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UM TRABALHO VOLTADO À DIMENSÃO SOCIAL DO GÊNERO NO ENSINO
DE LÍNGUA PORTUGUESA
A work turned to the social dimension of the gender in portuguese language
teaching
LELIANE REGINA ORTEGA
1
TEREZINHA DA CONCEIÇÃO COSTA-HÜBES
2
RESUMO: O estudo de um gênero
discursivo não pode ser desvinculado da
situação social que o envolve, uma vez
que, por estar inserido em uma dada
esfera de atividade humana, entrelaça-se
com esse contexto, amalgamando todo
um projeto discursivo. Logo, no ensino da
língua portuguesa por meio dos gêneros
é importante que as reflexões se
estendam para além dos elementos
linguísticos (e/ou não verbais) que
corporificam um texto-enunciado e
focalizem os aspectos sociais e históricos
que o envolve. Ao considerarmos esses
pressupostos, o objetivo deste artigo é
apresentar uma proposta de atividades
que explore a dimensão social do gênero
Regras de jogo, analisando criticamente
sua aplicação em uma turma do ano
do Ensino Fundamental. Teoricamente,
recorremos a Bakhtin (2010[1979),
Bakhtin e Volochínov (2009[1929]);
Volochínov e Bakhtin (1926), além dos
estudos de Rodrigues (2001) e Brocardo
(2015).
PALAVRAS-CHAVE: Gênero discursivo;
Dimensão social do gênero; Gênero
Regras de Jogo
ABSTRACT: The study of a discursive
genre can not be separated from the
social situation that surrounds it, once,
being inserted in a given sphere of human
activity, it intertwines with this context,
amalgamating a whole discursive project.
Therefore, in the teaching of the
Portuguese language through the genres,
it is important that the reflections extend
beyond the linguistic elements (and / or
non-verbal) that embody a text-statement
and focus on the social and historical
aspects that surround it. When
considering these assumptions, the
objective of this article is to present a
proposal of activities that explore the
social dimension of the genre Game
rules, critically analyzing its application in
a class of the 7th grade of elementary
school. Theoretically, we turn to Bakhtin
(2010 [1979]), Bakhtin and Volochinov
(2009 [1929]); Volochínov and Bakhtin
(1926), besides the studies of Rodrigues
(2001) and Brocardo (2015).
KEYWORDS: Discursive genre; Social
dimension of gender; Game Rules.
ORTEGA, R. O.; COSTA-HÜBES, T. da C. Um trabalho voltado à dimensão social
do gênero no ensino de língua portuguesa. In. Revista Diálogos, v. 7, n. 3, out.-
dez., 2019.
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras e Mestre em Letras do Programa de
Pós-Graduação em Letras Profletras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná -
UNIOESTE. leliortega@gmail.com
2
Profa. Dra. do Programa de Pós-Graduação em Letras (mestrado acadêmico) e do Programa de
Pós-Graduação em Letras (mestrado profissional) Profletras da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná UNIOESTE. tehubes@gmail.com
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INTRODUÇÃO
Os estudos de Volochínov e Bakhtin (1926) defendem que o discurso
pode se concretizar por meio de enunciados, compreendidos como concretos e
únicos, imbricados com toda uma situação de interação. Em dado contexto, o
enunciado absorve o objeto comunicativo e concede-lhe um sentido absoluto.
Além disso, resigna-se ao projeto de dizer do locutor e expressa essa vontade
discursiva ao interlocutor, configurando-se em formas singulares, amalgamado à
esfera de atividade humana que o agencia.
Em função desse entrelaçamento com o contexto no qual se instaura, a
compreensão de um enunciado ultrapassa os limites linguísticos e corporifica os
entornos da enunciação, ou seja, seus elementos extraverbais. Se essa
especificidade do enunciado é o importante para a compreensão do texto
quanto os elementos verbais que o planifica, então, precisa ser incorporada ao
ensino de línguas para que o aluno o compreenda em toda a sua plenitude.
Por essas razões, temos como objetivo, neste artigo, expor uma proposta
de atividade que explora a dimensão social do gênero Regras de jogo, refletindo
criticamente sobre sua aplicação em uma turma do ano do Ensino
Fundamental. Justificamos a escolha desse gênero por fazer parte do universo
lúdico das crianças e por estar presente em seu cotidiano, o que nos faz entender
que se aproxima mais de situações de uso da linguagem e, consequentemente,
pode tornar-se mais acessível em relação à compreensão de sua dimensão
extralinguística.
Toda a proposta e os estudos realizados
3
foram subsidiados pelos
pressupostos bakhtinianos, a partir dos quais procuramos revozear o fazer
docente, reenunciando práticas reificadas na direção da dinamicidade com a
linguagem na sala de aula.
