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O APRENDIZADO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS PELO
ACADÊMICO VISUAL (SURDO): O QUE OS PROCESSOS
SELETIVOS NOS INFORMAM
RESUMO: Por meio da Análise Dialógica do Discurso (BRAIT, 2006), este estudo visa
investigar o posicionamento discursivo de universidades públicas brasileiras, em
editais de Processo Seletivo para ingresso nos cursos Letras Libras, sobre avaliação
em língua estrangeira (LE) de candidatos visuais (Duarte, 2016). A análise buscou
compreender quais sentidos emergem em seu discurso sobre a aprendizagem de LE
no ensino básico. Pela análise, é possível inferir que não há avaliação de LE por não
se considerar que o ensino no nível básico tenha sido eficaz. Concluímos pela
necessidade de implementação de políticas inclusivas e investimento na formação de
línguas do visual.
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizado de LE. Estudantes visuais/surdos. Estudos
bakhtinianos.
ABSTRACT: By adopting the Dialogical
RESUME: En adoptant l’Analyse
approach to Discourse Analysis (BRAIT,
Dialogique du Discours
(BRAIT,
2006),
2006), this study aims to investigate the
cette étude vise à examiner le
discursive positioning of Brazilian federal
positionnement discursif des universités
universities regarding foreign language
publiques brésiliennes en ce qui concerne
(FL) knowledge of deaf/visual candidates
la connaissance des langues étrangères
(Duarte,
2016). We analyzed Public
(LE) des candidats sourds/visuels
Notices
of
Selective Process for
(Duarte, 2016). Nous avons analysé les
admission to Libras degree courses
avis publics de processus sélectifs
aiming to comprehend which meanings
d’admission aux Licences en Lettres
emerge in their discourse about deaf
Libras
afin
de comprendre les
students FL learning in elementary
significations dans leur discours sur
education. From the analysis, it is possible
l’apprentissage
de
LE
dans
to infer that there is no FL assessment for
l’enseignement élémentaire. De l'analyse,
the visual candidates for admission to
il est possible d'inférer qu'il n'y a pas
these courses because it is not
d'évaluation de LE pour ne pas considérer
considered that LE teaching practice
que la pratique d'enseignement de LE
offered is effective.
proposé soit efficace. Nous concluons par
la nécessité de mettre en œuvre des
politiques inclusives et d’investissement
dans la formation linguistique des
étudiants visuels.
KEY-WORDS:
Foreign
Language
MOTS-CLES: Aprentissage de LE.
learning. Visual/ deaf students. Bakhtinian
Étudiants visuels
/
sourds. Études
studies.
Bakhtiniennes.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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MÁRCIA DE MOURA GONÇALVES-PENNA
Doutoranda em Estudos Linguísticos no Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Linguagem, Universidade Federal de Mato Grosso. Membro do Grupo de Pesquisa
REBAK - Relendo Bakhtin. mmgpenna@gmail.com
MARTA MARIA COVEZZI
Doutoranda em Estudos Linguísticos no Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Linguagem, Universidade Federal de Mato Grosso. Membro do Grupo de Pesquisa
REBAK - Relendo Bakhtin. martacovezzi@gmail.com
SIMONE DE JESUS PADILHA
Profa. Dra. do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem - PPGEL,
UFMT, Cuiabá- MT, Brasil. Líder do Grupo de Pesquisa Relendo Bakhtin - REBAK.
Bolsista UFES/CAPES. simonejp1@gmail.com
Recebido em 11/09/2018. Aprovado em 15/07/2019.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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1. INTRODUÇÃO
Este artigo é elaborado no âmbito dos estudos de linguagem, sob a perspectiva
enunciativo-discursiva que compreende os textos que circulam na sociedade como
sendo enunciados, construções histórico-sociais situadas no tempo e espaço,
elementos que são da comunicação em sua relação indissociável com a vida. Dentre
os enunciados que circulam nas esferas administrativas, alguns pertencem ao gênero
discursivo (BAKHTIN, 1953) edital, que é um ato escrito em que são apresentadas
determinações e demais comunicações de ordem oficial.
Neste estudo, nos deteremos nos editais de Processos Seletivos para o
ingresso de pessoas visuais
(DUARTE, 2016) nos cursos de Letras Libras de
universidades federais brasileiras elaborados sob a égide do Decreto nº 5.626, de 22
de dezembro de 2005 e da Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), marco histórico das políticas de inclusão no país.
Por meio da análise discursiva desses editais, pretendemos refletir sobre a visão das
universidades sobre o ensino-aprendizado de língua estrangeira (LE) no ensino básico
e de que modo essa visão gera uma demanda para pesquisas na área de formação de
professores de línguas.
Esse propósito justifica-se pela necessidade de identificarmos o papel do
ensino superior na articulação entre os aprendizados obtidos pelos visuais na
educação básica e aqueles que serão alvo do ensino nas universidades, tendo em
vista a garantia de um aprendizado inclusivo de língua estrangeira. Para tanto,
perguntamos: o que os discursos desses editais nos informam sobre o ensino-
aprendizado de língua estrangeira (LE) do estudante visual nos ensinos fundamental e
médio? Como garantir ao acadêmico visual um ensino inclusivo de LE que o promova
em sua vida acadêmica tal qual ocorre com o estudante ouvinte?
