SANTOS, H. R.; TINÉ, R. T. Estratégias discursivas para compreensão de conceitos abstratos e especializados em libras. Revista Diálogos (RevDia), Dossiê temático “Educação, Inclusão e Libras”, v. 6, n. 1, jan.-abr., 2018. [http:// periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/revdia]

estRatégias DISCURSIVAS para compreensão de conceitos abstratos e especializados em libras



HADASSA RODRIGUES SANTOS

ROGÉRIO TIMÓTEO TINÉ



Sobre os autores

Hadassa Rodrigues Santos – Doutoranda em Linguística e Língua Portuguesa - PUC-MG (2017). Mestra em Linguística e Língua Portuguesa pela PUC-MG (Conceito CAPES 5). Bolsista de Mestrado do CNPq (2015-2017). Pós-Graduada em Docência e Tradução e Interpretação da Língua Brasileira de Sinais pela Universidade Tuiuti do Paraná - UTP (2014). Certificada Proficiente no Ensino da Libras (Prolibras) - UFSC/INES/MEC (2013). Certificada Proficiente em Tradução e Interpretação da Libras-Português (Prolibras) - UFSC/MEC (2010). Tradutora e Intérprete de Libras na Universidade Federal do ABC (UFABC). Graduanda em Letras-Língua Portuguesa. Bacharel em Teologia - Faculdade Unida de Vitória (2013). Atua no campo de pesquisa da Lexicologia e Terminologia de línguas de sinais. E-mail: hadassa.interprete@hotmail.com

Rogério Timóteo Tiné – Mestre na área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2015). Especialista em Libras e Educação de Surdos pelo Grupo Educacional - UNINTER (2011). Licenciado no Programa Especial de Formação Pedagógica de Docentes - UNINOVE (2011). Proficiente em Libras na categoria usuários da Libras com escolaridade de nível superior PROLIBRAS, 2007 - UFSC/MEC. Especialista em Fisioterapia em Clínica Médica pela Universidade Federal de São Paulo e Escola Paulista de Medicina UNIFESP (2005). Bacharel em Fisioterapia pela Universidade Cruzeiro do Sul/SP (2003). Atualmente é tradutor e intérprete de Libras na Universidade Federal do ABC (Santo André-São Paulo). E-mail: prof.rogeriotimoteo@gmail.com

Resumo: Este artigo apresenta estratégias utilizadas por Surdos e Intérpretes de Libras-Português na (re)construção de sentidos-e-significados de conceitos abstratos e na criação de sinais-termos, em Libras, do campo das Biomédicas. Os dados apresentados foram extraídos dos trabalhos de Tiné (2015) e Santos (2017). A pesquisa de Tiné (2015) apoia-se na teoria social da construção do conhecimento de Vygotsky (1991). Em Santos (2017) analisa-se a expansão do léxico a partir de processos neológicos na modalidade visuoespacial. Os resultados observados apontam para novas formas de construção discursiva e forte influência da linguagem corporificada, sobretudo da representação icônica, para a expansão lexical.

Palavras-chave: Conceitos. Abstratos. Libras.

Abstract: This article presents strategies used by Deaf and Interpreters of Portuguese-Libras in the (re) construction of meanings and meanings of abstract concepts and in the creation of sign-terms, in Libras, of the field of Biomedical. The data presented were extracted from the works of Tiné (2015) and Santos (2017). Tiné (2015) research is based on Vygotsky's social theory of knowledge construction (1991). In Santos (2017) the expansion of the lexicon is analyzed from neological processes in the visuospatial modality. The observed results point to new forms of discursive construction and strong influence of embodied language, especially iconic representation, for lexical expansion.

Keyword: concepts, abstract. Libras.

1. INTRODUÇÃO

Nos estudos do campo da linguagem admite-se que por meio de combinações finitas de sons, o ser humano é capaz de produzir palavras, sentenças e discursos, expressando seu próprio pensamento ou compreendendo o das outras pessoas. O notável é que tais sons podem ser substituídos por sinais entre os usuários das línguas de modalidade visoespacial ou gestual-visual, sem que a capacidade da linguagem seja alterada.

Em Hauser et al. (2002) concebe-se a linguagem humana como um fenômeno cognitivo, inato a qualquer indivíduo, configurando-se em um sistema organizado segundo princípios e regras que geram expressões linguísticas de maneira ordenada e previsível. A forma de expressão linguística é tipicamente uma cadeia sonora, mas também pode ser visual, como acontece com as línguas sinalizadas, meio expressivo para a interação verbal dos Surdos. A capacidade linguística de uma falante independe dos diferentes meios de expressão ou de sua performance linguística, que diz respeito ao uso concreto de uma língua em tempo real (KENEDY, 2013).

