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EXPERIÊNCIAS DE LEITURA EM LÍNGUA
PORTUGUESA COM SURDOS SINALIZANTES DO ENSINO
FUNDAMENTAL1
RESUMO: O panorama educacional dos
ABSTRACT: The educational panorama
surdos evidencia diferentes insucessos, o
of the deaf evidences different failures,
que nos possibilita uma reflexão sobre
which allows us to reflect on how we
como poderíamos modificar essa
could modify this reality through strategies
realidade, através de estratégias que
that can help reading in the Portuguese
possam auxiliar a leitura na língua
language, which is the second language
portuguesa, que é a segunda língua da
of the deaf community. The current study
comunidade surda. O atual estudo tem
aims to identify reading strategies in the
como objetivo identificar estratégias de
Portuguese language used by deaf
leitura em língua portuguesa utilizada por
secondary students. In spite of being
surdos do ensino fundamental. Apesar de
preliminary, the results show that, in
iniciais, os resultados apontam que, nas
reading activities, the participants use the
atividades de leitura, os participantes se
strategy of using signs in different
utilizam da estratégia do emprego do
contexts during reading, and this strategy
sinal em diferentes contextos no ato da
promotes understanding and also
leitura, e essa estratégia promove a
increases the linguistic capital.
compreensão e também amplia o capital
linguístico.
PALAVRAS-CHAVE:
1.
Leitura.
2.
KEY WORDS: 1. Reading. 2. Portuguese
Língua Portuguesa.
3.
Estratégia.
Language. 3. Strategy. 4.Libras.
4.Libras.
Portuguese language reading experiences with signing deaf from the secondary
school
IZABELLY CORREIA DOS SANTOS BRAYNER
Universidade Católica de Pernambuco. Universidade de Pernambuco.
Departamento de Letras Área: Libras
Recebido em 02/01/2019. Aceito em 27/01/2019
1 O conteúdo deste artigo descreve parte do material desenvolvido como tese de
doutoramento.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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1. INTRODUÇÃO
Os insucessos na educação de surdos não constituem um assunto
recente, assim como confirma Garolla e Chiari
(2003). Em virtude desses
resultados, a busca por alternativas ou estratégias se torna urgente e
necessária.
Entendemos a leitura como um processo de inserção social, política,
cultural, econômica, no entanto, como esta pesquisa trata de pessoas surdas, a
leitura em língua portuguesa se configura como a segunda língua (L2), pois a
primeira língua
(L1) é a Libras que foi reconhecida como meio legal de
comunicação e expressão dessa comunidade, através da lei
10.436/2002
(BRASIL, 2002).
Então, a partir das diferentes funcionalidades da leitura e seus diferentes
contextos, a compreensão da língua portuguesa é importante, mas os
professores, pedagogos, fonoaudiólogos, coordenadores e toda comunidade
escolar precisam entender o lugar de cada língua, a Libras e o português, de
forma a respeitar a condição da pessoa surda no processo de aprendizagem.
A partir dessas considerações, o percurso investigativo desta pesquisa
está situado na perspectiva da leitura como uma atividade discursiva
Bakhtin/Volochinov (2006). Dessa forma, o objetivo é identificar estratégias de
leitura em língua portuguesa utilizadas por surdos do ensino fundamental. O
percurso metodológico estabeleceu um caminho através da pesquisa qualitativa
com a abordagem de pesquisa-ação. A opção por esse tipo de pesquisa se deu
pelo fato de ela não somente sugerir resoluções de problemas, mas também
encaminhar possíveis soluções de forma a minimizar efeitos negativos que
existam durante o processo, além de maximizar os efeitos positivos através de
uma atuação participativa. Por isso, foi utilizada a técnica de investigação
pesquisa-ação, que, além de compreender, visa a intervir na situação
(SEVERINO, 2007).
