SILVA, M. V. da. (Des)políticas linguísticas no Brasil: a reforma do ensino médio e a
exclusão do ensino de língua espanhola na educação básica. Revista Diálogos
(RevDia), “Edição comemorativa pelo Qualis B2”, v. 6, n. 2, mai.-ago., 2018.
(DES) POLÍTICAS LINGUÍSTICAS NO BRASIL
A reforma do ensino médio e a exclusão do ensino de língua espanhola
na educação básica
Marcus Vinícius da Silva (UFRJ/CNPQ)
1
1
Atualmente, é Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Colégio de
Aplicação da Universidade Federal de Roraima Cap/UFRR, mestrando em Letras
Neolatinas Estudos Linguísticos em Língua Espanhola pela Universidade Federal do
RESUMO: O presente trabalho busca analisar e refletir, a partir de um
estudo documental, sobre a Medida Provisória MP 746/2016 que
foi sancionada no Congresso Nacional, transformando-se na Lei de
Reforma do Ensino Médio Lei 13415/17. O artigo foi desenvolvido a
partir de duas questões centrais, a saber: a) qual é o impacto
educacional da reforma do ensino médio para professores de línguas
estrangeiras, principalmente, os de língua espanhola?; b) qual é o lugar
da pluralidade linguística na reforma do ensino médio? O presente
texto surge de muitas angústias de professores de nguas estrangeiras,
pesquisadores, alunos e da sociedade que não foram ouvidos para tal
reforma educacional brasileira, isto é, a antiga Medida Provisória
746/2016, surge de um momento pós-golpe presidencial, o qual é
baseado em um governo impopular e antidemocrático que não
consultou a população e os agentes envolvidos nesse enorme projeto
educacional O referencial teórico parte de nossas reflexões de
professores de línguas estrangeiras e, acima de tudo, de educadores,
além de reflexões de autores do campo da educação linguística, da
sociolinguística, das políticas linguísticas e de documentos oficiais que
regem à Educação Brasileira. Nesse sentido, as discussões abordadas
neste artigo pretendem contribuir para fomentar uma reflexão em
torno pluralidade linguística curricular necessária para a formação
crítica e reflexiva dos alunos na educação básica. Por fim, é importante
ressaltar que as reflexões contidas neste artigo têm estreita relação
com a prática docente, uma vez que se vinculam às preocupações que
orientam as atividades de ensino e de formação discente de alunos da
rede pública e privada do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: (Des)políticas linguísticas, Reforma do ensino
médio, Ensino de língua espanhola, Educação básica.
ABSTRACT: The present work seeks to analyze and reflect, based on a
documental study, on the Provisional Measure - MP No. 746/2016,
which was sanctioned in the
National Congress, becoming the Law of Reform of High School - Law
13415/17.
The article was developed from two central questions, namely: a) what
is the
educational impact of the reform of secondary education for teachers of
foreign languages, mainly the Spanish language? b) What is the place of
linguistic pluralism in the reform of secondary education? The present
text
Rio de Janeiro UFRJ, com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico CNPQ.
arises from many anxieties of foreign language teachers, researchers,
students and society that were not heard for such educational reform in
Brazil, that is, the former Provisional Measure No. 746/2016 arises
from a
post-coup presidential moment, which is based on an unpopular and
undemocratic government that did not consult the population and
agents
involved in this huge educational project. The theoretical framework
starts
from our reflections as teachers of foreign languages and, above all,
educators, as well as reflections by authors of the field of linguistic
education, sociolinguistics and linguistic policies and official
documents
that govern Brazilian education. In this sense, the discussions
addressed in
this article intend to contribute to foment a reflection about curricular
linguistic plurality necessary for the critical and reflective formation of
the students in the basic education. Finally, it is important to
emphasize
that the reflections contained in this article are closely related to
teaching practice, since they are related to the concerns that guide the
teaching and training activities of students in public and private
schools
in Brazil.
