SOUSA, J. L. B. de; SOUSA, J. B. de; SILVA, J. S. da. Música para todos: reflexões sobre o ensino de música para a educação básica na região sul e sudeste do Pará. Revista Diálogos (RevDia), Dossiê temático “Educação, Inclusão e Libras”, v. 6, n. 1, jan.-abr., 2018. [http:// periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/revdia]
MÚSICA PARA TODOS
REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE MÚSICA PARA EDUCAÇÃO BÁSICA NA REGIÃO SUL E SUDESTE DO PARÁ
Music for all: reflections on music education for basic education
JANE LINO BARBOSA DE SOUSA
JULIANE BARBOSA DE SOUSA
JACIARA SILVA DA SILVA
Sobre os autores
Jane Lino Barbosa de Sousa – Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (2013), Especialização em Educação Musical pela Universidade Cândido Mendes (2014) e Mestrado em Música pela Universidade Federal de Goiás (2016) na linha de pesquisa Música, Educação e Saúde. Tem experiência nas áreas de Musicalização Infantil, Educação Musical e Musicalização de professores da Educação Básica. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1533707542825688
Juliane Barbosa de Sousa – Educadora Musical, Clarinetista, graduada em Música pela Universidade do Estado do Pará, formação em Arte Educação - Universidade Federal do Pará. Estudou nas Escolas de Música Maestro Moisés Araújo, Heitor Villa Lobos, Marabá/PA e Conservatório Carlos Gomes, Belém/PA. Trabalhou com prática em conjunto (flauta doce, bandas e grupos de câmara), Musicalização Infantil e Canto Coral. Tem experiencia nas áreas de educação musical: musicalização com flauta doce, canto coral e prática em conjunto (bandas de música). Atualmente, trabalha com musicalização prática de flauta doce no projeto social de Educação Musical - IDE, e coordena o coral infantil Pequenos Adoradores e quarteto de flautas Renovo. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8553028179802778
Jaciara Silva da Silva – Licenciada em Pedagogia pela UFPA (2013). Com diversas formações complementares em Artes, em sua maioria da Linguagem Musical, com experiência de atuação docente e coordenação na área. Cursando especialização em Abordagens Culturalistas: saberes, identidade e diferença cultural na/da Amazônia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2320882483543817
RESUMO: O presente artigo trata do ensino de música na escola básica e o acesso democrático a toda comunidade escolar. Enfatiza a formação do professor de música e questões que se evidenciam no contexto educacional no sul e sudeste do Pará em discussão com teóricos da área, tais como: Figueiredo (2010), Penna (2010), Jeandot (1997), Brito (2003), Bastian (2010), Leão (2013) e Marques e Brazil (2014). Resulta em reflexões sobre a arte na escola, formação de professores, prática docente e atuação de profissionais específicos para o ensino das linguagens artísticas, que possam indicar tomada de decisões nas práticas cotidianas escolares.
PALAVRAS CHAVES: Educação Musical, Escola Básica e Formação de Professores.
ABSTRACT: This article deals with the teaching of music in elementary school and democratic access to the whole school community. It emphasizes the formation of the music teacher and questions that are evidenced in the educational context in the south and southeast of Pará in discussion with theorists of the area, such as Figueiredo (2010), Penna (2010), Jeandot (1997), Brito (2003), Bastian (2010), Leão (2013) and Marques and Brazil (2014). It results in reflections on art at school, teacher training, teaching practice and the performance of specific professionals for the teaching of artistic languages, which may indicate decision making in everyday school practices.
KEYWORDS: Music Education, Basic School and Teacher Training.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, a música faz parte das orientações legais desde o século XX com diversos propósitos e objetivos. Em 1996, com a Lei Federal 9.394/96 referente à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, a música é assegurada nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs e no Referencial Curricular para Educação Infantil – RCNEI, publicados em 1998.
A música constituiu seu espaço na escola com as outras artes prevalecendo o conceito de polivalência. Ao tratar-se do ensino de Artes, entende-se que as linguagens exigem domínio próprio e não apenas o conhecimento superficial. Para Figueiredo (2010, p. 02) “a superficialização e a desvalorização das artes no currículo provocaram uma lacuna considerável na educação escolar de várias gerações”.
