BALSAN, S. F. de S.; SOUZA, R. J. de. Pedro Malasartes: um reverência à esperteza na
tradição popular. Revista Diálogos (RevDia), “Edição comemorativa pelo Qualis B2”,
v. 6, n. 2, mai.-ago., 2018.
PEDRO MALASARTES
Uma reverência à esperteza na tradição popular
Pedro Malasartes: a reverence tocleverness in folk tradition
Silvana Ferreira de Souza Balsan (UNESP/CELLIJ/PRESIDENTE
PRUDENTE)
1
Renata Junqueira de Souza (UNESP/CELLIJ/PRESIDENTE PRUDENTE)
2
1
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Ciências e Tecnologia UNESP Campus de Presidente Prudente e docente da Rede
Municipal de Dracena/SP. silvana.educar@bol.com.br
2
Livre-docente atuante na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
campus de Presidente Prudente, coordenadora do CELLIJ (Centro de Estudos em
Leitura e Literatura Infantil e Juvenil “Maria Betty Coelho Silva”). recellij@gmail.com
RESUMO: O artigo visa discutir o ensino da língua portuguesa desenvolvido
atualmente no Ensino Fundamental e apresentar uma proposta a partir de uma
concepção de leitura pautada nos pressupostos de Vygotsky, mediante a discussão de
práticas pedagógicas baseadas em contos populares, mais especificamente dos contos
de astúcia da personagem Pedro Malasartes. O objetivo deste estudo foi propor
práticas de ensino visando destacar a importância da concepção docente sobre o
ensino da ngua portuguesa para propiciar atividades que valorizem o diálogo, os
conhecimentos dos sujeitos envolvidos e a participação ativa de todos. A metodologia
utilizada é a pesquisa bibliográfica, a qual propõe a leitura dos referenciais teóricos
que discutem sobre a leitura e o gênero conto. Na primeira parte do texto discute-se
como o trabalho com leitura e escrita se consolidou ao longo do tempo nas escolas por
meio de diferentes concepções; na parte subsequente, apresentam-se as concepções
teóricas que sustentam nossos estudos e posteriormenteexpõe a propositura de uma
práticade leiturapara alunos do Ensino Fundamental I. Ressalta-se a necessidade
rever o ensino de linguagem visando formar um leitor que compreenda os gêneros
com os quais tem contato.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino e aprendizagem de leitura. Contos de esperteza. Prática
de leitura.
ABSTRACT: This article aims to discuss the teaching of Portuguese language
currently developed in Primary School. To present a proposal under a conception of
reading based on the assumptions of Vygotsky, through the discussion of pedagogical
practices using popular tales, more specifically the tales of the character Pedro
Malasartes. The purpose of this study was to propose teaching practices aimed at
highlighting the importance of the teaching conception on Portuguese language
teaching to provide activities that enhance the dialogue, the knowledge of the
subjects involved and the active participation of all. The methodology used is the
bibliographical research, which proposes the reading of the theoretical references
that discuss about the reading and the genre. The first part of the text discusses how
work with reading and writing has consolidated over time in schools through
different conceptions; in the following section, we present the theoretical conceptions
that support our studies and later expose the proposition of a reading practice for
primary school students. It is necessary to review the teaching of language in order to
form a reader who understands the genres with which he has contact.
KEYWORDS: Teaching and learning of reading. Popular Tales. Reading practice.
1. PARA INÍCIO DE CONVERSA...
Nunca antes na história da sociedade houve tanta necessidade do
ser humano se apropriar de sua língua para se comunicar. Se
observarmos à nossa volta, constataremos que ao praticarmos nossas
atividades cotidianas, nos deparamos com circunstâncias diversas que
nos proporcionam diferentes situações de leitura, pois encontramos
embalagens de produtos que precisamos ler e entender, uma vez que
possuem informações que podem prejudicar nossa saúde se não as
lermos com atenção. Ainda somos bombardeados o dia todo, por meio
de outdoors ou anúncios na televisão, que tentam nos convencer de que
temos que consumir cada vez mais para que sejamos felizes; além da
necessidade de ler o espaço no qual moramos, seja por meio de
endereços, placas, nomes de linhas de ônibus, metrôs, etc.