Santos (2017) salienta que o desenvolvimento linguístico de um indivíduo Surdo transcorre naturalmente através da faculdade da linguagem, contudo, em modalidade distinta da oral. Em vez de usar o canal oral-auditivo, a língua de sinais se expressa através do canal gestual-visual, “é preciso considerar que a comunicação não se desenvolve por mera pantomima ou gesticulação, mas por meio de uma língua sinalizada” (SANTOS, 2017, p. 16).

Compartilhada coletivamente, as línguas sinalizadas organizam-se gramaticalmente com elementos constitutivos de itens lexicais que se estruturam em todos os níveis linguísticos, e seguem princípios básicos gerais. Também apresentam componentes pragmáticos convencionais, permitindo a seus falantes expressar sentidos metafóricos, ironias e outros significados não literais, integrando-os nas várias situações comunicativas cotidianas. De tal forma, as línguas sinalizadas são plenas e vivas, que se ampliam naturalmente a fim de atender a novas necessidades comunicativas e expressivas de seus usuários, a exemplo de qualquer outra língua (HULST, 1995). Nesse sentido, consideramos necessário dar visibilidade às demandas comunicativas dos sinalizantes, a fim de compreender por quais processos cognitivos e morfológicos estes sujeitos se apropriam ao expressar conceitos abstratos e na ampliação do léxico de sua língua.

Neste artigo apresentaremos um recorte sobre a expansão lexical, em Libras, para referenciar termos do campo das Biomédicas e o modo de construção de sentidos e significados de conceitos abstratos numa perspectiva dialógica, em consonância aos trabalhos de Santos (2017) e Tiné (2015), respectivamente.

2. A EXPANSÃO LEXICAL DA LIBRAS NO AMBIENTE ACADÊMICO

Um aspecto fundamental de qualquer língua é a possibilidade que tem, por diferentes recursos, de ampliar e renovar seu léxico. Bagno (1999) afirma que a língua é viva, dinâmica, em constante movimento. Assim, uma língua de sinais, como qualquer outra língua, encontra-se em plena renovação de seu acervo lexical. Na última década é significativo o aumento das representações Surdas e por consequência o uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras no cenário político, educacional e social do país. Com a implementação da Lei 10.436 de 24 de abril de 2012, dispondo sobre o reconhecimento da Libras como segunda língua oficial, e o Decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005, regulamentando a lei citada, “o sujeito Surdo passou a ter acesso às diversas áreas sociais, sendo garantido por lei o direito à acessibilidade linguística” (TUXI, 2015, p. 558).

A partir deste novo quadro social, os Surdos passaram a ocupar o ambiente acadêmico onde permeia o contato linguístico entre o Português e a Libras. Assim, estão expostos a vocábulos específicos e técnicos, restritos às diversas áreas de formação do Ensino Superior. Notam-se, nesse contexto, inúmeras produções neológicas expressando verbetes sem representação linguística na modalidade visual e, geralmente desconhecidos dos Surdos, por historicamente não integrarem os espaços educacionais.

A esse respeito, Prometi (2013) aponta que a falta de vocabulário em Libras dificulta os Surdos a adquirirem conceitos científicos ou técnicos, assim como a compreensão do conteúdo abordado em sala de aula. Outra questão, apresentada por Castro Júnior (2011) é a ocorrência da criação de diferentes tipos de sinais relacionados a um mesmo conceito e termo, nos espaços educacionais onde os Surdos estão inseridos. Os sinais são pensados em uma sala de aula específica, mas não validados junto aos demais alunos Surdos ou grupos sociais. Como consequência disso há várias criações de um mesmo conceito em um único local de uso. Castro Júnior (2011, p.43) ratifica esta questão:

Muitos sinais são criados e produzidos em sala de aula, por exemplo, quando para uma palavra da Língua Portuguesa, não existe um sinal correspondente em LSB. Para isso um sinal é criado e não é disseminado, nem é reconhecido por uma instituição, com vistas a ser um sinal padrão.

O recente trabalho de Santos (2017) corroborou a afirmação de que as línguas de modalidade gesto-visual contêm princípios subjacentes de construção semelhantes aos das línguas orais (LOs) ao identificar processos e descrever processos morfológicos que corroborem para a identificação de alguns padrões na formação de itens lexicais da Libras através da análise de novas ocorrências lexicais para referenciar verbetes de áreas especializadas. Aqui, exemplificaremos esse processo por meio de sinais-termos1 do campo da Biomedicina.