3
O presente artigo consiste em um recorte da pesquisa de mestrado: PRÁTICAS DE USO DA
LINGUAGEM COM O GÊNERO DISCURSIVO REGRAS DE JOGO: UM TRABALHO COM
SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O APRIMORAMENTO DA CAPACIDADE LINGUÍSTICO-
DISCURSIVA. Essa pesquisa foi desenvolvida no Programa Pós-graduação em Letras, Nível de
Mestrado Profissional (Profletras), da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
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Nessa perspectiva, primeiro explanamos teoricamente sobre a dimensão
social do gênero; na sequência, expomos as atividades elaboradas; e, por fim,
refletimos sobre a elaboração e viabilização das atividades na sala de aula.
1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Os estudiosos do Círculo de Bakhtin, ao ampliar a compreensão de
linguagem, destacaram seu viés dialógico e defenderam a vida concreta dos
discursos nas manifestações reais de uso da língua. Nessa mesma direção,
defenderam que os textos-enunciados se moldam em gêneros discursivos que,
por sua vez, são representativos do campo de atividade humana a que pertencem
e são constituídos por duas dimensões indissolúveis: a extraverbal e a verbal.
As reflexões sobre a dimensão extraverbal e a dimensão verbal foram
desenvolvidas por Volochínov e Bakhtin (1926), Bakhtin e Volochínov
(2009[1929]) e Bakhtin (2010[1979]). Ao tratar do método sociológico no texto
Discurso na vida e discurso na arte, Volochínov e Bakhtin (1926) defendem que o
discurso verbal por si é insuficiente; ele depende de seu contexto extraverbal
para significar. Os autores explicam que o discurso “[...] nasce de uma situação
pragmática extraverbal e mantém a conexão mais próxima possível com esta
situação” (VOLOCHÍNOV e BAKHTIN, 1926, p. 6).
A dimensão extraverbal do enunciado apontada pelos autores é
renomeada por Rodrigues (2001) como dimensão social do gênero. Segundo a
autora, essa dimensão ultrapassa os elementos linguísticos do enunciado e
incorpora os elementos extralinguísticos que envolvem sua situação de produção
e, por isso, exercem determinações sobre o gênero. Parafraseando as palavras
de Volochínov e Bakhtin (1926), a autora assim explica essa dimensão do
enunciado:
Para além de uma parte verbal expressa (exprimida,
materializada), fazem parte do enunciado, como elementos
necessários a sua constituição e a sua compreensão total, isto é,
à compreensão do seu sentido, outros aspectos constitutivos do
enunciado, que se pode denominar como a sua dimensão
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extraverbal, ou a sua dimensão social constitutiva (RODRIGUES,
2001, p. 22).
Trata-se, assim, de um horizonte presumido que engendra o enunciado
com a vida. Logo, conforme explicam Volochínov e Bakhtin (1926), o contexto
extraverbal compreende três fatores: 1) o horizonte espacial comum dos
interlocutores; 2) o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte
dos interlocutores; e 3) sua avaliação comum dessa situação.
Rodrigues (2001), a partir desses fatores, estabeleceu as seguintes
categorias que podem nortear a análise/compreensão de um enunciado:
a) horizonte espacial e temporal: corresponde ao onde e quando
do enunciado;
b) horizonte temático: corresponde ao objeto, ao conteúdo
temático do enunciado (aquilo de que se fala);
c) horizonte axiológico: é a atitude valorativa dos participantes do
acontecimento (próximos, distantes) a respeito do que ocorre (em
relação ao objeto do enunciado, em relação aos outros
enunciados, em relação aos interlocutores) (RODRIGUES, 2001,
p.24).
Atentando para as palavras da autora e recorrendo ao que foi expresso por
Volochínov e Bakhtin (1926), interpretamos que, para a compreensão de um
enunciado, é importante que os interlocutores envolvidos (autor e leitor/ouvinte)
tenham conhecimento do lugar do qual ou sobre o qual estão falando/escrevendo;
e, da mesma forma, identifiquem/compartilhem o tempo do qual/sobre o qual se
fala/escreve, ou seja, que o horizonte espacial e temporal seja comum aos
interlocutores. Em relação àquilo que Rodrigues (2001) denominou de horizonte
temático e que Volochinov e Bakhtin (1926) se referiram como o conhecimento
e a compreensão comum da situação por parte dos interlocutores , entendemos
que os envolvidos na interação devem partilhar, ter conhecimento, compreender a
situação que gerou o tema e, consequentemente, a necessidade de
dizer/escrever. Trata-se de um [...] conjuntamente sabido”, conforme
denominaram Volochínov e Bakhtin (1926, p. 07). E, finalmente, o horizonte
axiológico, conforme definição atribuída por Rodrigues (2001), corresponde ao
que os autores definiram como uma avaliação comum dessa situação, ou
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“unanimemente avaliado” pelos interlocutores, isto é, a atitude valorativa e o
posicionamento assumido pelos interlocutores em relação ao tema em pauta.
A dimensão verbal, por sua vez, corresponde aos elementos constitutivos
do gênero que Bakhtin (2010[1979) definiu como conteúdo temático, estilo e
construção composicional do enunciado. Tais elementos estão entrelaçados às
relações dialógicas presentes em uma situação específica de interação, em um
dado campo da comunicação discursiva, em consonância com a dimensão social.