KEYWORDS: Language policy, Higher education reform, Spanish
language
teaching, Basic education.
1. INTRODUÇÃO
O presente texto surge de muitas angústias de professores,
pesquisadores e agentes envolvidos no âmbito do contexto escolar
brasileiro que estão indignados com o projeto educacional que vem
sendo desenvolvido no ano de 2017, pós-golpe parlamentar. Nesse
artigo, pretendemos focalizar nossa análise em torno do ensino de
língua estrangeira, principalmente, o de língua espanhola, na atual Lei
de Reforma do Ensino Médio - Lei 13415/17.
Acreditamos que tal projeto educacional neoliberal não possui
apoio popular para ser implementado na sociedade brasileira, uma vez
que foi imposto por meio de uma Medida Provisória MP 746/2016,
que não voz e visibilidade aos principais atores envolvidos nesse
processo educativo: os professores e os alunos e, por seguinte, que
também não condiz com as políticas linguísticas discutidas até então no
âmbito da educação linguística brasileira.
Nossa reflexão busca analisar e discutir, a partir de um estudo de
documental, sobre as (des)políticas linguísticas na atual Lei de Reforma
do Ensino Médio e sobre as concepções de ensino de línguas
estrangeiras, especialmente, no que toca à exclusão do ensino de língua
espanhola na educação básica, contidas na -Lei 13. 415 de 2017.
Nesse sentido, nossas reflexões estão centradas a partir de duas
questões norteadoras: a) qual é o impacto educacional da reforma do
ensino médio para professores de línguas estrangeiras, principalmente,
os de língua espanhola?; b) qual é o lugar da pluralidade linguística na
reforma do ensino médio? Nas próximas seções, discutiremos um pouco
melhor as questões teóricas, bem como também exporemos nossas
reflexões em torno do projeto educacional.
2. PRINCIPAIS MOMENTOS HISTÓRICOS DE ASCENSÃO DO ENSINO
DE LÍNGUA ESPANHOLA NO BRASIL
Em 1991, a partir do Tratado de Assunção
2
, foi assinado um
acordo político-econômico entre os países do Mercado Comum do Sul,
mais conhecido como MERCOSUL, que fez surgir a primeira fase do
boom dos cursos de língua espanhola no Brasil e, consequente, da
ampliação do oferecimento dos cursos de licenciatura em Letras com
2
O Tratado de Assunção foi um tratado assinado em 26 de março de 1991, entre
a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com o intuito de criar um mercado comum
entre os países acordados formando então, o que popularmente foi chamado
de Mercosul (oficialmente Mercado Comum do Sul e em língua espanhola Mercado
Común del Sur).
habilitação em língua espanhola, oferecidos por instituições públicas e
privadas do Brasil.
A segunda fase de crescimento se deve à Lei 11.161 do dia 5 de
agosto de 2005
3
, implementada no Governo do ex-presidente, Luiz
Inácio Lula de Silva, depois de muitas lutas e reivindicações das
Associações de Professores de Espanhol do Brasil. Nesse contexto, a Lei
11.161/2005 surge com a finalidade de incorporar de formar
obrigatório o oferecimento do ensino de língua espanhola na
composição curricular do ensino médio nas escolas públicas e privadas
de todo o país. Vejamos os artigos contidos na lei:
Art. 1
o
O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória
pela escola e de matrícula facultativa para o aluno, será
implantado, gradativamente, nos currículos plenos do
ensino médio.
§ 1
o
O processo de implantação deverá estar
concluído no prazo de cinco anos, a partir da implantação
desta Lei.
§ 2
o
É facultada a inclusão da língua espanhola nos
currículos plenos do ensino fundamental de 5
a
a 8
a
séries.
Art. 2
o
A oferta da língua espanhola pelas redes
públicas de ensino deverá ser feita no horário regular de
aula dos alunos.