Em agosto de 2008 a LDB sofreu uma alteração com a lei 11.769/08 que trata da música como conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do componente curricular de Artes. Em 2016 novas perspectivas foram incorporadas através da lei 13.278/16, que inclui as Artes Visuais, Teatro, Dança e Música nos currículos dos diversos níveis da educação básica. As mudanças representam um avanço, pois de forma implícita esclarece que se tratam de linguagens, e que por isso, necessitam de um profissional capacitado para desenvolvê-la.
2. PERSPECTIVAS DA MÚSICA NA ESCOLA
A arte na escola apresenta muitos impasses e um deles diz respeito à linguagem artística como objeto de estudo, seja pelo corpo técnico da escola, pais e comunidade. A arte é percebida como passa tempo, momento de lazer, complementação de outras atividades; isso se deve à maneira como a arte vem sendo tratada no contexto educacional. Na contemporaneidade, um dos questionamentos levantados diz respeito à praticidade, o tecnicismo e agilidade do ensino da arte, é claro, voltado para o mercado; pois se não é útil para o mercado para que serve a arte na escola? Concorda-se com Marques e Brazil (2014, p. 35) que o ensino da Arte deve proporcionar aos alunos relações de valores além daqueles que possam ser trocados por moedas, além dos que sejam medidos em dígitos bancários. O ensino da Arte deve ofertar uma visão ampla para que haja percepção e participação do mundo para além do que se pode vender, comprar ou roubar.
Não que a Arte vá resolver os problemas da humanidade e as crises existentes, mas que ela vai expor outros valores além da posse, do consumo, do capitalismo. Penna (2010, p. 20) diz que a arte é uma “atividade intencional, uma atividade criativa, uma construção de formas significativas”. Cidadãos com criticidade, ética, ativo nas relações humanas não se constitui em curto prazo, não é um “produto” a pronto entrega das escolas para sociedade. As relações no ensino de Artes não devem resumir-se aos valores predominantes na contemporaneidade, que justificam os fins pelos meios. Defende-se a presença de um ensino de Artes que ofereça novas possibilidades, discussões fazendo viver relações sociopolíticas – culturais significativas atravessadas pelas linguagens artísticas, e assim, esperar que o aluno se comprometa conscientemente com a construção do coletivo, de um mundo mais justo, digno e habitável.
O ensino de Arte contribui para o desenvolvimento humano, na concentração, cognição, percepção, sensibilidade, que podem ser utilizados em prol da sociedade. Valores éticos, cidadania, princípios de coletividade, democracia, dentre outros, são questões que devem ser trabalhadas em todas as disciplinas da educação básica, pois não é o objeto de estudo em si que denominam os resultados expostos, mas as abordagens metodológicas, os objetivos e fins a serem alcançados. Entende-se que:
[...] o ensino da Arte pode – e deve – estar presente na reconstrução e reforço de outros valores presentes no ato da criação desinteressada, da apreciação prazerosa, do conhecimento que amplia os horizontes e multiplica leituras de mundo. Fazer não pra vender. Realizar, não pra possuir. Dedicar-se, não por um pagamento. Construir, não pela utilidade. Esforçar-se, não para vencer. Unir-se aos outros, não pelo retorno individual, mas pela construção de algo maior que as individualidades e de posses socialmente coletiva. [...] Ensinar arte não pode desvincular-se do fazer/pensar arte. (MARQUES E BRAZIL, 2014 p. 36).
Importa o fazer/pensar sobre arte, que não se resuma a práticas imediatistas resultando um retorno financeiro momentâneo, mas que englobe conhecimento de artes, diversidade, percepção aguçada com olhar crítico. Para os autores, se a música for trabalhada como “linguagem e construção de arte, os sons e as músicas ofertadas no meio social serão compreendidos de outra forma” (ibid, p. 38).
Koellreutter citado por Brito (2001, p. 30) defendia a presença do espírito criador do aluno, falava que a prisão aos modelos e métodos programados, acaba por minar o espírito criativo, vivo e curioso que habita nos alunos. Por isso ele passou a falar em educação musical funcional. Segundo a visão do autor, educação musical funcional é aquela que atende às necessidades da sociedade em tempo real, e não fundamentada em objetivos, valores, princípios e conteúdos que remetem a épocas passadas, em que viviam outros seres humanos, com necessidades e características próprias.
A crítica de Koellreutter, com características da pedagogia construtivista, valoriza a importância dos saberes contextualizado que estimem aspectos constituintes da sociedade vigente. Concordantes com Freire (1996), Jeandot (1997), Brito (2003), Bastian (2010), Leão (2013) e Penna (2010), importa o ensino personalizado, criativo, que respeite o aluno dentro de suas especificidades.
