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A ESTRATIFICAÇÃO AXIOLÓGICA E O OBJETO DISCURSIVO DO SURDO
EM LÍNGUA PORTUGUESA COMO SEGUNDA LÍNGUA (LP/L2S)
The axological stratification and the discursive object of the deaf in Portuguese
language as a Second Language (LP/L2S)
SIMONE LORENA SILVA PEREIRA
1
MARIA DA PENHA CASADO ALVES
2
RESUMO: Este trabalho visa discutir as
práticas tradicionais do ensino de Língua
Portuguesa como segunda língua para
surdos (LP/L2S) voltadas para a
estabilidade sistêmica, cotejando com a
estratificação axiológica do discurso.
Nossas discussões estão ancoradas nas
lentes teóricas da concepção de
linguagem do rculo de Bakhtin, da
Linguística Aplicada e dos Estudos
Surdos. Percebemos que a língua
adentra na vida no momento em que o
surdo percebe a possibilidade de
subverter o padrão imposto pelo
ouvintismo e construir o seu projeto de
dizer em segunda ngua como forma de
posicionar-se dialógica e axiologicamente
no mundo.
PALAVRAS-CHAVE: surdos. práticas
discursivas. língua portuguesa.
ABSTRACT: This work aims to discuss
the traditional practices of teaching
Portuguese as a second language for the
deaf (LP / L2S) aimed at systemic
stability, comparing with the axiological
stratification of discourse. Our
discussions are anchored in the
theoretical lenses of the Bakhtin Circle's
language conception, Applied Linguistics
and Deaf Studies. We notice that, the
language enters into life when the deaf
realizes the possibility of subverting the
standard imposed by the listeners and
build their project of saying in second
language as a way of positioning
themselves dialogica and axiologically in
the world.
KEY-WORDS: deaf. discursive practices.
Portuguese Language.
PEREIRA, S. L. S; ALVES, M. da P. C. A estratificação axiológica e o objeto
discursivo do surdo em Língua Portuguesa como Segunda Língua (LP/L2S). In.
Revista Diálogos, v. 7, n. 3, out.-dez., 2019.
1
Doutoranda em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Professora Assistente da área de Linguística da Língua de Sinais do Departamento de Letras,
UFRN.
2
Pós-doutorado em Linguística Aplicada, UNICAMP. Professora Associada da área de Língua
Portuguesa do Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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INTRODUÇÃO
Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em
situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma, e
porque assim estanque, estancada; mais: porque assim
estancada, muda, e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele
discorria. (João Cabral de Melo Neto)
Ao considerar os discursos histórica e ideologicamente construídos sobre
os surdos, percebemos a importância de considerar os diversos
enquadramentos da afirmação de que “é difícil o surdo escrever em português”.
Justificando, assim, com essa afirmação as doses homeopáticas de palavras,
como unidades da língua, desconsiderando as dimensões sociais, históricas e
intersubjetivas em situações reais de comunicação, que podem proliferar,
sustentar e legitimar falácias sobre a construção dos enunciados concretos por
esse falante em língua portuguesa. Desse modo, pretendemos discutir as
práticas tradicionais de ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para
surdos (LP/L2S) voltadas para a estabilidade sistêmica, no plano da oração,
cotejando com a estratificação axiológica, no plano do enunciado.
Para tanto, orientamos nossas discussões por meio dos Estudos Surdos
3
que compreendem o surdo e a surdez a partir de um viés cultural, histórico e
singular possibilitando que seja repensado o discurso hegemônico da
anormalidade, da incapacidade e da correção da deficiência. Tal visão constituiu
por muito tempo a imagem discursiva desse sujeito. Nessa perspectiva, o surdo
deixa de ser entendido apenas como uma alteridade maléfica, monológica e
abstrata e passa a ser construído, discursivamente, nos embates entre a
ideologia dominante, conservadora, e as vozes sociais daqueles que estão à
margem, subvertendo a ordem, colocando em pauta a diversidade e a diferença.
É nessa fronteira dialógica que o surdo, enquanto sujeito de linguagem,
responde valorativamente a partir de um lugar social.
3
Os estudos surdos inscrevem-se como uma das ramificações dos estudos culturais, pois
também enfatizam as questões das culturas, das práticas discursivas, das diferenças e das lutas
nos espaços de negociação por poderes e saberes surdos (SÁ, 2006, pp. 65-66).