Art. 3
o
Os sistemas públicos de ensino implantarão
Centros de Ensino de Língua Estrangeira, cuja
programação incluirá, necessariamente, a oferta de língua
espanhola.
Art. 4
o
A rede privada poderá tornar disponível esta
oferta por meio de diferentes estratégias que incluam
desde aulas convencionais no horário normal dos alunos
até a matrícula em cursos e Centro de Estudos de Língua
Moderna.
Art. 5
o
Os Conselhos Estaduais de Educação e do
Distrito Federal emitirão as normas necessárias à
execução desta Lei, de acordo com as condições e
peculiaridades de cada unidade federada.
(BRASIL, 2005).
Art. 6
o
A União, no âmbito da política nacional de
educação, estimulará e apoiará os sistemas estaduais e do
Distrito Federal na execução desta Lei.
3
Por causa da Lei de Reforma do Ensino Médio Lei nº13415/17, a lei do espanhol
Lei nº 11.161/05 encontra-se revogada na atual conjuntura educacional.
Art. 7
o
Esta Lei entra em vigor na data da sua
publicação.
Desse modo, como podemos perceber, a Lei 11.161/2005 trata-
se de uma política linguística e blica, a qual com base nessa
determinação legal, obrigavam os Estados e Munícipios, a partir da
publicação da Lei do Espanhol, gradativamente, no prazo máximo de 5
anos, a incorporar aos seus sistemas curriculares estaduais e
municipais a oferta obrigatória do ensino de língua espanhola no
Ensino Médio.
Entretanto, durante muito tempo a Lei 11.161/2005 foi
desrespeitada por vários Estados e Municípios, os quais foram alvo de
constância denúncias ao Ministério Público Estadual e Federal quanto
ao cumprimento efetivo da lei do espanhol. Cabe mencionar, ainda, que
as Associações de Professores de Espanhol do Brasil e as Universidades
com formação de professores de espanhol tiveram papel central nas
denúncias e nos movimentos de luta para o efetivo cumprimento da lei
federal.
3. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO SURGIMENTO LEI DE REFORMA
DO ENSINO MÉDIO - LEI 13415/17
No Brasil, tem se discutido com frequência a questão da crise
político-econômica, pois diversos escândalos apresentados na mídia
envolvendo políticos do alto escalão. Em 2016, a ex-presidente Dilma
Rousseff sofreu o golpe parlamentar, contudo, críticas acirradas ao seu
governo já vinham de pelo menos dois anos, desde o final do seu
primeiro mandato por parte da oposição e, principalmente, por seus
adversários das últimas eleições presidenciais.
É importante mencionar, que entendemos que a mídia possuiu um
importante papel, sobretudo, principal na formação de opinião da
população, apoiando, massivamente, o golpe parlamentar contra a ex-
presidente. Nesse sentido, com a decisão do Congresso Nacional, o vice-
presidente, até então, Michel Temer, assume o governo brasileiro e
junto com os seus aliados estipula uma série de medidas provisórias
para diminuir o “déficit econômico e o “caos político” que se
instalalaram no Brasil nos últimos anos.
Diante desse panorama conturbado, o presidente Michel Temer,
propõe uma Medida Provisória - MP nº 746/2016, a qual instaura uma
nova reformulação da composição curricular e da organização do
Ensino Médio Nacional, transformando-se, posteriormente, com
aprovação no Congresso Nacional, em Lei 13415/17 que desconsidera
uma série políticas educacionais vigentes até o momento.
Nesse sentido, acreditamos que toda mudança curricular é parte
de uma política de desenvolvimento do país, e, portanto, o currículo
deve expressar coerência e articulação com as políticas educacionais,
públicas e linguísticas até então elaboradas e implementadas na
sociedade com ampla divulgação e com amplo debate entres os atores
envolvidos nesse processo.
