54
POR QUE ESCREVER EM LÍNGUAS DE SINAIS?
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo
ABSTRACT: This paper aims at showing the
mostrar a importância da escrita de sinais
importance of sign language writing (ELiS) as
(ELiS) como ferramenta semiótica acessível
an accessible semiotic tool for the teaching-
para o processo de ensino-aprendizagem de
learning process of these languages. This is
línguas de sinais. Trata-se de uma pesquisa
a bibliographical research, which aims at
bibliográfica que tem por objetivo enfatizar a
emphasizing the importance of writing as a
importância da escrita como meio de
means of communication, as well as its
comunicação, bem como sua importância no
importance in the field of research involving
campo de pesquisas que envolvam ensino e
teaching and transcription of data in sign
transcrição de dados em línguas de sinais.
languages. The results suggest that writing is
Os resultados sugerem que a escrita é uma
an important tool for the process of language
importante ferramenta para o processo de
appropriation.
apropriação de línguas.
KEYWORDS: Writing. Brazilian Sign
PALAVRAS-CHAVE: Escrita. Libras. Escrita
Language (Libras). Sign Language Writing
de sinais (ELiS).
(ELiS).
Why write in sign languages?
GUILHERME GONÇALVES FREITAS
Graduado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) no curso de licenciatura em Letras:
Libras e Especialista em Linguística das Línguas de Sinais, pela UFG. Atualmente é
mestrando em Estudos Linguísticos pela UFG e graduando do curso de Pedagogia Bilíngue
pelo Instituto Federal de Goiás (IFG). Tem experiência com ensino de Libras e ELiS.
FRANCISCO JOSÉ QUARESMA DE FIGUEIREDO
Professor Titular de Língua Inglesa pela Universidade Federal de Goiás. Graduado em
Letras Português e Inglês e Mestre em Linguística pela mesma Universidade. Doutor e Pós-
Doutor em Linguística Aplicada
(LA) pela Universidade Federal de Minas Gerais. Tem
experiência na área de LA, com ênfase nas seguintes áreas: ensino e aprendizagem de
línguas, correção, erros, crenças, telecolaboração e formação de professores.
MARIÂNGELA ESTELITA BARROS
Professora de Linguística e Libras/ELiS na Universidade Federal de Goiás nos cursos de
Letras: Libras e de Letras: Tradução e Interpretação em Libras/Português. Graduada em
Letras Português e Inglês pela Universidade Federal de Goiás e Mestre em Linguística pela
mesma universidade. Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina e
Pós-Doutora em Linguística pela University of Chicago. Tem experiência na área de língua
de sinais, com ênfase em: ensino de Libras/ELiS, fonética e fonologia de línguas de sinais.
Criadora do sistema brasileiro de Escrita das Línguas de Sinais, ELiS.
Recebido em 27/12/2018. Aprovado em 03/03/2019.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
55
1. INTRODUÇÃO
Como professores, sempre vemos a necessidade de trazer para as aulas
algo que possa permitir que os alunos aprendam de forma eficaz a Língua Brasileira
de Sinais (Libras). Assim, atuando como docentes e realizando pesquisas nessa
área, notamos que a utilização da escrita de sinais, em sala de aula, tem sido uma
ferramenta pouco utilizada pelos professores de Libras quando estão ensinando
algum conteúdo. Observamos também que são poucos os alunos que fazem o uso
desse sistema de escrita para registrar as informações que são aprendidas no
decorrer das aulas de Libras.
Outro fato que observamos, que também se desdobra nessa mesma
situação, é a pouca utilização da escrita de sinais para registrar os dados de
pesquisas em que a língua de sinais (LS) está sendo analisada. Observamos, por
exemplo, que, no Brasil, em muitas pesquisas que apresentam dados de entrevistas
ou interações em línguas de sinais, os registros utilizados são, na grande maioria,
em língua portuguesa. Outro fato que também nos chama a atenção são as
descrições utilizadas em apostilas de Libras, muitas vezes com informações muito
complexas e descrições dos sinais muito extensas e pouco precisas, ou, o que é
mais comum, a representação de um sinal apenas por uma glosa e uma imagem.
Por entendermos essa problemática e por considerarmos que a escrita é
uma importante ferramenta que potencializa a aprendizagem e o desenvolvimento
cognitivo dos aprendizes, procuramos, neste texto, apresentar a relevância da escrita
como instrumento motivador para a aprendizagem de línguas, bem como o alcance
dela para a promoção de conhecimento, registro e ampliação da memória e
comunicação.
