobre o tema de Skiliar, Capovilla,
Macnamara e Bloomfield.
Para Skliar (1997b), um dos principais pesquisadores do Bilinguismo no
Brasil:
[...] essa proposta nasce em oposição à concepção clínico-
terapêutica da surdez e como um reconhecimento político da
surdez como diferença. Na perspectiva bilíngue, a língua de sinais
é considerada a primeira língua do surdo e a língua majoritária -
na modalidade oral e/ou escrita - como segunda. Essa visão
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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sobre a surdez e o surdo tem sido apoiada pela comunidade de
surdos. (Grifo nosso)
Capovilla (2002, p.144) apresenta sobre a ideia de Bilinguismo a partir de
uma comparação entre crianças ouvintes e surdas mostrando o motivo da
complexidade no processo de aquisição da Modalidade Escrita:
Na criança ouvinte e falante, há uma continuidade entre três
contextos comunicativos básicos: a comunicação transitória
consigo mesma (i.é., o pensar), a comunicação transitória com
outrem na relação face a face (i.é., o falar), e a comunicação
perene na relação remota e mediada (i.é., o escrever). Com isto
todo o seu processamento linguístico pode concentrar-se na
palavra falada de uma mesma língua: para pensar, comunicar-se
e escrever, ela pode fazer uso das mesmas palavras de sua
própria língua falada primária. Para essa criança há uma
compatibilidade entre sistemas de representação lingüística
primária (i.é., a língua falada) e secundária (i.é, a língua escrita
alfabética).[...] da criança surda, no entanto, espera-se muito mais.
Ela pensa e se comunica em sua Língua de Sinais primária na
modalidade visual e quiroarticulatória (i.é., quiro, do Grego, mão).
Mas, frente à tarefa de escrever, espera-se que o faça por meio
de palavras de uma língua falada estrangeira
- a Língua
Portuguesa (grifos do autor).
Acompanhando o desenvolver do raciocínio citado de Capovilla, a definição
de Bloomfield sobre o Bilinguismo se resume em “o controle nativo de duas
línguas” (BLOOMFIELD, 1935, APUD HARMES E BLANC, 2000, p. 8).
Assim sendo, a colocação de Capovilla e a definição de Bloomfield mostra
que dentro da Instituição Escolar uma exigência implícita sobre a desenvoltura na
escrita e compreensão da mesma de uma criança que possui uma vivência
exclusivamente visual.
A definição de Macnamara pode ser compreendida como minimalista, pois
menciona que “um indivíduo bilíngue é alguém que possui competência mínima
em uma das quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever) em uma
língua diferente de sua forma nativa” (MACNAMARA, 1967 apud HARMERS e
BLANC, 2000, p. 6).
A definição de MACNAMARA, 1967 apud HARMERS e BLANC abre uma
compreensão sobre a qualidade que é identificada na escrita e leitura de muitos
surdos, aqui é necessário ter o cuidado de em hipótese alguma generalizar, pois a
ideia que abarca o senso comum sobre a existência de um surdo genérico, igual
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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em todas as suas características e desenvolvimento linguístico é mito.
Retomando, muitos dos erros apresentados sobre a escrita, versão quase sempre
sobre os mesmos pontos: escrita faltando palavras; inversões de letras em
palavras comuns do dia a dia; falta de acentuação e pontuação.
4. SALA DE AULA E ABORDAGENS DE ENSINO PLURAIS
“O que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A
verdadeira surdez, a incurável surdez, é a da mente.” (Ferdinand
Berthier, surdo francês, 1845)
Neste terceiro e último momento serão apresentadas duas questões
interligadas entre si, a Sala de Aula e Abordagens, na Sala de Aula vista como
Atendimento Educacional Especializado (AEE) com ensino de L1 e L2 e na Sala
de Aula do Ensino Regular ocorre o contato com a segunda língua e
posteriormente o idioma estrangeiro (L3). As Abordagens estão presentes em
ambos os contextos para produzir um processo de ensino adequado ao
aluno/grupo de alunos.
Este processo de estruturação formal de primeiro idioma é estimulado em
Sala de Aula Regular pelo Interlocutor Pedagógico, pois o aprendizado ocorre em
LIBRAS, assim consequentemente o aluno percebe a necessidade de conhecer
mais sobre o seu idioma.
É compreensível pela gama de conhecimentos apresentados em cada
tema de cada disciplina que vez ou outra haja a necessidade de proporcionar
significado para alguns sinais apresentados, porém, não é a função do cargo dar
aula de LIBRAS.
Personagens de extrema importância que compõe a Sala de Aula Regular,
especificamente os Licenciados em Pedagogia, Língua Portuguesa e Inglesa, que
tem como funções de seu cargo ensinar idioma. O profissional, Licenciado em
Pedagogia, no Ensino Fundamental I, que compreende 10 ao 50 ano, tem como
função alfabetizar, assim ocorrendo uma troca com a Modalidade da Educação
Especial e Ensino Regular, a reciprocidade envolve o apresentar de possíveis
abordagens e mescla das mesmas com seus inúmeros recursos de ensino.