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À vista disso, a Linguística Aplicada (LA) servirá de base para os debates
acerca da linguagem alinhada com o pensamento do Círculo de Bakhtin, pois a
compreendemos como prática discursiva vinculada às problemáticas complexas
e periféricas da sociedade. A LA indisciplinar advoga, ainda, a produção de
conhecimento por meio de outras lentes, num arcabouço teórico híbrido,
mestiço, indisciplinar conferindo, desse modo, visibilidade aos discursos alijados
e silenciados. Ao enfatizar as vidas marginalizadas nos aproximamos de uma LA
de “nossos tempos”, que propõe um novo modo de produzir conhecimento por
meio das epistemologias do sul. Essas representantes das vozes sociais
assentadas, metaforicamente, ao sul devido à supressão sofrida no processo de
dominação capitalista e colonial (SANTOS, 2009).
O pensamento passa a ser construído não mais de forma unilateral, mas
a partir de uma ecologia de saberes, ao apresentar diversas possibilidades para
interpretar e intervir no mundo por intermédio de diferentes epistemes e em
diálogo com a sociedade. De acordo com Moita Lopes (2006), a construção do
conhecimento em outra lógica considera os projetos políticos, os desejos e as
vidas cotidianas na produção de conhecimento. Essa atitude ética, composta por
teorizações híbridas e a inexistência de fronteiras entre teoria e prática, cria
possibilidades de compreensão da vida social por meio da constituição de uma
coligação, chamada pelo autor de: “anti-hegemônica”.
Ademais, ao considerar o surdo como situado, histórico e dialógico,
possibilita-se pensar no sujeito concreto que atua no mundo imerso em práticas
discursivas. Essa perspectiva coaduna com a concepção de linguagem do
Círculo de Bakhtin, em que a linguagem, ora citada, é constituída e, ao mesmo
tempo, constitui o sujeito, que é uma atividade social que representa e
materializa os valores que circulam na sociedade. Isso nos permite vislumbrar
as diversas imagens discursivas construídas sobre os surdos, os embates e as
controvérsias que marcam a história da educação destes e as suas implicações
na vida social contemporânea.
1. A EDUCAÇÃO DE SURDOS POR MEIO DAS LENTES BAKHTINIANAS
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‘Tem de ser assim’, Tomas repetia para si mesmo, mas logo
começou a ter dúvidas: teria mesmo de ser? (KUNDERA, 1984).
Os primeiros registros sobre a educação de surdos, segundo Lodi (2005),
datam do século XVI e retratam o trabalho do monge beneditino Pedro Ponce de
León. Embora o trabalho do monge estivesse voltado para o ensino da fala, seu
principal interesse, estava relacionado ao desenvolvimento da escrita. Nesse
período, à esfera religiosa cabia a produção, o consumo e o domínio do
conhecimento via a escrita, representando a ideologia dominante da época como
força de contenção, monologização e de estabilização do fluxo discursivo.
Conforme Volóchinov (2017, p. 113) “a classe dominante tende a atribuir ao
signo ideológico um caráter eterno e superior à luta de classes, apagar ou
ocultar o embate das avaliações sociais no seu interior, tornando-o
monoacentual”.
Assim, para apreendermos o caráter discursivo da ideologia, é necessária
a habilidade de acessá-lo por meio da materialidade semiótica representada pela
linguagem, pois é pelo signo ideológico e multiacentuado que a realidade é
refletida e refratada. Essas discussões nos auxiliam a identificar como as
compreensões de linguagem estão situadas em determinadas práticas sociais e
históricas. No caso da educação de surdos, o cerne da discussão esteve sempre
ligado a qual forma de comunicação eles deveriam utilizar: a língua portuguesa
(oral e escrita) ou a língua de sinais.
Pedro Ponce de León pertencia ao Ministério de Onã, na Espanha, onde
praticava o voto de silêncio, por isso utilizava um sistema de comunicação
manual que agregou a sua prática de ensino aos surdos. Ele conseguiu
resultados tão expressivos que outros tentaram reproduzir o seu método o que
inclusive, reverberou em outras esferas sociais como na Literatura, por exemplo.
Cervantes criou um personagem, um monge, que tinha a habilidade de fazer
com que “surdos-mudos” pudessem ouvir e falar, além de restabelecê-los do
estado de “demência” (LODI, 2005).
No século XVIII avultou-se um movimento contrário à ideologia da
oralidade na educação de surdos. Isso se torna patente quando o abade Charles
Michel de l’Epée fundou o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris, a
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primeira escola pública para surdos na Europa. L’Epée manifestou-se a favor da
utilização da língua de sinais pelos surdos e da importância de considerá-la no
processo educacional desses sujeitos. Porém, a língua de sinais era vista como
um instrumento para o aprendizado da gramática francesa, pois, para L’Epée,
era uma linguagem limitada, pobre e com ausência de elementos linguísticos.