Assim sendo, a sociedade evoluiu muito e exigiu de cada um de
nós demandas específicas para ler e escrever neste momento histórico,
social e cultural do qual fazemos parte, uma vez que:
Atualmente exigem-se níveis de leitura e de escrita
diferentes e muito superiores aos que satisfizeram as
demandas sociais até bem pouco tempo atrás e tudo
indica que essa exigência tende a ser crescente. Para a
escola, como espaço institucional de acesso ao
conhecimento, a necessidade de atender a essa demanda,
implica uma revisão substantiva das práticas de ensino
que tratam a língua como algo sem vida e os textos como
conjunto de regras a serem aprendidas, bem como a
constituição de práticas que possibilitem ao aluno aprender
linguagem a partir da diversidade de textos que circulam
socialmente. (BRASIL, 1997, p. 25, grifo nosso)
Por este motivo, a sociedade em geral volveu seu olhar para a
escola, porque, é ela a instituição que tem a função de garantir e
propagar a educação formal, incluindo o ensino da leitura. Entretanto,
a instituição escolar muitas vezes ainda não consegue proporcionar aos
alunos práticas educativas de leitura e escrita que ensinem os
estudantes a ler e a escrever efetivamente, pois ela enfatiza o aspecto
de decodificação do texto, o que impede o processo de compreensão
leitora dos estudantes, pois:
[...] apesar do reconhecimento espontâneo da afirmação
ler é entender um texto, a escola contradiz, com certa
freqüência, tal afirmação ao basear o ensino da leitura em
uma série de atividades que se supõe que mostrarão aos
meninos e às meninas como se lê, mas nas quais,
paradoxalmente, nunca é prioritário o desejo de que
entendam o que diz o texto. (COLOMER; CAMPS, 2002, p.
29).
Tal contradição desenvolveu-se ao longo da história nas
instituições escolares em virtude das concepções de leitura adotadas,
nas quais discutiu-se muito sobre a importância da decodificação e dos
modelos tomados pelos docentes para alfabetizar.
Todavia, acreditamos em uma abordagem na qual o ato da leitura
requer que o leitor obtenha sentido no texto, a partir de sua visão de
mundo, de maneira que a leitura é possível quando o sujeito tem um
conhecimento prévio desse mundo (LEFFA, 2002). Por conseguinte,
compreendemos que o processo de leitura do mundo começa antes de se
entrar na escola, pois “o ato de ler não se esgota na decodificação pura
da palavra escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do
mundo” (FREIRE, 1984, p. 11).
Diante do exposto, o autor definiu que o processo de ler é fruto de
um contexto social ao afirmar que “a leitura do mundo precede a
leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade
se prendem dinamicamente” (FREIRE, 1984, p. 11-12) e concordamos
com Paulo Freire (1984) quando este afirma que a leitura se constrói a
partir do mundo no qual o sujeito está inserido, uma vez que, o ato de
ler é um processo de compreensão da realidade embasado nas várias
linguagens e símbolos que cercam o indivíduo.
Ainda, entendemos a leitura como um processo que se inicia no
texto e perpassa o leitor que constrói o seu significado a partir dos
conhecimentos prévios trazidos dele que, poderá, não somente ler a
palavra, mas fazer uma leitura do mundo associando linguagem e
realidade, tornando-se este um leitor crítico e autônomo.
Desta forma, enfatizamos que a aprendizagem é mais
significativa, quanto mais a informação nova se relacionar com as
informações preexistentes, tendo como princípio norteador o interesse
do aluno que se qualificado como sujeito que constrói seu
conhecimento, e nesta perspectiva, interessa-se em aprender e regular
seu próprio desenvolvimento como leitor (JOBE; SAKARY, 1999; SOUZA;
DEPRESBITERIS; MACHADO, 2004).
Logo, devemos valorizar as experiências e relações construídas
pela criança, antes de adentrar ao ambiente escolar, pois ela acumula
saberes que estão de acordo com o grupo social do qual faz parte, da
época e cultura e da sociedade em que o estudante está inserido. Desse
modo, o ato de ler passa a ser uma experiência individual e flexível,
porque dependerá do leitor, daquilo que ele viveu e das condições nas
quais a leitura é produzida, resultando em distintas formas de
compreensão, uma vez que entendemos que o leitor é
[...] um sujeito ativo que utiliza conhecimentos de tipo
muito variado para obter informação do escrito e que
reconstrói o significado do texto ao interpretá-lo de
acordo com os seus próprios esquemas mentais e a partir
de seu conhecimento de mundo. (COLOMER; CAMPS,
2002, p. 31)
Quando salientamos a formação de um leitor nos referimos
àquele sujeito que sabe selecionar, indicar e justificar a eleição de uma
obra, porque:
[...] para ler, é necessário dominar as habilidades de
decodificação e aprender as distintas estratégias que
levam à compreensão. Também se supõe que o leitor seja
um processador ativo do texto, e que a leitura seja um
processo constante de emissão e verificação de hipóteses
que levam à construção da compreensão do texto e do
controle desta compreensão de comprovação de que a
compreensão realmente ocorre. (SOLÉ, 1998, p. 24).
