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Como citar este artigo:
GHESSI, R. R; PELUCO, L. C. A avaliação de professores da rede pública de Uberaba-
MG e o fenômeno variável da concordância verbal: uma reflexão sociolinguística. Revista
Diálogos, v. 7, n. 1, 2019.
As autoras:
¹ Mestranda em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho. É membro do Núcleo de Pesquisas em Sociolinguística de Araraquara
(SoLAr) e bolsista CNPq.
² Doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho. Membro do Núcleo de Pesquisas em Sociolinguística de
Araraquara (SoLAr)
A AVALIAÇÃO DE PROFESSORES DA REDE
PÚBLICA DE UBERABA-MG E O FENÔMENO
VARIÁVEL DA CONCORDÂNCIA VERBAL:
UMA REFLEXÃO SOCIOLINGUÍSTICA
Rafaela Regina Ghessi¹ Larissa Campoi Peluco²
(UNESP/SoLAr/CNPQ) (UNESP/SoLAr)
rafaela.rghessi@gmail.com larissapeluco@hotmail.com
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Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a maneira como os professores avaliam
os textos dos alunos, observando se a concordância verbal influência na nota e se faz parte
dos requisitos básicos de uma produção textual satisfatória, correspondente ao nível esperado
pela escola. Além disso, buscamos estimular uma nova atitude do professor de português,
promovendo o desapego de uma pedagogia estigmatizada e pautada na norma-padrão. Para
isso, elaboramos e aplicamos um questionário composto por seis questões dissertativas aos
professores de Língua Portuguesa do ano do Ensino Médio de duas escolas públicas de
Uberaba-MG.
Palavras-chave: Avaliação. Concordância Verbal. Pedagogia inovadora.
x
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1 Introdução
A partir de testes e questionários, amparados por estudos como de Lambert (1972), Labov (2008),
Cyranka (2007), Vieira e Pires (2012), etc, é possível perceber atitudes linguísticas diante de fenômenos variáveis
e, com isso, observar a hierarquia de “poderpresente em qualquer sociedade, uma vez que a linguagem da
classe de prestígio é o modelo a ser seguido e necessário para a ascensão social, o da classe mais baixa (que inclui
o dialeto, o sotaque, as rias) é estigmatizado levando ao preconceito, não apenas em relação à língua, mas
também, à comunidade linguística desses falantes. Essas atitudes são vistas pelos professores, os quais parecem
confundir o ensino da língua portuguesa com o ensino de uma norma padrão homogeneizada.
Sob essa perspectiva, partindo dos pressupostos teóricos da Sociolinguística Variacionista, o presente
trabalho tem como objetivo analisar a maneira como os professores avaliam os textos dos alunos, observando
se a concordância verbal influencia na nota e se faz parte dos requisitos básicos de uma boa produção textual.
Além disso, buscamos estimular uma nova atitude do professor de português, desfazendo as raízes de uma
pedagogia estigmatizada e pautada na norma-padrão. Dessa forma, elaboramos e aplicamos um questionário aos
professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio de duas escolas públicas da cidade de Uberaba-MG.
Solicitamos que os professores respondessem por escrito quatro questões abertas, em que buscamos
compreender o que entendem como um “bom texto”, sobre a relação “gramática” (fenômenos gramaticais) e
produção textual e sobre a correção do texto. Direcionamos as perguntas ao fenômeno variável de concordância
verbal de terceira pessoa do plural.
2 Fundamentação teórica
A linguista diferencia três ondas nos estudos sociolinguísticos. Os estudos pioneiros, focados na
mudança linguística, como a primeira onda da Sociolinguística. Na segunda onda, o foco permanece na mudança,
mas um interesse em buscar explicar os fatos da mudança, levando em conta, entre outros aspectos as práticas
estilísticas. Na terceira onda, as práticas estilísticas são levadas às últimas consequências e se chega ao
entendimento de que os significados sociais das variantes linguísticas são, também, variáveis (OUSHIRO, 2014).