Assim, idealizou o que chamou de sinais metódicos. Esse sistema de sinais,
condicionado às regras gramaticais francesas, era tão generalista que serviria
para ensinar qualquer língua oral. O que incorre no que Volóchinov (2017)
chamou de objetivismo abstrato, em que a língua é entendida como um sistema
monológico de formas prontas, idênticas, imutáveis e sem espaço para a
realidade viva, para a participação ativa do sujeito situado, axiológico e histórico.
A língua de sinais, ao transgredir a forma de comunicação padrão, era
desconsiderada e marginalizada, demonstrando como a língua compõe a base
dos “processos de hierarquização violentos e naturalizados”, como afirma Pinto
(2010, p. 73) ao tratar das relações desiguais entre as línguas e os contextos
dinâmicos das hegemonias. Isso posto, é válido ressaltar que o Instituto de
Surdos-Mudos de Paris era residencial, os professores e alunos surdos
sinalizavam livremente nos demais espaços. A prática fortaleceu a língua de
sinais francesa e também o movimento de oposição ao sistema de comunicação
manual de L’Epée. Desse modo, foi-se constituindo um discurso outro sobre o
surdo, a língua de sinais e o seu papel na educação de surdos. No século XIX,
os embates entre surdos e ouvintes potencializaram-se diante de um contexto
histórico europeu em prol da unificação nacional por intermédio, principalmente,
da língua
4
. Ao empreender a defesa de uma língua oficial buscou-se um sistema
de normas sem espaço para “desvios”.
A defesa de tal unificação linguística demonstra a tentativa de prevalência
de forças centrípetas que atuam no sentido de padronizar, conter e monologizar
4
A questão da ngua nacional enuncia-se a partir do século XVIII, quando a construção da
identidade nacional apoia-se na consciência de que os membros de uma comunidade nacional
tinham em comum o fato de pertencer a um dado campo linguístico. Até então, o que se falava
num território não tinha sido objeto de uma política. A difusão de material impresso,
principalmente jornais, em um papel importante na tomada de consciência de uma unidade
linguística nacional. Muitas das línguas nacionais europeias não existiam como tal antes do
século XIX. Elas foram forjadas, constituídas, inventadas no curso da elaboração dos Estados
nacionais (FIORIN, 2013, pp. 14-15)
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a fim de fortalecer determinada ideologia dominante e silenciar a diversidade.
Para ilustrar a centralização “verbo-ideológica” na educação de surdos, podemos
citar o Congresso de Milão, ocorrido em 1880
5
, que buscou extinguir a língua de
sinais e tornou obrigatório o uso da linguagem articulada e da escrita da língua
portuguesa, elementos que compõem a abordagem oralista
6
. Diante dos
significativos casos de insucesso dessa abordagem, foi “permitida” a presença
da língua de sinais, porém, desprovida de sentido, pois deveria seguir a
gramática da língua da sociedade majoritária. Ou seja, estava situada fora da
comunicação discursiva, do fluxo histórico e concreto da realidade.
À vista disso, surgiu uma outra abordagem chamada de bilinguismo,
enquanto política social e cultural da diversidade, que possibilita o entendimento
da língua de sinais em outros termos no contexto escolar. Defende a importância
de os sujeitos surdos terem contato com a língua de sinais o mais cedo possível,
desenvolvendo assim, a Libras como primeira língua (L1) e a Língua Portuguesa
escrita como segunda língua (L2). Tal garantia não é suficiente para a
construção do projeto de dizer do surdo em português escrito, sendo
imprescindível que as práticas pedagógicas viabilizem os saberes surdos
durante as aulas e, ainda, o respeito à experiência visual-espacial e linguística
desses alunos no processo educativo.
Nesse processo de ruptura com a ideologia ouvintista dominante,
percebemos a presença da força centrífuga que subverte, resiste e dispersa a
tendência conservadora. Dessa forma, na educação de surdos o processo não
pode ser visto como uma estratégia de correção da deficiência para, finalmente,
atingir a normalidade. Skliar (2003) defende a necessidade de desconstrução
dos contextos rígidos de medicalização, correção, caridade e beneficência, nos
quais a alteridade deficiente é habitualmente posicionada” (p. 167). O que
significa dizer que a educação bilíngue de surdos vai além das questões
linguísticas, senão corre-se o risco da utilização de pedagogias calcadas no
5
A educação de surdos passou a definir-se pelo modelo clínico-terapêutico, destacando o
modelo ouvinte como paradigma e a língua na modalidade oral como objetivo principal a ser
insistentemente perseguido (SÁ, 2006, p. 76).