Logo, nós acordamos com Solé (1998) sobre a necessidade da
escola tornar-se um lugar no qual os alunos desenvolvam e utilizem
seus procedimentos mentais queprecisam ser trabalhados em sala de
aula: a previsão ou antecipação, a inferência, a verificação e a seleção,
conforme os pressupostos teóricos de Isabel Solé (1998), Frank Smith
(1999, 2003) e Mary Kato (1999) que segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais “uma estratégia de leitura é um amplo esquema
para obter, avaliar e utilizar informação. As estratégias são um recurso
para construir significado enquanto se lê” (BRASIL, 1997, p. 53) pois:
Estratégias de seleção possibilitam ao leitor ler se ater
apenas aos índices úteis, desprezando os irrelevantes; de
antecipação permitem supor o que ainda está por vir; de
inferência permitem captar o que não está dito
explicitamente no texto e de verificação tornam possível
o ‘controle’ sobre a eficácia ou não das demais
estratégias. (BRASIL, 1997, p. 53, grifo nosso)
Nesse sentido, reafirmamos que ler é um processo de atribuir
significado ao texto e que esse significado depende de um leitor que irá
construí-lo por meio dos conhecimentos prévios trazidos por ele, das
estratégias que utiliza e do contexto no qual está inserido.
A partir de tudo que dissemos anteriormente, destacamos que
para a execução deste artigo, emprega-se como metodologia a pesquisa
bibliográfica, que se caracteriza por usar como fontes para pesquisa o
material existente, constituído principalmente por livros e artigos
científicos, isto é:
A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento
de referências teóricas já analisadas, e publicadas por
meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos
científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho
científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que
permite ao pesquisador conhecer o que se estudou
sobre o assunto. Existem porém pesquisas científicas que
se baseiam unicamente na pesquisa bibliográfica,
procurando referências teóricas publicadas com o
objetivo de recolher informações ou conhecimentos
prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a
resposta (FONSECA, 2002, p. 32).
Para a investigação, tornou-se necessário consultarmos diversos
estudos que discutiam as características e os conceitos de leitura e que
abordavam o gênero conto de esperteza. A partir dos construtos teóricos
com os quais tivemos contato, produziu-se o presente artigo visando
discutir com os leitores novas possibilidades de trabalho com a
linguagem na sala de aula.
Ressaltamos então, que para que possamos modificar práticas de
ensino de linguagem instituídas historicamente, devemos propor outras
práticas de ensino de linguagem através da construção de um modelo
de unidade pedagógica.
2. REPENSANDO O ENSINO DE LINGUAGEM: DEBATES SOBRE
DIÁLOGO, ESTRATÉGIAS DE LEITURA E O GÊNERO TEXTUAL.
Conforme Vygotsky (1993, 1998a, 1998b), o desenvolvimento
humano é uma ação que ocorre do nascimento até a morte do indivíduo,
e os processos humanos têm sua gênese nas relações com o outro e com
a cultura, logo o desenvolvimento de uma pessoa ocorre porque ela está
inserida em ambientes culturalmente e socialmente regulados.
O autor (1998a, p. 27) afirma ainda que um dos “[...]
instrumentos básicos inventados pela humanidade é a linguagemque
influencia na organização e no desenvolvimento dos processos de
pensamentos por meio da “[...] constante mediação dos adultos, os
processos psicológicos instrumentais mais complexos” (VYGOTSKY,
1998a, p. 28) das crianças se estruturaram.
Neste sentido, concebemos a linguagem como um fenômeno social
e constatamos que o papel do docente é desvelar aos alunos a existência
de diferentes variantes da linguagem, que são resultantes das
características de cada sujeito e do meio no qual eles estão inseridos,
para que os estudantes se apropriem desse conhecimento e que possam
utilizar a linguagem adequada de acordo com a situação social que
estejam vivenciando.