Para essa discussão, foram selecionados 5 editais de universidades públicas
federais, 3 da Região Centro-Oeste e 2 da Região Sul do Brasil, cujas publicações são
as mais recentes até a época de realização deste estudo. A análise será feita à luz da
Análise Dialógica do Discurso (BRAIT, 2006), segundo a perspectiva enunciativo-
discursiva da linguagem de Bakhtin e o Círculo (1953, 1975).
2. Fundamentação teórico-metodológica
Definimos como metodologia para a análise do corpus deste trabalho a
pesquisa documental, considerando que utilizaremos para o nosso estudo documentos
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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como editais e leis referentes aos direitos da pessoa visual e a sua formação
acadêmica. Esta abordagem permite a realização de investigações por meio do estudo
de documentos produzidos pelo homem, que irão revelar seu modo de viver e
compreender um fato social (LUDKE; ANDRÉ, 1994). Por este viés metodológico, o
pesquisador deve estudar os documentos buscando entendê-los considerando o
sujeito que os produziu, seja ele um sujeito individual ou o sujeito que representa uma
instituição, um governo etc. Coadunamos esta ideia com o referencial teórico dos
Estudos Bakhtinianos, esclarecendo alguns conceitos que empregaremos para a
análise discursiva desses documentos: enunciado concreto, autoria, dialogismo,
gêneros discursivos, forças centrípetas e centrífugas. Empreenderemos nossa análise
baseadas nesses conceitos, dentre outros, considerando o dialogismo e buscando os
sentidos que esses enunciados nos apontam quanto ao ensino-aprendizado de LE do
acadêmico visual.
Outro conceito chave para nossa pesquisa é o de sujeito visual, que
esclarecemos desde então porque permeará nosso discurso ao longo deste texto. O
termo visual, cunhado por Duarte (2016), refere-se ao conceito de sujeito visual que
utilizaremos em substituição ao termo surdo, assim pensado em analogia à concepção
de sujeito ouvinte. Remete à capacidade linguística visual da pessoa que não ouve,
usuária da língua de sinais, devido à característica espaço-visual dessa forma de
comunicação, reconhecendo e valorizando o potencial linguístico e não a deficiência
auditiva, como ocorre com o termo surdo. O uso deste termo é uma opção conceitual
das autoras, sobre o qual discorrem em artigo recente
(GONÇALVES-PENNA;
COVEZZI,
2018), e dele nos serviremos em nossas análises, na introdução,
considerações finais e em todos os momentos em que exporemos nossas ideias
quanto ao sujeito visual. Certamente, manteremos o termo surdo ao apresentarmos os
editais e documentos analisados e nas citações diretas.
A análise do discurso que desenvolveremos sobre os editais dos processos
seletivos e demais documentos pertinentes a este estudo será feita segundo Brait
(2006) no âmbito da perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin (1929, 1975). Os
Estudos Bakhtinianos consideram a linguagem como interação, como o elemento que
estabelece a relação entre os seres humanos e propicia a experiência da interação
entre interlocutores. Nessa teoria, o enunciado é a unidade essencial e real da
comunicação verbal, o projeto concreto e pleno do discurso do falante que acontece
na inter-relação discursiva.
Consideraremos, portanto, cada documento analisado neste estudo como um
enunciado pleno pressupondo que nossas próprias ideias se formam num processo de
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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interação com os pensamentos de outros, o que se reflete nas formas verbalizadas
dos pensamentos (BAKHTIN, 2011, p. 298), ou seja, no nosso discurso escrito ou oral,
e mesmo não verbal. O enunciado estabelece uma relação indissociável com a vida, é
a exteriorização da atividade mental orientada por uma situação social mais ampla,
uma mais imediata ou próxima e, também, pela interação com interlocutores
concretos. Ou seja, não há enunciado neutro porque surge em um contexto pleno de
significados e valores e como necessidade de resposta a enunciados anteriores, bem
como suscita resposta de outros, posteriores; é uma tomada de posição frente a
determinada situação, ou seja, todo enunciado está aberto ao diálogo com outros: esta
é a premissa básica do dialogismo em Bakhtin.
É preciso ainda deixar claro que, ao elaborar um enunciado, o Sujeito presume
um auditório social, o que o leva a produzir um projeto discursivo para atender a seus
intentos comunicativos, isto é, o faz considerar seu Ouvinte, quem ele é, o que
conhece sobre o assunto, suas opiniões etc. Esses elementos interferem na opção
pelo gênero e demais escolhas linguísticas.
Bakhtin considera a existência de duas forças histórico-ideológicas que agem
como criadoras da vida da linguagem (BAKHTIN, 2017, p. 39-41). Atuam sobre o
discurso e sobre a formação dos gêneros; a força centrípeta age para normatizar,
generalizar e unificar enquanto que a força centrífuga trabalha, contrariamente, para
descentralizar, estratificar, desestabilizar. A partir da ação dessas duas forças,
operando sobre a vida social e sobre o discurso, mantém-se a forma mais ou menos
estável do gênero discursivo, ao mesmo tempo em que se tornam possíveis as
mudanças.
