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Como citar este artigo:
ARAÚJO, L. S. O impacto da referência temporal de passado sobre o uso do pretérito
perfecto em Madri. Revista Diálogos, v. 7, n. 1, 2019
O autor:
Doutor e mestre em Linguística e Língua Portuguesa (UNESP/FCLAr). É professor da
Universidade Federal de Uberlândia e membro do Núcleo de Pesquisa em
Sociolinguística de Araraquara (SoLAr).
O IMPACTO DA REFERÊNCIA
TEMPORAL DE PASSADO SOBRE O
USO DO PRETÉRITO PERFECTO
EM MADRI
Leandro Silveira de Araújo
(UFU/SoLAr)
araujoleandrosilveira@gmail.com
x
Resumo: A partir da perspectiva da Sociolinguística Variacionista, este trabalho volta-se
ao estudo da variação no uso das formas do pretérito perfecto simple (estudié - PPS) e compuesto
(he estudiado - PPC) em Madri. Nossa hipótese é que o tipo de referência temporal de
passado é um fator que incide sobre o uso dessas formas verbais e, por isso, auxilia na
compreensão sobre como essa variação se organiza na norma madrilenha. A partir de um
corpus de entrevistas radiofônicas compilado para cumprir os objetivos deste estudo,
analisamos os dados tendo em vista os âmbitos temporais de passado absoluto (PA) e
antepresente (AP). Como resultado, identificamos um uso categórico do PPC no AP
em consonância com o que descrevem as gramáticas da língua e um acentuado uso do
PPS no PA.
Palavras-chave: Pretérito Perfecto. Espanhol. Madri. Variação Linguística. Norma
Linguística.
x
.
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1 Introdução
O interesse pelo estudo do impacto do contexto temporal sobre o uso do pretérito perfecto em Madri
decorre da relativa dissonância entre a descrição de parte da norma gramatical e o emprego efetivo do pretérito
perfecto simple (PPS escribí) e compuesto (PPC he escrito) nessa e em outras variedades da língua.
Por um lado, alguns estudos afirmam que, “no espanhol moderno baseado na melhor prática e nas
melhores normas” (KANY, 1970, p. 199), emprega-se o perfecto simple para se referir ao passado absoluto
(PA), isto é, “designar um fato sucedido no passado e que teve um limite neste mesmo passado” (ALARCOS
LLORACH, 1980, p. 33), sem manter, portanto, relação “com o momento de fala ou com a pessoa que fala”
(LENZ, 1920, p. 440). Na mesma direção, atribui-se ao perfecto compuesto a expressão do antepresente (AP),
pois com essa forma faz-se referência a situações passadas que mantêm relação com algo que ainda existe
(BELLO, 1972, 2004), isto é, “uma forma do passado que se projeta em direção ao presente”
(HERNÁNDEZ ALONSO, 1996, p. 428), porque a situação passada é contemplada a partir de uma
perspectiva de presente, com a qual mantém uma relação de coexistência (CARTAGENA, 1999). Em síntese,
a distinção proposta mais comumente pela norma gramatical defende que o PPS e o PPC coincidem em
significar ação pretérita, diferenciando-se entre si, contudo, “por marcar, o primeiro, perfectividade e a falta
de conexão com o presente e, o segundo, a realização de dita ação como um processo imperfectivo, que
perdura (objetiva ou subjetivamente) em um espaço de tempo que […] inclui o falante” (DE GRANDA, 2003,
p. 203).
Ambos os comportamentos das formas verbais podem ser observados nos enunciados (1) e (2), em
que os advérbios “ayer/hoy” evidenciam a leitura de PA e AP, respectivamente.
(1) La niña que ayer
tocó
con él Get Back y
protagonizó
uno de los momentos más lindos del recital,
habló
con varios
medios.
1
(2) La ópera prima del director indio
ha ganado
hoy la Butaca de oro del Premio Principado de Asturias […].
2
Por outro lado, o uso efetivo do pretérito perfecto nas variedades do espanhol nem sempre se comporta de
maneira tão categórica como retrata parte da norma gramatical. Tanto é assim que a observação do emprego
dos pretéritos em algumas variedades da língua revela um comportamento diferente do descrito por muitas
gramáticas, posto que se encontra tanto o PPS coocorrendo em contextos de AP (hoy), como o PPC no
âmbito de PA (durante los años anteriores), tal qual apontam os enunciados (3) e (4), respectivamente:
(3) […] también habla de la nota que
salió
en perfil hoy revelando la reunión que tuvo De Narváez con Aranda del Clarín.
3
(4) Durante los dos años anteriores
he tenido
una buena relación con el Míster.
He trabajado
muy bien.
4
Considerando a divergência entre parte da norma gramatical e o uso observado em algumas variedades
da língua, tencionamos analisar e descrever como se o uso do PPC e do PPS nos âmbitos de AP e PA na
1
Enunciado retirado da versão eletrônica do jornal argentino La Nación, de 18/05/2016. Disponível em:
<http://www.lanacion.com.ar/1899897-leila-lacaze-sobre-cantar-con-paul-mccartney-me-dio-muchos-nervios>. Acesso em: 18
maio 2016.
2
Enunciado retirado da versão eletrônica do jornal espanhol El país, de 29/11/2014. Disponível em:
<http://cultura.elpais.com/cultura/2014/11/29/actualidad/1417288689_075919.html>. Acesso em: 16 maio 2016.
3
Enunciado retirado de uma entrevista radiofônica difundida pela rádio Cooperativa, de Buenos Aires/Argentina (04/08/2013).
4
Enunciado retirado de uma entrevista radiofônica difundida pela rádio COPE, de Madri/Espanha (10/09/2013).
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variedade de Madri, comparando-a com a norma gramatical. Espera-se não apenas contribuir para a percepção
de que o comportamento variável das formas do perfecto é uma realidade que caracteriza seu funcionamento,
mas também verificar como essa heterogeneidade se estrutura e se define na norma madrilenha.