Para esta pesquisa, foi utilizado como método de abrangência a revisão
bibliográfica, por meio da leitura de artigos em periódicos e de livros que elucidam a
importância da escrita no processo de ensino-aprendizagem de línguas. Lakatos e
Marconi (2003, p. 158) afirmam que
[a] pesquisa bibliográfica é um apanhado geral sobre os principais
trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem capazes
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
56
de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema. O
estudo da literatura pertinente pode ajudar a planificação do trabalho,
evitar publicações e certos erros, e representa uma fonte
indispensável de informações, podendo até orientar as indagações.
Este artigo está divido em quatro seções. Na primeira, trazemos, de um
modo geral, o papel da escrita como meio de comunicação. Na segunda seção,
apresentamos a Escrita das Línguas de Sinais (ELiS). Na terceira, tratamos da
finalidade de se escrever em ELiS. Finalmente, na última parte, apresentamos
algumas considerações sobre o uso da escrita de sinais como instrumento de
ensino-aprendizagem de línguas de sinais.
2. A ESCRITA COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO
A comunicação humana é hoje construída essencialmente por diferentes
formas de se expressar. A escrita, por sua vez, está entre as maiores criações da
história humana, configurando-se como um tipo especial de linguagem. Além disso, a
escrita é um dos vários meios de expressões que dão acesso direto ao mundo das
ideias, pois permite registrar desde recados mais simples deixados na porta da
geladeira a textos mais sofisticados, como uma dissertação de mestrado ou uma
tese de doutorado, por exemplo.
Fernandes (2013, p. 44) afirma também que
[a] escrita faz parte de nossa civilização, sendo usada como meio de
comunicação, em todos ou quase todos os lugares. É usada em casa
quando se deixa um bilhete avisando a um familiar que vamos sair
para algum lugar, nos supermercados, farmácias, ruas, lojas, nas
escolas com os livros didáticos, no quadro negro usado pelo
professor e em inúmeros outros lugares que usam este sistema como
forma de comunicação.
Assim como a comunicação oral possibilita aos seres humanos diferentes
canais de comunicação para se expressarem, a escrita também tem a mesma
capacidade de oportunizar à sociedade diferentes maneiras de se expressar.
Escrever é uma atividade necessária, pois além de ampliar o processo comunicativo,
cria possibilidades para que as pessoas possam pensar, refletir, criar e (re)criar
enunciados.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
57
Lindemann (1982, p. 11 apud FIGUEIREDO, 2005, p. 21) define a escrita
“como um processo de comunicação que usa um sistema gráfico convencional para
transmitir uma mensagem ao leitor”. Figueiredo (2005, p. 26) ainda acrescenta que “a
escrita é, portanto, um processo cíclico de geração e de integração de ideias.
Escrever significa expressar ideias, transmitir significado. Mais do que isso, escrever
significa pensar”. Dessa forma, escrever é mais do que registrar ou comunicar
informações, escrever é uma forma de ampliar nossas habilidades cognitivas, pois o
ato de escrever demanda esforço e concentração.
Desse modo, a língua escrita possui, além da função comunicativa, a função
de constituir o pensamento (ARAÚJO; FIGUEIREDO, 2015). Silva (2008, p. 28) nos
esclarece que
[a] língua escrita é um recurso semiótico capaz de impulsionar
positivamente o desenvolvimento do pensamento, motivo pelo qual é
imprescindível para o registro, sistematização e armazenamento de
ideias, valores, conceitos, formas de ser e agir. É também um canal
aberto ao conhecimento por meio da prática da leitura.
Como podemos observar por essas definições, a escrita tem um papel
importante na sociedade por ser uma forma de comunicação e de registro de fatos,
além de colaborar para o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos. O registro
gráfico pela escrita é uma atividade habitual nos dias atuais, pois se configura como
um processo de comunicação eficiente, rápido, econômico e fácil.
A escrita aumenta as chances de os aprendizes estarem mais próximos do
conteúdo ensinado em sala de aula, pois ela “permite a comunicação com os outros,
por meio de desenhos, gráficos, mapas, palavras, frases e textos. Também permite
representar as situações - relatá-las, descrevê-las, defendê-las - em geral para um
destinatário, mas também para si mesmo” (FAYOL, 2014, p. 33).