Trata-se, assim, [...] da parte percebida ou realizada em palavras”
(VOLOCHÍNOV e BAKHTIN, 1926, p. 8).
Todavia, é importante considerarmos que essas dimensões se encontram
imbricadas na constituição do enunciado, de modo que este pode ser
compreendido se levarmos em consideração tanto sua parte verbal/material
expressa, como sua dimensão extraverbal ou social.
Machado (2013) contribui para essa reflexão ao afirmar que o gênero
Reporta-se às formações combinatórias da linguagem em suas
dimensões verbal e extraverbal. Além disso, articula formas
discursivas criadoras da linguagem, de visões de mundo e de
sistemas de valores configurados por pontos de vista
determinados (MACHADO, 2013, p. 133).
No gênero, então, aglutinam-se o contexto extraverbal com o verbal pelos
elementos linguísticos que organizam o enunciado, por meio dos quais se
revelam a posição valorativa dos interlocutores.
Sobral (2009), ao refletir sobre a relação entre o gênero e o contexto social
que o envolve, afirma que o gênero discursivo, do ponto de vista do Círculo de
Bakhtin, [...] é ao mesmo tempo estável e mutável” (SOBRAL, 2009, p. 115), visto
que conserva características que o identificam, mas, devido a sua plasticidade,
pode modificar em função dos interlocutores, do suporte no qual o enunciado é
produzido, do veículo de circulação, enfim, ajusta-se ao contexto extraverbal que
o situa sócio e historicamente.
Bakhtin (2010[1979]) assevera que
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O gênero possui sua lógica orgânica, que em certo sentido pode
ser entendida e criativamente dominada a partir de poucos
protótipos ou até fragmentos de gênero. Mas a lógica do gênero
não é uma lógica abstrata. Cada variedade nova, cada nova obra
de um gênero sempre a generaliza de algum modo, contribui para
o aperfeiçoamento da linguagem do gênero (BAKHTIN,
2010[1979], p. 181).
Conforme as palavras do autor, a lógica interna dos gêneros determina
suas características e lhes atribui propriedades peculiares, ou seja, um “certo tom”
que não deve ser confundido com formas fixas e imutáveis, pois os gêneros são
dinâmicos e sempre trazem o novo, ao mesmo tempo em que pressupõem
alguma regularidade. Essa plasticidade que lhes é inerente se justifica por
sofrerem coerções do contexto que os envolve, de modo que alguns se modificam
ou desaparecem e outros surgem ou ganham novo sentido. Logo, ao refletirem as
características de dado campo, podem se reconfigurar, obedecendo às exigências
de interação, uma vez que A enunciação só se desenvolve no curso da
comunicação verbal, pois o todo é determinado pelos seus limites, que se
configuram pelos pontos de contato de uma determinada enunciação com o meio
extraverbal e verbal” (BAKHTIN e VOLOCHÍNOV, 2009[1929], p. 129). Podemos
concluir, pois, que os gêneros se organizam mediante situações reais de
interação verbal e por isso são [...] relativamente estáveis” (BAKHTIN,
2010[1979], p. 262) e possibilitam a construção de sentido dos enunciados.
Dentre todos os elementos contextuais que exercem forte influência sobre
os gêneros, Bakhtin (2010[1979]) enfatiza a sua relação de dependência com o
campo de atividade humana (ou esfera social) ao qual pertence. Eles originam-se
nesses campos para atender a necessidades reais de interação. Sob essa lógica,
novos gêneros surgem e outros caem em desuso e até desaparecem, uma vez
que não se prestam mais aos projetos discursivos dos sujeitos. Rodrigues
entende que “Os gêneros se constituem historicamente a partir de novas
situações de interação verbal da vida social que vão se estabilizando, no interior
das diferentes esferas sociais” (RODRIGUES, 2004, p. 423). Em função dessa
relação intrínseca com a esfera a qual pertencem, os gêneros apresentam
características próprias, influenciadas pelas especificidades de cada campo (ou
esfera).
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Sobral (2009) interpreta o que é possível entender por esfera de atividade
humana nos estudos do Círculo:
As esferas de atividades são ‘regiões’ de recorte socioistórico-
ideológico do mundo, lugar de relações específicas entre sujeitos,
e não em termos de linguagem. [...] a esfera deve ser
entendida como a versão bakhtiniana marxista de ‘instituição’, ou
seja, uma modalidade socioistórica relativamente estável de
relacionamento entre os seres humanos. A esfera vai das relações
de intimidade familiar ao aparato institucional do Estado,
passando por circunstâncias como as que tornam possíveis
comentários casuais que desconhecidos fazem um para o outro
na rua sobre diversos assuntos cotidianos (SOBRAL, 2009, p.
121).