Este artigo seguirá a terceira onda no que concerne à questão das atitudes linguísticas. É comum que as
pessoas expressem seus pensamentos sobre os usos linguísticos de outros. É a atitude diante desse uso de alguém
ou de uma comunidade que entra em jogo quando fazemos um julgamento de valor do tipo: “que jeito de falar
feio”, “que sotaque esquisito”. De acordo com Bisinoto (2007):
As avaliações manifestas e encobertas, subjetivas e objetivas, mais ou menos conscientes,
relativas à linguagem dos homens numa sociedade plural, têm a propriedade de fundar e
governar tanto as relações de poder quanto o prestígio ou o desprestígio das formas lingüísticas,
estabelecendo seletividades, evidenciando preconceitos. (BISINOTO, 2007, p.24)
As atitudes linguísticas nascem das diferenças socialmente marcadas. Beline (2015) afirma que temos atitudes
diante da língua conforme lugares, escolaridade e nível econômico que ocupamos. A exemplo, podemos citar o uso da
concordância verbal no PB. Caso alguém deixe de fazer a concordância (sujeito e verbo), será julgado como pessoa de
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nível econômico e escolaridade inferiores. Devemos deixar claro, porém, que o membro de uma comunidade de alta
escolaridade e nível econômico também pode deixar de fazer a concordância verbal. Beline (2015, p.130) afirma que isso
acontece pois “o indivíduo pode fazer uso de variantes dentro de sua comunidade”. As pesquisas até o momento
demonstraram que a variação de concordância de mero no português brasileiro se de maneira uniforme de norte a
sul e de leste a oeste (SCHERRE, 2005, p.129), presente na fala da maioria dos brasileiros, sendo parte inerente do sistema
da língua. Sobre isso, Scherre (2005) disserta:
[...] a quantidade de variação, no Brasil, é marca de classe social. Inquestionavelmente, as
pessoas mais escolarizadas, mais sensíveis às marcas de prestígio e que exercem profissões de
trato público tendem a fazer mais concordâncias e, se não as fazem, são críticas por nós, que
também deixamos de fazer concordâncias verbais e nominais, de forma regular, quer queiramos
quer não queiramos, quer reconheçamos, quer não reconheçamos. (SCHERRE, 2005, p.133).
A partir dessa perspectiva, este trabalho procura mostrar as atitudes linguísticas diante do fenômeno
variável da concordância verbal (CV). Por ser variável, a CV traduz-se como duas ou mais formas de se expressar
a mesma ideia:
(1) Ele vai fazer comida.
(2) Eles vai fazer comida.
(3) Eles vão fazer comida.
Nos exemplos acima, tanto em (1) como em (3), temos o sujeito concordando com o verbo, sujeito no singular,
verbo no singular e sujeito no plural, o verbo está no plural. Já em (2), sujeito e verbo não concordam. O sujeito
está no plural, o verbo permanece no singular. Sabe-se que, quando se concorda sujeito com verbo, seja no
plural ou no singular, tal atitude coloca o indivíduo em posição prestigiada na sociedade. Quando o indivíduo
não concorda sujeito e verbo acaba sendo estigmatizado. Como aponta Scherre (2005):
Quem deixa de fazer concordância de número é normalmente chamado de burro, ignorante,
porque, afirma-se, “não saber falar”. Somos então às vezes inteligentes e às vezes burros?
Somos “variavelmente” inteligentes? Repito: a variação da concordância de número no
português brasileiro está seguramente instalada na língua falada [...]. (SCHERRE, 2005, p.20)
Apesar de encontrarmos ausências de concordância tanto na fala, quanto na escrita
*
e não apenas por
falantes não escolarizados, a escola, assim como todas as instâncias de poder, buscam eliminar definitivamente
todas as estruturas sem concordância. A partir dessas reflexões, o presente trabalho pretende mostrar a maneira
como os professores avaliam os textos dos alunos, se a concordância verbal é um fator de êxito para uma
avaliação positiva que os professores fazem.