Ademais, em geral, essas políticas de currículo, políticas públicas
têm se caracterizado como programas de governo, isto é, com início e
fim determinados pelos mandatos. É importante mencionar que, uma
mudança curricular precisa de um amplo debate democrático com a
sociedade e, acima de tudo, precisa tempo para sua implantação e
consolidação no espaço de um governo.
4. ANÁLISE DA LEI DE REFORMA DO ENSINO MÉDIO NO QUE TOCA
À DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Como veremos a seguir, o mais grave de tais políticas públicas,
educacionais e linguísticas é que levam ao descrédito no âmbito
escolar, uma vez que os professores não acreditam nelas, e, portanto,
não se engajam efetivamente na sua implementação, uma vez que não
tiveram voz ativa nesse processo de elaboração e reflexão.
Além disso, a Lei Reforma do Ensino Médio não revoga a lei
11.161/2005, mas outras leis e decretos, como mencionado no início da
própria lei, a saber:
Altera as Leis n
os
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e
11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação
das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei
n
o
5.452, de 1
o
de maio de 1943, e o Decreto-Lei n
o
236, de
28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei n
o
11.161, de 5 de
agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo
Integral. (BRASIL, 2017).
Desse modo, como podemos perceber, a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional Lei 9394/96, é bastante alterada com a
aprovação da Lei de Reforma no Ensino, destacamos como pontos
principais: a) ampliação da carga horária gradativamente para 1.200
horas anuais, desconsiderando as adversidades de cada sistema de
ensino, seja ela municipal ou estadual; b) o oferta obrigatória da língua
inglesa na educação fundamental, desconsiderando e revogando a
possibilidade da escolha da língua estrangeira nesse seguimento de
acordo com a comunidade escolar; c) a obrigatoriedade do ensino de
língua inglesa também no Ensino Médio, isto é, a revogação da lei de
oferta do espanhol.
Nesse sentido, o art. 3
o
da Lei de Reforma no Ensino Médio
altera a Lei n
o
9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar
acrescida do seguinte art. 35-A, a saber:
Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular definirá
direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio,
conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação,
nas seguintes áreas do conhecimento:
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas.
§ 1
o
A parte
diversificada dos currículos de que trata o caput do
art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar
harmonizada à Base Nacional Comum Curricular e ser
articulada a partir do contexto histórico, econômico,
social, ambiental e cultural.
§ 2
o
A Base Nacional Comum Curricular referente ao
ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas
de educação física, arte, sociologia e filosofia.
§ 3
o
O ensino da língua portuguesa e da matemática
será obrigatório nos três anos do ensino médio,
assegurada às comunidades indígenas, também, a
utilização das respectivas línguas maternas.
§ 4
o
Os currículos do ensino médio incluirão,
obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão
ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo,
preferencialmente o espanhol, de acordo com a
disponibilidade de oferta, locais e horários definidos
pelos sistemas de ensino. (BRASIL, 2017)
No que toca à oferta de ensino de língua estrangeira, a atual lei
do ensino médio preferência a língua inglesa como única e exclusiva
língua estrangeira presente na educação básica. Por mais que tenhamos
a menção ao oferecimento de outras línguas estrangeiras na lei,
preferencialmente a ngua espanhola, acreditamos que tudo que é
optativo, infelizmente, não se realiza na prática por parte dos nossos
governantes.
Além disso, é importante observarmos que a Lei 13415/17, entra
em vigor partir da data de sua publicação, mencionando, inclusive, a
Base Nacional Comum Curricular - BNCC, ao longo do seu texto, mas a
tal base ainda está em processo de elaboração, o que se mostra uma
incoerência que a BNCC irá definir as diretrizes de ensino, isto é, no
nosso entendimento, a aprovação da lei é uma antecipação
desnecessária.
Nesse sentido, entendemos que a aprovação da Lei de Reforma do
Ensino Médio e a exclusão do ensino de língua espanhola estão
aparadas por decisões do âmbito mais político-econômico do que
decisões propriamente educacionais e linguísticas.