Subsidiadas pela exposição do autor, entendemos que cada campo de
atividade humana possui sua própria forma de produção, recepção e circulação
de discursos e, para isso, estabelece os gêneros mais apropriados para atender a
essas configurações. No contexto de cada esfera, a relação de proximidade
existente entre os discursos pode influenciar a modalidade de interação a ser
desenvolvida. Para o autor, esse campo supera o nível da linguagem e chega à
categoria do relacionamento entre os sujeitos.
Consideramos, portanto, que o trabalho na sala de aula com o ensino de
língua deve contemplar a dimensão social do gênero em estudo. Assim sendo,
apresentamos, uma breve análise do gênero Regras de Jogo e, na sequência,
uma proposta de atividade, explorando a dimensão social desse gênero.
2. GÊNERO DISCURSIVO REGRAS DE JOGO
Conforme exploramos teoricamente, não é possível estudar um
enunciado sem relacioná-lo à situação social que o envolve, uma vez que [...] a
situação se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial da
estrutura de sua significação” (VOLOCHÍNOV e BAKHTIN, 1926, p. 8).
Subsidiadas por essa compreensão, realizamos um estudo dos elementos
extraverbais de 12 textos do gênero Regras de Jogo na perspectiva de melhor
compreender a dimensão social desses enunciados. Os textos analisados
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correspondem às regras dos jogos Mico, Dama, Uno, Combate, Can Can, Xadrez,
Monopoly, Imagem & Ação, Detetive, Identidade Secreta, War e Banco
Imobiliário.
Com base nos estudos de Rodrigues (2001), recuperamos inicialmente o
horizonte espacial e temporal dos textos, o que nos permitiu compreender que,
por serem produzidos para atender a necessidades de fábricas de brinquedos,
pertencem à esfera comercial, uma vez que acompanham jogos que são
fabricados em função de sua comercialização. Porém, vinculam-se também à
esfera de atividade lúdica, que se relacionam com momentos de lazer,
distração, descontração, quando consolidam sua situação real de interação. Para
alcançar tal funcionalidade, as Regras são produzidas na perspectiva de tornar os
jogos mais acessíveis aos usuários. Quanto ao tempo em que se situam,
normalmente, pertencem ao momento histórico contemporâneo, pois
acompanham jogos atuais que se encontram em circulação no mercado. Logo,
seu suporte geralmente é o papel, a própria caixa do jogo ou um vídeo.
No que se refere ao horizonte temático (RODRIGUES, 2001),
constatamos que os textos desse gênero têm o propósito de instruir, ou seja,
fazer com que a ação de jogar seja executada. Por isso, seu conteúdo discorre
sobre como jogar, com a intenção de capacitar o jogador sobre a forma mais
apropriada para executar as ações expostas. E como todo tema se organiza em
função de seu(s) interlocutor(es), destaca-se, nos textos, uma atitude de
valorização do jogo, reforçada pela voz do locutor que, na maioria dos casos,
coloca-se na posição de quem o conhece e o recomenda e, por isso, incentiva a
participação do interlocutor, apresentando-se como um jogador que possui o
conhecimento de como desenvolver a competição.
Ao analisarmos o horizonte axiológico (RODRIGUES, 2001), verificamos
que os textos foram distribuídos pelas fábricas de brinquedos, não apresentando
claramente quem foi o produtor direto. De qualquer forma, o papel social do autor
é o de instrutor, de alguém que ensina como desenvolver um jogo.
Compreendemos, ainda, que os interlocutores sabem que o tema está vinculado à
diversão e, nessa direção, o autor apresenta as instruções de como desenvolver
um determinado jogo, com estratégias específicas que podem conduzir à vitória.
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O leitor sabe que os textos desse gênero almejam uma ação e que, por isso,
apresentam uma sequência explícita de comandos sobre um determinado jogo.
Fica implícito nesse diálogo o aspecto valorativo do jogo, uma vez que a função
social dos enunciados desse gênero é promover a interação entre o jogador e as
ações que lhe permitem jogar.
Assim, ao investigarmos a dimensão social de enunciados do gênero
Regras de Jogo, consideramos a situação de interação na qual esses textos se
inserem, observamos o tempo e o espaço de sua localização e os interlocutores
envolvidos. Considerar esses elementos é fundamental para a compreensão do
enunciado, visto que uma inter-relação entre o contexto de produção e os
elementos linguísticos que planificam os textos, e juntos formam um todo
relativamente acabado. Para Bakhtin e seu Círculo, O que importa é aquilo que
permite que a forma linguística figure num dado contexto, aquilo que a torna um
signo adequado às condições de uma situação concreta dada.” (BAKHTIN e
VOLOCHÍNOV, 2009[1929], p. 96). A parte social produz sentidos que são
concretizados na parte verbal, o que faz com que ambas as dimensões
constituam o gênero.