*
Embora com baixa frequência, observa-se também ausência de concordância verbal na escrita monitorada. Ver mais em Scherre
(2005), onde a autora verifica essa afirmação observando escritas de pessoas escolarizadas submetidas a revisão em jornais brasileiros
de grande circulação.
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2.1 Variação e ensino: contribuições
O ensino de Língua Portuguesa no Brasil adquiriu uma postura coerciva, que advém de um modelo
medieval do século XVI, onde o normativismo e as regras gramaticais são parte de uma mescla de conceitos,
atitudes e valores, marcados por uma sociedade conservadora e excludente, que busca uma idealizada
uniformidade linguística (FARACO, 2008, p.148).
[...] o normativismo e a gramatiquice se entranharam em nossos modos de conceber a língua.
É comum, por exemplo, as pessoas que tiveram experiência de escolarização, dizerem que
ninguém fala bem o português no Brasil; que os brasileiros falam errado. (FARACO, 2008,
p.148).
Dessa forma, uma visão, ainda muito obstruída, de uma língua homogênea, no qual muitos
professores consideram algumas estruturas ou expressões, nos textos dos alunos, como erradas, surgindo
justificativas poucos consistentes: “não é pertencente à norma padrão/culta, “está inadequado”, “são marcas da
língua falada”, “é informal”. A língua o é a gramática tradicional e a variação linguística não é apenas mais um
conteúdo do livro didático (CARDOSO e COBUCCI, 2014, p. 99).
De acordo com Faraco (2008), os linguistas não são contrários ao ensino das variedades cultas e situam
essas variedades no contexto das práticas socioculturais da escrita, defendendo, em consequência, uma prática
pedagógica centrada no letramento no sentido amplo e não apenas em formas linguísticas. O equívoco aparece
quando se distinguem entre: as variedades cultas (designadas pela expressão genérica norma culta), norma-
padrão e norma gramatical.
Norma culta/comum/standard (plano da realização) é o “conjunto de fenômenos linguísticos que
ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais monitoradas de fala e escrita” (FARACO,
2008, p. 73). A norma-padrão (plano da idealização) o é uma variedade da língua, mas “uma codificação
relativamente abstrata, uma baliza extraída do uso real para servir de referência, em sociedades marcadas por
acentuada dialetação, a projetos políticos de uniformização linguística” (FARACO, 2008, p.75). Por fim, a norma
gramatical é a idealização por filólogos renomados e é codificada em manuais tradicionais, como gramáticas e
dicionários, contemplando o que seria “o conjunto de fenômenos apresentados como cultos/comuns/standard
por esses gramáticos” (FARACO, 2008, p. 81).
A avaliação negativa de uma forma variável, relacionado a um desconhecimento de uma língua plural,
cria estereótipos linguísticos, estigmatizando a variedade do aluno. Os professores devem estar preparados para
reconhecerem que não existem erros nos usos que os falantes fazem da sua língua e assim propor, um ensino
voltado à reflexão dos fenômenos linguísticos amparado por uma pedagogia da variação linguística
, termo
cunhado por Faraco, no qual defende que é necessário e possível desenvolver um ensino de língua portuguesa
O termo “pedagogia da variação linguística”, cunhado por Faraco (2007), vai ao encontro do que Bortoni-Ricardo (2004) denomina
de “Sociolinguística Educacional”, conceito que também propõe reflexões sociolinguísticas que contribuam para o
ensino/aprendizagem de língua portuguesa no Brasil e que, por sua vez, dialoga com o que Erickson (1987) apontava como “pedagogia
culturalmente sensível”.