6
[...] diz respeito à imposição exclusiva da língua na modalidade oral, objetivando a integração
do surdo na cultura ouvinte e seu afastamento da cultura surda (SÁ, 2006, p. 78).
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diferencialismo
7
, o que leva ao enfraquecimento do surdo como sujeito. Essas
duas forças opostas estão presentes na linguagem que é construída socialmente
na conjuntura de embates dialógicos constituindo o surdo ativo e responsivo.
Diante desse cenário, os Estudos Surdos alinham-se com as discussões
do círculo de Bakhtin ao situar a alteridade como centro de valor, ou seja, o
sujeito em toda sua complexidade e singularidade relaciona-se reciprocamente
com o outro de forma distinta, mas não indiferente. Bakhtin (2010) apresenta o
mundo da visão estética para que possamos compreender, de forma mais
próxima, a imprescindibilidade e unicidade do papel do ser humano na
construção da arquitetônica concreta da realidade. Em tal visão, o sujeito ocupa
o centro valorativo e seus atos encontram-se correlacionados com a
amorosidade que fortalece a diversidade do existir.
A diversidade de valor de existir enquanto humano (isto é,
correlato com um ser humano) pode apresentar-se somente à
contemplação amorosa; somente o amor está em condição de
afirmar e consolidar sem perder e sem desperdiçar, esta
diversidade e multiplicidade, sem deixar atrás apenas um
esqueleto nu de linhas e momentos de sentido fundamentais [...]
somente uma atenção amorosamente interessada, pode
desenvolver uma força muito intensa para abraçar e manter a
diversidade concreta do existir, sem empobrecê-lo e sem
esquematizá-lo (BAKHTIN, 2010, p. 128).
Esse olhar amoroso nos possibilita refletir sobre a alteridade deficiente,
criticada por Skliar (2003), em que o outro possui um corpo disforme, selvagem
que usa uma linguagem que “maldiz”, devendo ser medicalizado e corrigido
para, enfim, alcançar o padrão da normalidade. Para ilustrar essa alteridade, o
autor apresenta o exemplo dos surdos que “para a maioria dos ouvintes a surdez
representa uma perda da comunicação, um protótipo de auto-exclusão, de
solidão, de silêncio, obscuridade e isolamento” (p. 162). A compreensão do outro
como interlocutor abstrato possibilita a construção de um discurso em que a
deficiência governa o corpo a tal ponto de ele “respirar” exclusivamente as
7
O diferencialismo presente na educação dos surdos, sobre o qual Skliar escreve, visa excluir o
aspecto cultural dos surdos considerando-o como desnecessário e colocando uma cultura que
não pertence ao surdo; isso acaba gerando sujeitos incapazes de escolhas de vida, e, por isso
mesmo, indivíduos incapazes (PERLIN; MIRANDA, 2011, p. 105).
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ausências perturbadoras que compõem a anormalidade, pois não é permitido ser
de outro modo.
No entanto, partimos do entendimento de que não existe linguagem sem
diálogo
8
desse modo, pressupõe-se a alternância dos sujeitos que, ao responder
à vida, apresentam as suas visões de mundo como ação humana valorada, sem
a fixidez de uma verdade única e monológica. Ademais, é por meio dos
enunciados concretos que o sujeito se relaciona com o outro, pois é por meio
deles que a palavra se encontra com a vida (BAKHTIN, 2011). No que concerne
ao enunciado concreto, é destacada a sua natureza singular, axiológica, situada
e irrepetível, sendo compreendido como unidade da comunicação discursiva.
Assim, o enunciado tem como característica latente a concretude imediata da
comunicação dialógica ininterrupta, empenhada na palavra alheia que refrata e
reflete o mundo.
No caso do surdo, para tornar-se ativamente responsivo ao relacionar-se
com enunciados concretos em LP/L2S é interessante que possa transformar
essa palavra autoritária que, por vezes, o subjuga, interdita e silencia, em
“palavra sua” (BAKHTIN, 2016). Fala-se, portanto, que a palavra do outro “perde
as aspas” sendo internamente persuasiva, ou seja, “discurso seu” tornando as
vozes intercaladas e não apenas a repetição do dizer do outro. Para apropriar-se
da voz alheia de forma autônoma é imprescindível a interação constante com a
palavra do interlocutor, pois isso possibilita a plenitude e a profundidade dos
processos semióticos e axiológicos da linguagem.