3. PROPOSTA DE ATIVIDADES E REFLEXÃO SOBRE SUA APLICAÇÃO
A análise da dimensão social do gênero Regras de Jogo ampliou nossa
compreensão e, consequentemente, alargou as possibilidades de trabalho com
esse gênero na sala de aula. Nessa direção, elaboramos atividades
apresentadas no quadro 01 apoiando-nos teoricamente nas reflexões de
Volochínov/Bakhtin (1926) e Rodrigues (2001). Essas atividades, por meio das
quais procuramos ultrapassar a materialidade linguística e contemplar os
aspectos extralinguísticos do enunciado em estudo, foram aplicadas a 30 alunos
do 7º ano do Ensino Fundamental
4
, o que envolveu um total de 05 aulas.
A intenção, ao propor tal encaminhamento, foi de inserir os discentes em
uma situação real de interação, na perspectiva de fazê-los compreender que o
4
Esses alunos foram selecionados como sujeitos de nossa pesquisa por serem nossos alunos
regulares no Ensino Fundamental blico e não apresentarem conhecimentos sobre os gêneros
discursivos nas atividades de diagnóstico.
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enunciado é concreto e vivo e não pode ser separado de seu contexto de
produção. Além disso, procuramos enfatizar a relação existente entre os
enunciados, de modo que compreendessem que a linguagem é essencialmente
dialógica; que os textos sempre são produzidos em diálogo com outros
enunciados e, por isso, não podem ser compreendidos fora da situação social que
o suscitou.
Quadro 01 Atividades que exploram a dimensão social do gênero Regras de Jogo.
Dimensão social do gênero
1) Qual é a função social de textos do gênero Regras de jogo, ou seja, por que eles são
produzidos?
2) Sobre o que abordam os textos do gênero Regras de Jogo?
3) Qual é o propósito discursivo desse gênero?
4) O gênero discursivo Regras de Jogo resulta de que situação social?
5) Onde são produzidos os textos do gênero Regras de Jogo?
6) Quando, geralmente, são produzidos?
7) A que esfera esse gênero pertence? A esfera de produção pode influenciar na
organização do gênero? Por quê?
8) Onde geralmente circulam os textos do gênero Regras de Jogo? Isso tem influência
sobre sua produção? Por quê?
9) Quem geralmente produz os textos do gênero Regras de Jogo? Esses textos podem
ser produzidos por qualquer pessoa? Por quê?
10) Qual é a atitude valorativa do autor diante do jogo que ele apresenta por meio
das regras?
11) Para quem são produzidos, ou seja, quem são os interlocutores visados?
Justifique:
12) Qual é a resposta que o autor dos textos do gênero Regras de Jogo busca de
seus interlocutores? Esse objetivo do autor interfere na produção do texto? Por
quê?
Fonte: Atividade elaborada pela pesquisadora
Para complementar as atividades do Quadro 01 e explorar a função social
do gênero Regras de Jogo, levamos para a sala de aula o Manual em Vídeo do
jogo Banco Imobiliário Kids Disney Jr
5
, a propaganda do jogo Super Banco
Imobiliário
6
, e um texto escrito que corresponde às Regras do Jogo Banco
Imobiliário, conforme encontradas na caixa do jogo. Promovemos uma leitura
atenta dos textos, explorando o contexto de produção, as vantagens e
5
Disponível em: http://www.estrela.com.br/ Acesso em 12/set/2015.
6
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=57sBBbol_28 Acesso em 12/set/2015.
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desvantagens de cada modalidade textual e as diferentes linguagens que os
organizam. Para isso, encaminhamos as atividades que constam no Quadro 02:
Quadro 02 Explorando o jogo Banco Imobiliário
Explorando o contexto
Propaganda
Manual
em vídeo
Regras
escritas
Qual é o nome do jogo?
Como o texto apresenta o nome do jogo?
Quem é o autor? Como podemos obter
informações sobre o autor?
Quem organizou os textos para a publicação?
Onde foram publicados?
Quando?
Por que foram produzidos?
Para que foram elaborados?
Para quem eles foram criados?
É possível brincar com os jogos a partir das
regras expostas? Por quê?
Qual é o veículo de circulação dos textos?
Qual dos textos foi o mais fácil de compreender? Por quê?
Qual dos textos mais ajudaria no momento de executar o jogo? Por quê?
Quais foram as principais vantagens e desvantagens de cada texto?
Todos os três textos podem ser considerados com gênero discursivo Regras de Jogo?
Por quê?
Fonte: Atividade elaborada pela pesquisadora
Com as atividades propostas do Quadro 03 visamos analisar as diferentes
formas de linguagem nas quais as Regras dos Jogos podem ser apresentadas.
Com esse propósito, levamos para a sala as regras escritas do jogo UNO,
retiradas da caixa do jogo, e um vídeo que buscamos no site do Youtube
7
, no qual
uma criança ensina as regras desse mesmo jogo. Com as comparações,
incentivamos a reflexão sobre as vantagens e desvantagens de cada modalidade
de apresentação, na perspectiva de avaliarem se contemplam a mesma função
social e conteúdo temático, e se garantem os mesmos conhecimentos.
7
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=79_8KQErwmM Acesso em 12/set/2015.