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no Brasil que não considere “erradas” as variedades que os alunos trazem de seu contexto social ao ambiente
escolar. Além de propor o ensino da norma culta, com o objetivo de ampliar as competências linguísticas dos
alunos. Sobre isso, o autor propõe que:
[...] nosso grande desafio, neste início de século e milênio, é reunir esforços para construir uma
pedagogia da variação linguística que não escamoteie a realidade linguística do país (reconheça-
o como multilíngue e destaque crítica à variação social do português); não tratamento
anedótico ou estereotipado aos fenômenos da variação; localize adequadamente os fatos da
norma culta/comum/standard no quadro amplo da variação e no contexto das práticas sociais
que a pressupõem; abandone criticamente o cultivo da norma padrão; estimule a percepção do
potencial estilístico e retórico dos fenômenos da variação. (FARACO, 2007, p.46-47).
A prática pedagógica da maioria das escolas desconsidera a necessidade de se trabalhar as variedades
linguísticas dos alunos, a fim de que dominem a língua padrão idealizada. Quando a variação linguística aparece,
predomina uma visão tradicionalista, em que seu tratamento é ainda muito superficial, não deixando de lado o
“certo” e “errado” como valores absolutos e ainda trazendo um tratamento estereotipado de algumas variedades,
principalmente da variedade o prestigiada. A escola, em vez de despertar a consciência dos alunos ao uso
possível de diversas formas linguísticas em diferentes contextos de comunicação, ampliando sua competência
linguística, convence-os de que falam errado e que não conseguem dominar a língua que usam. De acordo com
Bortoni- Ricardo (2005):
A escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas. Os professores e, por meio deles, os
alunos têm que estar bem conscientes de que existem duas ou mais maneiras de dizer a mesma
coisa. E mais, que essas formas alternativas servem a propósitos comunicativos distintos e são
recebidas de maneira diferente pela sociedade. Algumas conferem prestígio ao falante,
aumentando-lhe a credibilidade e o poder da persuasão; outras contribuem para formar-lhe uma
imagem negativa, diminuindo-lhe as oportunidades. [...] Os alunos que chegam à escola falando
“nós cheguemu”, “abrido” e “ele drome”, por exemplo, têm que ser respeitados e ver
valorizadas as suas peculiaridades linguístico-culturais, mas têm o direito inalienável de aprender
as variantes de prestígio dessas expressões. [...] O caminho para uma democracia é a distribuição
justa de bens culturais, entre os quais a língua é o mais importante. (BORTONI- RICARDO,
2005, p.15)
Nossa língua varia de acordo com as situações de comunicação, de forma que não existe variedade certa,
mas variedades adequadas para cada situação, de modo que este é um ponto do qual o professor deveria partir
para o ensino/aprendizagem de língua portuguesa, fazendo que os alunos reflitam sobre o distanciamento entre
a variedade que aprenderam em casa e as variedades cultas. Os professores, portanto, devem parar de julgar que
seus alunos nada sabem sobre a própria língua, pois todos possuem o conhecimento primordial da língua
materna, isto é, têm a competência de se comunicar e de ser compreendidos. A perspectiva de língua adotada
pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que expõem uma orientação ao ensino de língua portuguesa
voltada para o uso, para interação e para diversidade linguística, também faz referência à adequação ao contexto
de comunicação e prevê uma mudança na atitude dos professores, como vemos a seguir:
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[...] a questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as
características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes
situações de comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo,
considerando a quem e por que se diz determinada coisa. (BRASIL, 1998, p.26)
Uma prática pedagógica amparada pela variação linguística não impõe um padrão para o aluno, mas faz
que o aluno reflita sobre sua língua e construa meio de dominar a norma culta. Deve-se incentivar, com esses
estudos sociolinguísticos, uma nova atitude do professor de português, desfazendo as raízes de uma pedagogia
estigmatizada e pautada na norma-padrão. De acordo com Luft (2002, p.69), “todas as variedades da língua são
valores positivos. Não será negando-as, perseguindo-as, humilhando quem as usa, que se fará um trabalho
produtivo no ensino”.