A escola então, se torna um espaço de conhecimento
compartilhado no qual os discentes sejam considerados indivíduos
capazes de construir ideias a partir da interação com os outros sujeitos
de aprendizagem e assim possam refletir acerca da leitura e da escrita,
pois dessa forma os estudantes irão “[...] utilizar autonomamente
estratégias de leitura decifrar, antecipar, inferir e verificar e
coordenar, mesmo que com ajuda, os diferentes papéis que precisam
assumir ao produzir um texto: planejar, redigir rascunhos, revisar e
cuidar da apresentação.” (BRASIL, 1997, p. 80)
De acordo com Délia Lerner (2002), as práticas de leitura e
escrita, tem o objetivo de formar alunos praticantes da cultura leitora e
escritora, assim sendo, é responsabilidade da escola oferecer um ensino
de qualidade que permita que os estudantes se apropriem do mundo da
cultura escrita e a pratique no contexto social, pois:
O necessário é fazer da escola um ambiente onde a leitura
e a escrita sejam práticas vivas e vitais, onde ler e
escrever sejam instrumentos poderosos que permitam
repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento,
onde interpretar e produzir textos sejam direitos que é
legítimo exercer e responsabilidade que é necessário
assumir. (LERNER, 2002, p.18).
Além disso, todo texto pertence a um determinado gênero, com
uma forma própria, que se pode aprender. Quando entram na escola, os
textos que circulam socialmente cumprem um papel modelizador,
servindo como fonte de referência, de repertório textual e de suporte
da atividade intertextual. Desta maneira, “[...] a diversidade textual
que existe fora da escola pode e deve estar a serviço da expansão do
conhecimento letrado do aluno.” (BRASIL, 1997, p. 28).
Toda introdução de um gênero na escola é o resultado de
uma decisão didática que visa a objetivos precisos de
aprendizagem que são sempre de dois tipos: trata-se de
aprender a dominar o gênero, primeiramente, para
melhor conhecê-lo, melhor produzi-lo na escola e fora
dela, e, em segundo lugar, para desenvolver capacidades
que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para
outros gêneros. (DOLZ; SCHNEUWLY; 1999, p. 10)
Desde o início da escolarização infantil o ensino deve se
relacionar aos diferentes gêneros de acordo com as situações didáticas
propostas pelos docentes por meio de projetos ou de sequências
didáticas (LERNER, 2002).
Os gêneros se constituem histórica e culturalmente de acordo com
o contexto no qual estão inseridos, uma vez que eles se estruturam
através dos conhecimentos sociais que desenham os propósitos da
comunicação, por isso “[...] existem em grande quantidade, em parte
porque os gêneros, como as práticas sociocomunicativas, são dinâmicos
e sofrem variações na sua constituição [...].” (KOCH; ELIAS, 2006, p.
101).
Depois de discorrermos sobre as concepções que fundamentam os
construtos teóricos, o próximo tópico abordará sobre situações de
ensino respaldadas nos conceitos destacados até o momento.
3. PEDRO MALASARTES: ESPERTEZA EM DOSE DUPLA!
Neste artigo, com a intenção de colocarmos as crianças em
contato com a personagem Pedro Malasartes, selecionamosdois textos
distintos, sendo o primeiro uma história em quadrinhos e o segundo um
conto (de esperteza), que se caracteriza por ser uma narrativa curta,
que se constituiu através de:
[...] uma voz que narra uma história a partir de um certo
ângulo de visão (ou foco narrativo) e vai encadeando as
sequências (e fabulação, cuja ação é vivida por
personagens; está situada em determinado espaço, dura
determinado tempo e se comunica através de determinado
espaço, dura determinado tempo e se comunica através de
determinada linguagem ou discurso, pretendendo ser lida
ou ouvida por determinado leitor/ouvinte.” (COELHO,
2000, p. 92, grifo do autor)
Dentre os contos existentes, optamos por aqueles cujo enredo se
organiza em torno de uma personagem, que pode ser humano ou animal
e que utiliza sua esperteza para lograr o oponente e sair vitorioso. Tais
histórias possuem diversos nomes como: contos de artimanha; de
astúcia e/ou esperteza. De acordo com Zilberman (2005), em todas
essas narrativas o protagonista, que é visto como frágil ou menor,
acaba suplantando o maior, valendo-se da sagacidade para demonstrar
que, apesar de seu exterior à primeira vista o rebaixar, ele acaba se
sobrepondo aos outros. Assim sendo, estas narrativas sugerem:
[...] que não se subestimem os pequenos, sejam pobres,
homens do campo, ou crianças, figura que o roceiro
igualmente metaforiza. Desse modo, a narrativa, de um
lado, mantém as características do gênero de onde
provêm, exibindo as oposições entre o pobre e o rico, e
entre o opressor e o oprimido, oposições que se resolvem
quando o menor derrota o maior [...] (ZILBERMAN, 2005,
p. 96)
Essas histórias originaram-se dos contos folclóricos e
expandiram-se oralmente de geração para geração, principalmente por
mulheres (avós, mães, etc.) que memorizavam esses textos e os
contavam para as pessoas, adaptando-os para diferentes públicos.