Antes de apresentar o que se descreveu sobre o uso variável das formas do pretérito perfecto em Madri,
alertamos que nossa discussão ainda abordará as duas conjunturas temporais analisadas (antepresente e
passado absoluto) e os procedimentos metodológicos adotados, para então iniciarmos a análise dos dados.
2 O uso dos pretéritos na península: revisão bibliográfica
Considerando o que se tem descrito sobre o comportamento variável dessas formas na variedade
peninsular, identifica-se em gramáticas do espanhol a tendência em opor Galícia (La Coruña) e Astúrias às
demais regiões da Espanha. Essa é a postura, por exemplo, de Gili Gaya (1970), RAE (1986), Torrego (2002) e
Alarcos Llorach (2005) autores que asseguram, sem sistematização de dados e em um único parágrafo, o
predomínio do PPS nas regiões citadas e o predomínio do PPC nas demais áreas. Cartagena (1999)assume
uma postura mais generalizadora ao afirmar ser possível observar a oposição PPS/PPC, na mesma proporção,
ao longo de toda a península. Em comum, tais abordagens procedem ao estudo do pretérito perfecto
desconsiderando os diferentes valores que poderiam se associar a ele.
De modo semelhante, os trabalhos de Gutiérrez Araus (1997) Moreno de Alba (2000), Company
Company (2002) e Oliveira (2007) também apresentam uma abordagem generalizadora para o território
peninsular; contudo, diferenciam-se por aportar informações relevantes no que diz respeito aos valores
atribuídos ao PPS e ao PPC. Assim, os três primeiros observam o valor de AP no uso peninsular do PPC.
Apesar da aparente generalização, em dado momento, Oliveira (2007) explica-nos que suas afirmações
resultam da observação de artigos de jornais madrilenhos. Frente a essa informação, pode-se inferir que, ao
menos nesse gênero discursivo e nessa variedade, o uso PPS é predominante tanto em contexto de AP como
de PA. Contudo, no que diz respeito ao PPC, nota-se que o percentual de uso da forma composta é maior no
âmbito de AP (32%), já que no contexto de PA apenas dois casos do compuesto foram encontrados (3%). Desse
modo, parece que é no contexto de AP que encontramos um contexto mais propício à variação.
Analisando mais atentamente o comportamento do PPC na variedade madrilenha, Oliveira (2010)
identifica o uso dessa forma verbal exprimindo também os valores de continuidade e relevância presente.
No entanto, nesse último trabalho, a pesquisadora não encontra explicitamente o uso do PPC em contexto de
passado absoluto. Por sua vez, a RAE (2009) aponta os valores temporais de antepresente e passado
imediato em grande parte da península sem especificar se seria o caso de Madri.
Mais especificamente sobre a norma madrilenha, Hurtado González (1998) analisa a esfera jornalística
e aponta um crescente desuso da forma composta em favor da simples. Por outro lado, no “falar popular” diz
haver a variação das duas formas quando portadoras de valor temporal, isto é, de AP ou PA. Finalmente,
também analisando a norma de Madri, Santos (2009) aponta que a modalidade oral da língua favorece o uso
do PPC, de maneira que parece haver, portanto, um significativo contraste entre as modalidades oral e escrita.
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Os estudos coordenados por Schwenter (SCHWENTER, 1994; HOWE; SCHWENTER, 2003, 2008;
SCHWENTER; CACOULLOS, 2008) mostram que, na península, o valor mais subjetivo de relevância
presente junto ao PPC vai se debilitando, de maneira que essa forma verbal vai, pouco a pouco, invadindo o
domínio semântico do PA (SCHWENTER, 1994) e, por conseguinte, vai restringindo mais o uso do PPS.
Assim, defende-se que a extensão funcional do PPC na Espanha é regulada por fatores temporais,
especialmente no que se refere à distância entre o ponto de referência passado e o momento de fala (HOWE,
SCHWENTER, 2003).
Com o propósito de comprovar essa premissa, Howe e Schwenter (2008) avaliam três concepções
temporais (hodierno, indeterminado e pré-hodierno
5
) e observam uma diminuição no peso relativo do uso
da forma composta conforme se aumenta a referência temporal de concomitância. Assim, o uso praticamente
categórico do PPC no âmbito hodierno/AP imediato
6
(.95) diminui sensivelmente na ampliação para o
indeterminado/AP ampliado (.75) e, ainda mais, quando se assume uma referência de anterioridade não
concomitante à enunciação (pré-hodierno/passado absoluto: .19)
7
. Contudo, é importante destacar a
evidente presença do PPC nas três conjunturas temporais.
Antes de avaliar como nossos dados dialogam com as informações apresentadas nessa revisão da
literatura, passemos à apreciação teórica que define em que consistem as duas concepções temporais em pauta.
3 O passado absoluto
A primeira concepção temporal é a de passado absoluto, a qual, segundo Bello (1972, 2004), faz
referência à anterioridade de um atributo ao próprio momento de fala (MF). No entanto, outros valores
temporais que, direta ou indiretamente, também expressam anterioridade ao MF. A fim de melhor definir os
traços do PA, a figura 1 esboça sua concepção nos termos de Rojo (1974, 1990, 1999):
Figura 1 - A expressão do passado absoluto em espanhol segundo Rojo
8
5
Concepções que, neste trabalho, equivalem ao AP imediato, AP ampliado e passado absoluto, respectivamente.
6
A nosso ver, um problema encontrado nos trabalhos coordenados por Schwenter encontra-se na decisão metodológica de
considerar tudo o que foge ao hodierno como pertencente a um mesmo grupo denominado de perfectivo (passado absoluto).
Ao realizar essa separação, procede-se de maneira equivocada às situações perfectivas que, apesar de não serem hodiernas (AP
imediato), ainda assim estão envoltas por uma referência temporal mais dilatada que, por isso, alcança o momento de fala (AP
específico). Por conseguinte, acabam se desconsiderando dados pertencentes ao AP ao tratá-los como próprios do PA.
