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IMPLICAÇÕES DO USO DE JOGOSDICOS NO PROCESSO DE
ENSINO DA LIBRAS COMO SEGUNDANGUA PARA PESSOAS
OUVINTES
RESUMO: O objetivo geral deste artigo é
analisar as implicações do uso de jogos
lúdicos no processo de ensino da Libras
como segunda língua para pessoas
ouvintes em um curso de extensão da
Universidade Federal de Sergipe UFS.
Para tanto, parte-se de uma pesquisa de
abordagem qualitativa, do tipo estudo de
caso. Os resultados evidenciam que o uso
do lúdico é uma das alternativas possíveis
para favorecer um ensino mais convidativo
e menos monótono, especificamente por
proporcionar interação, dinamismo e
aprendizado.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Libras
como segunda Língua. Prática docente.
Jogos lúdicos.
ABSTRACT: The general aim of this
article is to analyze the implications of the
use of ludic games in Brazilian Sign
Language (henceforth, Libras) teaching as
a second language to listeners in an
extension course at the Federal University
of Sergipe - UFS. To do so, it is based on
a qualitative research of case study type.
Its results show that favoring a more
inviting and less monotonous teaching, the
ludicity in Libras teaching as a second
language to hearing people is an
alternative to traditional Libras teaching,
specifically because the former provides
interaction, dynamism and a more
effective learning.
KEYWORDS: Teaching of Libras as a
Second Language. Teaching practice.
Ludic games.
Implications of the use of ludic games in the process of teaching the library as
second language for little persons
JOSÉ AFFONSO TAVARES SILVA
Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Sergipe-UFS.
Graduando em Letras-Libras pela mesma instituição de Ensino Superior. Especialista em Libras
pela Universidade Cândido Mendes-UCAM. Licenciado em Pedagogia pela Faculdade São
Vicente-FASVIPA. Atualmente, sou professor substituto da Universidade Federal de Sergipe com
a disciplina de Língua Brasileira de Sinais-Libras.
ALANA MONTEIRO FERREIRA MAIA
Especialista em Educação Inclusiva e Libras pela Faculdade Amadeus (2013). Graduada em
Pedagogia pela Faculdade Pio Décimo - Campus I (2006). Graduanda em Letras/Libras pela
Universidade Federal de Sergipe - UFS(2015). Possui experiência na área de Educação, com
ênfase em Métodos e Técnicas de Ensino e Línguas de Sinais - Libras.
RAQUEL PEREIRA DE LIMA
Mestrado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe UFS. Graduada em Letras (Língua
Portuguesa e Literatura) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Graduanda
em Letras-Libras pela Universidade Federal de Sergipe UFS.
Recebido em 31/12/2018. Aprovado em 15/02/2019.
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1. INTRODUÇÃO
As relações de sociabilidade que ocorrem entre surdos e entre surdos e
ouvintes vêm sendo ampliadas, devido a busca pelo (re)conhecimento da Língua
Brasileira de Sinais-Libras
1
. Com isso, surgem reflexões sobre a necessidade do
uso e da divulgação da Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio de
comunicação e interação entre surdos e ouvintes brasileiros dentro do contexto
educacional e social. Segundo Gediel et al (2012), a língua é de fundamental
importância na construção, integração e socialização de saberes. Seu uso está
inserido em contextos sociais, políticos, educacionais e econômicos, como
descreve Celani (2000). Assim, a Libras passou a ser considerado um
componente curricular das práticas inclusivas.
O ensino dessa língua como L2 (segunda língua) para ouvintes é uma
abordagem bastante complexa, pois depende de diversos fatores como:
habilidade, idade, desejo de aprender e motivação. Além disso, depende também
do contexto histórico, no qual a abordagem de ensino está inserida.
Antes da criação dos cursos regulares de Libras, as pessoas aprendiam
sinais de modo informal e por contato direto com pessoas que usavam a língua.
depois, em 1987, por meio da com a Federação Nacional de Educação e
Integração de Surdos (FENEIS), que os cursos de Libras passaram a ser
oferecidos regularmente (FENEIS, 2019). Porém, foi com a Lei 10.436/2002 e sua
regulamentação pelo Decreto de 5.626/2005, que a procura e a oferta por
cursos dessa língua aumentaram (STROBEL, 2008).