Assim, para Bakhtin, o gênero discursivo é compreendido como construção
social e deve servir de direção para a análise do enunciado, neste caso, gênero edital
e gênero lei, considerando que são criações ideológicas. O gênero discursivo,
conceituado como tipos relativamente estáveis de enunciados, vai se modificando para
se adequar às necessidades da esfera em que se apresenta, o que se percebe
claramente em relação aos editais aqui abordados. Seguem uma forma composicional
muito semelhante, composta de um cabeçalho que traz informações sobre o seu
objeto, seu Sujeito e o seu destinatário, apresentam orientações organizadas em itens
e subitens, são aprovados por órgãos competentes, publicados e amplamente
divulgados para cumprirem seu objetivo comunicacional. No entanto, há
particularidades bastante relevantes quanto ao conteúdo que nos revelam aspectos
fundantes desse discurso. Isso justifica uma insistência em Bakhtin quanto aos tipos
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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relativamente estáveis de discurso, acentuando o termo relativamente, para mostrar
essa possibilidade de mudança e de não normatividade no conceito de gêneros.
Apesar de podermos considerar o gênero edital como menos favorável às
interferências individuais, exigindo uma forma mais padronizada, constatamos
diferenças dentre os aqui abordados que serão comentadas mais adiante, nos
subtítulos referentes aos editais. A seguir, faremos breves comentários sobre algumas
características de enunciados escritos no gênero edital e, posteriormente, nos
debruçaremos sobre a análise do corpus.
2.1. O gênero do discurso edital de Processo Seletivo
O edital é um gênero discursivo caracterizado pela predominância da
voz do seu autor. Independentemente do que pretende comunicar para
conhecimento geral, ele estabelece com o leitor um dado posicionamento seja
para proclamar, contratar, licitar, determinar normas, como no caso do edital de
Processo Seletivo de Vestibular de universidade pública federal. Seu autor,
aquele que estabelece as normas, é amparado em resoluções, decretos,
programas, assumindo, portanto, um posicionamento ideológico frente à
questão que rege. Devido a sua natureza, seu uso se dá essencialmente na
esfera administrativa governamental e em seus órgãos, autarquias e
secretarias.
Pela sua função comunicativa na esfera de circulação em que é usado, o
edital de Processo Seletivo caracteriza-se como sendo um enunciado
assertivo. Sua linguagem é formal e nele não há a presença de elementos
argumentativos nem apresenta justificativas. Para justificar-se, ele traz uma voz
de autoridade para amparar seu discurso, como em “A Universidade de Brasília
(UnB), tendo em vista o disposto no §1º do art. 3º do Decreto nº5.626 de
dezembro de 2005, torna pública a abertura de inscrições (...).”, por exemplo.
Nesse sentido, mesmo sendo um enunciado plurivocal, tecido com
vozes da esfera jurídica e administrativa do Governo Federal, a voz
predominante desse tipo de edital que ora apresentamos é a da própria
instituição universitária. Essa autoria se posiciona por meio de um discurso
direto com o interlocutor/leitor e futuro candidato e, pelo uso de diferentes
recursos linguísticos e pela sua própria constituição composicional, criando um
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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efeito de sentido que atribui ênfase ao seu conteúdo que deve ser seguido
como norma pelo candidato. A característica mais marcante, portanto, do seu
discurso é a de ser autoritário.
Dentre os recursos usados na construção desses sentidos no texto,
destacamos alguns exemplos de uso de elementos linguísticos:
1.O uso recorrente do verbo modal dever que indica obrigação, como
em: os candidatos deverão certificar, o candidato deverá conhecer o
edital, etc.
2. Uso de expressões fortes e especificadoras, tais como: o candidato
deverá seguir rigorosamente as instruções, o candidato somente
poderá concorrer, o envio de fotografia é de responsabilidade
exclusiva do candidato, etc.
3.O uso do verbo no presente do indicativo ou no futuro do presente
para ser assertivo: o vestibular será regido, a seleção compreenderá a
avaliação de conhecimentos, reserva de vaga, etc.
Esses exemplos foram retirados do edital da UnB, porém, são
construções comuns usadas em editais devido a sua função comunicativa que
é a de estabelecer normativas para o exame seletivo. Como dissemos
anteriormente, sua autoria é da própria universidade sob a responsabilidade do
órgão competente como, por exemplo, o Pró-Reitor de Ensino e Graduação
(UFMT), Decano de Ensino de Graduação (UnB), Reitor (UFG), Pró-Reitor de
Graduação e Educação Profissional e Reitor (UFPR), Presidente da Comissão
Permanente do Vestibular - COPERVE (UFSC).