A pesquisa foi desenvolvida no Grupo de Estudos e Práticas de
Linguagem para Surdos - GEPLIS2, através da Pós-Graduação em Ciências da
2 Formado há aproximadamente a três anos, o GEPLIS tem como objetivo aprimorar a
leitura e a escrita em língua portuguesa dos surdos.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Linguagem da Universidade Católica de Pernambuco. A partir de encontros
semanais, com duração de uma hora cada, foi possível selecionar alguns
recortes que serão analisados nesta pesquisa. Após a realização dos encontros,
iniciou-se o procedimento de análise, no qual os materiais foram transcritos em
Libras, através do modelo de Felipe (1997), e na língua portuguesa.
Os dados sinalizam progressos em relação à leitura em língua portuguesa
por surdos, o que comprova o resultado positivo por meio de atividades que
estimulam a leitura e do uso de estratégias para a leitura na segunda língua,
como o emprego do sinal em diferentes contextos no momento da leitura.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEITURA
Apresentar uma definição de leitura não é uma tarefa fácil, tendo em vista
os diferentes pontos de vista, os quais revelarão a concepção adotada por cada
eixo teórico. Assim, a partir dessa multiplicidade de significações, fizemos a
opção neste artigo por adotar o posicionamento de Koch (2011), Solé (1998),
Leffa (1996) e Morais (2013), uma vez que concordam que a leitura é uma
atividade ou um processo cognitivo de construção de sentidos realizado por
sujeitos sociais inseridos em um tempo histórico, em uma dada cultura.
Então, de modo geral, considerar tal proposta significa dizer que a leitura
de um texto vai além da decodificação literal daquilo que foi proposto pelo autor,
pois se valorizam as produções de sentido estabelecidas pelo leitor em uma
situação real de comunicação.
Leffa (1996) percebe a leitura como um processo de levantamento de
hipóteses, e não apenas como um procedimento linear que tem seu significado
construído através de palavra por palavra. Ou seja, a construção dos sentidos no
ato leitor não é formada apenas por significados isolados dos itens lexicais que
constituem o texto, mas, sim, através do processo de inferência, no qual os
sujeitos, com base em seus conhecimentos de mundo, levantam hipóteses e
fazem deduções - o que nos faz perceber que “o significado não está na
mensagem do texto, mas na série de acontecimentos que o texto desencadeia
na mente do leitor” (LEFFA, 1996, p.14).
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Sendo assim, as
(re)construções de significações ocorrem em uma
relação entre o texto, o leitor e o contexto. Dessa maneira, nota-se que a relação
leitor - texto - contexto é uma tríade quase que essencial para a compreensão
satisfatória do objeto que está sendo analisado: o texto. E o sentido do que é lido
é desenvolvido a partir dessa interação, percebendo os leitores como atores,
construtores sociais e sujeitos ativos que, dialogicamente, se constroem e são
construídos no texto (KOCH, 2011).
Morais (2013) comenta que a aprendizagem da leitura se inicia em casa,
depois na creche e na educação infantil; ou seja, os pais servem de exemplo
para as crianças. Assim sendo, a família é o primeiro estímulo para a leitura que
as crianças irão desenvolver. Outro ponto destacado pelo autor, para essa fase
inicial, diz respeito aos benefícios da leitura partilhada, pois, como as crianças
ainda não leem, o adulto é o responsável pela criação desse hábito. Acopladas a
esses inputs vivenciados, têm-se a aquisição de novos vocabulários e a
expansão do conhecimento de mundo.
Apesar de a primeira fase da aprendizagem da leitura ser iniciada em
casa, como já mencionamos, e como também é defendido por Morais (2013), a
leitura não se faz espontaneamente. Sendo assim, ela precisa ser ensinada para
que a criança aprenda.
Portanto, a responsabilidade da escola é ensinar o código e transferi-lo
para o discurso, de forma a tirar o foco do enunciado para o funcionamento da
língua. Seguindo as orientações de Marcuschi (2008), pode-se dizer que o texto
ocorre como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações
humanas interativas e colaborativas. Nesse sentindo, a atividade leitora é mais
que um simples processo de decodificação e memorização de itens lexicais
aleatórios, mas, sim, uma prática que permite às pessoas interagirem,
selecionando e especificando sentidos mediante a linguagem que usam.