Em verdade, ao garantir/respeitar o direito de dizer repleto de
perspectivas semânticas e axiológicas, sempre desencadeado por respostas,
desvia-se do olhar que naturaliza e transforma o surdo em um sujeito abstrato,
tem-se uma postura ideológica que promove a construção de outros espaços e a
mudança de foco. Esse viés oportuniza a análise do discurso dos surdos a partir
8
O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade
que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra "diálogo"
num sentindo amplo, isto é, o apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas
colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (VOLÓCHINOV,
2017, p. 123).
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dos atos singulares desses sujeitos, para assim, compreender e produzir
conhecimento ético, político e heterogêneo acerca da vida social.
3. A ESTRATIFICAÇÃO AXIOLÓGICA DA LINGUAGEM DO PORTUGUÊS
L2S: O SURDO MOVIDO PELAS FORÇAS DISCURSIVAS
Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na
pupila dos nossos olhos. (BAKHTIN, 2011)
Conforme vimos anteriormente, a história da educação de surdos é
marcada por diversos embates voltados, principalmente, para qual forma de
comunicação seria ideal para esses sujeitos. Em meio a essa arena discursiva,
muitos surdos desenvolveram uma linguagem caseira de gestos, outros
passaram pela prática de leitura orofacial e a grande maioria somente teve a
oportunidade de contato com a língua de sinais na escola ou na comunidade
surda. E mesmo atualmente com a abordagem bilíngue sendo disseminada nas
instituições escolares, essas ainda “estão estruturadas muito mais no sentido de
garantir que o ensino de português mantenha-se como a língua de acesso ao
conhecimento” (QUADROS, 2010, p. 32) do que na formação de leitores e de
escritores críticos. Assim, ao considerar a língua de sinais como de menor valor
corre-se o risco de inviabilizar a percepção da historicidade e da singularidade
do surdo, afinal, a linguagem é constituída pelo sujeito ao mesmo tempo em que
ele é forjado por ela.
Nessa perspectiva, pretendemos tensionar as práticas tradicionais de
ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para surdos (LP/L2S),
voltadas para a estabilidade sistêmica, no plano da oração, cotejando com a
estratificação axiológica, no plano do enunciado. Como forma de ilustrar tais
discussões, traremos alguns registros realizados durante as aulas de “Língua
Portuguesa para Usuários de Libras III” do Curso de Letras Libras/Língua
Portuguesa, da UFRN, no processo de construção de uma resenha crítica. É
válido esclarecer que os enunciados foram construídos pelos estudantes surdos
enquanto os estudantes ouvintes mediavam essa produção com a orientação de
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focar, principalmente, na construção de sentido e, secundariamente, na forma
linguística.
Para além dos aspectos de produção, os dados foram construídos a partir
das afirmativas dos estudantes surdos, consideradas pela pesquisadora, mais
recorrentes durante a atividade de produção de textos em Língua Portuguesa.
Os registros foram postos em diálogo, principalmente, com a concepção de
linguagem do círculo de Bakhtin e as discussões dos Estudos Surdos, pois as
“ciências humanas constroem-se entre a alteridade e a diferença, entre o
conceito e o sentido” (AMORIM, p. 196, 2004). A interpretação dialógica
oportuniza a inteligibilidade das vozes sociais e, por conseguinte, o
reconhecimento da existência do protagonismo surdo em língua portuguesa não
mais dentro dos moldes fabricados pelos ouvintes, mas atuando no mundo em
sua singularidade.
O interesse em realizar uma escuta dialógica de tais enunciados foi
devido o resultado alcançado ao final da disciplina: os próprios surdos sentiram-
se à vontade para socializar os seus escritos em português durante a semana
integrada do curso. Isso significa que, além dos colegas da disciplina, a
comunidade acadêmica também teve acesso às suas produções. Essa atitude
chamou a atenção para que pudesse não somente repassar todo o processo de
leitura e escrita que perpassaram a atividade, mas, principalmente, propiciar a
garantia de voz ao estudante surdo e as suas relações dialógicas para COM ele
refletir sobre a linguagem no mundo da vida.