Quanto a sua composição, eles apresentam o timbre da instituição,
possuem um número de identificação e um cabeçalho que identifica o edital,
seguido por breve introdução que os situam quanto ao seu propósito e a
referência dos textos legais que os amparam. As normativas são organizadas
em itens e subitens e, em geral, os editais de processos seletivos vestibulares
possuem as seguintes normas: 1. Das disposições preliminares; 2. Das vagas;
3. Das inscrições;
4. Dos candidatos que necessitam de atendimento
diferenciado; 5. Dos documentos para identificação; 6. Das provas; 7. Dos
recursos; 8. Da classificação final no processo seletivo; 9. Da divulgação do
resultado final do processo seletivo; 10. Dos documentos comprobatórios; 11.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
109
Dos procedimentos para avaliação sócio econômica; 12. Da lista de espera; 13.
Da matrícula; 14. Das disposições gerais, dentre outras.
3. EDITAIS DE UNIVERSIDADES FEDERAIS DA REGIÃO CENTRO-OESTE
Estado
Universidade
Fundação
1
MT
UFMT- Universidade Federal de Mato Grosso
1970
2
MT
UFR- Universidade de Rondonópolis
2018
3
MS
UFMS- Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
1979
4
MS
UFGD- Universidade Federal da Grande Dourados
2005
5
GO
UFG- Universidade Federal de Goiás
1960
6
GO
UFCat- Universidade Federal de Catalão
2018
7
GO
UFJ- Universidade Federal de Jataí
2018
8
DF
Universidade de Brasília
1962
Como citamos anteriormente, das 08 (oito) universidades dessa Região,
03 (três) delas possuem curso de licenciatura Letras Libras: UnB, UFMT e
UFG.1
A Universidade de Brasília (UnB), em atenção ao disposto no §1º do art. 3º do
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, lançou o Edital Nº1 - UnB Vestibular
Libras2, em 17 de agosto de 2018 para ingresso no primeiro semestre de 2019. O
edital visa selecionar candidatos para ingresso no curso de graduação Licenciatura em
Língua de Sinais Brasileira/Português como Segunda Língua, modalidade presencial.
Em suas disposições preliminares, consta que a seleção compreenderá a avaliação
por meio de provas objetivas de conhecimentos em Língua Portuguesa, Matemática,
Física, Química, Biologia, História e Geografia, de caráter eliminatório e classificatório.
Além disso, os candidatos serão avaliados por prova de Redação em Língua
Portuguesa eliminatória.
Quanto às vagas, o edital prevê que os candidatos serão selecionados
segundo o seu desempenho no vestibular, observado o número de vagas oferecidas e
os três sistemas de vagas previstos: o Sistema Universal, o Sistema de Cotas para
Negros e o Sistema de Cotas para Escolas Públicas. Os candidatos devem se
inscrever em um desses sistemas que possuem, por sua vez, reserva no percentual
de 50% das suas vagas para candidatos surdos ou com deficiência auditiva. No total
de 40 vagas, 18 são reservadas para eles.
1 Como os editais usam o termo surdo para referir-se ao sujeito visual, ao comentarmos seus
editais faremos o uso desse mesmo termo em respeito às suas perspectivas ideológicas.
2 Disponível em http://www.cespe.unb.br/Vestibular/VESTUNB_19_1_LIBRAS/ acesso em
07/09/2018
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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À página 1, em seu subitem 2.3.1.1.1 consta que:
Para os fins deste edital, considera-se pessoa surda aquela
que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o
mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua
cultura principalmente pelo uso da Libras, e considera-se
deficiência auditiva a perda bilateral, parcial ou total, de
quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma
nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz3.
Além disso, segundo o edital, todos os candidatos, surdos e ouvintes, poderão
escolher, conforme sua conveniência, fazer a prova tanto em Língua Portuguesa na
versão impressa, quanto na versão em Libras disponibilizada em mídia eletrônica a ser
executada em um computador.
Com relação à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o edital mais
recente que encontramos até a data de confecção deste estudo é o de Nº 030/2017 -
PROEG/UFMT4, que regeu o Processo Seletivo para o primeiro semestre acadêmico
de 2018. Esse processo compreendeu uma única fase constituída de Prova Objetiva
de Português e Matemática e Redação em Língua Portuguesa.
Segundo suas normas, para fins de preenchimento das vagas, o candidato
seria classificado quando não fosse eliminado no concurso e aprovado, quando fosse
classificado dentro do limite de vagas ofertadas, considerada a distribuição de vagas.
Essa distribuição foi feita conforme as seguintes categorias que somam 40 vagas: 1.
Ação Afirmativa para Surdo
(Decreto nº
5.626/2005) com
15 vagas;
2. Ampla
Concorrência, com
15 vagas;
3. Ação Afirmativa para Lei de Cotas
- Lei
nº12.711/2012 com 10 vagas. Para concorrer às vagas na primeira categoria, o
candidato deveria comprovar o laudo médico de surdez. Além disso, o edital informou
que a prova de redação em língua portuguesa das pessoas surdas, conforme subitem
2.4.1 do edital, seria corrigida em Conformidade ao Decreto n. 5.626, de
22 de
dezembro de 2005 em seu Art. 14, §1º VI - adotar mecanismos de avaliação
coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção das provas escritas,
valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística
manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa.
3 Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2005/decreto-5626-22-dezembro-
2005-539842-publicacaooriginal-39399-pe.htm. Acesso em 18 de set. 2018.