Em sala de aula, por exemplo, escrever é um dos principais recursos
utilizados pelos professores quando estão ensinando algum conteúdo, ou quando
querem registrar alguma informação importante que aconteceu em sala de aula. Nas
palavras de Araújo e Figueiredo (2015, p. 4), “através da escrita, o indivíduo tem a
oportunidade de reforçar algum conteúdo já estudado, como um item gramatical ou
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
58
palavras de vocabulário, como também pode ter a oportunidade de expor seus
pensamentos e ideias”.
Com base nessas argumentações, podemos concluir que a escrita possibilita
acesso ao mundo das ideias e permite criar novos caminhos de comunicação direta
ou indireta, além de apreender o pensamento e fazê-lo atravessar o espaço e o
tempo. É impossível, hoje em dia, pensarmos nosso dia a dia sem a escrita, pois é
um instrumento que está articulado em diferentes linguagens e materiais.
As definições sobre escrita, apresentadas anteriormente, são plausíveis e
certamente a mostram como uma ferramenta imprescindível para nossas relações
cotidianas. Essas relações podem ser expressas por diferentes conjuntos de sinais.
Dessa forma, na seção seguinte, apresentamos a Escrita das Línguas de Sinais
(ELiS), que nos possibilita registrar qualquer língua de sinais por meio de “letras” e
regras próprias.
2.1. A escrita das línguas de sinais
Na história recente das línguas de sinais, alguns sistemas de escrita foram
criados para representá-las. O primeiro de que se tem notícia é a “Mimographie”,
criada por Bébian em 1825, na França (BÉBIAN, 1825). Até pouco tempo, a língua
de sinais era considerada uma língua sem sua representação escrita. Atualmente,
existem algumas propostas de escritas das línguas de sinais, como: o SignWriting1,
sistema de escrita americana, criado por Valérie Sutton no ano 1974, chegando ao
Brasil no ano de 1990 (STUMPF, 2005); o HamNoSyS (Hamburg Notation System),
sistema de escrita alemã, criado em
1984
(VAN HERREWEGHE;
VERMEERBERGEN, 2012); o sistema de Stokoe, criado em 1965 por Willian Stokoe.
No Brasil, três sistemas de escrita foram criados por linguistas brasileiros.
O SignWriting, criado pela americana Valérie Sutton, em 1974, chegou no
Brasil em 1996. No entanto, pesquisas mostram que antes do surgimento do SW,
1 Para aprofundamento deste assunto, acesse: <http://www.signwriting.org/> e
<http://www.signwriting.org/library/history/hist010.html>, com texto em português escrito por Ronice
Müller de Quadros.
<http://www.signwriting.org/library/history/hist010.html>, com texto em português escrito por Ronice
Müller de Quadros.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
59
existia o DanceWriting que era uma proposta de escrita que registrava movimentos
da dança. Essa estratégia em registrar os movimentos do corpo chamou a atenção
de linguistas da Universidade de Copenhagen, que, interessados pela criação
“simbólica” em registros escritos, buscou adaptá-los para as línguas de sinais e,
dessa forma, surgiu o SW, sistema desenvolvido a partir da concepção do
DanceWriting.
A partir daí, os trabalhos envolvendo a escrita de sinais despertou a atenção
de diversos pesquisadores, inclusive pesquisadores brasileiros, que, a partir do ano
de 1996, no estado do Rio Grande do Sul, começou a utilizar o sistema SignWriting,
e, com isso, a escrita de sinais passou a ser considerada uma modalidade de
representação de escrita da língua de sinais (BARROS, 2015; STUMPF, 2005).
Em 1997, a Escrita das Línguas de Sinais (ELiS) foi proposta pela professora
pesquisadora brasileira Mariângela Estelita Barros. Em 2011, o sistema de escrita
SEL (Sistema de Escrita para Língua de Sinais) foi desenvolvido pela professora
Adriana Stella Cardoso Lessa de Oliveira, do Departamento de Estudos Linguísticos
e Literários (Dell) da UESB. Recentemente, Claudio Benassi criou a VisoGrafia, um
sistema de escrita de sinais que se utiliza de caracteres da ELiS e do SignWriting
(SW) (BARROS, 1998; BENASSI, 2018; LESSA-DE-OLIVEIRA, 2012).
A proposta de escrever em sinais, que originou o sistema ELiS, surgiu no
início dos anos
1990, nos corredores da Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Goiás, onde então Mariângela Estelita Barros, estudante de graduação de
Letras Inglês/Português, soube de um curso livre de Libras, que estava abrindo sua
primeira turma. O curso era ministrado por professores surdos e ouvintes, além de
membros da comunidade surda, que haviam sido convidados pelos docentes da
universidade. Impactada pela maneira como os surdos se expressavam, Barros
matriculou-se no curso de Libras e, mais tarde, tornou-se defensora e membro da
comunidade surda (BARROS, 2015).