Selecionamos para essa proposta as narrativas de Pedro Masalartes
(das Malasartes ou ainda Malasarte e Malazarte) que chegou ao Brasil
trazido na bagagemdos portugueses e espanhóis. Pedro Malasartes
caracteriza-se por ser um homem pobre que utiliza de sua astúcia para
conseguir ludibriar outras personagens que esnobam o homem gerando
situações cômicas.
Nossa proposta inicia-se com a história em quadrinhos intitulada
“Chico Malasarte e o urubu falante”, de Mauricio de Sousa, pois este
texto traz em seu interior as experiências de vida e de leitura de quem
as escreveu, formando uma rede que envolve o leitor e prende sua
atenção, pois "[...] as produções humanas, embora aparentemente
desconexas, encontram-se em constante inter-relação. Na verdade,
constrói-se uma grande rede, com o trabalho de indivíduos e grupos
onde os fios são formados pelos bens culturais." (PAULINO; WALTY;
CURY, 1995, p. 12). Neste sentido, a história em quadrinhos apresenta
em seu enredo elementos da história original, que se inicia quando o
pai de Malasartemorre e deixa para os filhos uma casa, cabendo a porta
da casa ao pobre rapaz que decidiu viajar e levá-la nas costas. No meio
do caminho encontrou um urubu que subiu na madeira e foi com o
jovem. Após andar muito, encontrou uma casa com uma mulher muito
gulosa que não queria repartir a comida com ele.
Podemos iniciar a atividade com o título da história (“Chico
Malasarte e o urubu falante”), e ao colocá-lo na lousa, o docente pode
questionar os estudantes visando avaliar os conhecimentos prévios que
possuem em relação ao texto e para que façam inferências entre o
Malasarte original e o Chico. Após anotar as respostas das crianças na
lousa, o docente em seguida colocará o nome do autor e uma imagem da
personagem principal para que as crianças façam inferências a partir
da relação existente entre a personagem original e o Chico Bento, de
Mauricio de Sousa.
Optamos pela história em quadrinhos (HQs) de Sousa, pois a
mesma traz em seu interior muitos exemplos da variação linguística
adotada pela personagem Chico Bento. Segundo SirioPossenti (2006), é
primordial que a escola exponha ao estudante sempre que possível o
maior número de experiências com a diversidade de textos e falas para
que os alunos possam elaborar seu conhecimento linguístico e
aprimorar sua forma de falar e escrever, adequando-as à situação social
vivida no momento em que a fala e a escrita foram produzidas.
Figura 1. Título
Fonte: retirada da História em Quadrinhos “Chico Malasarte e o urubu
falante”.
Ao possibilitar a introdução de diversas variantes linguísticas, o
docente pode propor a reflexão sobre o uso destas variantes em cada
contexto social, inclusive apresentar a norma culta como uma variante
e por meio da relação entre todos os envolvidos discutir essa variante e
sua importância, sem enfatizá-la como a única.
Outro fator importante nessa versão do conto consiste no fato de
que os estudantes tenham contato com narrativas em quadrinhos, pois
elas trazem “[...] uma história contada por uma sucessão de imagens.”
(VERGUEIRO, 2006, p. 9) e que constituem um sistema narrativo “[...]
composto por dois códigos que atuam em constante interação: o visual
e o verbal. Cada um desses ocupa, dentro dos quadrinhos, um papel
especial, reforçando um ao outro e garantindo que a mensagem seja
entendida em plenitude.” (IBIDEM, 2006, p. 31).
