de lenda: “O mundo da epopeia é o passado heroico nacional, é o mundo das
‘origens’ e dos ‘fastígios’ da história nacional, o mundo dos pais e ancestrais, o
mundo dos ‘primeiros’ e dos ‘melhores’” (BAKHTIN, 2014, p. 405).
De acordo com Bakhtin (2014), quando essa fronteira da distância épica
não é respeitada, a epopeia enquanto gênero perde sua significação. O
apagamento da distância fundamental do épico, para o autor, culmina no
romance: “O material épico transpõe-se para o romanesco, para uma área de
contato, passando pelo estágio da familiarização e do riso” (BAKHTIN, 2014, p.
407). Em relação ao elemento cômico, por sinal, Bakhtin (2014) considera que ele
apenas pode manifestar-se quando a narrativa permite uma inferiorização do
objeto representado, não sendo próprio dos gêneros elevados como o da
epopeia.
Lembramos que, no que tange ao riso proveniente da cultura cômica
popular e, portanto, associado à familiarização cômica da figura humana, o teórico
russo ressalta o elemento da carnavalização. Em A cultura popular na Idade
Média e no Renascimento, Bakhtin (1996, p. 10) descreve o riso carnavalesco: “É,
antes de mais nada, um riso festivo. Não é, portanto, uma reação individual diante
de um ou outro fato ‘cômico’ isolado. O riso carnavalesco é em primeiro lugar
patrimônio do povo.” Nesse sentido, o riso é geral e compartilhado entre todos.
Além do mais, é universal e atinge a todos e a todas as coisas, de modo que “[...]
o mundo inteiro parece cômico e é percebido e considerado no seu aspecto
jocoso, no seu alegre relativismo” (BAKHTIN, 1996, p. 10). Assim, o riso
carnavalesco não possui uma única face, mas se manifesta de forma
ambivalente: “[...] alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e
sarcástico, nega e afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente” (BAKHTIN,
1996, p. 10).
De volta a Questões de literatura e estética, percebemos que Bakhtin
(2014) reafirma o caráter popular festivo, portanto carnavalesco, do riso em
Gógol. Por conseguinte, nessa perspectiva, o riso associa-se ao tempo presente,
ou seja, à época contemporânea que conserva o seu potencial de atualização: “A
atualidade da época é uma atualidade de nível ‘inferior’ em comparação com o
passado épico” (BAKHTIN, 2014, p. 411). Em consequência, no momento em que