Apesar de ser fluente em quatro línguas orais, Barros sentiu dificuldade no
início da aprendizagem da Libras e resolveu desenvolver uma estratégia que
facilitasse esse processo. Conforme relata a autora,
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
60
toda vez que eu abaixava a cabeça para escrever algo, eu “desligava”
o professor, mas desligava só para mim, pois as explicações
continuavam para o restante da turma e eu as perdia; o segundo era
que mesmo que eu conseguisse anotar alguma coisa, a anotação não
seria feita em Libras, o que a tornava muito extensa e inexata, pois
precisaria ser uma descrição em português, um desenho, ou algo que
me servisse de recurso mnemônico para o que estava aprendendo
com grande dificuldade. (BARROS, 2015, p. 16).
Apesar das dificuldades encontradas, sua iniciativa em escrever os sinais fez
“germinar” um sistema que, posteriormente, ao ser mais desenvolvido e aprimorado,
resultou no que hoje conhecemos por Escrita das Línguas de Sinais (ELiS).
Podemos afirmar que a história da ELiS pode ser dividida em três momentos:
em 1995, quando Mariângela entrou no programa de Mestrado em Linguística da
Universidade Federal de Goiás (UFG), tendo como título de trabalho: Proposta de
Escrita da Línguas de Sinais; em 2005, quando ingressou no programa de Doutorado
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), tendo como título de trabalho:
ELiS - Escrita das Línguas de Sinais: proposta teórica e verificação prática; e, a partir
de 2009, quando se iniciou o processo de viabilização da escrita ELiS no meio
acadêmico e até hoje tem tido uma grande repercussão na comunidade surda
(FERNANDES, 2013, 2015).
A primeira fase surgiu do seu primeiro contato com a língua de sinais. A
pesquisadora teve de romper várias barreiras para aprender aquela língua e, com a
sua pesquisa de Mestrado, propôs criar símbolos para registrar os sinais/palavras em
Libras. Tais símbolos baseavam-se em sua criatividade para representar cada sinal
da Libras. Após ter criado mais de 280 símbolos, a autora resolveu voltar a um
sistema de escrita alfabética, que, além de ser mais econômico, o tornaria mais
flexível para a comunidade em geral. Após identificar os aspectos que configuravam
sua escrita, a pesquisadora resolveu se apoiar na escrita alfabética, e, após sua
visita à Gallaudet University, nos Estados Unidos, pôde conhecer o SignWriting, e o
sistema de William Stokoe, sendo que este último serviu de base para o sistema de
escrita ELiS. Em 1998, a ELiS chegou à sua primeira versão, apresentada em sua
dissertação, a qual trazia ainda o primeiro texto escrito em ELiS, o hino da
Associação de Surdos de Goiânia (BARROS, 2015).
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
61
Durante um tempo, a ELiS passou por um estado de “paralisação” e somente
tornou a aparecer em 2005, quando, então, a pesquisadora e já mestre ingressou no
programa de Doutorado pela UFSC. Inicia-se, então, a segunda fase de
desenvolvimento e aprimoramento da ELiS, que teve como proposta resgatar todo o
trabalho desenvolvido até o ano de 1998. Em sua pesquisa de Doutorado, Barros
teve como objetivo viabilizar a escrita de sinais, tendo em vista um sistema eficiente.
Porém, existia a necessidade de provar a eficácia desse sistema na prática. Foi
então que, no ano de 2007, o sistema foi ensinado para alunos surdos do curso de
Letras: Libras da UFSC e, ao longo dessa fase, a escrita passou por algumas
adequações quanto à estrutura, e algumas reflexões linguísticas possibilitaram a
criação de várias regras. Após a conclusão do Doutorado, em 2008, marcou-se o fim
da segunda fase (BARROS, 2015).
Em 2009, entramos na terceira fase, que foi marcada pelo uso sistematizado
da ELiS no meio acadêmico. Nesse mesmo ano, a UFG abriu o primeiro vestibular
para o curso de Letras: Libras. Neste curso, a ELiS é um componente curricular
obrigatório, sendo seu conteúdo ministrado em três semestres, o que se perdura até
hoje.