Freire (1996, p. 30) fala da necessidade do respeito aos saberes do educando e diz que é preciso uma “intimidade” (grifo do autor) entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos. Brito (2003, p. 43) diz que é importante considerar o modo como os alunos se relacionam com o conhecimento, esse aspecto deve ser significativo incluindo processos criativos, elaboração de hipóteses e descobertas. Leão (2013, p. 204) ressalta que a música como meio de transformar o ser é a mola propulsora de todos os nossos esforços pedagógicos, assim, ensina-se a pesquisar e pesquisa-se o ensinar.
A música na escola deve visualizar o aluno dentro de suas especificidades e promover educação musical para todos, assim como as demais disciplinas da educação básica. Observa-se que em muitas escolas, o ensino de música tem sido reservado para os “interessados”, que geralmente promovem a criação da banda da escola, do coral, grupos pequenos de flauta doce e violão. Loureiro (2003) e Figueiredo (2010) são concordantes de que escolas que praticam a música organizanda em pequenos grupos estão de certa forma, adotando uma prática ainda elitista e excludente, levando em consideração que há processos seletivos identificar os “talentosos” (grifo nosso).
Não que a criação de grupos musicais seja ruim, pelo contrário, eles podem fortalecer o exercício do fazer musical, promover interação, envolvimento, dentre outros aspectos. No entanto, é preciso garantir o ensino de música para todos, que não provenha de critérios seletivos; daí a formação de pequenos grupos será apenas uma consequência da educação musical realizada na escola. É preciso defender a democratização do ensino de música nas escolas de ensino básico, tornar possível a todos os alunos o acesso ao saber, à cultura e a arte.
Essa questão pode ser comparada aos grupos esportivos resultantes da disciplina de Educação Física, que é ofertada para toda comunidade escolar, sem aspectos de exclusão. Em Marabá/PA, um torneio é realizado anualmente com o objetivo de expor os resultados trabalhados na disciplina e promover competição entre os grupos resultantes. A Semana da Castanha (torneio esportivo) já se encontra na sua 34ª edição, e é uma das atividades mais esperadas pela comunidade escolar Marabaense.
O ensino de música pode propor resultados com a realização de competições, sejam com jogos musicais, improvisação, performance, que valorizem os conhecimentos do aluno, bem como o desenvolvimento de suas habilidades. É importante que essas competições não tomem fins por si mesmo, assumindo o foco principal da ação, mas que as discussões sobre a produção do aluno sejam enriquecidas, promovendo reflexões, respeito às manifestações musicais e os aspectos da coletividade.
Pode-se observar ainda, práticas de seleção de alunos que levam à uma exclusão de participantes. Certas seleções para indicar alunos para os estudos de música, não somente na educação básica, mas em muitas escolas específicas de música, estabelecem critérios de escolha que permitem prevalecer o conceito de “dom” artístico, selecionando somente os talentosos. Dessa maneira:
Quando a apreensão da linguagem musical não ocorre, desvia-se o problema para o aluno, considerando-o desprovido de musicalidade ou “talento”, incapaz de aprender conhecimentos legitimamente aceitos como “sérios”, só não se levam em conta que esse contato e essa aproximação com a linguagem musical não ocorre de modo abrangente e democrático, pelo contrário, são desiguais e seletivos, não atingindo dessa forma o universo dos alunos que frequentam as escolas. Sendo assim, o aluno é, com certeza, o menos culpado. (LOUREIRO, 2003 p. 170)
É preciso eliminar essas práticas de favoritismo, que enxergam a música como objeto de estudo, como sujeito principal da ação educativa. Constantemente as escolas estabelecem critérios avaliativos, dinâmicas e estratégias que favorecem um perfil específico de aluno e não visualizam as diversidades existentes no contexto escolar.
Entender outros contextos, organização e as relações que se estabeleciam em épocas passadas, tornam-se rico para ampliação dos conhecimentos, no entanto, é preciso avaliar as condições cotidianas para uma sistematização do saber. No passado, a sociedade se desenvolvia e respondia pelas condições predominantes da época, que se diferem das contemporâneas e isso não pode ser excluído. Respeitar o contexto do aluno significa entender que ele emprega sentidos e significados às relações em que está exposto e isso influencia diretamente em seu comportamento, sua forma de ver o mundo, em seu processo educativo.