7
Os valores correspondem ao peso relativo de cada um dos fatores temporais sobre o uso do PPC em Madri.
8
Rojo (1974, 1990, 1999) nomeia a referência fundamental do tempo de ponto central ou ponto zero (0), isto é, a origem com
relação à qual se orientam de forma mediata ou imediata as situações. A partir do ponto zero, verifica-se a possibilidade de
orientarmos os eventos como anteriores (-V), simultâneos (oV) ou posteriores (+V).
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Fonte: Própria
Representa-se o PA por meio de “0-V”
(llegué), o que indica que a relação de anterioridade ao momento
de enunciação (0) é construída a partir de uma relação direta com “0” caráter absoluto
9
. Nessa direção,
Cartagena (1999) associa o sentido PA ao PPS e afirma que essa forma, do mesmo modo que as demais
formas de valor temporal absoluto, delineia um segmento temporal primário a partir do ponto zero. Assim,
“o presente marca a coexistência [âmbito primário de coexistência], o paralelismo de falar com um ponto do
tempo real, em relação ao qual as formas do perfecto simple e do futuro indicam anterioridade [âmbito primário
de retrospectividade] e posterioridade [âmbito primário de prospectividade], respectivamente” (CARTAGENA,
1999, p. 2937).
A atribuição do sentido de PA é, portanto, fazer referência à envoltura temporal que abarca aquilo que
pertence ao “âmbito primário de retrospectividade” e que, por isso, já não faz parte do presente. A observação
dos enunciados que seguem deve nos mostrar eventos envolvidos por essa concepção temporal:
(5) […]
estuvimos
el fin de semana pasado <M10>
10
.
(6) Diego el año pasado
acabó
fantástico. Hizo tres meses espectaculares <M1>.
É pertinente notar o papel dos marcadores temporais em ressaltar o sentido da forma verbal, pois, ao
dizer el fin de semana pasado”/“el año pasado”, indica-se a abrangência do “âmbito primário de
retrospectividade”. Em outros termos, ao usar esses marcadores destaca-se que a situação (estuvimos/acabó)
não faz parte do “âmbito de coexistência” no qual vigoraria “este fim de semana” e “neste ano” mas do
âmbito temporal concluído do el fin de semana pasado/el año pasado. Por fim, destacamos que a tradição
gramatical da língua apresenta uma conduta equânime em atribuir ao PPS a expressão do passado absoluto
(BELLO, 1972, 1999; KANY, 1970; GILI GAYA, 1970; ALARCOS LLORACH, 1980, 2005; RAE, 1986,
2009, 2010; ROJO, 1974, 1990, 1999; TORREGO, 2002).
Uma vez caracterizado o passado absoluto, passemos à apreciação do antepresente e suas divisões.
4 O antepresente
Foi Andrés Bello (1972, 2004) quem cunhou o termo antepresente, para quem o valor faz referência a
situações passadas que mantêm relação com algo que ainda existe. Porém, coube a outros uma descrição mais
cuidadosa desse valor e de como se estabelece a relação da situação passada com algo que perdura. A fim de
delinearmos esse âmbito e respeitando as dimensões que pode receber no espanhol, passemos à observação de
sua categorização e seu potencial de ajuste em três subdivisões: Específico, Imediato e Ampliado.
4.1 O antepresente específico
9
Rojo (1999) chama de absolutas as relações temporais que se estruturam em relação direta com ponto zero/central, ou seja, o
passado absoluto (0-V), o presente (0oV) e o futuro (0+V). Por outro lado, nomeia relativos os valores temporais que não
estabelecem relação direta com o ponto zero, mas com uma referência secundária que, por sua vez, traçará relação com o ponto
central. Esse é o caso, como veremos, do valor de antepresente ((0oV)-V).
10
“M10” refere-se às informações extralinguísticas do enunciado. O quadro 1, na seção 5, explicita as respectivas informações.
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Mesmo se tratando de um passado, Reichenbach (2004) insere o AP no âmbito referencial
concomitante (R Presente) ao momento de fala (MF), sem eliminar seu traço de anterioridade. Como ilustra a
figura 2, a relação de anterioridade da situação descrita (ME) estabelece-se dentro da perspectiva referencial de
presente (R Presente), o que, na notação de Reichenbach (2004), representa-se por ME-MR,MF
11
, isto é, um
evento (ME) passado assistido a partir de uma referência (MR) concomitante ao momento de fala (MF).
Figura 2 - A categorização do antepresente na língua segundo Reichenbach
Fonte: Própria
Assim, ao dizer (7), o enunciador insere a ação passada (ME han dicho) dentro de um âmbito
referencial (MR esta mañana) que persiste inclusive no momento em que se enuncia (MF).
(7) En esta mañana se
han dicho
dos cosas eh… yo creo que es interesante ¿no? <M1>
Na mesma direção, Rojo (1974, 1990, 1999) considera que o valor de antepresente é detentor de uma
estruturação relativa, pois a informação temporal de anterioridade (-V) que promulga toma como referência
outro valor temporal: o próprio presente (0oV). De modo prático, observamos em (7) esta mañana”
estabelecendo-se como referência concomitante ao ponto zero, isto é, à enunciação, e a partir da qual se
estabelecerá a base temporal para construção do valor de anterioridade relativa própria do AP.
Conforme ilustra a figura 3, diferente do valor de PA (V-O llegué), que também corresponde a uma
ação pretérita, no entanto assistida a partir de um âmbito primário de anterioridade” (MR-pretérito), com o
AP ((0oV)-V he llegado), é apresentado um evento pretérito envolvido por uma percepção de presente (MR-
presente/âmbito primário de coexistência), que, por isso, guarda uma relação temporal de coexistência com o
MF, ou seja, de AP. Nos termos de Cartagena (1999, p. 2941), esse valor indica que dada ação “realiza-se antes
do ponto zero que nos serve de referência para medir o tempo, mas dentro do âmbito que tem como centro a
coexistência ou simultaneidade desse ponto com o momento de fala”.