Para nortear o ensino da leitura, os educadores e as instituições de
ensino deverão compreendê-la como uma prática social, pois ler é resposta a
um objetivo, a uma necessidade pessoal (BRASIL, 1997). Nesse processo,
Geraldi (1996) destaca as estratégias como importantes no processo de leitura,
que, na ótica de Coll (1987), é definida com um procedimento, um conjunto de
ações ordenadas, isto é, dirigidas à consecução de uma meta.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Portanto, nesse contexto, as estratégias assumem um caminho bastante
significativo para a compreensão do texto lido. Em concordância com a proposta
desta pesquisa, os PCNs definem as estratégias como um recurso para a
construção de sentido do texto lido
(BRASIL,
1997). Corroborando essa
definição, Bitterncourt
(2015) menciona as estratégias pedagógicas como
possibilidades a serem colocadas em ação com relação ao ensino e à
aprendizagem da língua, tendo como objetivo a formação de leitores e escritores
competentes.
Assim, as estratégias de leitura foram propostas por Solé (1998), segundo
a qual poderíamos utilizar recursos para melhorar a aprendizagem antes,
durante e depois da leitura. No entanto, a teoria da autora é para o ensino da
primeira língua (L1). Seguindo a mesma linha, Bittencourt (2015), baseada no
Referencial de Expectativas para o Desenvolvimento da Competência Leitura
(SME/DOT, 2006), apresenta os indicadores que devem ser observados pelos
professores/mediadores nas atividades de leitura, relacionando habilidades
esperadas antes, durante e depois da leitura, dispostos no quadro a seguir.
Quadro 01: Expectativas para o desenvolvimento da competência leitora
Antes da leitura
Durante a leitura
Depois da leitura
Explicita a
Lê com
Identifica a ideia
mobilização dos
velocidade e
e o tema
conhecimentos
fluência
principal?
prévios relativos
adequada?
É capaz de
ao autor, suporte e
Confirma ou
construir uma
tema?
retifica as
síntese coerente
Antecipa o tema
expectativas
do texto lido?
ou a ideia principal
levantadas antes
Identifica e
do título ou
da leitura?
recupera as
recursos visuais e
Identifica a ideia
informações
elementos como
principal do
explícitas?
epígrafes ou
texto? Constrói o
Relaciona partes
resenhas?
sentido global?
do texto para
Antecipa a partir
Procura
construir os
da formatação do
esclarecer
sentidos?
gênero (disposição
palavras através
Identifica e
em colunas, uso
da releitura do
recupera as
de subtítulos,
trecho ou
informações
etc.)?
consulta ao
implícitas no
Identifica os
dicionário?
texto realizando
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objetivos da leitura
Busca
inferências?
(ler para aprender,
informações
Avalia
para se informar,
complementares
criticamente o
para deleite etc.)?
em outros textos
texto lido?
para ampliar sua
compreensão?
Identifica o leitor
virtual do texto
(aquele para
quem o texto foi
escrito)?
Bittencourt (2015)
Tais competências podem ser utilizadas para melhorar a compreensão
leitora dos sujeitos, evidenciando o grau de novidade do texto, o local do texto, o
objetivo da leitura e a motivação para continuar lendo. Assim, utilizaremos na
pesquisa de forma a atingirmos o objetivo.