Segundo Neves (2011), no Brasil não existem relatos sobre trabalhos a
respeito das origens do ensino dessa língua. Todavia, é provável que os primeiros
ensinamentos da língua de sinais, aqui no Brasil, se assemelhem aos
ensinamentos da Língua Americana de Sinais ASL nos Estados Unidos. Os
contextos da ASL contribuíram para a construção do entendimento das
metodologias utilizadas no ensino da Libras para ouvintes aqui no Brasil. Wilcox e
Wilcox (2005) relatam que, nos cursos básicos de ASL, os professores
1
A Libras é reconhecida como língua oficial da comunidade surda brasileira pela lei de N.
10.436/2002.
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priorizavam o conhecimento gramatical, e a língua alvo era apresentada através
de atividades de repetição, de substituição e de perguntas e respostas.
Devido a essa disseminação das estruturas da ASL, as características
linguísticas da língua são incluídas como objeto de ensino nos cursos básicos.
Neste cenário é desenvolvida uma nova abordagem: o método funcional,
enfatizando a comunicação dentro das funções linguísticas diárias para que o
aluno sinalizasse naturalmente tornando a aprendizagem dos ouvintes mais
efetiva. Com isso, insere-se o método comunicativo devido ao uso da linguagem
em situações reais enfatizando os aspectos como pronúncia, marcações não-
manuais, habilidades, além de outros (WILCOX; WILCOX, 2005).
Contudo, o conhecimento sobre a língua de sinais americana nos cursos
básicos não tornava o aluno usuário capaz de conversar naturalmente em ASL. A
partir de então, percebeu-se que a competência gramatical/estrutural de uma
língua é apenas uma parte do processo de aprendizagem e não o todo. É preciso
também enfatizar a interação intercultural entre surdos e ouvintes, partindo de
uma visão mais gramatical-estrutural para uma mais comunicativo-interativa.
No Brasil, destaca-se como pioneiro o trabalho coordenado por Tânia
Felipe e Monteiro (2007), intitulado “Metodologia do ensino de LIBRAS para
ouvintes”, resultando na formulação do livro "LIBRAS em Contexto Curso
Básico", que serve de orientação metodológica para o ensino-aprendizagem da
Libras. Neste, observam-se alguns princípios gerais para o instrutor/professor,
como despertar interesse no aluno e apresentar a aula somente em Língua de
Sinais.
As orientações apresentadas pela autora contribuem para o saber-fazer do
professor que ensina Libras para ouvintes, isto é, como segunda língua. O livro
torna-se um instrumento de capacitação para aqueles que estão iniciando ou que
têm certa experiência no ensino.
Contudo, grandes transformações vêm sendo observadas. O sucesso no
processo de ensino-aprendizagem depende de inúmeras variáveis. o
método de ensino melhor, mas sim aquele que melhor se aplica de acordo com o
discente. Assim, alguns princípios que podem embasar a atuação docente,
como identificar os estilos de ensino de acordo com a turma, identificar os
problemas em sala e ser capaz de resolvê-los (ESTEVE, 1997).
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É papel de qualquer professor, especificamente, o de Libras, elaborar
atividades pedagógicas que aliem ações interativas e construção de sentidos, a
partir de materiais concretos, visuais e acessíveis, facilitando a aprendizagem em
diversos contextos reais (SILVA, OLIVEIRA, 2015).
Uma das possibilidades de estratégias no processo de ensino da língua de
sinais é o uso de jogos lúdicos como instrumento pedagógico. Kishimoto (2008)
apresenta variações ao conceito de jogo, relacionando-os ao processo sócio-
histórico vivenciado em cada espaço social. Todavia, a autora apresenta como
um rico instrumento de socialização, interação e aprendizado. No campo da
educação, esse instrumento torna o ensino mais dinâmico, interativo e possibilita
o reconhecimento do desenvolvimento da aprendizagem discente.