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Quadro 3 Explorando o jogo UNO
Assinale com um (X) o texto que apresenta as
informações abaixo:
Regras
escritas
Regras em
vídeo
a) O conteúdo do jogo;
b) Cartas principais;
c) Onde pode ser jogado;
d) Quantas pessoas podem jogar;
e) Qual é a idade mínima para poder jogar;
f) Quais são as habilidades necessárias para jogar;
g) Apresenta variações do jogo;
h) Explica como o jogo pode ser desenvolvido em
duplas, parceiros e torneios;
g) Como se vence o jogo.
Depois desse levantamento, quais foram as conclusões a que vocês chegaram sobre as
duas modalidades de texto?
Fonte: Atividade elaborada pela pesquisadora
Para o reconhecimento consciente da dimensão social do gênero Regras
de Jogo, o trabalho desenvolveu-se, inicialmente, com as doze questões
apresentadas no quadro 01, com nossa orientação constante. A seguir,
apresentamos os resultados alcançados pelos alunos a partir das atividades
desenvolvidas. Como as questões seguiram as orientações de
Volochínov/Bakhtin (1926) e Rodrigues (2001) no que se refere aos elementos
que compõem a dimensão extraverbal (social) do gênero, decidimos agrupá-las
conforme os critérios estabelecidos por Rodrigues (2001): 1) Horizontes espacial
e temporal; 2) Horizonte temático; 3) Horizonte axiológico.
Quatro das questões (01 a 04) buscaram explorar o horizonte temático do
enunciado e questionaram sobre a função social do gênero Regras de Jogo,
sobre seu conteúdo e propósito discursivo, além da situação social que o envolve.
A figura 1 representa o resultado alcançado pelos alunos nessa atividade.
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Figura 1: Respostas das questões que exploravam o horizonte temático
Fonte: Organizado pela pesquisadora
Com relação ao horizonte temático, nossas dificuldades consistiram em
ajudar alguns alunos a compreenderem as questões e refletirem sobre como o
gênero Regras de Jogo se configura na vida real. Foi necessário dramatizar a
situação de produção e circulação dos jogos, para que compreendessem essa
íntima relação do jogo com suas regras e visualizassem esse gênero em suas
práticas de lazer. Os alunos ainda separam a escola da vida cotidiana e
apresentam dificuldades para relacionar as situações reais às práticas
pedagógicas. No entanto, após os esclarecimentos, os resultados foram
satisfatórios, pois 18 alunos, ou seja, 60% da turma, responderam de forma
adequada. Exemplos de algumas das respostas apresentas por eles
8
:
A9: Eles são produzidos para aprendermos a jogar, gostarmos do
jogo e para termos dicas de como vencer
A13: Fala sobre tudo o que tem no jogo e ensina a jogá-lo.
A24: O propósito é ensinar as pessoas a jogar o jogo.
A25: Resulta de uma situação de diversão.
A compreensão parcial foi apresentada por 3 alunos 10% da turma e 5
respostas 17% avaliamos como insatisfatórias
9
. Os 13% que estão indicados
como não realizou, equivale aos 4 alunos que não entregaram a atividade para a
avaliação.
8
Por questões éticas, os alunos foram mencionados na pesquisa pela letra A (aluno) seguido de
um numeral.
9
Compreendemos como insatisfatórias as respostas que não possuíam nenhuma ligação com o
questionamento ou não apresentavam coerência em sua organização.
60%
10%
17%
13%
HORIZONTE TEMÁTICO
ADEQUADO
REGULAR
INSATISFATÓRIO
NÃO REALIZOU
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Outras quatro questões (05 a 08), referiam-se ao horizonte espacial e
temporal, interrogando sobre onde e quando são produzidos os textos do gênero
Regras de Jogo e quais são suas esferas de produção e de circulação. A figura 2
representa os resultados apresentados.
Figura 2: Respostas para as questões que exploravam o horizonte espacial e temporal
Fonte: Organizado pela pesquisadora
No que se refere a esse horizonte, as dificuldades iniciais foram com
relação ao termo esfera, porém, uma vez compreendido o termo, 70% das
respostas foram adequadas. Assim, 21 alunos demonstraram compreender a
localização do enunciado no tempo e no espaço. As 5 respostas 17%
consideradas insatisfatórias foram daqueles que copiaram trechos aleatórios da
internet e se afastaram completamente do conteúdo da questão. Não houve
resposta considerada de nível regular.
As últimas quatro questões (09 a 12) reportavam ao horizonte axiológico e
promoveram a reflexão sobre o papel social do autor de textos do gênero Regras
de Jogo e sua atitude valorativa diante do jogo; sobre os possíveis interlocutores
e suas respostas; e se os interlocutores podem interferir na configuração desse
tipo de enunciado. Vejamos como se concretizaram os resultados, na figura 3.