É interessante enfatizar que compreendemos a linguagem como
constitutivamente dialógica e valorativa que, segundo Volóshinov (2017),
manifesta-se como atividade social construída entre duas consciências, pois a
palavra necessita de resposta sendo esse um princípio imprescindível para a
compreensão. Assim, entendemos a linguagem a partir do sujeito histórico e
social, imerso em práticas discursivas que ocorrem por meio de enunciados. As
relações dialógicas existem sob a visão de mundo, em cadeia discursiva, não
podendo ser reduzidas às relações lógicas, pois, quando o enfoque detém-se
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apenas aos termos puramente linguísticos a responsividade, as vozes sociais
são silenciadas, coisificadas
9
.
Lançando um olhar histórico para a educação de surdos percebemos que
a compreensão da surdez enquanto patologia influenciou na construção de
práticas pedagógicas que buscassem o rumo da normalização, desconsiderando
a experiência verbo-visual que constitui esses sujeitos. Assim, a Língua
Portuguesa foi apresentada a eles de forma abstrata, como um conjunto de
palavras a serem repetidas, muitas vezes até a exaustão ou um digo a ser
decifrado, desprovido de sentido. Mantendo, dessa forma, o português no âmbito
do sinal que é apartado do ideológico e da dinamicidade que constituem o signo
linguístico, determinado pelas formas de interação social (VOLÓSHINOV, 2017).
A fixidez pela estratificação da Língua Portuguesa no plano do sistema
tornou-se um entrave para a circulação do posicionamento semântico-axiológico
do surdo. No momento da produção que realizamos em sala de aula, por
exemplo, os surdos buscavam construir sentido com base apenas no significado
linguístico, porém, esse conhecimento não é suficiente para os enunciados
serem entendidos, pois são plásticos e mutáveis. Por isso, muitas vezes, o surdo
é narrado discursivamente como iletrado. Geraldi (2018, p. 117-118) coloca a
questão do letramento, ou a ideia de diferentes letramentos, sob a perspectiva
de que “somos diferentemente letrados segundo os diferentes campos da
atividade letrados e iletrados ao mesmo tempo”.
Ao realizarmos uma leitura interessada no trabalho de Bakhtin
percebemos que os sujeitos constroem o seu dizer por meio de diversos gêneros
relacionados às diferentes esferas de atividade assim, somos capazes de moldar
nosso discurso empregando-o de forma mais ou menos habilidosa a depender
do domínio de um conjunto de acervos sobre determinado enunciado em sua
totalidade. Então, podemos ser competentes leitores e escritores em
determinado campo da atividade humana e, ao mesmo tempo, incompetentes
produtores de enunciados em outros, que escapam de nosso espaço de
9
A coisificação completa, extrema levaria fatalmente ao desaparecimento da infinitude e da
insondabilidade do sentido (de qualquer sentido) (BAKHTIN, 2011, p. 401).
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circulação. Assim, língua integra a vida por meio de enunciados concretos
“prenhes de respostas”, pois a linguagem é um acontecimento cognoscente.
As discussões do método sociológico concebido por Volóshinov/Bakhtin
(1976) no contexto da obra de arte imbricada com a estrutura social, nos
possibilita perceber de forma patente que a percepção artística vai além da
conformação linguística, imanente. A estrutura social está intrinsecamente ligada
à arte verbal, tornando-se, assim, um evento da vida e não um mero exercício
linguístico. Para tanto, segundo Volóshinov/Bakhtin (1976) é necessário analisar
tais práticas discursivas levando em consideração três fatores: o horizonte
espacial comum dos interlocutores, “conjuntamente visto”; conhecimento e a
compreensão comum da situação por parte dos interlocutores, “conjuntamente
sabido” e sua avaliação comum dessa situação, “unanimemente avaliado”.
Reafirmando, assim, como a situação extraverbal está intimamente ligada ao
enunciado concreto, pois, desse modo, o discurso entra em contato com a vida
já que é um evento social
10
.
Os discentes surdos, de forma geral, não compreendiam claramente que
as práticas de leitura e de escrita, além de serem atividades complementares,
contêm esferas de sentidos altamente complexas. Levantamos a hipótese de
que a crença de o texto em português se restringir a um conjunto de palavras
que devem ser traduzidas uma por uma para alcançar o significado contribui
para a formação de um leitor e escritor monológico. No entanto, não podemos
problematizar a questão do posicionamento axiológico do surdo em Língua
Portuguesa sem observar os aspectos de produção em sala de aula. Assim, ao
trabalharmos em grupos compostos por ouvintes e, pelo menos, um surdo
possibilitou que pudéssemos vivenciar de forma mais próxima a importância de
considerar esse sujeito social de forma histórica e singular.