O profissional Licenciado em Língua Portuguesa que atua do 60 Ano do
Ensino Fundamental II ao 30 Ano do Ensino Médio, já não possui uma função
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
50
alfabetizadora, somente acrescenta novas regras para uma Língua Portuguesa,
presumivelmente já conhecida e bem estruturada na compreensão de surdos e
ouvintes.
A respeito do ensino de Inglês, nas Escolas da Rede Estadual,
normalmente é inserido apenas nas séries correspondentes ao Ciclo II (60 Ano ao
30 Colegial) e retomando as características da criança surda que este artigo
abrange: criança surda que somente possui surdez, bilateral, severa ou profunda,
simétrica, pré-lingual, não utilizadora de Aparelho de Amplificação Sonora
Individual, não oralizada, que possui como único meio de comunicação o idioma
na modalidade visual-espacial e que possui pais ouvintes, assim sendo, o ensino
baseia-se no Inglês na sua Modalidade Escrita.
A aquisição do Inglês não é impossível, uma vez que o aluno possua sua
L1 (visual-espacial) bem constituída, sua L2 (envolvendo a escrita) assimilada e
esta tem sua importância em razão de que a L3 será na mesma modalidade,
sendo um desafio possível, àqueles que postulam o ensino e utilização do Inglês
Instrumental, esta situação pode ser percebida como um primeiro passo para o
aprendizado de um idioma estrangeiro.
Segundo Miccoli (2005, p. 31) além da visão holística sobre o
ensino de língua inglesa, há também uma visão que entende que
saber uma língua estrangeira é saber utilizá-la de forma adequada
de acordo com as necessidades do sujeito. Faz-se necessário
então, o uso do Inglês Instrumental para desenvolver a leitura e a
compreensão textual dos alunos surdos, pois, conforme Silva
(1994, p. 5), esse método deve atender propósitos específicos e
explícitos do aprendiz, possibilitando que este “esteja apto a ler
textos em língua inglesa, com um nível de compreensão tal que
lhe permita captar as ideias principais desses textos.
Em um estudo sobre a História dos Métodos e Abordagens Predominantes
de Ensino de Idiomas, a importância do Quadro 2 é sobre o que era ensinado, a
tendência de conteúdos que era ministrado em cada época:
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Quadro 2: Métodos de Ensino de Idiomas na História
Métodos:
Tradução e
Direto
Audiolingual
Comunicativo
Gramática
Habilidades
Prática por
comunicativas
imitação de
orais/escrita com
modelos,
Regras
perguntas e
Repetição e
Interação e
respostas.
memorização,
Abordagens: gramaticais e
comunicação.
Vocabulário.
Gramática vista
Apresenta a
somente a partir
teoria sobre a
de uma lógica.
fonologia,
morfologia e a
sintaxe.
Fonte: Gesser (2012, p. 17)
E percebido que estes Métodos possuem como foco o idioma na
modalidade oral, porém a exposição tem o intuito de apresentar as Abordagens
predominantes no Movimento de Ensino de Línguas, que no Quadro 3 ficam
evidentes duas abordagens na História.
Quadro 3: Movimento do Ensino de Línguas na História
Fonte: Almeida Filho (2001, p. 27)
De acordo com Celce-MURCIA
(1991, p.
8) estas duas grandes
Abordagens (Gramatical e Comunicativa) marcam o panorama que dependendo
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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do Movimento e da atmosfera dominante de cada período histórico as
Abordagens são apresentadas com interpretações específicas.
De acordo com o senso de plausibilidade, os professores precisam
compreender em qual momento é necessário a utilização uma ou outra
abordagem para que estas se complementem, conforme o retorno que é
apresentado no transcorrer do ano letivo. De acordo com Gesser (2013, p. 23) “...
atentos a como seu ensino atua sobre o aprendizado e como este ocorre...”. A
mudanças de estratégias devem ser proporcionadas conforme a necessidade
exige.
CONCLUSÃO
Como foi mencionado na Introdução, este artigo foi gerado a partir de uma
pesquisa ampla que envolvia outros temas e subtemas que foi desenvolvida em
Escolas da Rede Pública do Estado de São Paulo que compõe Determinadas
Diretorias de Ensino do Interior de São Paulo.
Nesta fração, amparada através de uma estrutura teórica em que se apoia
uma linha de pensamento, contrária talvez a muitas outras, tem a intenção de
informar, dentro de uma sequência lógica a necessidade da constituição da
Primeira Língua ou Língua Natural ou outras formas academicamente ou não
apresentadas para definir a LIBRAS, mas enfim dentro dos contextos em
diferentes escolas entendeu-se esta necessidade.
Muitas situações visualizadas, onde a criança não possuía seu primeiro
idioma constituído o ensino de Língua Portuguesa era árduo, por mais que
houvesse a mediação do Interlocutor Pedagógico o progresso do processo de
ensino e a qualidade da aprendizagem apresentavam-se extremamente
comprometidos.
Existe, dentro do que foi pesquisado uma necessidade extrema de contato
e aquisição da LIBRAS, o Brasil precisa instituir a difusão da LIBRAS
efetivamente em diversos setores, porém prioritariamente do Setor Educacional
como disciplina em todos os Ciclos para possivelmente diminuir estas
disparidades.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
53
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“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.