O aluno deve ser o sujeito da ação educativa. Penna (2010, 51) expressar a necessidade de se combater o mito do “dom” (grifo nosso) e alerta para necessidade de uma educação musical para todos. Entende-se que o problema está relacionado à dificuldade do professor em suas abordagens metodológicas ao invés do aluno desprovido de talento.
São questões delicadas que precisam ganhar peso nas discussões diárias sobre o ensino de música. Penna (2010, p. 51) relata outra situação que reflete a identidade do músico no contexto Paraense. Diz que, ao comprar instrumentos musicais na feira do Vero-Peso1, questionou o vendedor se ele mesmo o fazia e se era músico. O vendedor reconhece-se como criador do instrumento, mas não como músico, por não conhecer o sistema gráfico ortocrónico ocidental, ou seja, não saber ler partitura. Dada à forte influência dos estudos tradicionais da música em Belém/PA, à existência dos conservatórios e à valorização dos conhecimentos técnicos, o vendedor se reconhecia como não capacitado como músico. A autora comenta que esse tipo de concepção, dominante em muitos espaços sociais, menospreza a vivência musical cotidiana de quem não tem estudos formais na área; deslegitima, ainda, inúmeras práticas musicais que não se guiam pela pauta e não dependem de uma notação, encontradas em diversos grupos sociais, sendo muito comuns na música popular brasileira.
É preciso valorizar as manifestações musicais cotidianas, que expressam, através das vivências musicais, a força da realização musical de um povo. Mesmo que estas não contemplem a bagagem técnica ampla e reconhecida pelos meios educacionais. Consistem de expressões, muitas vezes não verbalizadas, que resultaram de tentativas obtidas da prática e vivências do cotidiano, das descobertas. Estas vivências e/ou caminhos compõem ricos dados para pesquisa, para a construção de conhecimentos de um povo e para a sistematização do saber. Faz-se necessário que esses ‘saberes de poder’ possam resgatar os conhecimentos de interesse de um povo ou região, como definidores dos conhecimentos necessários e os conteúdos indispensáveis para compor o currículo escolar.
3. O PROFESSOR DE MÚSICA PARA EDUCAÇÃO BÁSICA
O professor enquanto mediador do conhecimento deve ter consciência da complexidade do fazer docente. Sobre a música na escola básica, identifica-se como agravante a formação do professor e as relações que se estabelecem nos processos educativos. É preciso constante pesquisa, estudo e formação para entender as formas distintas que o aluno tem ao produzir o conhecimento e, para isso deve-se promover ações concretas. Não bastam os conhecimentos técnicos, tornam-se fundamentais reflexões significativas e ativas. “As atividades de formação continuada são, portanto, essenciais para ajudar a rever concepções e contruir alternativas” (PENNA, 2008 p. 62).
Sabe-se da carência de professores formados para a educação básica e das estratégias que o governo federal vem traçando para resolver o problema. A região norte e nordeste do Brasil, se comparado aos indicadores das outras regiões, ainda sofrem consideravelmente com a questão. No sul e sudeste do Pará, faltam professores formados em linguagens artísticas para atuarem na educação básica (Artes Visuais, Dança, Teatro e Música). Nesse sentido:
Contrariando o aspecto legal da lei, a formação superior para professores de arte no território brasileiro é insuficiente para atender a totalidade da demanda existente nos diversos municípios da nação. Implica centralização da demanda existente nos diversos municípios da nação. Implica centralização desse processo formativo nas capitais, como é o caso do estado do Pará, sendo que apenas Belém possui todos os cursos de licenciatura em Artes (Artes Visuais, Música, Teatro e Cinema). (FILHO, 2014 p.45).
As graduações ofertadas pelas instituições públicas se concentram em Belém/PA. O ideal seria a melhor distribuição de ofertas de cursos de licenciatura pelo território nacional. Dentre as Universidades Federais do Pará (Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, Universidade Federal do Pará - UFPA, Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA e Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA) apenas a UFPA, com campus em Belém, oferta graduação em todas as linguagens, como já constatado por Filho (2014). A UNIFESSPA oferta o curso de Artes Visuais em Marabá (iniciou a primeira turma em 2014), também Música e Dança pelo Plano Nacional de Formação de Professores - PARFOR (iniciou apena uma turma de cada curso). A UFOPA e UFRA não oferecem cursos em nenhuma linguagem artística. A Universidade Estadual do Pará – UEPA, oferta o curso de Música apenas em Belém, Vigia e Santarém, no nordeste do Pará.