3. A LEITURA EM LÍNGUA PORTUGUESA POR SURDOS
Com a defesa e difusão das propostas educacionais bilíngues para
surdos, a L1 assume o papel de mediadora da comunicação, e a L2 proporciona
o acesso aos conteúdos escritos. Assim, nas práticas de leitura por surdos,
temos duas línguas participantes nesse processo. Os trabalhos que envolvem
essa temática, em sua grande parte, denunciam a prevalência de práticas que
desvalorizam a L1 — a Libras — como língua mediadora da construção de
sentidos, como nas salas de aulas em que os professores usam a língua
portuguesa como principal meio de comunicação - por desconhecerem a Libras
ou por privilegiarem a língua majoritária do nosso país - e, nos casos em que
essas mesmas salas não contam com a presença do profissional
intérprete/tradutor de Libras, temos mais um agravante, pois as leituras
acontecem de forma descontextualizada e se estabelece uma relação biunívoca
entre a palavra do português e o sinal da Libras (SILVA, 2014).
Mendes e Novaes (2003) concordam que os surdos representados nas
pesquisas publicadas são considerados maus leitores. Os resultados desses
trabalhos concluem que o surdo apresenta dificuldades na compreensão do
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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texto escrito e não alcança níveis de leitura satisfatórios para a série cursada,
como verificado no estudo de Garolla e Chiari
(2003), mencionado
anteriormente.
De forma geral, Mendes e Novaes
(2003) conseguiram agrupar a
literatura problematizada nessa pesquisa em três enfoques distintos: a) os
trabalhos que procuram definir as características e as dificuldades de leitura
apresentadas pelos surdos; b) os trabalhos que valorizam o nível acadêmico
alcançado e a leitura; c) e — embora em menor número — os trabalhos que
iniciam a discussão sobre estratégias para melhorar a compreensão leitora dos
surdos, como é nossa proposta.
Pensando-se na heterogeneidade e especificidade da surdez e do surdo,
o processo de leitura envolve alguns aspectos e tipos de leitura distintos.
Quando tratarmos dos aspectos, temos: a constituição da língua materna (L1), a
fluência verbal (L2) e o conhecimento de mundo. Tais elementos podem ser
estimulados através de estratégias, pois, segundo Bittencourt et al. (2015), ler e
compreender são competências que serão aprendidas (ou não) através da
escola e que demandam intervenções didáticas específicas e objetivas.
Os autores se estendem, definindo a compreensão leitora como um
processo de busca de significados, no qual o sujeito realiza um encontro consigo
mesmo e com o mundo externo, articulando os seus e os novos conhecimentos
na construção de outros (BITTENCOURT et al., 2015).
Nesse contexto, o processo de mediação proposto por Vygotsky cabe de
forma essencial, pois a aprendizagem da leitura requer um apoio e, como este
artigo parte de uma tese que se destina à comunidade surda, o planejamento de
intervenção pedagógica precisou se adequar às necessidades dos sujeitos.
Complementando o autor supracitado, Bakhtin (2006) reconhece a função
social da língua e que a atividade mental é organizada pela linguagem. Sendo
assim, os surdos apresentam uma organização mental diferente da dos ouvintes,
pois está ligada à modalidade visoespacial da Língua de Sinais; e é através dela
que o conhecimento será construído.
Portanto, como fundamentado anteriormente, o processo de leitura por
surdos aponta falhas na compreensão como sendo as responsáveis pelos
baixos rendimentos nas atividades de leitura (MENDES; NOVAES, 2003). No
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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âmbito escolar, os alunos contam com o apoio do intérprete de Libras, que tem o
papel de mediador das línguas circulantes na sala de aula. Apesar da
acessibilidade dos conteúdos através da Libras, apenas a garantia desse
profissional nas salas de aula inclusivas não assegura o êxito no progresso na
leitura em língua portuguesa.
Nesse contexto, Kato
(1990) apresenta as estratégias para a
compreensão da leitura como fundamentais para o esse processo. No mesmo
cenário, Solé
(1998) propõe estratégias que devem ser empregadas pelo
professor/mediador antes, durante e depois da leitura. No entanto, é pertinente
considerar que as estratégias elencadas por Solé (1998) são para o ensino da
L1. No caso desta pesquisa, a língua portuguesa, que é a L1 da maioria da
população brasileira, será empregada como L2 para a comunidade surda do
mesmo país; assim, consideramos que algumas estratégias podem se manter e
outras podem sofrer algumas adaptações ou alterações.