70%
0%
17%
13%
HORIZONTE ESPACIAL E TEMPORAL
ADEQUADO
REGULAR
INSATISFATÓRIO
NÃO REALIZOU
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Figura 3: Respostas para as questões que exploravam o horizonte axiológico
Fonte: Organizado pela pesquisadora
O termo interlocutor, inicialmente, não pertencia ao universo lexical dos
alunos, porém, depois que o exploramos de modo a torná-lo acessível, se tornou
comum para a maioria. No início das atividades, a importância do autor e do leitor
para a constituição do texto não era considerada pelos discentes. O autor,
algumas vezes, era mencionado, mesmo assim, foi difícil propiciar-lhes a
compreensão de como a atitude valorativa dele se mostrava nos textos. Foi
necessário colocarmos fragmentos de textos do gênero no quadro para uma
exemplificação mais palpável.
Com relação ao leitor, os alunos não lhe creditavam nenhuma interferência
no texto. Em função disso, foram necessárias muitas explicações, com exemplos
concretos, para esclarecermos a influência que o leitor ou ouvinte pode exercer
sobre a produção do enunciado e que o projeto enunciativo do autor se configura
inicialmente pela resposta que busca de seu interlocutor e, em função disso, o
gênero discursivo é escolhido.
O percentual de respostas adequadas (73%, conforme exposto pelo gráfico
da figura 3), foi o resultado de um intenso trabalho elucidativo. As 22 respostas
consideradas adequadas demonstram um avanço no nível de compreensão dos
alunos. Vejamos algumas delas:
A5: Geralmente o criador do jogo produz as regras. Qualquer
pessoa pode produzir esse gênero, pois quem tem criatividade
para fazer um jogo, faz também as regras de seu próprio jogo.
A6: Para criar as regras a pessoas tem que saber falar com as
pessoas através da escrita.
73%
10%
3%
14%
HORIZONTE AXIOLÓGICO
ADEQUADO
REGULAR
INSATISFATÓRIO
NÃO REALIZOU
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A16: O autor tem que valorizar o jogo para quem vai ler.
Conquistando o leitor para jogar.
A17: Para as pessoas que não sabem jogar e querem aprender.
A18: A resposta é que a pessoa aprenda a jogar, goste do jogo e
conte para seus amigos que é legal.
Mesmo com todo o trabalho de esclarecimento sobre os termos e as
questões, 3 alunos (10%) ainda apresentaram respostas que consideramos
regular e 1 resposta foi insatisfatória.
De modo geral, se considerarmos, em função de nossa própria prática
docente, o pouco trabalho com a dimensão social do gênero na sala de aula, os
resultados foram satisfatórios e os alunos apresentaram muitos avanços em sua
compreensão.
Na sequência das atividades propostas nos quadros 02 e 03, lembramos
que estas tiveram a intenção de motivar os alunos à reflexão sobre as diferentes
formas de configuração do gênero em estudo.
Provocamos os alunos a analisarem a apresentação do nome do jogo, o
autor, o local e o período de publicação, os possíveis interlocutores, o veículo de
circulação e o nível de informatividade de cada texto para depois compará-los.
Ao serem questionados sobre qual texto seria mais fácil de ser
compreendido, 53% 16 alunos indicaram o manual em deo e justificaram:
“Porque estava tudo explicado e tudo o que ia falando, ele mostrava jogando”. A
propaganda não foi mencionada por ninguém, pois consideraram que por meio da
propaganda não seria possível desenvolver o jogo. E 47% 14 alunos
indicaram as regras escritas e assim explicaram: “Porque para ler e aprender
todos os detalhes”.
Com os questionamentos sobre qual texto ajudaria mais no momento de
executar o jogo, o percentual sobre o manual em vídeo aumentou para 60% 18
alunos. A propaganda foi indicada por um aluno 3% e as regras escritas foram
indicadas por 11 deles 37%. As figuras 4 e 5 comprovam esses resultados.
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Figura 4: Texto mais compreensível na opinião dos alunos
Fonte: Organizado pela pesquisadora
Figura 5: Texto que mais ajudaria na execução do jogo
Fonte: Organizado pela pesquisadora
Com base nas respostas, verificamos a importância da linguagem
multimodal, pois quando questionamos sobre as vantagens de cada texto, os
alunos destacaram as informações ouvidas, aliadas às visualizações que
prendem a atenção do interlocutor do início ao fim do vídeo, que as imagens e
a narração facilitam as ações dos jogadores, uma vez que podem ser imitadas
sem exigir a reflexão. Questionados sobre as desvantagens, indicaram: retornar o
conteúdo do vídeo, caso surjam dúvidas, problemas cnicos; e a localização em
algum lugar que não seja possível acessar a internet ou dispor de um celular ou
computador, impossibilitando a aprendizagem das regras.
Com relação à propaganda, as vantagens citadas referiam-se às
estratégias publicitárias que prendem a atenção do espectador, mas a
desvantagem é o fato de apresentar poucas informações. Os alunos concluíram
0%
53%
47%
TEXTO MAIS COMPREENSÍVEL
PROPAGANDA
MANUAL EM VÍDEO
REGRAS ESCRITAS
3%
60%
37%
TEXTO QUE MAIS AJUDARIA
PROPAGANDA
MANUAL EM VÍDEO
REGRAS ESCRITAS
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que a propaganda tinha o objetivo de provocar a compra do jogo e não o de
ensinar as regras.