Vygotsky (2007) expõe que através de instrumentos mediadores, em
discussão, o jogo lúdico apresenta ao docente os caminhos que ele pode seguir
diante da zona de desenvolvimento em que se encontra o seu aluno. Nesse
sentido, o seu papel docente não é o de mero transmissor do conhecimento, mas
de mediador do processo, instigando o aluno ao conhecimento da língua e sua
usabilidade.
Diante desse contexto, levanta-se a seguinte questão: quais as implicações
do uso de jogos lúdicos no processo de ensino da Libras como segunda língua
para pessoas ouvintes?
O fazer docente perpassa questões que requerem reflexão na busca de um
ensino engajado na aprendizagem discente. Nessa conjuntura, delineou-se como
objetivo geral analisar possíveis implicações do uso de jogos na prática do
professor que ensina Libras como segunda língua em um curso de extensão da
Universidade Federal de Sergipe – UFS.
2. METODOLOGIA
Na busca de respostas ao problema de estudo, realizamos uma pesquisa
de abordagem qualitativa, apoiando-se nas discussões de Bogdan e Bicklen
(1994). Para os autores, esse tipo de pesquisa não se preocupa com resultados
numéricos ou estatísticos, mas compreende que os sentidos presenciados em
determinados contextos, de forma explícita ou implícita, apresentam ricos dados
para discussão.
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Ao buscar as singularidades de um caso ou público específico,
encontramos na pesquisa do tipo estudo de caso uma possibilidade de
compreender os sentidos de forma detalhada e minuciosa. Bogdan e Bicklen
(1994) expõem que esta é uma observação detalhada de um contexto ou
indivíduo, possibilitando uma primeira experiência gratificante em constante
contato.
2.1. Contextos do curso de extensão de Libras: o caso em estudo
O curso de extensão "Libras Básico II", oferecido pelo Departamento de
Letras-Libras da Universidade Federal de Sergipe UFS, foi realizado em um
total de 15 encontros nas noites de segundas-feiras. O seu objetivo consistia em
praticar a Libras, proporcionando ambientes linguísticos de treino. Para participar
do curso, era necessária apresentação de certificado de, no nimo, 60h de
Libras
2
.
O público-alvo do curso de capacitação era estudantes e servidores da
instituição, bem como comunidade externa à UFS. O mero estimado de público
foi 40 pessoas. Todavia, foi atingido um total de 30 alunos/cursistas. Assim,
integraram o grupo de discentes que procuram aprender Libras com objetivos
diversos, entre eles: a comunicação com o sujeito surdo.
Apesar de participarem de um curso sico de Libras nível II, alguns
alunos/cursistas possuíam fluência na língua, pois tinham cursado a
disciplina de Libras em seus cursos de graduação e/ou haviam cursado outros
cursos básicos de nível I, II, III e IV. Alguns deles relataram que a procura por
mais um curso se deu pelo desejo de aperfeiçoar, exercitar e praticar a língua.
Outro ponto importante mencionado pelos alunos/cursistas é o contato com
pessoas surdas. Dentre eles, 10% afirmaram que mantêm contato com surdos
diariamente; 50% às vezes mantêm contato, seja na universidade ou em outros
ambientes; e 40% deles não têm nenhum contato com surdos, usuários da Libras.
Os dados apresentam uma necessidade de contato pessoal e conversacional de
pessoas ouvintes com sujeitos surdos, usuários da Libras, para que a habilidade
2
As informações apresentadas foram obtidas junto à coordenação do curso de extensão.
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na língua seja satisfatória. Caso contrário, a falta de prática dificulta o processo de
aprendizagem, acarretando, principalmente, o esquecimento dos sinais.
2.2. O processo de coleta de dados: a observação participante e o
questionário
O primeiro instrumento de coleta de dados foi a observação participante.
Segundo Bogan e Bicklen (1994, p. 91), “o investigador tem de observar a
organização para escolher quais os locais, grupos ou programas que
proporcionam agrupamentos realizáveis. Após várias visitas à escola poderá fazer
as suas escolhas”. A partir da colocação feita pelos autores, como o pesquisador
estava presente como professor/ministrante do curso, pôde observar em
diferentes momentos os sentidos percebidos no curso de extensão, ou seja, as
dificuldades de cada aluno, avanços e desafios no aprendizado da sua segunda
língua.