Enquanto sistema de escrita, a ELiS tem ganhado espaço em vários
congressos na área da linguística e educação, como também vem sendo divulgada
nas Associações de Surdos, Centros de Capacitação de Profissionais da Educação e
de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS), escolas estaduais e municipais da
grande Goiânia, e em escolas particulares de Libras, como a escola Chaplin, além de
estar como disciplina optativa no curso de Pedagogia Bilíngue, do Instituto Federal
de Goiás - campus Aparecida de Goiânia (BARROS, 2015) e conteúdo obrigatório
no curso de Letras: Libras da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Atualmente, há muitos estudos que têm colaborado para a divulgação da
ELiS. Entre eles, destacam-se o primeiro livro escrito por Barros (2015), que explica
o sistema, bem como o estudo realizado por Fernandes (2015), em que o autor
registrou 20 línguas de sinais usando a ELiS. Além disso, seu uso em diversos tipos
de textos tem colaborado para a expansão desse sistema, como, por exemplo, a
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
62
escrita de narrativas, contos, histórias em quadrinhos, traduções de dicionários,
monografias e resumos acadêmicos (BARROS; FERNANDES, 2017; BENASSI,
2014; FERNANDES; CAMARGO, 2017; FERNANDES; VIANA-SILVA; EL KHOURI,
2018; OLIVEIRA-SILVA, 2017; SPICACCI; BARROS, 2018).
A ELiS é um sistema2 de escrita linear, com direção da esquerda para a
direita, que apresenta 95 caracteres, os quais são denominados visografemas. É
uma escrita econômica, no que se refere aos visografemas e às regras de
combinação entre eles, os quais permitem grafar e registrar enunciados em qualquer
língua de sinais. Guarda semelhanças com textos em línguas orais, pois utiliza
alguns de seus símbolos, como sinais de pontuação e numerais, além de aspectos
de formatação, como indentação de parágrafo, centralização de título, marcação de
tópicos e outros.
Na Figura 1, a seguir, apresentamos, os sinais ‘QUEIJO’ e ‘MANHÃ em
Libras nas modalidades sinalizada (representada pelo desenho) e escrita, por meio
da ELiS.
Figura 1: Sinais em Libras
Fonte: Elaborado pelos autores deste texto
Para escrever qualquer palavra/sinal utilizando o sistema de escrita ELiS,
primeiramente devem-se observar a configuração de dedos (CD), a orientação da
palma (OP), o ponto de articulação (PA) e, se necessário, o grupo de movimento (M).
2 Para mais detalhes sobre o uso dessa escrita, veja, por exemplo, Barros (2015).
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
63
O grupo de CD corresponde à posição em que os dedos se encontram para
realização de um sinal e se subdivide em dois grupos: visografemas de polegar (5); e
visografemas de demais dedos (4), tendo 1 visografema em comum entre eles, num
total de 10 letras. O grupo de OP corresponde à posição da palma, podendo estar
para cima, para baixo, para direita, para esquerda, para frente e para trás, num total
de 6 letras. O grupo PA é representado por 35 letras e refere-se aos ponto de
articulação em que são realizados os sinais. O grupo M, por sua vez, contém 44
letras que são responsáveis por representar o movimento dos braços, dos dedos, da
cabeça, do tronco bem como expressões faciais.
2.1.1. Escrita de sinais: por quê?
Alguns sistemas de escrita de sinais foram criados com o intuito de se
tornarem escrita cotidiana, sendo alguns exclusivos para uso com determinada
língua de sinais, mas a maioria pode ser usada com qualquer uma.
Apesar da quantidade de sistemas já apresentados, escrever em língua de
sinais ainda é um tabu para muitas pessoas surdas e também para pessoas ouvintes
que usam línguas de sinais. Essas pessoas costumam argumentar que as línguas de
sinais são naturalmente sinalizadas e que escrever é “coisa de ouvinte”. No entanto,
essas mesmas pessoas utilizam a escrita de uma língua oral cotidianamente. Além
disso, afirmam, também, não precisar da modalidade escrita para fazer registro de
língua de sinais, pois, com os avanços tecnológicos, é possível capturá-las em vídeo
com muito mais facilidade, agilidade e “precisão”.
Alguns desses relatos marcam, negativamente, o uso da escrita de sinais
tantos nos espaços educacionais, onde os alunos poderiam, por exemplo, fazer o
uso da escrita para aprender Libras, como também os pesquisadores, que poderiam
fazer os registros de pesquisas que usam LS utilizando um sistema de escrita que a
registre como tal.