Levando em consideração a dimensão do estado, fica claro que a demanda por formação de professores é alta. Os dados preliminares do Censo Escolar da Educação Básica de 2015 indicam que há cerca de 50.718 (cinquenta mil, setecentos e dezoito) matrículas em escolas de educação básica no Pará, das redes estaduais e municipais, urbanas e rurais em tempo parcial e integral. A nota técnica do censo escolar de 2014 apresenta os indicadores com formação legal no Brasil, com apenas 51% dos professores de Artes nas séries iniciais com formação adequada; nos anos finais apenas 25,5%; e, no ensino médio, 30,2%.
O INEP realizou um estudo exploratório sobre o professor brasileiro com os dados do Censo Escolar de 2007, e identificou que Artes (25,7%) é a disciplina que apresenta a menor proporção de docentes com formação na área específica de atuação (INEP, 2009 p. 39).
É claro que faltam professores de Artes para educação básica e isso pode ser constatado na comparação com as demais disciplinas ministradas na escola. Poucos licenciados em Música entram no mercado e outros profissionais assumem as Artes na escola como resposta imediata para a demanda, que é alta. Geralmente o professor que está necessitando de horas para cumprir sua carga horária ou o voluntariado, assumem qualquer disciplina, já que a arte não é uma disciplina considerada essencial para a formação do aluno. Esta realidade se torna um círculo vicioso, em que não se dá importância para a formação do professor de Arte e, em conseqüência, não se valoriza e não há empenho do poder público em garantir o ensino das artes nas escolas. Oliveira (2014) ao realizar sua pesquisa-ação no curso Formação em Arte Educação - FAE/Música, com o objetivo de compreender o desdobramento da prática educativa, constatou a mesma situação. Tendo o mesmo objetivo, Silva (2013) também estudou o curso. Observa-se que:
muitos professores que ministram aulas de arte fazem para contemplar a carga horária, o que significa que nesses casos o professor sequer sente-se professor de artes, mas um professor; por exemplo, de geografia que também ministra aula de artes e, por acaso trabalha com música. Isso gera uma confusão tão grande que em Marabá, a título de exemplo, quando a prefeitura oferece encontros de formação, os professores tendo de fazer escolhas, optam por participar de formação naquela disciplina em que têm a carga horária maior, o que muito raramente contempla a disciplina de artes. (OLIVEIRA, 2014 p.64)
Daí ações superficiais e equivocadas podem ser constatadas como resultado da falta do conhecimento sobre Artes. Não se pode generalizar, pois existem professores que, mesmo sem formação específica em Artes, buscam desenvolver boas práticas no trabalho. Pesquisam, procuram por formação básica, estudam estratégias e fazem trabalhos inovadores. Mas, esta soluções paliativas não acrescentam atividades qualitativas e específicas, garantindo o aprendizado do aluno. Estes professores passam a ensinar Artes apenas a partir de estudos históricos/téoricos, abstraídos de ações a partir de relações práticas e reflexivas. São, por exemplo, professores que priorizam a reciclagem e o ensino é conduzido através do reaproveitamento de resíduos sólidos e através da educação ecológica. Relata-se que a cansativa aula de desenho em que os alunos têm que produzir repetidamente o que estão sentido ou a tarefa de colorir adequadamente as imagens das datas comemorativas, tornam-se uma monotonia. Entende-se que:
[...] há uma quantidade enorme de municípios que trabalham o ensino de arte com professores sem formação específica. Estes improvisam aulas e com a melhor intenção esforçam-se para fazer arte com seus alunos. O resultado é resiliente, pois é aplicada uma série de atividades que se repetem nas séries subsequentes, causando antipatia a todos os alunos que não aguentam mais tantas avalanches de estereótipos, modelos prontos e repetições de conteúdos. (FILHO, 2014 p. 45).
É claro que essas práticas não poderiam estar no exercício docente do ensino das Artes na escola, mas por outro lado, não se pode exigir muito desses educadores, aliás, eles não tiveram referências significativas de Artes em sua educação básica e/ou superior, sua forma de trabalhar reflete sua visão de mundo a respeito das Artes. Para uns, Artes será apenas história, para outros o desenho terapêutico e para outros o momento de relaxar. Esse quadro só poderá ser modificado, à medida que os cursos de formação superior nas linguagens artísticas forem autorizados, e contemplados nas regiões de forma acessível.