A observação aconteceu durante 10 encontros das aulas, sendo que nos
primeiros cinco encontros a observação tinha como objetivo perceber as
principais dificuldades dos alunos no aprendizado da Língua Brasileira de Sinais,
uma vez que cada sujeito detinha diferentes formas e ritmos de aprender.
Posteriormente, durante mais cinco encontros com aplicação dos jogos, a
observação foi feita a partir dos seguintes critérios: a) a turma tem mais interação
com uso de jogos no ensino de Libras?; b) As principais dificuldades percebidas
foram sanadas ou amenizadas com uso dos jogos no ensino de Libras?; c) Qual a
implicação do uso de jogos lúdicos no ensino da Libras como segunda língua?
Outro instrumento de coleta de dados foi o questionário aplicado aos
alunos/cursistas do curso de extensão de Libras. Apesar de possuir um
quantitativo de 30 estudantes, somente 12 se propuseram a responder as
questões. Foram realizadas 02 questões sobre o contexto da Libras, isto é, a
quanto tempo eles começaram a estudar a língua, se têm contato com pessoas
surdas, quais as dificuldades vivenciadas no processo de aprendizagem da língua
no curso de extensão. Além destas, foram elaboradas mais 04 perguntas
referentes ao uso de jogos pelo professor no ensino de Libras. O questionário foi
elaborado através do Google Forms, sendo disponibilizado um link de acesso por
meio da internet para que os alunos conseguissem responder após a finalização
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do curso.
2.3. Caracterização dos jogos lúdicos
Acreditando que o dico propõe um ensinar diferente, convidativo e
desperta o interesse discente, foram criados quatro jogos adaptados para Libras
como L2 aos estudantes/cursistas do curso de extensão. O primeiro deles foi o
jogo da memória que tinha como objetivo principal contribuir para a fixação do
conteúdo: “Sinais relacionados ao ambiente doméstico sala, banheiro e quarto”,
pois o professor percebeu que os estudantes estavam com certa dificuldade neste
processo. É importante salientar que antes da aplicação do jogo, foram
apresentados tais sinais de forma contextualizada.
Os materiais utilizados para a confecção do jogo da memória foram:
papelão, figuras com os sinais, cartolinas, cola e tesoura. Diante disso, é possível
perceber que, com poucos recursos, até mesmo com materiais reciclados, é
possível elaborar instrumentos pedagógicos que auxiliam no fazer do professor,
seja no ensino de Libras em cursos de extensão ou da grade curricular do Ensino
Superior.
O segundo jogo construído foi a caixa enigmática
3
. Era seu objetivo
desenvolver nos alunos/cursistas a expressão corporal e facial por meio de
dramatização, além da fixação do conteúdo: profissões e sinais relacionados ao
verbo "procurar" e seus empregos.
A caixa enigmática foi construída com os seguintes materiais: caixa de
papelão, cartolinas, tesoura, pistola de cola quente e EVA. Outros materiais foram
utilizados para serem guardados dentro da caixa; os alunos/cursistas precisavam
pegar tais objetos e continuar uma história iniciada pelo professor.
O terceiro jogo foi o dominó em Libras. Seu objetivo consistia em auxiliar
no ensino de sinais de cores, além de outros conteúdos, uma vez que o material
era destacável. Foi construído por meio de cartolinas e figuras com os sinais e
respectivas cores.
3
A Caixa Enigmática foi uma adaptação de um material produzido por um dos autores deste
artigo, juntamente com seu colega de uma disciplina do Mestrado em Ensino de Ciências e
Matemática, PPGECIMA/UFS. Porventura, percebeu-se que este jogo poderia ser utilizado no
ensino de Libras também, adaptando-o.
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O quarto jogo, o bingo, não foi confeccionado como os demais
mencionados pelos pesquisadores. O objetivo desse instrumento era trabalhar
com conteúdo referente a números. Cada vez que o professor retirasse uma bola,
com determinado numeral, o aluno anotava em sua cartela adaptada para Libras.
Ganhava um brinde o discente que completasse toda a cartela.