A partir da HQ o professor pode ler para os alunos, discutir a
sequência do enredo, as características, o tempo e o espaço da
narrativa. Assim sendo, o docente poderá fazer a leitura e interpretação
escrita e oral do texto, além de possibilitar o contato com um gênero
que os estudantes gostam muito.
Em seguida, indicamos a oferta da história “Malasartes e o urubu
mágico” de Augusto Pessôa, com a qual os alunos terão contato com a
variedade padrão da língua. O docente pode fazer a leitura da obra e
depois comparar as duas versões lidas pelos alunos e elaborar com eles
uma tabela com as diferenças entre os enredos. No decorrer do trabalho
o educador pode solicitar a produção de texto e/ou a análise linguística
de trechos para discutir com os estudantes as diferenças entre as
linguagens empregadas pelos autores.
Ressaltamos que para as atividades sugeridas podem ser
acrescidas outras situações que os docentes acharem necessárias para
atender as necessidades dos discentes com os quais ele trabalha.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para encerrarmos o presente texto, sintetizaremos alguns pontos
que consideramos relevantes: o primeiro refere-se à mudança de
concepção de ensino de linguagem. Destacamos que o professor pode
ser a chave da mudança de sua prática, desde que ele valorize as
capacidades de seus alunos, compreendendo-os como seres ativos e
históricos, por isso, os conhecimentos e particularidades apresentados
nas discussões em sala de aula enriquecerão as atividades.
Um segundo ponto é ir além da teoria e trazer para o ambiente
escolar outros gêneros textuais, que valorizem a cultura popular e que
permitam aos discentes se identificarem. Entender que cada pessoa
altera a linguagem de acordo com as situações que está vivenciando
também é mister. E por último, possibilitar aos estudantes vivenciarem
momentos de aprendizagem que não se caracterizam pela fragmentação
do conhecimento, mas sim, em situações interligadas.
Desta forma, destacamos que é a partir da interação entre as
crianças e o professor, em sua função mediadora que o ensino da língua
partirá de uma situação real, proposta para um grupo social, histórico e
culturalmente constituído, no qual todos os envolvidos terão espaço e
voz para ouvirem e serem ouvidos, aprendendo e compreendendo as
várias possibilidades de um texto.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais - a séries. Brasília,
MEC/SEF, 1997.
COELHO, N. N. Literatura Infantil: teoria, análise e didática. São
Paulo: Moderna, 2000.
COLOMER, T.; CAMPS, A. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto
Alegre: Artmed, 2002.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola.
Campinas (SP): Mercado de Letras, 1999.
FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC,
2002. Apostila.
FREIRE, P. A importância do ato de ler. 6.ed. São Paulo:
Cortez/Autores Associados, 1984.
JOBE, R.; SAKARI, M. D. Reluctant Readers: connecting students and
books for successful reading experience. Ontario: Pembroke, 1999.
KATO, M. O aprendizado da leitura. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2006.
LEFFA, V. J. Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolinguística.
Porto Alegre: ARTMED, 2002.
LERNER, D. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário.
Porto Alegre: Artmed, 2002.
PAULINO, G.; WALTY, I.; CURY, M. Z. Intertextualidades: teoria e
prática. Belo Horizonte: Lê, 1995.
PESSÔA, A. Malasartes: histórias de um camarada chamado Pedro.
Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. 15 reimp.
Campinas: Mercado de Letras, 2006.
SMITH, F. Leitura significativa. 3. ed. Tradução de Beatriz Affonso
Neves Porto Alegre: Artmed, 1999.
SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da
leitura e do aprender a ler. 4. ed. Tradução de Daise Batista. Alegre:
Artmed, 2003
SOLÉ, I. Estratégias de Leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.
SOUSA, M. Chico Bento: histórias da vó Dita. n. 48. Editora Globo, Nov.
2005.
SOUZA, A. M. M.; DEPRESBITERIS, L.; MACHADO, O. T. M. A mediação
como princípio educacional: bases teóricas das abordagens de Reuven
Feuerstein. São Paulo: SENAC, 2004.
VERGUEIRO, W. Uso das HQS no ensino. In: VERGUEIRO, W. (org.)
Como usar as Histórias em Quadrinho na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 2006.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
1993.
VYGOTSKY, L. S. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 6.ed.
São Paulo, Ícone, 1998a.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998b.
ZILBERMAN, R. Como e por que ler a Literatura Infantil Brasileira.
Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2005.