4. ANÁLISE DOS DADOS
Os dados aqui expostos foram analisados a partir da atividade de leitura
do jornal impresso, cujos objetivos eram: manusear um jornal; escolher uma
reportagem para a leitura, e discutir os argumentos da reportagem lida. Quando
os participantes chegaram, estavam sobre a mesa os principais jornais de
circulação da cidade do Recife: Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio e
Folha de Pernambuco. Além dos jornais, também foi disponibilizado o Dicionário
Enciclopédico Ilustrado Trilíngue - Língua de Sinais Brasileira (2013).
De forma a preservar a identidade dos sujeitos participantes do GEPLIS,
que frequentam uma escola pública do estado de Pernambuco, esta pesquisa
obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica
de Pernambuco através do parecer CEP nº CAAE 65775517.9.0000.5206.
Assim, os sujeitos da pesquisa são nomeados por Mediador (M1) ouvinte fluente
em Libras; S2 surda, 18 anos, 9º do Ensino Fundamental; e, S4, surdo, 18 anos,
7º do Ensino Fundamental.
Na descrição da atividade, M1 inicia o encontro mencionando a visitação
à biblioteca, os seus diferentes espaços e as pesquisas que foram feitas nos
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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dicionários, pois dos quatro (4) participantes neste encontro, apenas dois (2)
tinham estado na semana anterior. Cada participante pega um dos jornais
dispostos sobre a mesa e começa a folheá-lo. M1 chama a atenção de todos e
explica que, no estado de Pernambuco, existem três jornais principais e que,
naquele dia, eles escolheriam uma matéria do seu interesse para ler. Assim,
reafirma-se a visão de leitura de Koch (2011), Solé (1998), Leffa (1996) e Morais
(2013), de que ela é uma atividade ou um processo cognitivo de construção de
sentidos realizado por sujeitos sociais inseridos num tempo histórico, numa dada
cultura.
Após a explicação da proposta daquele encontro, S4 foi o primeiro a
expor sua escolha:
Recorte 01:
Versão em Libras
Versão em língua portuguesa
S4 - ESCOLHER ESSA (apontando
S4 - Eu escolho essa (apontando
para a matéria sobre o jogo do Sport).
para a reportagem sobre o jogo do
M1 - ESSE RUIM MELHOR SANTA
Sport).
S4 - RUIM NADA
M1 - Esse é ruim, o melhor é o Santa.
M1 - RUIM PERDER (aponta para a
S4 - Ruim nada.
reportagem)
M1 - É ruim, perdeu (aponta para a
S4 - CALMA PRÓXIMA
reportagem).
S4 - Calma, na próxima.
S4 demonstra uma afinidade por assuntos relacionados com futebol, e
sua escolha está baseada na explicitação e mobilização dos conhecimentos
prévios relativos a autor, suporte e tema (BITTENCOURT, 2015). Ele não
tinha lido o título da matéria, pois quando indagado por M1 se o time tinha
perdido, ele diz para ela ter calma e aguardar até o próximo jogo, ou seja, ele
não identificou os objetivos da leitura
(BITTENCOURT,
2015). Assim,
percebemos que S4 esboçou conhecimento sobre o assunto a partir da imagem
do time, mas não da leitura do título da reportagem, o que corrobora o que é dito
por Koch (2011), que a leitura leva em consideração os conhecimentos do leitor
e exige dele um certo conhecimento do código linguístico. Nesse caso, o
participante S4 apresenta conhecimentos acerca do tema, mas não realiza a
leitura do texto.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Recorte 02:
Versão em Libras
Versão em língua portuguesa
M1 - DAR
M1 - Dar.
S2 - ENTENDER EXEMPLO
S2 - Entendi, vou explicar em um
EXPLICAR
exemplo.
S2 - CONVERSAR ESPERAR
S2 - Estamos conversando e espero
DINHEIRO 2 DAE 1 É?
você me dar o dinheiro, é?