Cyranka (2015) trabalha essa proposta da pedagogia da variação linguística com alunos falantes
“rurbanos”
, em uma escola pública municipal, em que chega às diferenças dialetais do português, abrindo
caminho para a reflexão delas. A reflexão dessas diferenças dialetais é trabalhada, pela autora, com o viés de
“adequação”, de valores relativos, e não atribuindo valores absolutos de “certo” ou “errado”. Como pode ser
visto no exemplo a seguir:
Aluna: Fala com um jeito de funkeiro.
Professora: O que é igual a funkeiro?
Giovanne: Palavras de funk, gírias como “tá ligado”, “tipo assim.”
Gustavo: O Mc Guimê gosta de falar “tá ligado”.
Professora: Esse jeito de falar é mais formal ou menos formal?
David: Menos formal.
David: Tipo assim, se você for em um tribunal de justiça e falar com o juiz “tá ligado”, não
pode né!? (CYRANKA, 2015, p. 40).
Cyranka (2015) apresentou resultados animadores, nos quais os alunos passaram a compreender o
significado do ensino de língua portuguesa, “não mais para negar o que já sabe, mas para ampliar sua
competência comunicativa, abrindo-lhes caminhos para sua inserção social, construindo a própria autonomia”.
De acordo com Faraco (2015), uma das práticas pedagógicas indispensáveis para o ensino/aprendizagem da
expressão culta é precisamente despertar a consciência dos alunos para a variação linguística.
No que diz respeito ao fenômeno variável da concordância verbal (CV) em pessoa do plural, seus
métodos de ensino se encontram insuficientes (FARACO, 2015), portanto a dificuldade dos alunos em relação
a esse sistema flexional é vista nas redações. Vieira e Pires (2012) realizaram uma análise com 400 redações de
vestibulares a fim de investigar o fenômeno variável de concordância verbal de 3° pessoa do plural e sua relação
com a avaliação da banca corretora. O ensino, para as autoras, é ineficaz no que diz respeito às estruturas
gramaticais da norma culta (de prestígio), de modo que os professores se amparam somente no método
tradicionalista, sem uma sistematização reflexiva dos fenômenos da língua. As redações que apresentam maior
índice de concordância verbal segundo a gramática normativa possuíram a maior nota. Essa análise da banca
Termo utilizado por Bortoni-Ricardo (2004), que propõe um contínuo para evitar o risco de delimitar fronteiras rígidas entre as
variedades linguísticas. A variedade rurbana estaria em um contínuo intermediário entre as variedades rurais e as variedades urbanas.
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possibilitou a reflexão de que a concordância verbal faz parte dos requisitos para um texto “bem escrito” e que
os valores atribuídos às variantes podem configurar um caso de estereótipos, trazendo a apreciação negativa e
desqualificação do falante/escritor.
Agostinho e Coelho (2015), assim como Vieira e Pires (2012) e este trabalho, preocupam-se com a
avaliação do professor perante um fenômeno variável e, por meio de questionários aos professores, fazem
algumas reflexões sobre o ensino de língua materna nos anos finais do ensino fundamental. Referente à análise
dos questionários realizados com os professores de duas escolas, Agostinho e Coelho (2015) mostram que ainda
uma forte influência da pedagogia do “erro” e certa insegurança dos professores em lidar com fenômenos
em variação. Agostinho e Coelho (2015), depois da análise de todos os questionários, concluem:
Acreditamos, por fim, que necessidade de constante debate sobre a prática pedagógica e a
variação linguística no âmbito escolar [....] o tema da variação linguística não está
completamente (nem mesmo minimamente) incorporado às discussões das escolas.
(AGOSTINHO; COELHO 2015, p. 111).
Vemos nessas reflexões, a importância de se criar uma pedagogia inovadora de ensino, pautada na
variação linguística. Não podemos ignorar suas contribuições no ensino, fazendo do aluno um indivíduo ativo
e pensante sobre sua língua e o mais aquele que “não sabe português”, como é considerado muitas vezes pelos
professores.