4 Disponível em
http://www.ufmt.br/ingresso/index.php?option=com_k2&view=item&layout=item&id=198&Itemid
=428 acesso em 07 de set. 2018.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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Quanto ao Processo Seletivo da Universidade Federal de Goiás (UFG), o edital
mais recente para o ingresso no Curso de Graduação em Letras: Libras (Licenciatura)
do Programa UFGInclui é o de Nº01/20185, para ingressar em 2019. Ele é destinado a
candidatos surdos que tenham concluído o Ensino Médio (ou curso equivalente) até a
data da matrícula, para o preenchimento de 15 (quinze) vagas. Como esse processo
seletivo destina-se apenas a pessoas surdas, o candidato deverá passar por perícia
médica para ter homologada sua inscrição e seu laudo médico. Este mesmo edital
está disponível para ser visualizado em Libras no sítio da Universidade.
Os candidatos que optarem por serem selecionados para o Curso Letras:
Libras pelo Programa UFGInclui farão provas objetivas de Língua Portuguesa e de
Literatura Brasileira e de Redação em Língua Portuguesa. É direito assegurado aos
candidatos a correção diferenciada da Prova de Redação, sendo adotados
mecanismos flexíveis que valorizem os conteúdos semânticos da prova, de acordo
com o Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, e com o Decreto n. 5.626, de 22
de dezembro de 2005, e suas alterações posteriores. Os critérios para a Prova de
Redação, que é de caráter eliminatório e classificatório, são:
1. Conteúdo
(profundidade e reflexão); 2. Progressão e clareza na apresentação das ideias; 3.
Informações pertinentes e suficientes para defesa das ideias; 4. Conclusão como
resultado das ideias apresentadas e defendidas.
4. EDITAIS DE UNIVERSIDADES FEDERAIS DA REGIÃO SUL
Estado
Universidade
Fundação
1
SC
UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina
1956
2
PR
UFGPR- Universidade Federal do Paraná
1912
3
SC/PR/
UFFS-Universidade Federal da Fronteira do Sul
2009
RS
4
PR
UNILA- Universidade Federal da Integração Latino-
2010
Americana
5
RS
UFSCPA- Universidade Federal de Ciências da
1953
Saúde de Porto Alegre
6
RS
UFPel - Universidade Federal de Pelotas
1969
7
RS
UFSM -Universidade Federal de Santa Maria
1960
8
RS
UNIPAMPA -Universidade Federal do Pampa
2008
9
RS
FURG - Universidade Federal do Rio Grande
1969
10
RS
UFRGS -Universidade Federal do Rio Grande do Sul
1934
11
PR
UTFPR -Universidade Tecnológica Federal do Paraná
2005
5 Disponível em https://centrodeselecao.ufg.br/2018/ps2018_1_libras/ acesso em 07/09/2018
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
112
Conforme o quadro acima6, dentre as onze universidades federais localizadas
na região Sul do país, apenas três oferecem cursos de graduação na área de Língua
Brasileira de Sinais, sendo que a UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do
Sul disponibiliza o curso de Bacharelado em Letras - Tradutor e Intérprete de Libras
(Libras-Português e Português-Libras) e duas têm o curso de Letras Libras enquanto
licenciatura: a UFPR - Universidade Federal do Paraná e a UFSC - Universidade
Federal de Santa Catarina. Portanto, analisaremos os editais das seleções para
ingresso no ano de 2019 da UFSC e da UFPR porque nos ateremos aos cursos de
licenciatura. Destacamos que a UFSC foi a Instituição pioneira no Brasil na
implantação de um curso de graduação em Libras, em 2005, motivo que nos levou a
considerar em nossa análise a inclusão das universidades da região Sul, devido ao
tempo de experiência e aos estudos e pesquisas já desenvolvidos na área de Libras.
Desenvolveremos este estudo sobre os editais atuais dessas duas instituições
para ingresso aos cursos de Letras Libras: o Edital n.º
29/2018-NC, da UFPR,
publicado em 13 de agosto de 2018 7, e o EDITAL Nº 15/COPERVE/2018, da UFSC8,
divulgado em 03 de setembro de 2018.
Pelo Edital N.º 29/2018 - NC, a UFPR torna públicas as normas do processo
seletivo específico para o ingresso, no ano de 2019, no curso de Licenciatura em
Letras
- Língua Brasileira de Sinais
(Libras), respeitando a legislação vigente:
Resolução nº
18/14-COUN e a Resolução nº
19/17-CEPE que instituem os
procedimentos para realização dos processos seletivos da UFPR e demais resoluções
vigentes, além de atender o que está previsto no Projeto Político Pedagógico do Curso
de Licenciatura em Letras Libras. Em seu item 1. Disposições Preliminares, o edital
informa que o curso tem duração de quatro anos e que as 30 vagas disponibilizadas
nessa seleção estão destinadas a duas categorias de candidatos: surdos, que deverão
atender à exigência de comprovação médica de surdez ou deficiência auditiva
conforme legislação, e ouvintes. Não há determinação prévia de número de vagas
para cada categoria. No item 5. Dos candidatos surdos ou com deficiência auditiva, o
edital esclarece o que se considera como pessoa surda e com deficiência auditiva,
6
Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_universidades_federais_do_Brasil
-
acesso em 12/09/2018
7 Disponível em http://portal.nc.ufpr.br/PortalNC/PublicacaoDocumento?pub=101 - acesso em
27/12/2018
8 Disponível em http://noticias.paginas.ufsc.br/files/2018/09/Edital15-VestibularUFSC2019.pdf
-
acesso em 27/12/2018
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
113
com base no que delibera o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 20059, da
mesma forma como é explicitado, também, no edital da UnB.