É importante salientar que em todo o processo de aplicação dos jogos, o
ensino era somente em Libras. A Língua Portuguesa, na modalidade escrita, era
utilizada apenas quando necessário anotar algo no quadro. Os alunos/cursistas
quando apresentavam dúvidas sinalizavam, mesmo em fase inicial de
aprendizagem, além de usar a datilologia para comunicação.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
3.1. O olhar dos pesquisadores por meio da observação participante
A aplicação dos jogos foi planejada antecipadamente pelo professor que
observou as dificuldades vivenciadas pelos alunos/cursistas durante os primeiros
cinco encontros do curso de Libras. Nesse momento, algumas implicações iniciais
foram sendo apresentadas, entre elas, a heterogeneidade da turma,
principalmente em relação à fluência na língua. Apesar de ser necessário seguir o
cronograma elaborado pela coordenação do curso, o docente sentia a
necessidade de ir além, isto é, compreender as especificidades e dificuldades dos
seus alunos.
Desta forma, repensar a prática trouxe um novo olhar para o fazer docente,
em que o profissional constrói, desconstrói e reconstrói o seu processo de
ensinar, refletindo na aprendizagem discente. É (re)pensando de maneira crítica a
prática de hoje que se modifica aquela de amanhã (FREIRE, 1987).
A partir desse pressuposto, o jogo da memória adaptado para Libras,
trouxe alguns resultados preliminares que contribuíram para entender que tal
prática, mediada pelo uso do lúdico, requer um planejamento antecipado e com
objetivos condizentes com o que se espera alcançar. Ao dar início ao jogo, o
professor pôde perceber o envolvimento e interesse de todos alunos/cursistas,
principalmente, quando as dúvidas eram sanadas entre eles próprios.
Cada participante, ao escolher uma carta que estava virada para baixo,
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tentaria reconhecer a figura
4
e realizar o seu sinal. Para ganhar a jogada, era
necessário encontrar o desenho que o representasse posteriormente. O
professor, nesse momento, percebeu que mesmo havendo certa competição, uns
ajudavam aos outros, havendo interação e cooperação.
Outro ponto importante a ser destacado foi a função mediadora do
professor no processo de realização do jogo (VYGOTISKY, 2007). Os alunos, em
alguns momentos, não lembravam dos sinais ou sentiam dificuldade na forma de
fazê-lo, precisando de intervenção. Diante disso, o docente apresentava
contextos para que os discentes pudessem lembrar e sinalizar para os colegas
que estavam jogando.
No que se refere ao segundo jogo, a caixa enigmática
5
, os alunos,
inicialmente, ficaram com um pouco de vergonha porque era necessário seguir
uma história em Libras criada pelo professor ao retirar um objeto que estava
dentro da caixa. A vergonha demonstrada não era devido ao pouco conhecimento
na língua, uma vez que o docente orientou, antecipadamente, que poderia utilizar
gestos e mímicas. Mas, sim, em relação à dramatização, pois mesmo sendo um
grupo pequeno formado por pessoas conhecidas, alguns alunos sentiam
vergonha de teatralizar durante a construção da história.
É importante mencionar que os gestos e mímicas não constituem
elementos da Libras, pois segundo Gesser (2009, p. 21), “enquanto a pantomima
ou mímicas quer fazer com que você veja o “objeto”, o sinal quer que você veja o
símbolo convencionado para esse objeto”. Além disso, ela possui características
linguísticas de qualquer língua humana natural.
Ao passo que cada participante continuava a narrativa com os objetos
retirados da caixa, a vergonha foi ficando de lado, dando lugar a dramatizações e
contextos criativos. No final do jogo, observou-se que os alunos/cursistas
gostaram bastante do momento, demonstrando interesse em participar mais
vezes.
4
As figuras, representando os sinais, foram retiradas do dicionário ilustrativo de Libras
(CAPOVILLA, 2013).
5
Seu nome: enigmática é a junção das palavras enigma e Matemática, criadas por um dos
autores do presente artigo e seu colega na disciplina Tópicos Especiais em Ensino de Matemática,
do Mestrado (PPGECIMA/UFS). Mesmo havendo adaptação para Libras, os autores optaram por
manter o referido nome.