No que se refere às regras escritas, entenderam que estas podem ser
levadas para qualquer lugar, é possível reler apenas as partes que geram dúvidas
e que apresentam muitas informações, mas a desvantagem, segundo os alunos,
é que “tem que ler”, reiterando a resistência sobre a leitura de textos desse
gênero.
Os alunos foram ainda questionados se todos os textos se configuravam no
gênero Regras de Jogo e responderam afirmativamente para o manual em vídeo
e para as regras escrita e negativamente para a propaganda, justificando que
essa não contém as características necessárias para se configurar como esse
gênero.
Para concluir essa etapa, levamos para a aula as regras escritas do jogo
UNO e um vídeo, retirado do Youtube
10
, com um adolescente ensinando o mesmo
jogo. Os alunos observaram as duas modalidades, analisando qual delas oferecia
mais informações e apresentava a possibilidade de jogá-lo. Naquele momento, a
conclusão foi unânime e todos constataram que as regras escritas ofereciam mais
informações e promovia sua execução, enquanto apenas com o vídeo não seria
possível desenvolver o jogo. Então, além das imagens e sons, a presença de
informações claras e precisas é essencial.
Enfim, verificamos, a partir das atividades desenvolvidas, que não era
comum aos alunos refletir sobre a dimensão social dos gêneros discursivos, por
isso, o desenvolvimento de cada atividade exigiu um amplo trabalho elucidativo.
No entanto, com a conclusão do trabalho, os alunos demonstraram compreender
a dimensão extraverbal do gênero e vivenciaram uma situação real de uso da
linguagem, o que significou avanços consistentes no processo de ensino e
aprendizagem de língua materna. Portanto, mesmo que os estudos dos
integrantes do Círculo de Bakhtin não tenham se voltado para a sala de aula,
devem ser utilizados para que a aprendizagem da linguagem se efetive de forma
real oferecendo aos alunos condições concretas de atuação nas diferentes
práticas sociais.
10
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=79_8KQErwmM Acesso em 12/set/2015.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades que exploraram a dimensão social do gênero Regras de jogo
oportunizaram, aos alunos, estabelecer relações entre o texto que estudamos na
escola e as práticas de uso da linguagem que desenvolvemos em nosso dia a dia.
A partir das observações das respostas constatamos que os alunos ampliaram
sua capacidade de linguagem injuntiva em diferentes práticas de interação. Essa
capacidade revelou-se tanto no âmbito do discurso quanto no uso da língua.
As atividades propostas possibilitaram a compreensão de que os gêneros
estão disponíveis na sociedade e são compostos por duas dimensões
inseparáveis, a social e a verbal; e que a dimensão social, que nem sempre pode
ser observada na configuração linguística do texto, está diretamente ligada às
práticas sociais de uso da linguagem.
Por meio do estudo dessa dimensão, os alunos constataram ainda que no
processo de interação, selecionamos os gêneros do discurso conforme em função
do interlocutor e do projeto discursivo. Inicialmente, mesmo trabalhando um
gênero da esfera lúdica, tão comum ao universo da criança e do adolescente, foi
difícil estabelecer essa relação com os alunos, mas foram construindo tal
conhecimento ao longo do trabalho, mediados por muitas reflexões.
Por meio desse procedimento, a capacidade de leitura de textos do gênero
foi sendo aperfeiçoada gradativamente e a linguagem passou a ser concebida
como algo que permeia o cotidiano, articulando nossas relações com o mundo e
com outro. Os alunos conscientizaram-se do gênero e por meio da percepção da
natureza histórica e social da linguagem, passaram a reconhecer seu inerente
caráter dialógico, no sentido de que tudo o que falamos ou escrevemos, além de
recuperar vozes anteriores, é dirigido a alguém, um interlocutor real, sócio-
historicamente situado e tem a possibilidade de resposta.
Portanto, por meio da elaboração e aplicação de atividades que exploram a
dimensão social do gênero Regras de Jogo constatamos a importância do
trabalho com essa dimensão no contexto escolar para promover situações reais
de uso da linguagem que resultem em avaliações de seu próprio discurso de
forma consciente.
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REFERÊNCIAS
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Paulo: Hucitec, 2009.
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uma análise de aspectos linguístico-discursivos. Cascavel, 2015, 200f.
Dissertação (Mestrado em Letras) Programa de Pós-graduação Stricto Sensu
em Letras, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel - PR, 2015.
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RODRIGUES, R. H.. A Constituição e Funcionamento do Gênero Jornalístico
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VOLOCHÍNOV, V. N.. BAKHTIN, Mikhail. Discurso na Vida e Discurso na
Arte (sobre a poética sociológica).Trad. De Carlos Alberto Faraco & Cristóvão
Tezza [para fins didáticos]. Versão da língua inglesa de I. R. Titunik a partir do
original russo, 1926.