Ainda no item
5, subitens
5.7 e
5.8, consta a exigência de o candidato
apresentar atestado médico comprovando a surdez ou deficiência auditiva, sob pena
de ter o nome deslocado para a lista de candidatos ouvintes. E no subitem 5.10,
explicita-se que, devido às características específicas do curso de Letras Libras, a
prioridade das vagas é dada a candidatos surdos ou com deficiência auditiva; não há
vagas preferenciais para pessoas com outro tipo de deficiência.
Voltando-nos ao que nos interessa mais especificamente neste edital, que é
analisar o que ele nos informa sobre o ensino-aprendizagem do estudante visual/surdo
nos ensinos fundamental, médio e superior, encontramos, no item 8. Das provas,
subitem 8.2, a relação das disciplinas/áreas de conhecimento e os tipos de questões e
suas valorações que comporão as provas: Conhecimentos Gerais e Específicos de
Libras, Português e Língua Estrangeira Moderna e uma questão discursiva (redação).
Especifica-se, no subitem 8.2.1 que, para os candidatos surdos, a prova de Português
e Línguas Estrangeiras constará de questões objetivas de Português e da redação,
sendo avaliadas como segunda língua, obedecendo ao que dispõe o Decreto nº
5.626/2005. No subitem 8.2.2, determina-se que os candidatos ouvintes terão a prova
de Português com questões objetivas e a redação e, como Língua Estrangeira
Moderna (Inglês ou Espanhol), questões objetivas.
Portanto, nota-se que os conteúdos que serão avaliados para os candidatos
surdos e ouvintes serão os mesmos, à exceção da Língua Estrangeira Moderna que,
para os ouvintes, terá duas opções: Inglês ou Espanhol e, do fato de considerar como
segunda língua, para os surdos, a Língua Portuguesa.
O Edital Nº 15/COPERVE/2018, da UFSC, dispõe sobre as inscrições ao
Concurso Vestibular UFSC/2019, que selecionará estudantes para a ocupação de
70% das vagas de cada um dos Cursos de Graduação, para o ano letivo de 2019. O
restante das vagas, 30% (trinta por cento) são preenchidas por meio do Sistema de
Seleção Unificada (SISU), conforme Resolução Normativa Nº 29/2016/ CGRAD, de 15
de junho de 201610. É um concurso organizado pela Comissão Permanente do
Vestibular - COPERVE, daquela instituição. Não há um processo seletivo específico
para o ingresso no curso de Letras Libras.
9 Disponível em http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2005/decreto-5626-22-dezembro-
2005-539842-publicacaooriginal-39399-pe.htm. Acesso em 18 de set. 2018.
10 Disponível em
http://vestibular2017.ufsc.br/files/2012/07/RN_29CGRAD2016_Vestibular2017.pdf. Acesso em
24 de set. 2018.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
114
No item 2. Do processo de inscrição, o edital orienta a respeito da seleção do
idioma em que será apresentada a prova. Nos subitens 2.10, 2.10.1 e 2.10.2, que nos
interessam mais particularmente, delibera-se a respeito da opção do candidato pela
primeira língua, podendo ser Língua Portuguesa ou Libras. Se o candidato escolher a
Língua Portuguesa como primeira língua, deverá optar por Alemão, Espanhol,
Francês, Inglês, Italiano ou Libras, como segunda língua, conforme o edital. Porém,
se a opção for por Libras como primeira língua, as provas de conhecimento em
Matemática, Biologia, Ciências Humanas e Sociais, Física e Química serão
apresentadas em Libras (disponibilizada em mídia eletrônica a ser executada em um
computador), à exceção da prova de segunda língua, a Língua Portuguesa
acompanhada da Literatura Brasileira, que será disponibilizada apenas na forma
impressa.
5. EM TORNO DA AVALIAÇÃO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: O QUE SEU
DISCURSO NOS INFORMA
Ao iniciarmos nossa discussão a respeito dos enunciados que
constituem nosso corpus discursivo, consideramos relevante distinguir alguns
conceitos do âmbito dos estudos linguísticos para podermos tecer comentários
a respeito dos editais acima citados. Nos anos 1990, em que os estudos a
respeito de aquisição e aprendizagem de línguas a partir de diferentes
perspectivas teóricas como o behaviorismo, inatismo, cognitivismo e o
interacionismo impactaram fortemente o ensino de línguas em todo o mundo -
vide trabalhos de Skinner (1957), Krashen (1982), White (1987), Tarone (1995),
Swain (1985) dentre outros -, pesquisas que discutiam aquisição de línguas
observaram que o contexto de aprendizagem de uma língua influencia
diretamente nesse processo. Como resultado, passou-se a distinguir a língua
aprendida em contexto institucional daquela aprendida em contextos naturais
tornando-se essa uma questão conceitual no âmbito dos estudos de
linguagem. São eles os conceitos de língua estrangeira (LE), língua materna
(LM), primeira língua (L1), segunda língua (L2).