3 Metodologia
Primeiramente, realizamos uma revisão bibliográfica sobre a Teoria da Variação Linguística (LABOV,
2008) e suas contribuições no ensino de Língua Portuguesa. Em seguida, elaboramos e aplicamos um
questionário composto por duas partes aos professores
§
de Língua Portuguesa do 3° ano do Ensino Médio de
duas escolas públicas de Uberaba-MG
**
. A primeira parte do questionário compreende informações para
compor um quadro social dos docentes.
Na segunda parte, solicitamos que os professores respondessem por escrito seis questões abertas, em
que buscamos compreender o que entendem por um texto bem escrito e a relação deste com a gramática (no
caso desta pesquisa, a CV).
Será apresentado, brevemente, o perfil dos cinco professores que lecionam no 3° ano do Ensino Médio
participantes da pesquisa, sendo estes nomeados, por questão ética, por PA, PB, PC, PD e PE, como mostra a
tabela a seguir. Retiramos os dados dos questionários respondidos pelos docentes.
§
O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) (da UFTM. Foram coletadas autorizações dos participantes da
pesquisa. Protocolo 2767 (em processo de inclusão na Plataforma Brasil). Este estudo es ligado ao projeto maior “O uso da
concordância em redações escolares”.
**
Por questões éticas, chamaremos de escolas A e B.
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Tabela 1 Perfil dos professores.
Professores/
Perfil
PA
PB
PC
PD
PE
Sexo
Masculino
Feminino
Feminino
Feminino
Feminino
Idade
39
29
36
50
60
Naturalidade
Uberaba/MG
Uberaba/MG
Uberaba/MG
Uberaba/MG
Uberaba/MG
Formação
Graduação/
Licenciatura em
Letras
Graduação/
Licenciatura em
Letras
Graduação/
Licenciatura em
Letras
Especialização
Especialização
Anos após
conclusão da
graduação
10
7
14
32
38
Anos de
experiência na
escola básica
10
7
16
27
40
Fonte: Própria
Os professores responderam as seis questões dissertativas:
1. O que você considera ser um texto bem escrito? Por quê?
2. Qual/quais seu(s) critério(s) de correção dos textos dos alunos? Como funciona essa correção?
alguma reescrita?
3. A concordância verbal faz parte, a seu ver, dos requisitos de uma boa produção textual?
4. Se fizer, geralmente qual o peso que tais desvios de concordância verbal têm na nota que você dá? (Ou
seja, você desconta muitos pontos, comente sobre isso).
5. Quando aparece a falta de concordância verbal nos textos dos alunos, qual sua posição? Você leva esse
assunto para sua aula? Como?
6. Na sua opinião, os alunos do Ensino Médio apresentam muitos desvios de concordância verbal nas
redações? Comente.
4 Análise dos dados
O estudo da avaliação linguística busca investigar o valor social das variantes no contexto escolar de
professores do 3° ano do Ensino Médio da cidade de Uberaba-MG, mediante o fenômeno de CV de 3ª pessoa
do plural. A partir das reflexões feitas nos tópicos anteriores, em que discutimos o fato de os professores não
relacionarem a pedagogia de ensino com a variação linguística, trazendo muitas vezes à sala de aula atitudes
estigmatizadas em relação à variedade do aluno, procuramos organizar questões de maneira a observar a visão
do professor em relação à produção escrita e à ausência de concordância verbal. Para isso utilizou-se o método
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qualitativo de análise, que, diferente de uma análise quantitativa de dados linguística, analisa o discurso
metalinguístico do sujeito envolvido na pesquisa.
Mediante a análise feita das respostas dos professores, a atitude dos docentes se coloca como corretiva,
pois aponta os erros e tende a unificar a língua do aluno. O professor não permite que os alunos reflitam sobre
o real uso linguístico, o uso de variedades, adequação e inadequação. Essa atitude corretiva da língua entra em
desacordo com Pedagogia da Variação Linguística defendida por Faraco (2007), que propõe a reflexão dos
fenômenos linguísticos a fim de aportar os alunos a um repertório linguístico de recursos comunicativos que
lhes deem segurança ao utilizar a língua, aumentando sua competência linguística.