Muitas vezes, ao interagir com os surdos, nos deparamos com falas do tipo:
não preciso escrever - pois consigo utilizar os meios tecnológicos para expressar
naturalmente; escrever não é importante - pois isso é coisa de ouvinte. Esse tipo de
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
64
discurso, no entanto, reflete um pensamento muito radical e, ao mesmo tempo, não
valoriza a língua de sinais como um todo. A utilização dos meios tecnológicos não
substitui a língua escrita, pois o registro escrito ocupa espaços sociais diferentes do
registro por vídeo.
Em sala de aula, por exemplo, os alunos podem fazer o uso da escrita de
forma autônoma, utilizando apenas lápis e um pedaço de papel. Essa facilidade não
é encontrada quando os alunos querem utilizar o recurso de vídeo, visto que, para se
gravar qualquer enunciado, é necessário um dispositivo eletrônico. O mais popular
atualmente é o celular, mesmo assim, não é acessível a todas as pessoas e requer
uma memória considerável para armazenar todos os arquivos desejados. Além
disso, a captura em vídeo com qualidade exige, no mínimo, uma boa câmera e um
espaço adequado, com boa iluminação e plano de fundo neutro. Ainda assim,
mesmo que se consiga atender a todos esses requisitos, a busca por uma
informação específica em vídeo é normalmente mais demorada do que em material
escrito.
O uso da escrita durante as aulas de línguas de sinais pode trazer algumas
vantagens em relação ao uso de vídeo, como na identificação pelos alunos dos
traços linguísticos relevantes dos sinais que estão sendo aprendidos, na reflexão
sobre a organização frasal em LS e na fixação da aprendizagem de novos sinais.
Quanto ao segundo argumento apresentado por alguns surdos: Escrever não
é importante - pois isso é coisa de ouvinte, devemos enfatizar que a língua escrita é
tão importante quanto à língua sinalizada para o desenvolvimento da aprendizagem
de qualquer língua de sinais. A interação por meio da escrita faz com que os alunos
pratiquem e reflitam sobre a língua que estão estudando. Usar a modalidade escrita
de uma língua não é “coisa de ouvinte”, nem mesmo “coisa de surdo”, mas uma
forma necessária para ampliar o conhecimento de qualquer ser humano.
No livro Fundamentos da Defectologia, Vygotsky (1983) defende que se
devam usar todos os meios de comunicação (língua oral, língua escrita e língua
sinalizada) para que se garanta qualidade na educação dos surdos e sua inclusão no
meio social. Além do mais, a escrita favorece o desenvolvimento das funções
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
65
mentais superiores3, pois trata-se de uma atividade que é aprendida dentro de um
contexto social, histórico e cultural, que permite ao aprendiz, juntamente com a
leitura, ter acesso a novos conhecimentos e a produzi-los, e, assim, desenvolver-se
(VYGOTSKY, 1998).
A escrita de línguas de sinais poderá ter um papel relevante na vida escolar
de crianças surdas, pois, ao aprenderem a escrever, necessariamente realizarão
reflexões metalinguísticas
(mesmo crianças muito pequenas), o que as leva a
desenvolver uma maior consciência fonológica sobre a língua que estão escrevendo
(FAYOL, 2014). Além disso, poderá auxiliá-las no momento de aprendizagem da
modalidade escrita de uma língua oral, pois já terão desenvolvido as operações
mentais implicadas no processo de leitura e escrita em uma língua que lhes é
totalmente acessível, uma língua de sinais.
Escrever em língua de sinais também levaria à produção de mais materiais
nessas línguas, ajudando ainda mais na sua divulgação e expansão. As línguas de
sinais poderiam estar presentes em quaisquer espaços possíveis a uma escrita, os
quais são atualmente dominados exclusivamente pelas línguas orais
(letreiros,
rótulos, documentos, dicionários, livros científicos, literatura, gibi, bulas de remédio
etc.).
Outro fato relevante é que as pesquisas linguísticas sobre línguas de sinais
sempre enfrentaram um grande problema que é o registro e apresentação dos dados
(VAN DER HULST; CHANNON, 2010). Geralmente, os dados são registrados em
glosas, uma forma de registro que se utiliza da língua oral. Ao tratar das glosas em
inglês, Battison (1978, p. 38) afirma que “[a] glosa é simplesmente uma tradução
comum do sinal para uma palavra em inglês, e as propriedades semânticas,
sintáticas e morfológicas da palavra e o sinal correspondente não coincidem
3 Vygotsky (1998) argumentava que o desenvolvimento humano resulta do entrelaçar de duas linhas:
(1) uma natural, que tem por base os processos biológicos de maturação; e 2) uma cultural, que tem
por base o domínio e o uso de meios culturais. Essas duas linhas representam, respectivamente, as
funções mentais elementares e superiores.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
66
necessariamente”4. Ou seja, utilizando-se um sistema de glosas, muito se registra
sobre a língua de sinais, mas não se registra a própria língua de sinais. Mesmo
assim, esse ainda é o meio de registro mais utilizado para a apresentação de dados
de pesquisas que envolvem LS.