A distinção desses conceitos é feita levando-se em consideração o
contexto situacional de aprendizagem de um dado idioma. Entende-se a
primeira língua ou L1 como a língua que adquirimos primeiro, a língua da
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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comunidade, com a qual se estabelece uma relação afetiva, a que dá maior
conforto ao falante para se comunicar. Ela diferencia-se da língua materna que
é falada e aprendida no ambiente doméstico, não necessariamente na
comunidade onde se vive. A Língua estrangeira, ou LE, é uma língua não
oficial de um país aprendida como disciplina escolar para a comunicação com
estrangeiros que falam essa língua ou para outras finalidades. Segunda língua,
ou L2, é uma língua aprendida ao lado de outra língua, na comunicação diária,
desempenhando um papel de integração na sociedade e, em geral, é usada
quando a L1 já está em um estágio avançado de aprendizagem. Quando se
trata de pessoas ouvintes, é importante ressaltar que a aprendizagem de uma
LE é sempre formal, institucionalizada, ao passo que a da L2 se constrói pela
convivência na família e na comunidade em geral, como ocorre nas situações
de bilinguismo, por exemplo. Portanto, há uma grande diferença entre língua
estrangeira e L2, já que esta exige maior competência do falante. No caso dos
sujeitos visuais brasileiros, a Libras, por ser sinalizada e visual, é considerada
sua L1 e o português, língua oficial brasileira, é considerado sua L2 11 por
promover a sua interação social pela linguagem, na modalidade escrita do
português, com o grupo majoritário ouvinte brasileiro. Nesse caso, o português
como L2 é aprendido na escola, institucionalmente. Como ocorre com o
ouvinte, o sujeito visual também pode aprender língua estrangeira, seja ela
uma língua de sinais (LS), tais como a língua americana de sinais ou a língua
francesa de sinais, seja uma língua oral, tais como o inglês e o espanhol. Esse
direito lhe é garantido pela Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência.
A partir dessas considerações conceituais, compreende-se o uso, nos
editais, do conceito de segunda língua, ou L2, para a Língua Portuguesa, que é
usada pelos visuais no dia a dia para integrarem-se à vida em sociedade,
conforme legislação brasileira. Porém, para os candidatos ouvintes, não se
11 Esse é o caso previsto na Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Libras.
Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm.
Acesso em
26/12/2018. Naturalmente, existem casos em que uma língua é aprendida no Brasil como L2 e
não como LE, como no caso em que o espanhol pode ser L2, e não apenas LE haja vista as
regiões de fronteira, porém são casos específicos e sua discussão foge ao escopo deste
trabalho. Reafirmamos que nossa discussão neste estudo é conceitual visando, tão somente, a
distinção entre eles para melhor entendimento da análise.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
116
justifica este conceito, já que no Brasil, a língua oficial oral brasileira é a língua
portuguesa
(L1) e nos casos de bilinguismo ambas as línguas são
consideradas L1, todas as outras línguas ensinadas para o ouvinte em contexto
escolar são consideradas, portanto, línguas estrangeiras.
A respeito da Língua Portuguesa como L2 para as pessoas visuais,
acreditamos como Souza e Padilha (2013) que seu ensino, para ser efetivo,
deve considerar o estudante visual como sujeito ativo e interativo, em processo
de compreensão bilíngue (Libras e Língua Portuguesa), capaz de expressar
seus conhecimentos e sentimentos, o que promoverá sua verdadeira inclusão
como cidadão na sociedade, em todas as esferas em que se situe.
No edital da UFSC, numa primeira leitura, Item 2 - Do Processo de
Inscrição, subitem 2.10, parece óbvio que um candidato ouvinte poderá optar
pela Libras como primeira língua e terá obrigatoriamente a Língua Portuguesa
como L2 e Literatura Brasileira nessa L2; esta compreensão apenas se
esclarece no Item 7 - Da Classificação, subitem 7.3.2, em que se informa sobre
a necessidade de apresentar comprovação médica da surdez ou deficiência
auditiva para a efetivação da matrícula. A forma como se apresenta
discursivamente essa informação pode induzir a uma interpretação equivocada
dos candidatos ouvintes que se julgarão na possibilidade de optarem também
pela Libras como primeira língua.
Diferentemente dos editais da UFSC e da UFPR, que avaliam o
conhecimento de LE para os ouvintes, os das universidades da Região Centro
Oeste não consideraram a avaliação de línguas estrangeiras nem para os
candidatos visuais nem para os ouvintes. Retomando a nossa primeira
pergunta de pesquisa “o que os discursos desses editais nos informam sobre o
ensino-aprendizado de língua estrangeira (LE) do estudante visual nos ensinos
fundamental e médio?”, observamos que, se as universidades não consideram
avaliar o visual quanto a esse conteúdo ofertado no ensino básico, é porque
eles não acreditam que esse candidato tenha conhecimentos mínimos em um
idioma estrangeiro para ser avaliado.