M1 - É
M1 - É.
S2 - MARCAR DIA 1 DAR 2 2 DAR 1
S2 - Vou marcar o dia para eu lhe dar
/ você me dar.
Percebemos que os esclarecimentos de determinados itens lexicais não
acontecem com a releitura do texto, mas com a consulta ao mediador, M1, que é
fluente em Libras. Apesar de o dicionário (CAPOVILLA, 2013) estar disposto
sobre a mesa, os participantes se direcionam a M1 para esclarecer suas
dúvidas. No entanto, a associação entre a palavra escrita em português e o sinal
em Libras não satisfaz a participante S2 que faz uso da estratégia: empregar o
sinal dentro de diferentes contextos, com o objetivo de verificar a sua
compreensão da palavra nas duas línguas, como verificado no Recorte 06.
Durante a proposta de leitura, identificamos diferentes momentos em que a
participante S2 faz uso dessa estratégia como forma de ampliação do seu
conhecimento e, consequentemente, do seu acervo lexical na língua portuguesa.
Recorte 03:
Versão em Libras
Versão em língua portuguesa
M1 - TODO
M1 - Todo.
S2 - EXEMPLO PESSOA
S2 - Exemplo: uma pessoa posta
QUALQUER FACEBOOK FAZER
uma foto no Facebook, e todos veem?
POSTAR FOTO TODO VER, É?
M1 - É
M1 - É.
S2 - É ENTENDER.
S2 - É, entendi.
S2 faz uso da mesma estratégia de compreensão leitora, emprega o sinal
em diferentes contextos. Para compreender o texto, a participante faz uma
exemplificação léxico empregando em um contexto diferente ao de M1, para ter
a certeza que compreensão aconteceu. Dessa forma, percebemos a valorização
da interação para a aprendizagem organizada pela linguagem (VYGOTSKY,
1984).
Em suma, S2 continua seu progresso no conhecimento da língua
portuguesa utilizando a estratégia empregar o sinal em diferentes contextos.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Essa estratégia traz um ganho considerável para o domínio da estrutura das
duas línguas envolvidas no processo de leitura. S4 se detém às temáticas de
seu interesse, futebol e conhecimento dos países, reconhecendo sua dificuldade
na leitura em língua portuguesa, ou seja, as leituras realizadas estão baseadas
na estratégia explicitação e mobilização dos conhecimentos prévios
relativos a autor, suporte e tema (BITTENCOURT, 2015).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vivemos em uma sociedade de relações sociais, e a leitura faz parte
delas. Assim como propõe Vygotsky (1984), o sujeito nasce em um mundo
socialmente determinado, no qual é compartilhado o modo de viver, de pensar e
de agir. Adicionada a essa partilha, temos uma linguagem, que constitui a
comunidade; através dela, os sujeitos estarão socialmente organizados
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006).
Nesse sentido, esta pesquisa se propôs a analisar o processo de
identificar estratégias de leitura em língua portuguesa utilizadas por surdos do
ensino fundamental. Assim, através dos encontros do GEPLIS onde são
trabalhados a estimulação da leitura e escrita em diferentes contextos,
analisamos o encontro no qual foi lido o jornal impresso. Dessa forma foi
possível identificar as principais estratégias usadas no ato da leitura, sendo elas:
explicitação e mobilização dos conhecimentos prévios relativos a autor,
suporte e tema (BITTENCOURT, 2015), que é uma estratégia para a leitura em
L1, mas que os surdos fazem uso para a leitura na L2, e empregar o sinal em
diferentes contextos, que foi uma estratégia nova que o sujeito S2 utilizou para
compreender o item lexical e aprofundar seus conhecimentos na língua
portuguesa.
Dessa forma, apesar de preliminares, percebemos que as estratégias
proporcionaram uma ampliação dos conhecimentos de mundo dos participantes
e uma maior experiência com L2, favorecendo melhora no capital linguístico.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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