Desse modo, foi possível enfatizar as necessidades e experiências dos
surdos em relação ao português, seus tempos diversos de produção e de
10
Podemos ver o estudo da língua, metodologicamente, em Volóshinov (2017, p. 220)
apresentado na seguinte ordem: 1) formas e tipos de interação discursiva em sua relação com
as condições concretas; 2) formas dos enunciados ou discursos verbais singulares em relação
estreita com a interação da qual são parte, isto é, os gêneros dos discursos verbais
determinados pela interação discursiva na vida e na criação ideológica; 3) partindo disso, a
revisão das formas da língua em sua concepção linguística.
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reescrita e um olhar mais amoroso para a realização de tal processo. Além
disso, surdos e ouvintes permaneceram implicados em construir um caminho
outro com relação à linguagem como atividade que ocorre sempre em território
interindividual. À vista disso, todos foram provocados e desafiados a repensar os
letramentos dominantes e a considerarem os letramentos vernaculares.
Os letramentos dominantes preveem agentes (professores,
autores de livros didáticos, especialistas, pesquisadores,
burocratas, padres e pastores, advogados e juízes) que, em
relação ao conhecimento, são valorizados legal e culturalmente,
são poderosos na proporção do poder da sua instituição de
origem. Já os chamados letramentos vernaculares” não são
regulados, controlados ou sistematizados por instituições ou
organizações, mas tem sua origem na vida cotidiana, nas
culturas locais. Como tal, frequentemente são desvalorizados ou
desprezados pela cultura oficial e são práticas, muitas vezes, de
resistência (HAMILTON, 2002, p. 4 apud ROJO, 2009, p. 102-
103).
Tais categorias apresentam-se vinculadas, porém, segundo Rojo (2009),
os estudos contemporâneos do letramento estão cada vez mais voltados para a
valorização dos letramentos locais ou vernaculares, destacando a importância
da heterogeneidade das práticas sociais nas instituições escolares. Nesse
ínterim, quando o ensino de LP/L2S está assentado no plano da oração, e os
surdos não conseguem alcançar o padrão esperado, principalmente no que se
refere à proficiência escrita nativa, evidencia-se o enfoque dominante em
detrimento do ideológico. Afigura-se, ainda, o que Geraldi (2015) chama de
ideologia da incompetência que está presente quando é oferecida a
oportunidade para alguém aprender, entretanto, quando o resultado esperado
não corresponde às expectativas é conferido somente a ele o problema da
incapacidade e mediocridade.
Podemos relacionar tal incompetência ao ouvintismo
11
que se encontra
presente no ensino de português como segunda língua para surdos, quando são
11
O ouvintismo deriva de uma proximidade particular que se dá entre ouvintes e surdos, na qual
o ouvinte sempre está em posição de superioridade [...] Em sua forma oposicional ao surdo, o
ouvinte estabelece uma relação de poder, de dominação em graus variados [...] designa o
estudo do surdo do ponto de vista da deficiência da clinicalização e da necessidade de
normalização (PERLIN, 2010, p. 53).
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construídas práticas pensadas a partir do ouvinte e para ouvintes, gerando
trajetórias escolares angustiantes para esses sujeitos que vivenciam, segundo
Botelho (2005), um ambiente opressor, de desconfiança e temor. Além disso, a
autora relatou que o enfoque no aspecto formal da língua pode refletir-se em
resultados insatisfatórios, desistências e/ou ainda no fortalecimento do estigma,
do preconceito, da incapacidade e das formações imaginárias que acarretam
determinados fenômenos
12
. Um deles refere-se à necessidade de aprovação em
que o surdo procurar responder àquilo que ele imagina que o ouvinte considera
uma resposta ideal.
Identificamos tal comportamento em todos os estudantes surdos que
participaram da produção textual, pois se empenhavam em produzir uma
resposta que alcançasse às expectativas dos ouvintes. Quando questionados
mais a fundo assumiam que não haviam entendido o tema, ou a pergunta, ou o
texto. Um aluno relatou que em suas experiências anteriores com LP/L2S
realizava prática de cópia. A escrita do texto ocorria por meio da reprodução
mecânica de outros textos, e que alguns professores disponibilizavam a
produção textual pronta inviabilizando a questão da autoria. De acordo com
Bakhtin (2016), a palavra possui matiz individual e contextual apresentando três
aspectos para os falantes: palavra da língua neutra, palavra alheia e minha
palavra
13
. Nesse caso, configura-se, em tais práticas, apenas a dublagem/cópia
da palavra alheia.