Figura 3 - A expressão do antepresente no espanhol segundo Rojo
11
Na notação do autor, entende-se travessão (-) como retrospectividade ou prospectividade e vírgula (,) como simultaneidade. ME
refere-se ao momento do evento, MF, ao momento de fala e MR, ao momento de referência, que se organiza entre passado (R
Passado), presente (R Presente) e futuro (R Futuro).
Página | 111
Fonte: Própria
Avançado na discussão, resulta dificultoso compreender o que pode ser considerado relevante e/ou
próximo ao MF a ponto de ser envolvido pelo mesmo âmbito primário de coexistência/MR-Presente. A fim
de entender a possível extensão do distanciamento existente entre o ME e o MF no valor de AP, muitos se
valem da observação de elementos linguísticos recorrentes no contexto de uso das formas. Observando alguns
marcadores que possuem traços temporais que se assemelham ao valor em análise, encontraríamos o AP
ocorrendo “com os advérbios que indicam que a ação se deu em um período de tempo no qual se encontra
compreendido o momento presente de quem fala”, tal seria o caso de “hoy, ahora, estos días, esta semana, esta tarde,
esta mañana, este mes, el año en curso, esta temporada” etc. (ALARCOS LLORACH, 1980, p. 24). Apesar da grande
diferença na amplitude temporal abarcada por esses marcadores, com qualquer um deles conseguimos
envolver em um mesmo âmbito (MR) tanto a situação descrita como o momento de fala. Ou seja, ao
dizermos:
(8a) La ópera prima del director indio ha ganado hoy la Butaca de oro […].
12
(8b) La ópera prima del director indio ha ganado este año la Butaca de oro.
consideramos que tanto o acontecimento (‘ha ganado’) como a enunciação (MF) compartilham da mesma
envoltura temporal: hoy” (hoje) ou este año” (este ano) respectivamente. Além disso, nas orações de (8), a
recorrência do valor de AP mostra que não parece ser fundamental que a distância existente entre a situação
(ME) e o MF seja igual ou menor que um dia, mas que é suficiente haver uma relação temporal imbricada
entre elas. Em acréscimo, Alarcos Llorach (1980) afirma que mesmo em enunciados de sentido AP sem uso de
marcadores temporais pode-se observar implicitamente a consciência do falante de que os eventos têm como
limite o presente. Nesses casos, infere-se o especificador “neste período de tempo em que falamos”.
Por fim, destacamos que a tradição gramatical apresenta uma conduta equânime em atribuir ao PPC a
expressão do AP específico (BELLO, 1972, 1999; KANY, 1970; GILI GAYA, 1970; ALARCOS LLORACH,
1980, 2005; RAE, 1986, 2009, 2010; ROJO, 1974, 1990, 1999; TORREGO, 2002). A observação da expressão
do AP específico aliada à revisão bibliográfica relacionada ao tema despertou-nos a percepção de dois outros
subâmbitos temporais resultantes do desdobramento perceptível do momento de referência: o de AP
imediato e o de AP ampliado, os quais descreveremos nas linhas seguintes.
4.2 O antepresente imediato
12
Enunciado retirado da versão eletrônica do jornal espanhol El País, de 29/11/2014.
Página | 112
Encontramos nesse subvalor de AP as mesmas características já examinadas de modo geral no valor de
AP específico, no entanto, acresce-se a seu campo semântico a especificidade de um traço imediato, ou seja,
o momento de referência (MR) que envolve tanto a situação descrita (ME) como o MF passa a ser mais
limitado, obrigando que dada situação esteja mais próxima ao momento de fala. Esse uso é verificado em (9):
(9)
He leído
hace poco, cuando me documentaba para la entrevista, una entrevista que diste tú […] <M8>.
O enunciado mostra, graças ao uso de hace poco”, que a situação descrita (“he leído”) terminou
recentemente. Contudo, nota-se que a maioria dos estudos segue permeada por uma dificuldade em delimitar a
dimensão da “referência temporal de coexistência” nesse valor, marcado por um traço de maior
instantaneidade. Na tentativa de defini-lo, alguns chamam esse valor de hodierno
13
, indicando que a
delimitação da distância existente entre o MF e o ME insere-se nos limites de um dia.
Ressaltamos que a diferença existente entre o valor de AP específico e o imediato (hodierno) reside
fundamentalmente na extensão do “âmbito primário de coexistência” (MR). Por isso, parece apropriado tratar
o segundo sentido como uma delimitação do AP específico, cujo âmbito de coexistência pode se estender
mais livremente e, consequentemente, envolver situações mais distantes do MF. Mais uma vez, destaca-se a
posição da tradição gramatical da língua em atribuir ao PPC a expressão do AP imediato (BELLO, 1972,
1999; KANY, 1970; GILI GAYA, 1970; ALARCOS LLORACH, 1980, 2005; RAE, 1986, 2009, 2010).
4.3 O antepresente ampliado
Identificado pela norma gramatical como experiencial, o valor aqui denominado AP ampliado
indica-nos que uma situação se manteve, pelo menos uma vez, durante algum tempo amplo, pouco
especificado e anterior ao MF. de se considerar que a ausência de um delimitador temporal explícito pode
favorecer uma interpretação mais ampla do âmbito temporal em que dado evento aconteceu. Assim, o
enunciador e/ou o enunciatário pode considerar que a situação descrita sucedeu em qualquer momento
durante um extenso período, que não raramente pode envolver a toda a existência do experimentador.
Assim, o enunciado (10) mesmo trazendo explicitamente um especificador temporal (“en mi largo recorrido”)
ilustra-nos como o “âmbito primário de referência” (MR presente) se arrasta a ponto de envolver um longo
período da existência do enunciador. É a ampliação do momento de referência que permite estabelecer uma
relação entre a situação descrita e o MF, facultando, de alguma maneira, a leitura de AP.
(10) Yo
he tenido
la fortuna en mi largo recorrido de haber tenido muchos enfrentamientos con muchos bases <M11>.