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As expressões faciais e corporais compõem os parâmetros da Língua
Brasileira de Sinais. Concordamos com Araujo (2013) ao afirmar que as
expressões não manuais, isto é, aquelas expressões utilizadas no rosto do
sinalizante podendo ser afetivas ou gramaticais, é um dos parâmetros mais
importantes da língua, pois demonstra os sentimentos, as emoções que o
sinalizante
6
quer exprimir na comunicação.
Em outro encontro, foi aplicado o jogo de dominó com os sinais de cores,
além de outros sinais, como uma forma de revisão. A turma foi dividida em grupos
de três pessoas. É importante salientar que antes da aplicação do jogo, se fez
necessário apresentar as suas regras, pois os alunos/cursistas não estavam
entendendo como jogar. Para Kishimoto (2008, p. 113):
A existência de regras em todos os jogos é uma característica
marcante. regras explícitas, como no xadrez ou amarelinha,
regras implícitas como na brincadeira de faz-de-conta em que a
menina se faz passar pela mãe que cuida da filha. São regras
internas, ocultas que ordenam e conduzem a brincadeira.
A condução do jogar, de acordo com as regras, coloca certa limitação nos
participantes por não poder seguir suas próprias decisões. Ou seja, é necessário
atender ao que foi estabelecido para não perder a jogada. Foi o que aconteceu
com um dos jogadores, porém os colegas não o deixaram realizar tal situação,
sinalizando expressões como: “não pode”; “tem regras”; “você está errado”.
Nessa situação, é possível compreender que o jogo contribuiu para a
sinalização de forma natural, sem nenhuma intervenção do professor. Os
alunos/cursistas utilizaram a Libras para comunicar algo ao seu colega de forma
espontânea.
O último jogo aplicado à turma do curso de extensão foi o do bingo. O
material foi comprado em uma loja de brinquedos e não confeccionado pelos
pesquisadores. Inicialmente, foi entregue à turma cartelas em Libras para que
anotasse os números sorteados. A cada mero que saía do jogo, os
participantes demonstravam entusiasmo, euforia e risadas.
Diante de todo exposto, os jogos lúdicos contribuíram não para o
aprendizado da segunda língua, mas também para tornar a aula mais atrativa e
6
Pessoa que realiza os sinais da Libras.
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dinâmica, refletindo que é possível proporcionar um ensino de Libras mais
convidativo, principalmente quando o público em questão estuda no horário
noturno, turno este considerado mais cansativo por ter pessoas que trabalham ou
estudam pela manhã e/ou tarde. Assim, pensar um ensino de forma lúdica e
inclusiva propõe um olhar para o outro, para suas singularidades.
3.2. O que dizem os alunos/cursistas sobre o uso de jogos lúdicos?
Após a observação realizada antes e durante a aplicação dos jogos lúdicos
no processo de ensino da Libras como segunda língua, foi aplicado aos
alunos/cursistas um questionário contendo 06 questões, sendo que 02 delas se
referem ao interesse deles em relação a Libras e contato com pessoas surdas. As
outras 04 discorriam sobre os jogos lúdicos utilizados na prática docente.
O primeiro questionamento pedia a opinião dos alunos/cursistas sobre se o
uso de jogos lúdicos no ensino de Libras facilitou o processo de aprendizagem.
Todos responderam que sim, pois ajuda na memorização, tem maior interação e a
aula fica mais dinâmica. Destaca-se a fala de um dos respondentes:
Sim. O lúdico foi sempre utilizado como facilitador do processo de
aprendizagem. Com Libras não seria diferente. Levar outras
formas de contato com a língua, como jogos, filmes e dinâmicas,
possibilita o a aprendizagem de conteúdos específicos, mas
o pensamento gico e prático da aplicação dos mesmos
(CURSISTA “1”, 2018, s/p).
Nesta colocação é possível perceber que utilizar instrumentos no ensino de
Libras como segunda língua para ouvintes possibilita diversas questões inerentes
ao aprendizado, como destacado por Kishimoto (2008), embora a autora não
foque em suas pesquisas no ensino dessa língua. Todavia, é notório o rico
resultado que os jogos apresentam no processo de ensino-aprendizagem.