McCleary, Viotti e Leite (2010, p. 265) afirmam ainda que “o processo de
transcrever a língua por meio de símbolos discretos e limitados promove uma
“redução” ou simplificação dos dados”. Para eles, “a escrita (seja ela impressa ou
digital) ainda é, de longe, o instrumento mais utilizado em todo o mundo, justamente
pela simplificação e padronização que atinge”.
Ao enfatizar a importância da escrita de sinais para os surdos, Fernandes
(2013, p. 16) afirma que
[a] ELiS tem o objetivo de dar ao sujeito surdo o direito de se
expressar em sua própria língua, além da possibilidade de se
registrar qualquer documento na modalidade escrita em sua própria
língua, no caso, em sua L1, dando às línguas de sinais uma maior
independência e visibilidade.
A utilização da ELiS por aprendizes ouvintes também pode ser
compreendida como um benefício para quem sempre escreveu e está aprendendo
uma língua de sinais. Essa independência linguística é importante para alunos que
estão iniciando o processo de aprendizagem de LS, pois eles podem, por exemplo:
memorizar o conteúdo, identificar elementos linguísticos presentes na língua
(posição de dedos, da palma, ponto de locação e movimento); adquirir fluência e
autonomia de aprendizagem, fazer leitura e produzir textos escritos.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendemos que originalmente as línguas de sinais só podiam ser utilizadas
na modalidade sinalizada e que essa é sua modalidade por excelência. No entanto,
podemos vislumbrar também vários benefícios da representação das línguas de
4 Nossa tradução de: The gloss is simply a common translation of the sign into an English word, and
the semantic, syntactic, and morphological properties of the word and the corresponding sign do not
necessarily coincide.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
67
sinais na modalidade escrita, como a ocupação de espaços sociais hoje dominados
exclusivamente pelas línguas orais. O uso da escrita das línguas de sinais promove a
valorização das línguas de sinais perante uma sociedade grafocêntrica, o
desenvolvimento de maior consciência fonológica (sobre as línguas de sinais) em
crianças surdas, bem como uma melhor socialização das pesquisas linguísticas e
ampliação de suas possibilidades.
Por essa razão, ressaltamos, neste texto, que a escrita de sinais precisa ser
uma ferramenta mais utilizada em pesquisas e, principalmente, pelos professores de
Libras que, até então, ensinam apenas a modalidade sinalizada da Libras. Na
literatura, o ensino de línguas orais, na grande maioria, desenvolve-se em quatro
habilidades: produção oral, compreensão oral, leitura e escrita. Todas essas
habilidades são trabalhadas nas aulas de inglês, francês, espanhol, entre outras, o
que não acontece com o ensino de Libras, por exemplo. Desse modo, é preciso que
o professor de línguas de sinais valorize essas habilidades e apresente alternativas
para que seus alunos aprendam a língua em suas variadas formas e não restrinja
seus espaços de conhecimento.
Se considerarmos que a maioria das línguas utiliza-se da escrita, por que
não escrever em Libras utilizando um sistema de escrita de sinais? Por que não
permitir que os alunos aprendam a modalidade escrita? Por meio deste artigo,
pretendemos convidar professores e pesquisadores da área de Libras a refletir sobre
essas perguntas e a reconhecer a importância da escrita nos campos de ensino-
aprendizagem, tradução e interpretação.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, M. A. F. FIGUEIREDO, F..J.Q. Interação e colaboração no processo de escrita e
reescrita de textos em língua inglesa. Revista Desempenho, n. 24, v.1, p. 1-20, 2015
BARROS, M. E. Proposta de escrita das línguas de sinais. Dissertação (Mestrado em
Letras e Lingüística) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 1998.
______. ELiS - sistema brasileiro de escrita das línguas de sinais. Porto Alegre: Penso,
2015.