Um mesmo informante entra em contradição, ao escrever erro entre aspas, produzindo um efeito de
sentido de que não acredita que exista a noção de erro. No entanto, em outra resposta do questionário, o mesmo
informante revela que os desvios da norma padrão sempre são corrigidos, o que indica que ele valoriza sim os
aspectos normativos da língua.
(01) Como revisora de texto de uma gráfica que produz material didático, tive a oportunidade
de ver e corrigir desvios simples. [P-C]
(02) Os alunos já apresentam resistência em escrever, se na produção só se destaca os “erros”,
eles não produzirão. [P-B]
(03) Os desvios da norma padrão sempre são corrigidos e destacados nas produções. Não
desconto muitos pontos. [P-B]
Em outra resposta, ainda do mesmo informante [P-B], mais especificamente na resposta (04), ele entra
novamente em contradição sobre a variação linguística e traz a crença do falar e escrever corretamente, em que
vemos uma explicação confusa sobre a variação linguística e sobre o fenômeno gramatical.
(04) Sim, a língua é um elemento dinâmico, é a nossa principal ferramenta de comunicação,
apresenta inúmeras variações. Não a concordância verbal, mas todas as regras gramaticais
são ferramentas que ajudam o falante usar sua própria língua, o seu idioma. [P-B]
O professor informante traz conhecimento acerca da dinamicidade e variedade da língua, concepção
defendida pela Sociolinguística Variacionista, contudo ele encerra sua afirmação reforçando o conceito de que
as regras gramaticais são peças fundamentais para o uso linguístico. O que implica que se o falante não souber
as regras gramaticais ele não conseguirá utilizar satisfatoriamente seu próprio idioma. Entretanto, o estudante
precisa ser visto como um sujeito social, que interage nas mais diversas situações e diferentes contextos, por isso
tona-se fundamental que ele (re)conheça as variedades linguísticas e as situações mais ou menos adequadas em
que ele se insere, como afirmam Marine e Barbosa (2016).
Abaixo, mais respostas das atitudes expressas pelos professores sobre a variação na concordância verbal
e também sobre outros desvios gramaticais, os quais corrigem, mostrando que são “erros”, “falhas” e “não
pertencentes à norma gramatical”:
(05) Geralmente seleciono falhas mais comuns, alguns absurdos e também bons exemplos de
escrita. Eles (os alunos) enxergam melhor o erro do outro. [P-A]
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(06) Alguns pontos da gramática (concordância, regência, acentuação, por exemplo) sempre
que aparecem procuro aproveitá-los para mostrar-lhes o que diz a gramática normativa. [P-A]
(07) Sinalizo nas redações os erros, para que busquem o certo, mas não considero como peso
maior nas notas [P-D]
(08) Sim, discuto com eles o erro, em geral para todos da sala [P-D]
(09) Algumas vezes, xeroco uma melhor elaborada e outra, com falhas. [P-E]
Por fim, o informante P-D desconsidera, em uma de suas respostas, a diversidade do aluno, em que traz
juízos de valores sobre a forma como seus alunos falam. De fato, os alunos concretizam na escrita algumas
variantes linguísticas do seu cotidiano, porém o professor não deve considerar um erro, pois assim criam-se
estereótipos linguísticos, estigmatizando a variedade do aluno.
