tempo, começou a tagarelice, enquanto a escrita só surgiu há 5.000 anos, por razões bem
menos naturais e espontâneas, como o desejo de perpetuar memórias, contar histórias etc.
(4) Assim, decorre que a língua escrita deveria ser mera transposição da língua falada, não? E
por que não é? Por uma série de razões. Uma, por facilidade: estabelecem-se as regras no
começo da partida, e só se as trocam quando, "de facto", já não estiver dando mais pra
jogar. Outra, por economia, já que cada troca gramatical implica uma série de custos.
Outra, pela própria natureza dos meios, já que o escrito, como um lago, tende para o
perene, enquanto a língua falada está em constante mudança, qual um rio. Mas,
fundamentalmente, a língua permanece congelada porque aqueles que a codificam,
possuidores que são do universalmente ratificado como correto, recusam-se a abandonar
seus castelos de conhecimento.
(5) Língua é poder, eis o xis da questão. A correção gramatical demonstra não só apreço por
Camões, mas uma educação de nível, boa família e um ambiente salutar. Língua é berço. E,
no momento em que serve para demonstrar origem, também serve como fator seletivo, a
barrar todos aqueles que não comungam da mesma semântica. Quem escreve "pobrema"
não é só inculto, mas provavelmente sem escolaridade e, portanto, pobre. Assim, escreveu
pobrema, leva xis vermelho da tia, não entra na universidade, não consegue o empréstimo
no banco nem que o delegado o atenda ou o médico o socorra e, opa!, quando se vê já está
trabalhando de empregada ou jardineiro na casa de alguém que soletra problema em
alemão, com trema e tudo. Quando, na verdade, "pobrema" está mais certo do que
"problema", se entendermos a língua como construção popular. Se a voz do povo for a voz
de Deus, então todos esses dicionaristas e gramáticos estão surdos.
(6) P.S. Depois de uma pintura milagrosa, sumiu o letreiro da Redação, pelo menos o de cima
deste caderno. Mas não há razão para preocupações, que colocaram pra me vigiar uma
turma de revisores que tasca aspas em tudo que está na boca, mas não no Aurélio. Depois
de lutas inglórias, caro leitor, já consigo usar um "pra" sem aspas. Quando puder dizer "tem
que" (e não "de") e "tem vezes..." (e não "há"), tem festa lá em casa.
Fonte: Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm1312199910.htm
Em primeiro lugar, o título escolhido pelo colunista da Folha de S. Paulo não é
algo arbitrário, mas refrata e reflete a temática discutida ao longo do artigo. Chamou-nos a
atenção sse texto justamente pelo destaque das aspas. Entre as características abordadas
sobre esse sinal de pontuação, está a capacidade de marcar visualmente para o leitor a
polissemia de uma palavra ou expressão de acordo com o contexto, evidenciando a
responsividade enunciativa. Em uma das leituras possíveis, Ioschpe menciona um lado
negativo ao inserir no título o vocábulo aprisionam como expressão do poder coercitivo
que a norma culta tem sobre os falantes de um idioma, principalmente os profissionais que
trabalham com a escrita diária, caso dos jornalistas.
No primeiro parágrafo (1), o colunista conta suas primeiras experiências na
Redação da Folha de S. Paulo. Em seu relato, destaca-se o Programa de Qualidade do
jornal que tinha como um dos instrumentos utilizados pela empresa um letreiro que
mostrava os tipos de erros cometidos pelos colaboradores do periódico em cada edição.