Figura 4 - O valor antepresente ampliado
13
Do latim, hodiernus, que quer dizer “do dia de hoje” (RAE, 2009, p. 1730).
Página | 113
Fonte: Própria
O AP ampliado pode ser observado na figura 4, na qual as letras (x) tracejadas mostram-nos o
desconhecimento da quantidade de vezes em que ocorre o evento descrito. Por sua vez, a linha temporal
tracejada acusa-nos a indefinição do momento exato em que se deu a situação. Podemos observar, contudo,
que, apesar da imprecisão, a situação continua sendo tratada dentro do “âmbito primário de coexistência”
(MR-Presente), já que o falante pode estendê-lo a ponto de envolver toda sua vida.
A RAE (2010, p. 429) afirma que últimamente, en estos tiempos, en estos dias, as fórmulas a lo largo de +
grupo nominal quantitativo temporal, en {más ~ menos} de + grupo nominal quantitativo temporal ou {desde ~
hasta} + advérbio ou grupo nominal de sentido temporal” são exemplos de expressões temporais do espanhol
que corroboram o valor de AP ampliado. Há ainda outros marcadores temporais que não delimitam o âmbito
temporal em que uma situação ocorre, mas salientam o sentido prototípico de indeterminação temporal
associado a esse uso. Esse é o caso dos advérbios ‘nunca’ e siempre’ (que consideram toda a vida do indivíduo) e
das locuções ‘alguna vez’ e ‘en alguna ocasión’ (as quais se relacionam à quantidade de ocorrências do evento).
A indeterminação do momento passado em que se deu o evento pode estar também associada a
perguntas e à negação, tal como verificamos em (11) e (12), respectivamente:
(11) ¿Te
ha pasado
alguna vez que no te hayan tomado en serio? <M6>
(12) Hasta el fondo mismo, hasta donde no
ha llegado
absolutamente nadie.
14
Destacamos que a tradição gramatical costuma atribuir ao PPC a expressão do AP ampliado (BELLO,
1972, 1999; GILI GAYA, 1970; ALARCOS LLORACH, 1980, 2005; RAE, 2009, 2010).
Por fim, o estudo do valor de antepresente revela que suas nuances correspondem à sistematização de
diferentes amplitudes temporais, as quais, a despeito de suas particularidades, têm em comum a retratação de
uma situação pretérita (ME) que ocorre em um âmbito temporal (MR) ainda vigente no momento de fala
(MF). Isso posto, não raramente, o falante pode intervir na descrição dos fatos que apresenta, inserindo os
acontecimentos narrados dentro de uma concepção temporal que, para o enunciador, ainda se encontra em
vigor especialmente quando se trata do AP ampliado. Por outro lado, o PA difere-se por inserir a situação
descrita em uma perspectiva temporal de passado e já concluída quando apresentada pelo enunciador
rompendo, portanto, a relação temporal entre o momento do evento e o momento de fala.
5 Aspectos metodológicos: o
corpus
de análise
14
Enunciado retirado de uma entrevista radiofônica difundida pela rádio LV10, de Mendoza/Argentina (13/09/2010).
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Com a delimitação dos dois contextos de análise, podemos proceder ao tratamento onomasiológico
15
das formas verbais que operam na expressão do AP e PA. Em outras palavras, é dentro desse enfoque e
recorte metodológico que propomos averiguar se as formas do pretérito perfecto compõem uma variável e avaliar
de que modo as duas formas estariam competindo pela expressão de um ou mais âmbitos temporais em
Madri.
Nosso estudo parte de um corpus compilado para os propósitos pautados, de modo que a opção pelo
gênero “entrevista radiofônica” se deve ao fato de enunciados próprios desse gênero apresentarem uma
variedade linguística relativamente próxima à realidade cotidiana de fala da comunidade investigada, além de
possibilitarem uma diversidade temática e de tipologia textual que favorece o estudo dos fenômenos em pauta.
Isso porque, para descrever eventos (descrição), ordená-los temporalmente (narração), explicar e analisar
situações (expositivo), bem como para contrapor ideias (argumentativo), parecem ser necessárias formas
verbais vinculadas à fração temporal que engloba do pretérito até o presente contextos em que estão os
valores de PA e AP. Ao recorrermos às entrevistas radiofônicas, não apenas garantimos o acesso remoto a um
material autêntico e diversificado, mas também viabilizamos a obtenção das informações sociolinguísticas que
necessitamos ora por inferência na própria entrevista, ora por contato direto com as rádios ou por meio de
redes sociais.
Sobre a obtenção dos áudios, quando não disponibilizados para download pelo site da rádio, o software
Audacity 1.3 serviu para gravação das entrevistas. As mais de 2 horas de gravações referentes às 11 entrevistas
radiofônicas forneceram-nos mais de 23 mil palavras. Em relação à recorrência das formas em análise,
observamos 584 casos do pretérito perfecto. A fim de organizarmos a referenciação da fonte dos enunciados que
serão apresentados ao longo da discussão, o quadro 1 apresenta, a partir do código da entrevista (Cód.), as
informações sobre a rádio de origem, data de gravação da entrevista e sua duração (Tempo), número de
participantes envolvidos no diálogo (N. Infor) e a temática discutida.
Quadro 1 - A codificação de referência das entrevistas que compõem o corpus
Rádio
Cód.
Data
Temp
o
Temática
Cope
M1
10.09.2013
25’17”
4
Esporte. Futebol.
Radio 5
M2
21.06.2013
11’57”
2
Artes. Quadrinhos.
M3
18.06.2013
9’14”
2
Sociedade. Serv. Social.
M4
01.06.2012
10’07”
2
Artes. Teatro.
M5
16.02.2012
11’29”
2
Artes. Designer.
M6
10.02.2012
9’17”
2
Artes. Televisão.
M7
25.11.2011
9’41”
2
Artes. Cinema.
M8
24.11.2011
9’00”
2
Artes. Música e Teatro.
M9
24.11.2011
07’54”
2
Artes. Teatro.