No Brasil, atualmente, as línguas estrangeiras ensinadas na escola são
em sua maioria o inglês e o espanhol. A Língua de Sinais Brasileira pode vir
um dia a ser L2 no Brasil para as pessoas ouvintes no caso de elas serem
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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aprendidas e passarem a ser usadas por todos os cidadãos em situações de
comunicação com os visuais face a face e, também, quando forem amplamente
usadas nas diversas mídias que envolvem imagem. O fato é que, para o sujeito
visual, já que a sua L1 é uma língua sinalizada ou espaço-visual, a LE
equivalente para ele, é uma língua sinalizada usada em outro país, como por
exemplo, a Língua de Sinais Britânica e a Língua de Sinais Francesa.
Entretanto, esse ensino não é previsto nas propostas curriculares nem nos
documentos oficiais. Dessa forma, o ensino de uma língua estrangeira oral
(Inglês, Francês, Espanhol entre outras) deve ser feito, tão somente, na sua
modalidade escrita, ou seja, o foco é que o aprendizado de uma LE oral pelo
sujeito visual deve ser ler e escrever no idioma, atendendo, assim, as suas
capacidades de linguagem.
Na perspectiva dialógica da linguagem, o silêncio também é enunciado,
é um posicionamento do sujeito discursivo. Já que o estudante visual vem do
ensino regular como os estudantes ouvintes, por que ele não é avaliado nesse
conhecimento tal como ocorre com o ouvinte, ou como deveria ocorrer já que
esse faz parte dos conteúdos de linguagens oferecidos nas escolas brasileiras?
Esse silenciamento da academia, autora dos editais, aponta para uma lacuna
existente nos estudos em linguística aplicada ao ensino aprendizado de línguas
estrangeiras envolvendo sujeitos visuais.
Como os editais não preveem a avaliação de conhecimento de LE dos
candidatos visuais, acreditamos que as causas estão assentadas na formação
dos professores que não foram preparados para ensinar LE para o visual na
escola. A sua formação foi calcada no aprendizado de propostas teórico-
metodológicas que visam à educação de ouvintes. A questão é: os professores
dos cursos de línguas nas universidades, os mesmos que formam professores
de LE nos cursos de licenciatura, estão preparados para ensinar, eles mesmos,
uma LE para o acadêmico visual? E, consequentemente, estão preparados
para formar professores com esse conhecimento? A resposta é que não. A Lei
Brasileira da Inclusão12, de 06 de julho de 2015, que garante ao sujeito visual
no Cap. IV, artigos 27 e 28, direitos à educação inclusiva por meio de um
12 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm.
Acesso em 10 de out. 2018.
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
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atendimento profissional especializado é recente e demanda dos
pesquisadores e professores de outras áreas que não a da Educação de
Surdos produzir novos conhecimentos.
Essa questão aponta para nossa segunda pergunta de pesquisa: Como
garantir ao acadêmico visual um ensino inclusivo de LE que o promova em sua
vida acadêmica tal qual ocorre com o estudante ouvinte? Garantindo a eles no
ensino superior as oportunidades de aprendizagem de LE que lhes faltaram no
ensino fundamental e médio. Oportunidade de acesso em curso cuja proposta
teórico-metodológica seja respeitosa quanto as suas capacidades de
linguagem. Oportunidade de que essa sala de aula também seja espaço para
pesquisa, para participação de acadêmicos graduandos em licenciatura de
línguas. À universidade cabe essa responsabilidade em seus aspectos de
ensino, pesquisa e extensão.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como objetivo principal investigar o posicionamento de
universidades públicas federais, por meio de sua autoria em editais de seleção
de acadêmicos visuais para os cursos de licenciatura Letras Libras, sobre a
avaliação do conhecimento de uma língua estrangeira desses candidatos. A
análise discursiva indicou que não há expectativas, por parte das
universidades, de que o sujeito visual tenha aprendido uma LE ao final do
ensino médio ou curso equivalente, sendo esta, provavelmente, a razão de
esse conhecimento não ser avaliado no processo seletivo. Concordamos com o
fato de as universidades não fazerem essa cobrança porque submeteriam os
candidatos visuais a uma concorrência injusta com os candidatos ouvintes.
Como professoras de línguas estrangeiras no ensino superior e
formadoras de professores em cursos de licenciatura, acreditamos que muito
há a ser feito nas universidades a título de inclusão e que as indagações que
fizemos a título de perguntas de pesquisa apontam para a necessidade de
investimento em pesquisa e oportunidades de atendimento a esse acadêmico.
Consideramos também que a luta pelas melhorias na formação do sujeito
visual deva incluir a implementação de políticas públicas que garantam que o
“Surdez e aquisição de línguas” v. 7, n. 2, maio-ago., 2019.
119
ensino da LE lhes seja disponibilizado de forma adequada, acessível e com
qualidade para resultar em um aprendizado eficiente, desde a educação
básica.
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