Ao segundo questionamento referente aos pontos negativos em que o
lúdico proporcionou quando utilizado no ensino de Libras, todos os participantes
responderam que não houve nenhum ponto negativo. Somente um expôs que: “às
vezes as risadas e euforia dos alunos pode (sic) atrapalhar” (CURSISTA “2”, 2018).
A resposta dada pelo aluno/cursista advém de um olhar individual, que
deve ser respeitado. No entanto, as risadas e a euforia dos alunos destacadas por
ele reafirmam mais uma vez que o uso do lúdico, enquanto instrumento mediador
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no processo de ensino da Libras, apresenta resultados mais significativos, o que
poderia não acontecer se o docente utilizasse uma simples transmissão de
conhecimento (VYGOTSKY, 2007).
Na terceira questão sobre os jogos lúdicos utilizados no curso de extensão,
perguntou-se qual deles os alunos/cursistas gostaram mais e sua justificativa.
Destes, 60% afirmaram que foi a caixa enigmática, por proporcionar a utilização
de sinais aprendidos em um contexto prático de raciocínio rápido. Segundo um
deles: “A caixa enigmática, porque foi o momento onde pude realmente elaborar
uma história rápida e vi que era capaz” (CURSISTA “3”, 2018).
Esta resposta demonstra o desenvolvimento de sua autonomia na
usualidade da sua segunda língua. A segurança em si mesmo por parte dos
estudantes é uma das orientações colocadas por Felipe e Monteiro (2007) aos
professores que ensinam Libras. Metodologias que coloquem o discente como
ator desse processo são fundamentais para o professor frente ao ensino de uma
língua — no caso deste estudo, da Libras.
As respostas ao questionamento referente ao que os jogos lúdicos,
utilizados no curso de extensão, proporcionaram ao processo de ensino-
aprendizagem revelam que o lúdico quando bem planejado contribui de forma
positiva para o desenvolvimento da língua. Os doze participantes responderam
que os jogos proporcionaram interação, dinamismo, divertimento e aprendizagem.
Nenhum deles destacou cansaço e/ou dio.
Diante desses dados, percebe-se que instrumentos mediadores, como os
jogos lúdicos, são importantes para o caminhar do professor. No entanto,
acreditamos na necessidade de um planejamento antecipado em relação à
escolha e uso do instrumento mediador, para que estejam em acordo com as
especificidades dos alunos para alcançar os objetivos pretendidos.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo apresentou discussões referentes às implicações do uso
do lúdico na prática do professor que ensina Libras como segunda língua. A
questão que norteou este trabalho foi: quais as implicações do uso de jogos
lúdicos no processo de ensino da Libras como segunda língua para pessoas
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ouvintes?
Nesse âmbito, percebeu-se que para favorecer um ensino mais convidativo
e menos monótono, o uso do lúdico na prática docente é uma das alternativas
possíveis, especificamente por proporcionar interação, dinamismo e aprendizado.
É importante salientar que tal prática requer um planejamento adequado e
antecipado, pois se assim não for feito, o lúdico pode perder o seu valor
pedagógico, passando a ser considerado um simples passatempo.
O ensino de Libras como segunda língua o é algo simples. O docente
necessita propiciar estratégias para que o discente crie habilidades na língua,
além do desejo de aprender e motivação. Principalmente, se os estudantes
frequentarem as aulas em um turno mais cansativo como é o da noite, por
estudarem ou trabalharem na parte da manhã e/ou tarde. Assim, buscar utilizar
jogos dicos no processo de ensino–aprendizagem, como foi percebido na
pesquisa, contribui para o desenvolvimento estudantil na Língua Brasileira de
Sinais, além de proporcionar uma aula mais dinâmica, atrativa e menos cansativa.
Diante disso, este artigo contribuiu para pensar em uma prática mais
reflexiva, na qual o professor procura novas e diferentes formas de ensino que
contribuam para a aprendizagem discente. Acreditamos que, com a concretização
da pesquisa, podem surgir novos estudos envolvendo o ensino da Libras como
segunda língua para pessoas ouvintes.
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