M10
10.10.2011
12’03”
2
Esporte. Corrida
autom.
15
Segundo Baldinger (1966), quando se deseja entender como dado conceito se exprime na língua, observando a multiplicidade de
expressões que compõem dado domínio, dá-se espaço à abordagem onomasiológica.
Página | 115
M11
12.08.2011
07’59”
2
Esporte. Basquete.
Fonte: Própria
6 O impacto do tipo de referência temporal sobre o uso do pretérito perfecto
Se nos orientarmos por uma abordagem que apenas quantifica a variação do PPC e PPC, sem
considerar as especificidades funcionais de cada uso, encontraremos no corpus compilado um uso
aparentemente equilibrado de ambas as formas em Madri conforme demonstra a Tabela 1.
Tabela 1 - A relação entre o PPS e o PPC desconsiderando os contextos temporais
PPC
310
53%
PPS
271
47%
Total
581
100%
Fonte: Própria
Contudo, como este estudo demonstrará, o tratamento generalizador da recorrência das duas formas
verbais apresenta dados pouco significativos e enviesados, pois, além da percepção de que em Madri uma
recorrência expressiva das duas formas, não dispomos de nenhum outro dado que nos auxilie a compreender a
organicidade dessa variação. Movidos pela hipótese de que o tipo/abrangência da referência temporal de
anterioridade é um fator determinante no comportamento das formas do
pretérito perfecto
,
passaremos a uma apreciação dos dados que considere os âmbitos de antepresente e passado absoluto; isso
para obter uma análise que permita compreender mais consistentemente o uso do PPC e do PPS na norma
madrilenha.
6.1 O antepresente
Conforme pontuamos, a tradição gramatical da língua espanhola considera o âmbito do antepresente
(e seus subâmbitos) como o contexto de uso do PPC (BELLO, 1972, 1999; KANY, 1970; GILI GAYA, 1970;
ALARCOS LLORACH, 1980, 2005; RAE, 1986, 2009, 2010; ROJO, 1980, 2005; TORREGO, 2002). Uma
aproximação geral desse contexto temporal revela, em Madri, um uso categórico do PPC (98%), com apenas 5
ocorrências do PPS (2%). Marca-se, portanto, uma clara coerência entre o uso registrado na norma gramatical
da língua espanhola e o uso efetivamente encontrado na variedade madrilenha.
Ao observarmos mais atentamente os subâmbitos do antepresente (Tabela 2), poderíamos considerar
que a mínima recorrência do PPS se concentra no AP ampliado (4 ocorrências/3%).
Tabela 2 - A expressão dos subâmbitos de antepresente em Madri
ANTEPRESENTE
Imediato
Específico
Ampliado
Total
Página | 116
PPC
38
100%
124
99%
126
97%
288
98%
PPS
0
0%
1
1%
4
3%
5
2%
Total
38
100%
125
100%
130
100%
293
100%
Fonte: Própria
Antes de nos atermos aos escassos usos da forma simples, voltemo-nos ao PPC. Com esse intuito, os
enunciados (13), (14) e (15) exemplificam o uso do PPC no contexto de AP imediato, o que fica explicitado
pelos marcadores temporais: esta mañana”, hace pocoe al principio”, respectivamente. Os enunciados (16) e
(17) ilustram o uso do PPC no âmbito de AP específico, conforme evidenciam as expressões los últimos cinco
añose desde hace unos años. E, por fim, em (18) e (19), os marcadores temporais siempree en la historia del
baloncesto español” mostram o uso da forma composta no contexto de AP ampliado.
(13) AP imediato: Esta mañana se
han dicho
dos cosas eh… yo creo que es muy interesante ¿no? <M1>.
(14) AP imediato:
He leído
hace poco, cuando me documentaba para la entrevista, una entrevista que diste tú […] <M4>.
(15) AP imediato: Como les
hemos dicho
al principio [del programa], Antonio Adán, portero ya del Real Madrid <M4>.
(16) AP específico: Para mí él
ha demostrado
en los últimos cinco años que es el mejor portero del mundo <M1>.
(17) AP específico: Desde hace unos años, esta disciplina
ha cambiado
mucho, se ha hecho bastante professional <M10>.
(18) AP ampliado: Siempre
hemos tenido
buena relación ¿No?
Ha habido
buena relación con españoles […] <M1>.
(19) AP ampliado:
Has sido
catalogado como el mejor base en la historia del baloncesto español <M11>.
(20) AP específico: Yo jamás me
metí
en la decisión del Mister, ni pienso que deba hacerlo […] <M1>.
(21) AP ampliado: Siempre me
gustó
Inglaterra. Pero Alemania últimamente, pues es un fútbol que me gusta mucho <M1>.
Por outro lado, atendo-nos aos usos do PPS tanto no AP específico como no AP ampliado,
verificamos sua ocorrência em contextos que abrem margem a uma interpretação dúbia quanto à referência
temporal adotada. Em (20), pressupomos inicialmente uma conjuntura temporal ainda em vigor no momento
de fala (“la presente temporada”), contudo, pelo contexto discursivo, somos informados de que o enunciador
remete-se a uma etapa de sua vida recém-terminada quando rompe inesperadamente o contrato com o Real
Madrid, momentos antes de dar a entrevista. De modo que, ao afirmar “jamás me metí”, o enunciador pode estar
considerando como referência temporal um âmbito avaliado por ele como concluído quando enunciado,
tratando a situação, por conseguinte, como pertencente a um passado absoluto, ao invés de AP específico.