Na arquitetônica bakhtiniana, os sujeitos ocupam um lugar único e
singular no mundo, dois centros de valores que representam a vida concreta,
então surge a questão: Como o surdo lida com a voz social dominante que
continua a ditar como ele deve aprender o português? Não pretendemos
oferecer respostas a essa questão, mas sim problematizar as causas que levam
12
Segundo Botelho (2005) ocorre especialmente com surdos oralizados, pois “expostos a uma
educação que tem a oralização como fim em si mesmo, e que resgata um modelo não muito
ameno do ouvinte (p. 29). Dentre os fenômenos apresentado pela autora estão: alienação e
negação das dificuldades, familiaridade e certeza, minimização, deslocamento, falseamento das
dificuldades e preconceito de amor, arrogância, preocupação com a aprovação. Na medida em
que for necessário esses fenômenos serão apresentados.
13
[...] como palavra da língua neutra e não pertencente a ninguém; como palavra alheia dos
outros, cheia de ecos de outros enunciados; e, por último, como a minha palavra, porque, uma
vez que eu opero com ela em uma situação determinada, com uma intenção discursiva
determinada, ela já está compenetrada da minha expressão (BAKHTIN, 2016, p. 53).
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a permanência da Língua Portuguesa como palavra autoritária, e, por vezes,
ininteligível. Diante das reflexões realizadas até agora, percebemos que a
estratificação no plano da oração reforça a necessidade de que “há sempre que
encontrar normas, fixar o movimento para garantir não se sabe bem o quê, mas
garantir a correção que somente tem existência pela construção de seu outro, o
erro” (GERALDI, 2015, p. 20).
Notamos a presença da força centrípeta que atua em prol da estabilidade
do sistema, da monologização que silencia as diversas vozes sociais, restando
ao surdo “dublar” a língua portuguesa, a palavra alheia, repleta de aspas.
Encontrando-se, dessa forma, tolhido e enclausurado na "ditadura" de uma
língua que, mesmo estando em todas as instâncias de sua vida, está repleta de
vazios. Outrossim, a leitura e a escrita estão ligadas a códigos que arrastam
uma verdade única: a língua desprovida do seu conteúdo ideológico e imediato.
Durante a produção textual, notamos o estranhamento dos alunos surdos e
ouvintes que, automaticamente, preocupavam-se com as normas gramaticais,
mas no decorrer do processo foram reconhecendo a alteridade como centro de
valor na construção do conhecimento.
Ao final da produção, cada aluno surdo, considerando suas experiências
anteriores com a língua portuguesa, conseguiu iniciar um movimento de
compreendê-la enquanto linguagem. Um deles, por exemplo, escreveu um texto
analisando a temática trabalhada; propondo soluções, relacionando com sua
visão de mundo e escolhendo as formas lexicais que, a seu ver, se alinhavam
com o gênero trabalhado. E, ainda, fez questão de socializar a experiência com
os demais alunos num evento organizado pelo curso de Letras: Libras/LP da
UFRN. No momento em que a palavra se tornou internamente persuasiva,
palavra sua, sentiu-se capaz de expressar o seu projeto de dizer em português
em situação pública. A força centrífuga fez-se presente ao subverter a lógica
autoritária e detentora da verdade do ouvintismo sobre o ensino da LP/L2S, pois
o surdo ocupou o lugar de protagonista, de sujeito concreto e axiológico,
possibilitando o atravessamento da índole dialógica, plena de novidades,
entremeando o mundo da vida ao mundo da cultura.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao discutir o ensino do Português L2S assentado nos termos da oração e
na estratificação a axiológica, podemos refletir sobre o objeto discursivo do
surdo em outros termos, pois para compreender a vida social é necessário
considerar o ideológico, a historicidade, os valores, as axiologias que compõem
os enunciados concretos. Esvaziadas dessa arquitetônica valorativa, as práticas
de leitura e de escrita pautam-se na análise estrutural da forma linguística,
desconsiderando a dinamicidade e a fluidez do mundo da vida. Não
pretendemos com isso desconsiderar a relevância do sistema linguístico, pois o
Círculo de Bakhtin, perspectiva teórica que sustenta nossas reflexões,
reconhece seu papel na linguagem. Contudo, acreditamos ser pertinente
problematizar a abstração da palavra isolada da comunicação discursiva. A
língua adentra na vida no momento em que o surdo percebe a possibilidade de
subverter e construir o seu projeto de dizer em segunda língua e não mais para
alcançar o padrão ouvinte, escapando do perfil monológico do surdo codificador
e decodificador, e sim para posicionar-se dialogicamente e axiologicamente no
mundo.
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