Segundo Rajagopalan (2013, p. 28), é comum haver confusões
relacionadas ao sentido do termo “políticas linguísticas”, o que muitas
das vezes levam os pesquisadores a deslizes de argumentação e a
conclusões equivocadas, ou até, totalmente descabidas.
A política linguística, enquanto área de investigação, começou a
se constituir como campo de pesquisa e circulação nos fins da década
de 1950, ela tinha como base duas fases, a própria política linguística,
isto é, a proposta de alteração política que afeta a língua; a segunda, a
planificação linguística, que trata dos meios de implementação da
política linguísticas, ou seja, os mecanismos necessários para
implementar aquela política. Nesse sentido, ainda segundo Rajagopalan
(2013, p. 30):
Planejamento linguística inclui também ponderações a
respeito da viabilidade ou exequibilidade de medi das
concretas adotadas pelas autoridades, mas são de
interesse secundário. Para se ter uma comparação, a
política e o planejamento econômico de um país
certamente incluem uma política financeira, assim como
as formas de arrecadação de impostos pelos cidadãos [...].
Em outras palavras, podemos perceber, que a política linguística
sempre está relacionada à uma política financeira, como podemos
perceber no texto da lei de reforma, pois se trata mais de uma decisão
política do que linguística, isto se aplica claramente na questão de
línguas estrangeiras adotadas na escola, qual língua estrangeira
adotaremos na escola? A língua dos nossos vizinhos ou a língua do
mercado?
Obviamente, como podemos perceber, essas perguntas serão
respondidas de acordo com o grupo social que esteja no poder,
exercendo poderes tanto legislativos como judiciários, criando políticas
linguísticas que promovam a diversidade linguística ou a exclusão da
diversidade linguística, como vimos na Lei 13415/17, a qual dispõe
alterações significativas na educação básica, principalmente, no ensino
médio. Nesse sentido, ainda segundo Rajagopalan (2013, p. 31):
Os agentes de atos praticados sob a ótica da política
linguística nesse sentido podem ser qualquer pessoa ou
grupo de pessoas (ou mesmo, um grupo estranho ao
público alvo, um grupo de provocadores) E os atos
praticados mais ou menos bem organizados e
orquestrados. Ou podem ser esporádicos ou espontâneos
[...].
Os agentes legisladores dessas políticas linguísticas podem ter um
maior planejamento linguístico, isto é, um planejamento democrático
com discussão com pesquisadores e agentes envolvidos nesse processo
de mudança, como por exemplo, a criação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação LDB/96, principalmente, no que toca às áreas
relacionadas à linguagem, ou, esses mesmo legisladores podem
implementar políticas linguísticas sem ser democráticas e planejadas,
como atualmente temos aprovada a Lei de Reforma do Ensino Médio, a
qual privilegia o ensino de uma única língua estrangeira, a língua do
mercado financeiro.
É o que afirmar Bourdieu (1982, p.30), cada língua pode trabalhar
sua comercialização ou sua comercialização vem trabalhada de maneira
involuntária através de fatos históricos como a globalização,
industrialização etc. O fato é que toda língua tem seu valor, sua cotação
e existe uma cotação econômica, como moedas. (BOURDIEU, 1982).
Segundo Elzimar Goettnauer (2005, p. 61):
Pensar o ensino de língua espanhola hoje no Brasil, bem
como cogitar sobre suas perspectivas, constitui tarefa que
demanda uma séria de considerações a respeito de
diversas questões, pois não é suficiente refletir a partir
dos aspectos quantitativos. Destacar o número de falantes
de espanhol no mundo e o avanço do idioma nos Estados
Unidos e em nosso país, embora isso possa despertar
nosso otimismo em relação status que essa língua vem
adquirindo e nos permita vislumbrar um mercado de
trabalho em expansão, reduz expressivamente uma
discussão necessária sobre o que significa em um
universo globalizado o domínio de língua estrangeira,
sobretudo, em se tratando do idioma oficial de 20 países,
19 dos quais bem próximos ao Brasil.