Na mesma direção, em (21) ao usar o advérbio siemprepara caracterizar a permanência do apreço
pela seleção de futebol inglesa (“me
gustó
Inglaterra”), o enunciador aparentemente estabelece uma relação do
estado que teve início num passado remoto e que parece se estender até o presente da enunciação,
caracterizando, desse modo, o AP ampliado. No entanto, ao conectar a segunda frase (“pero a Alemania
ultimamente […]”), o enunciador aparenta criar uma relação de oposição temporal (pero), instaurando uma
situação nova, efetivamente observada no momento de fala. Em outros termos, ao instaurar a referência
ultimamente”, antecedida pela conjunção adversativa pero”, a vigência da referência temporal instaurada por
siempre” parece poder estar limitada a algum momento anterior ao ato de enunciação, permitindo, por sua vez,
a interpretação de que o “me
gustó
Inglaterra” insere-se, na verdade, na concepção de passado absoluto.
Página | 117
Devido à abrangência desse âmbito temporal, é natural que se abram precedentes para uma leitura
ambígua por parte do investigador. Além disso, tendo em vista o grau de subjetividade que muitas vezes está
inserido na avaliação da referência temporal assumida pelo enunciador, torna-se, em alguns casos pontuais,
difícil afirmar categoricamente qual referência é assumida por ele. Especialmente em relação a essas
ocorrências, não as consideramos como evidência de uso do PPS no contexto de passado absoluto em Madri
devido à aparente ambiguidade do âmbito de referência temporal assumido pelo enunciador.
Se mantivermos, contudo, a decisão de associarmos essas duas ocorrências do PPS aos respectivos
âmbitos de antepresente, identificaremos uma discreta inserção da forma simples nesses contextos. Ainda
assim, tendo em vista a baixa recorrência de casos, seria difícil assegurar se há, de fato, um discreto processo
de variação entre as formas do PPS e do PPC ou se apenas se trataria de usos idiossincráticos, isolados. De
todo modo, a observação da frequência de uso do PPC nos três subâmbitos de antepresente não deixa
dúvida de que a forma composta tem um uso categórico em Madri. Comportamento que é compatível à
descrição do uso encontrado na norma gramatical da língua espanhola. Uma vez apreciado o contexto de
antepresente, passemos à observação do passado absoluto.
6.2 O passado absoluto
Ao passado absoluto se atribui a expressão de situações pretéritas concluídas no passado e que não
mantêm relação temporal direta com o MF (Figura 1), pois os fatos descritos passam a ser contemplados a
partir de uma perspectiva de pretérito, isto é, que tem seu término definido anteriormente ao momento em
que se enuncia (O-V). Considerando a orientação normativa sobre o uso do pretérito perfecto nesse âmbito
temporal, vimos que o PPS é tratado como a forma própria desse contexto (BELLO, 1972, 1999; KANY,
1970; GILI GAYA, 1970; ALARCOS LLORACH, 1980, 2005; RAE, 1986, 2009, 2010; ROJO, 1980, 2005;
TORREGO, 2002). Esse é o uso observado nos enunciados abaixo, nos quais en mil novecientos ochenta y uno”,
el año pasado”, “el ochenta y cuatro” e “los 90” evidenciam a referência temporal de PA:
(22) José María Ken Niimura del Barrio,
nació
en Madrid, en mil novecientos ochenta y uno. <M2>.
(23) Pablo Álvarez, que es el editor [sensorial] Alfaguara,
vino
a ver el año pasado La Gaviota, […] y me
propuso
que
escribiera algo <M4>.
(24) […] la verdad es que cuando yo
viví
en Nueva York, pues era otra época […] eran los 90 <M8>.
Contudo, contrário ao descrito na norma gramatical, também encontramos no corpus compilado o uso
da forma composta no contexto temporal de PA; esse é o caso, por exemplo, dos seguintes enunciados:
(25) Así que en diciembre
ha llegado
un momento en el que llega Mourinho y te dice “Antonio, vas a jugar tú” <M1>.
(26) […] la verdad que
hemos trabajado
durante dos años el guionista y yo. <M2>.
(27) De pequeño estaba por las zonas de Ventas y luego
he pasado
el resto de mi infancia en Las Rosas <M2>.
(28) En tus años de estancia en Nueva York, donde
has vivido
varios años y en plena adolescencia […] <M8>.
(29) Es un paraíso de infancia, donde
he crecido
. Donde
he pasado
largas temporadas. <M9>.
Página | 118
Ao dizer en diciembre”, durante dos años”, “el resto de mi infanciaen tus años de estancia en Nueva York”, de
infancia”, faz-se referência a concepções temporais concluídas, inserindo portanto as situações descritas em
uma concepção de PA. A análise quantitativa dos dados encontrados nesse âmbito (Tabela 3) revela um uso
discreto, porém significativo, do PPC no PA:
Tabela 3 - A expressão do passado absoluto em Madri
PPC
22
8%
PPS
266
92%
Total
288
100%
Fonte: Própria
Notamos que a tendência à seleção categórica de uma das formas do pretérito perfecto a exemplo do que
observamos nos subâmbitos de AP fragiliza-se na análise dos dados do PA, em Madri. De maneira que 92%
dos casos encontrados nesse contexto de análise pertencem ao PPS e 8% (22 casos) correspondem ao PPC.
Assim, identificamos um cenário mais suscetível ao estudo da variação entre o PPC e o PPS.
Aprofundando um pouco mais esse cenário variável, observamos que o uso do PPC tem seu
percentual de ocorrência incrementado junto a fatores linguísticos que evidenciam uma leitura durativa, isto é,
em contextos em que se observam (i) marcadores temporais de valor durativo (12%) e (ii) verbos de atividade
(26%) e de estado (10%) marcados pelos traços de atelicidade e duração, conforme sintetiza o gráfico 1.
Gráfico 1 - Os grupos de fatores que favorecem a leitura de continuidade no PA em Madri
Fonte: Própria
Conforme os enunciados (26) e (29), as expressões durante dos años e de infancia ressaltam que a
atividade (“hemos trabajado”) e o estado (“he pasado”) descritos prolongam-se no tempo, mas, por pertencerem à
perspectiva de PA, já se encontram terminados quando ocorre o momento de enunciação.