Enquanto isso, esses educadores continuarão trabalhando, buscando em espaços de formação básica (cursos elementares) a formação que deveria ser superior, com a capacitação do fazer/pensar sobre a Arte. Sem dúvidas “o investimento na formação inicial e continuada dos professores de música mostra-se imprescindível para a qualidade da prática pedagógica em educação musical” (PENNA, 2008 p. 63).
É preciso entender as Artes em suas especificidades. Figueiredo (2010, p. 04) diz que é “fundamental que se desconstrua a idéia de que arte é um coletivo que deve ser ensinado por um único profissional”. As artes se dividem em áreas específicas e cada uma tem seu suporte teórico e metodologias inerentes aos seus métodos e técnicas de expressão. As artes, nas suas diferenças e como áreas de criação, pesquisa e extensão ocupam universos diferentes, mas ainda assim, interdisciplinares, uma vez que podem expressar os mesmos temas através de objetos e meios distintos.
Tratar as diferentes artes como diferentes linguagens é uma abordagem muito reducionista. Mas no contexto educacional, em se tratando de valorizar o professor de arte, em diferentes níveis de ensino e de acordo com as leis do país, o melhor que se pode fazer é garantir que pelo menos seja ensinada pelo ‘professor de arte’; e como linguagem a ser ensinada é preciso que o profissional professor seja alguém formado e específico da área. Freire (1994, p. 160) diz que arte é criação, é uma constituição do novo e isso não pode ser apreendido por uma ótica determinista, que acorrenta a criação à relação causal, seja ela econômica ou de outra natureza. A arte é uma expressão simbólica.
É nesse sentido que o fazer docente não pode resumir-se aos olhares e práticas superficiais, que definem a percepção como resultado final da ação. É preciso estudar Artes para se falar dela e ensinar, caso contrário, as ações continuarão num improviso permanente do senso comum, com ações aborrecidas que se repetem sem propostas novas e efetivas para o aluno. Por isso, concorda-se com Brito (2001) que é necessário que os cursos de formação de professores devolvam uma visão global e integradora do mundo, abordando o conhecimento de uma maneira abrangente, contextualizada e racional.
O desafio de promover uma educação integral é lançado ao professor, mas é preciso ter a consciência de que não se pode aprender de tudo sobre uma determinada área e a capacitação deve ser continuada. As manifestações são diversificadas entre regiões e países; representam a singularidade do seu povo, seu simbolismo, e as raízes/identidades. O professor de arte, para ser atual, precisa desenvolver uma visão global (dentro do possível) para trabalhar as manifestações e criações artísticas com o seu aluno, visando também, a singularidade nas escolas.
Sendo um consenso entre vários educadores, Figueiredo (2005), Penna (2008), Snyders (2008), Freire (1996) e André (2008), as escolas são definidas como espaços singulares. Sobreira (2008, p. 51), enfatiza que os espaços educativos são diferentes e uma escola nunca será igual à outra, até mesmo as turmas dentro da mesma escola são distintas. O que importa é assumir diretrizes norteadoras para a prática docente; isso não significa assumir um currículo único, mas significa procurar identificar elementos comuns norteadores para os professores em seu trabalho.
Os cursos de formação de professores devem visar essa singularidade e extensão de contextos, preparando o educador para abrir possibilidades e reconhecer limitações. Não se pode mais admitir a visão do educador como detentor máximo do conhecimento, mas como um ser limitado que entende a complexidade da docência e a complexidade dos conteúdos e/ou saberes a ensinar.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, este educador que é desejável na prática docente de música, precisa estimular, instigar, promover ações que despertem no aluno o instinto inquisitivo, promovendo a democratização do acesso às artes. Que ele não se contente com as questões cotidianas, mas que promova as ações inovadoras no contexto escolar. Nesse sentido, os estudos básicos sobre as manifestações musicais existentes são os requisitos mínimos para o sucesso da prática do ensino/aprendizagem. Defende-se que a música na educação básica deve estar presente, por entender-se “...ser esse o espaço onde o ensino de música pode ter um maior alcance social, atuando efetivamente para a democratização no acesso à arte e à música” (PENNA, 2007 p. 52).
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1 A Feira Ver-o-Peso é um grande mercado às margens da baía do Guajará, localizado na cidade de Belém/PA.