(GOETTENAUER,2005, p.61).
Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos
(assinada em 1996, sob a orientação da UNESCO) fala em garantia ao
direito linguístico do falante e promulga a necessidade de ações
políticas voltadas para uma realidade multilíngue das sociedades. Tais
propostas visam a avanços em prol de uma realidade plural que deve
ser considerada como uma riqueza cultural de uma nação e não como
perigo à sua unidade.
Em outras palavras, aprender a língua espanhola ou outra língua,
deveria não apenas se restringir às questões financeiras, mas sim a
questões de identidade, afetividade, cidadania entres outros. A política
linguística no ensino de língua estrangeira no Brasil deveria, portanto,
ficar a escolha da comunidade escolar, principalmente, no que tange o
processo de subjetivação dos sujeitos aprendizes, isto é, no processo de
constituição dos lanços de afetividade que existem entre o sujeito e a
comunidade discursiva que está inserida.
É importante mencionar que, a política linguística, em muitos
casos, é bem planejada e executada, mas existem também aquelas
políticas linguísticas, as quais brotam no seio da sociedade como uma
forma “espontânea” e desenvolvem de uma forma caótica ou, no
mínimo desordenada, a vontade da classe dominante que ocupa os
espaços de poder da sociedade e que tenta por meio de leis e medidas
provisórias impor a vontade da minoria sobre a maioria da população.
Norman Fairclough (2000, p 3), linguística britânico, em seu livro
publicado em 2000, intitulado New Labour, New Language?, relata uma
importante reflexão sobre a relação existente entre língua e sociedade.
Vejamos:
A questão da linguagem sempre foi de grande importância
na política [...] Diferenças políticas foram com
frequências constituídas como diferenças linguísticas,
lutas políticas sempre foram desavenças entre os partidos
políticos sobre a linguagem dominante e tanto a teoria
como a prática retórica política remontam aos tempos
antigos. A linguagem tem sido, por muito tempo, de
grande relevância nas análises políticas. Mas ela tem se
tornado especialmente importante nas últimas décadas,
graças a mudanças sociais que transformaram a política e
a governança.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O texto aqui apresentado buscou, a partir de um estudo
documental, mostrar as angústias de professores, pesquisadores e
agentes envolvidos no âmbito do contexto escolar brasileiro que estão
indignados com a aprovação da Lei de Reforma do Ensino Médio de
2017, o qual não possui participação popular.
Além disso, a pesquisa também tentou trazer algumas reflexões
em torno das (des)políticas linguísticas no Brasil nesse momento
conturbado, buscando também alertar os professores, pesquisadores e
sociedade sobre o apagamento da possibilidade de escolha da língua
estrangeira, principalmente, o apagamento do ensino de espanhol, além
é claro, do apagamento de debate sobre o futuro curricular nacional.
Cabe ressaltar, também, que a pesquisa traz uma discussão
polêmica sobre o apagamento da figura do professor, do pesquisador,
do aluno e da sociedade no que tange à implementação de uma reforma
de ensino dio. Além disso, percebemos que muitas vezes o professor
é coagido a aceitar essas mudanças curriculares sem ser ter voz e
visibilidade nesse processo de constituição e reflexão.
Desse modo, como podemos perceber, essas políticas linguísticas,
em sua maioria, são frutos de acordos político-econômicos, os quais
tem como prioridade o dinheiro, e não a formação do aluno cidadão
crítico capaz de atuar em sociedade. Cabe a nós, professores, refletir
sobre essas questões dentro de sala de aula com nossos alunos, sempre
encontrando maneiras de além de transmitir os conteúdos do currículo,
transmitir valores éticos e morais para nossos alunos para que um dia
eles consigam, realmente, transformar nosso país.
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