BARROS, M. E.; FERNANDES, L. A. Projeto dicionário DEIT- Libras em ELiS: Análise da
ELiS. Revista Sinalizar, Goiânia, v. 2, n.1, p. 96 - 109, 2017.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
68
BATTISON, R. M. Lexical borrowing in American Sign Language. Burstonvill: Linstok
Press. 1978.
BÉBIAN, R. A. A. Mimographie, ou Éssai d’écriture mimique, propre a régulariser le langage
des sourds-muets. Paris. 1825. Disponível em: http://www.cultura-sorda.org/la-mimografia-
de-auguste-bebian-texto-completo-en-espanol-edicion-comentada/. Acesso em: 27. Dez. 18.
BENASSI, C. A. A primeira monografia de pós-graduação lato senso do Brasil em ELiS.
Revista de diálogos, Mato Grosso, v. 2, n. 2, p. 22 - 3. 2014.
______. Visografia: uma nova proposta de escrita da língua de sinais. Revista Traços de
Linguagem, Cáceres, v. 2, n. 2, p. 71-82, 2018.
FAYOL, M. Aquisição da escrita. Trad. Marcos Bagno. 1. ed. São Paulo: Parábola, 2014.
FERNANDES, L. A. A viabilidade da ELiS em vinte línguas de sinais. 2013. 133 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Letras: Libras) - Faculdade de Letras,
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013.
______. ELiS - internacionalização da escrita das línguas de sinais. Saarbrücken,
Alemanha: novas Edições Acadêmicas, 2015.
FERNANDES, L. A. CAMARGO, V. A. O Lobo e Ovelha. Revista Sinalizar, Goiânia. v.2 , n.
2, p. 246 - 248, 2017.
FERNANDES, L. A.; VIANA-SILVA L.; EL KHOURI, J. I. A cigarra e a formiga. Revista
Sinalizar, Goiânia, v. 2, n.1, p.112 - 115, 2018.
FIGUEIREDO, F. J. Q. de. Semeando a Interação: a revisão dialógica de textos escritos em
língua estrangeira. Goiânia: Ed. UFG, 2005.
LAKATOS, E. M; MARCONI, M. A. Fundamentos de Metodologia Cientifica. 5. Ed. Revista
Ampliada. São Paulo: Atlas, 2003.
LESSA-DE-OLIVEIRA, A. S. C. Libras escrita: o desafio de representar uma língua
tridimensional por um sistema de escrita linear. Revista Virtual de Estudos da Linguagem,
v. 10, p. 150-184, 2012.
LINDEMANN, E. A rhetoric for writing teachers. New York: Oxford University Press, 1982.
MOREIRA, N. R. Restrições gráficas na aquisição da ortografia. Revista do GELNE,
Fortaleza, v.3, n.1, p. 1-4, 2001.
McCLEARY, L.; VIOTTI, E.; LEITE, T. A. Descrição das línguas sinalizadas: a questão da
transcrição dos dados. Revista de Linguística Alfa. São Paulo, v. 54, n. 1, p. 265 - 289,
2010.
OLIVEIRA-SILVA, C. M. A aprendizagem colaborativa de inglês instrumental por alunos
surdos: um estudo com alunos do curso de Letras: Libras da UFG. 2017. 286 f. Tese
(Doutorado em Letras e Linguística) - Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás,
Goiânia, 2017.
SILVA, T. S. A. A aquisição da escrita pela criança surda desde a Educação Infantil.
2008. 227 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2008
SPICACCI, A. A. C.; BARROS, M. E. Traduzindo o dialeto do personagem Chico Bento do
português para Libras por meio da ELiS. Revista Sinalizar, Goiânia, v. 3, n.1, p. 40 - 56,
2018.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
69
STUMPF, M. R. Aprendizagem da escrita de língua de sinais pelo sistema de
SignWriting: língua de sinais no papel e no computador. 2005. 330 f. Tese de Doutorado
- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
VAN DER HULST, H. CHANNON, R. Notation systems. In: BRENTARI, D. (org.). Sign
Languages: a Cambridge Language Surveys. Cambridge, UK: Cambridge. 2010. p. 151 -
172.
VAN HERREWEGHE, M.; VERMEERBERGEN, M. Transcription. In: PFAU, R.; STEINBACH,
M.; WOLL, B (org.). Sign language: an international handbook. Berlin/Boston, De Gruyter
Mouton. 2012. p. 1023 - 1045.
VYGOTSKY, L. S. Obras completas. Tomo cinco. Fundamentos de defectologia.
Havana: Editorial Pueblo Educación, 1983.
______. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. 6. ed. Trad. José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro
Afeche. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.