Como podemos ver a seguir:
(10) Acho também, que a linguagem, cotidiana deles também influencia muito, pois falam muito
errado, trazem de casa e do meio que vivem uma linguagem própria, mas em desacordo com
as normas gramaticais. [P-D]
As crenças de que há uma língua correta exercem grande influência nas atitudes dos sujeitos e
manifestam, como podemos ver nesse questionário, pelo emprego dos termos “certo/errado”. Os professores,
assim como a mídia
††
, são um dos responsáveis por essas crenças construídas pelo brasileiro perante sua própria
língua, uma vez que estão inseridos em um contexto que possibilita uma opinião distorcida sobre a língua
materna de seus alunos. Ao dizer que os recursos utilizados pelos alunos “estão errados”, os professores
corroboram para que os alunos desacreditem de seu desempenho linguístico e construam crenças de que a língua
portuguesa é muito difícil ou de que não sabem português. A Sociolinguística rejeita a noção de dialetos ou
variedades inadequados ou inferiores. Como aponta Bortoni-Ricardo (2005, p. 151):
A principal influência dos estudos sociolinguísticos para a educação provém da ênfase veemente
na premissa de que todas as variedades que compõem a ecologia linguística de uma comunidade,
sejam elas línguas distintas ou dialetos de uma ou de mais de uma ngua, são funcionalmente
comparáveis e essencialmente equivalentes. Nenhum deles é inerentemente inferior, e,
portanto, seus falantes não podem ser considerados linguisticamente e culturalmente
deficientes.
5 Considerações finais
Por meio de uma análise geral das respostas dos professores, percebemos que há pouco conhecimento
da heterogeneidade da língua, uma vez que valorizam o ensino dos aspectos gramaticais. Essa análise indica que
há, ainda, uma forte influência da pedagogia do “erro”, muito longe da proposta de pedagogia da variação
defendida por Faraco (2007), e também uma forte hesitação em se trabalhar esse tema. O aparecimento de tais
††
De acordo com Bagno (2015, p.217), os meios de comunicação no Brasil sempre estiveram ideologicamente vinculados às classes
econômicas oligárquicas que dominam a sociedade brasileira, de modo que, de acordo com ele, “constituem, assim, uma casta de
intelectuais orgânicos, no sentido gramsciano clássico do termo: intelectuais engajados na produção de instrumentos ideológicos
destinados a manter a hegemonia de um determinado grupo dentro das forças dominantes de uma sociedade”.
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desvios na escrita dos alunos é uma oportunidade de o professor discutir a pluralidade linguística, de modo que
a partir da análise das respostas, percebemos que não o fazem e, se fazem, é de uma forma muito artificial. O
tema da variação aparece em documentos oficiais norteadores do ensino de língua portuguesa no Brasil, como,
por exemplo, nos PCNs. Entretanto, ainda não conseguimos construir uma pedagogia culturalmente sensível à
variação linguística adequada a essa área em nossas escolas. Precisamos, como sociedade, discutir, de forma
suficiente, no espaço público, nossa heterogênea realidade linguística. Só assim, será possível mudar as atitudes
dos professores dentro de sala de aula.
Referências
AGOSTINHO, S. R. N.; COELHO, I. L. Concordância de 1° pessoa do plural na escrita escolar. In: ZILLES, A. M. S.;
FARACO, C. A.; (Orgs). Pedagogia da variação linguística: língua, diversidade e ensino. São Paulo: Parábola, 2015. p.
79-121.
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Parábola, 2015.
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THE EVALUATION OF TEACHERS OF THE
PUBLIC NETWORK OF UBERABA-MG AND
THE VARIABLE PHENOMENON OF
VERBAL CONCORDANCE: A
SOCIOLINGUISTIC REFLECTION
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Abstract:
This article aims to analyze the way teachers evaluate the students ' texts, observing
whether the verbal concordance influences the note and is part of the basic requirements
of a satisfactory textual production, corresponding to the level expected by the school. In
Addition, we seek to stimulate a new attitude of the Portuguese teacher, promoting the
detachment of a stigmatized pedagogy and based on the standard norm. For this, we
elaborated and applied a questionnaire consisting of six dissertative questions to
Portuguese teachers of the 3rd year of high School in two public schools in Uberaba-MG.
Keywords: Evaluation; Verbal Agreement; Innovative pedagogy.
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