Evidentemente, também é possível encontrar o PPC ocorrendo junto a traços linguísticos que não
favorecem a leitura de persistência, isto é, com verbos télicos e pontuais enunciado (25) , além, é claro, do
PPS ocorrendo em contextos que favorecem a leitura de continuidade enunciados (24). Contudo, interessa
8%
12%
26%
10%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
PPC Geral
Marcador Durativo
Atividade
Estado
Página | 119
mostrar que o PPC tende a ser favorecido, em Madri, junto à veiculação do sentido de continuidade, ao passo
que o PPS tem seu índice ainda mais incrementando quando junto a traços que desfavorecem o valor de
duração (marcadores temporais não durativos e verbos télicos e pontuais) enunciados (22) e (23).
Atendo-nos ao fator idade (Gráfico 2), observamos que o uso do PPC com valor de PA é
sensivelmente mais comum entre os mais jovens (menores de 35 anos 13%) e que sua recorrência tende a
diminuir à medida que se aumenta a idade do grupo analisado culminando no aumento no uso do PPS. O
peso relativo reforça tanto a relevância do fator idade haja a vista o range de [.57] como também a
tendência descrita, atribuindo o valor [.73] aos mais jovens e [.17] aos mais velhos. Esse comportamento
parece indicar que a inserção do PPC no contexto de PA é um fenômeno relativamente novo na variedade de
Madri, que é menos privilegiado entre os grupos etários mais velhos os quais tendem a apresentar um
comportamento mais conservador.
Gráfico 2 - O fator “idade” e o uso do PPC no PA, em Madri
Fonte: Própria
7 Considerações finais
Conforme sintetiza o gráfico 3, é possível afirmar que o “tipo e/ou abrangência da referência temporal
de anterioridade é um fator determinante no comportamento das formas do pretérito perfecto em Madri.
Gráfico 3 O percentual de uso do PPC em Madri conforme o “âmbito temporal”
13%
5%
3%
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
≤ 35 anos 36 a 55 anos ≥ 56 anos
Página | 120
Fonte: Própria
Nesse sentido, notamos, em Madri, uma distribuição complementar no uso do PPC e do PPS,
configurando, de tal modo, um uso muito próximo ao prescrito pela norma gramatical, posto que o PPC
parece ser usado categoricamente nos subâmbitos de AP. Por outro lado, no âmbito de PA, o PPS apresenta-
se como a mais recorrente. Contudo, mesmo com a diminuição no percentual de ocorrência do PPC no
âmbito de PA, cabe destacar o uso dessa forma expressando PA (8%). Apesar de baixo, esse índice é
significativo, já que normativa e historicamente esse âmbito temporal é reservado ao uso do PPS.
Esse comportamento parece ser um indício de que o PPC poderia estar passando por um processo de
expansão para o âmbito de PA. Isso porque tem uso categórico no AP e, num movimento de extensão,
passaria a expressar também PA aparentemente impulsionado pelos mais jovens, pois, conforme apresentam
os dados do gráfico 2, é esse grupo que mais favorece o uso do PPC nesse contexto temporal. No entanto,
assumindo como referência o “mapeamento percentual da progressão gradual da mudança” (NEVALAINEN;
RAUMOLIN-BRUNBERG, 2014, p. 55), o percentual de uso do PPC identificado no contexto de PA em
Madri apenas indica o início desse processo de expansão.
O cotejo dos dados revelados por este estudo com o que se afirmou sobre o fenômeno em pauta
permite confirmar uma importante variação diamésica no uso das formas do pretérito perfecto, posto que,
segundo Hurtado González (1998) e Oliveira (2007), o PPS tende a apresentar, em Madri, um uso mais
recorrente que o PPC, tanto no contexto de AP, como no contexto de PA, quando observamos a modalidade
escrita da língua. No entanto, conforme mostra nosso estudo, na modalidade oral, o PPC não apenas é a
forma categoricamente usada no âmbito de antepresente, mas também é encontrada no passado absoluto.
A exemplo dos trabalhos conduzidos por Schwenter (SCHWENTER, 1994; HOWE; SCHWENTER,
2003, 2008; SCHWENTER; CACOULLOS, 2008), nosso estudo também identificou que a extensão
funcional do PPC na Espanha é regulada fortemente por fatores temporais, especialmente no que se refere ao
tipo de referência temporal assumido (HOWE, SCHWENTER, 2003), podendo inclusive alcançar a expressão
do PA. Contudo, particular à presente proposta foi a possibilidade de monitorar o uso do pretérito perfecto na
gradual ampliação da referência temporal de antepresente (imediato>específico>ampliado), evitando,
desse modo, o tratamento de todos os dados o pertencentes ao “hodierno” (AP imediato) como
100%
99%
97%
8%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
120%
AP Imediato AP Específico AP Ampliado Passado
Absoluto
Página | 121
necessariamente pertencentes ao PA. Ao agirmos assim, conseguimos nos aproximar mais efetivamente da real
dimensão da variação das formas do pretérito perfecto na expressão do passado absoluto.
Referências
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Página | 123
THE IMPACT OF PAST TIME
REFERENCE ON THE USE OF
PRETÉRITO PERFECTO IN
MADRID
x
Abstract:
From the perspective of Sociolinguistic Variationist This paper focuses on the study of the
variation between perfecto simple (estudié - PPS) and perfecto compuesto (he estudiado - PPC) in Madrid.
Our hypothesis is that the kind of past time reference is a factor that impacts the use of these
verbal forms and, therefore, it helps in the understanding on how this variation is organized in
the norm of Madrid. From a corpus of radio interviews compiled to fulfill the objectives of this
study, we analyze the data considering the temporal scopes of absolute past (ABS) and ante-
present (ANT). As a result, we identified a categorical use of the PPC in the ANT in line
with what the Spanish grammars describe and an expressive use of PPS in the ABS. In
particular, we observed that the insertion of the PPC in the context of ABS still discreet and
not prescribed by the grammatical norm seems to be a recent and potentially increasing usage,
considering that it is especially related to younger speakers.
Keywords: Pretérito Perfecto. Spanish. Madrid. Linguistic Variation. Linguistic Norm.
x