3. A CRIAÇÃO DE SINAIS-TERMOS DO CAMPO DA BIOMEDICINA

A criação de novos sinais, além da relação direta com a vivacidade linguística, vincula-se às variadas transformações que ocorre todo momento no tecido social, sejam elas de natureza econômica, política, técnica, científica, literária etc. A esse respeito, Mandelblatt et al. (2012) fazem menção ao aumento de estudantes Surdos no Ensino Superior no Brasil, nas últimas décadas, quando os sujeitos envolvidos no processo veem-se desafiados a criar itens lexicais, em Libras, que deem conta do universo conceitual correspondente às diferentes áreas curriculares de seus respectivos cursos.

As autoras consideram tratar-se de um desafio vivido principalmente pelos estudantes Surdos, “tanto na tentativa de construir sentido das informações que lhes são passadas pelos tradutores/intérpretes de Libras que atuam nas salas de aula, quanto nas tentativas de compreender os textos acadêmicos que precisam ler em cada disciplina”. (MANDELBLATT et al., 2012, p. 91). Tal desafio é experimentado ainda pelos profissionais intérpretes de Libras, na busca de encontrar estratégias discursivas na modalidade linguística para transmitir conceitos atinentes aos vários campos de conhecimento, tanto no trabalho de interpretação simultânea em sala de aula quanto na tradução de textos acadêmicos para Libras.

O recorte que inicialmente apresentamos foi extraído da pesquisa de Santos (2017) com a colaboração de alunos Surdos universitários e intérpretes de Libras-Português ao relatarem suas experiências com o uso da Libras no ambiente acadêmico, as dificuldades de aprender um conteúdo ministrado em sala de aula na língua majoritária, e as estratégias de tradução e criação de sinais para referenciar os verbetes que circundam as temáticas do curso e situações inerentes ao contexto acadêmico para a língua de sinais.

Observou-se que o falante utiliza de processos diversos para referenciar um novo item lexical em sua língua. A esse respeito, Campos (2012, p. 2) comenta que:

Os procedimentos usados para a criação dos novos itens lexicais resultam de uma mistura saudável de recursos, que transformam a língua em um grande móbile. Longe de empobrecê-la ou descaracterizá-la, essa manipulação linguística exercida com genialidade e conhecimento lhe confere feição nova, ressaltando seu potencial expressivo alcançado pela novidade e, ao mesmo tempo, pelo estranhamento de algumas construções.”

Aqui faremos menção de um processo que se mostrou bastante produtivo para a expansão lexical. O exemplo extraído do trabalho de Santos (2017) refere-se a criação de dois sinais-termos, o primeiro para denotar PULMÃO, em Libras.











Figura 1 – Sinal de Pulmão, em Libras.

Fonte: SANTOS (2017).

O processo utilizado para referenciar o conceito acima tem merecido atenção dos estudiosos de Libras, por apresentar em seu léxico grande diversidade de expressões que denotam a iconicidade cognitiva, tornando a relação entre a forma e o sentido mais visível.

Tal mecanismo mostra-se bastante produtivo nas línguas de sinais, porque muitos sinais são produzidos com forte influência da linguagem corporificada. Utilizam-se as mãos com propósitos linguísticos diferentes e esse uso eficiente das mãos para a criação de signos, assim como do corpo do locutor, configura-se como econômico para as línguas sinalizadas, sempre presente na situação enunciativa. Por isso, são recorrentes, em Libras, estruturas icônicas – formas linguísticas que buscam copiar o referente real em suas características visuais. O sinal-termo criado para PULMÃO é iconicamente traçado: na altura do tronco, o informante utiliza de configuração de mãos (CM) que demonstram o formato visual do órgão.

A representação visual é novamente usada para se criar o sinal-termo de AORTA (principal artéria do corpo humano): faz-se a sinalização demonstrando a saída da veia do coração, em alusão ao local da artéria no corpo, movendo-se do ventrículo esquerdo em direção ao pulmão esquerdo.



Figura 2 – Sinal de Aorta, em Libras.

Fonte: SANTOS (2017).

Este processo mostrou-se bastante recorrente na área de Biomédicas, visto que foi possível aos sinalizantes representarem diversos conceitos relacionados ao corpo humano. O Surdo serve-se da presença corporal para expressar significados diretamente relacionados às partes do corpo.

Tal fenômeno fundamenta-se no uso das mãos e do corpo em línguas visuais com funções linguísticas devido à própria modalidade gestual-visual. Contudo, deve-se considerar que há níveis de iconicidade na língua de sinais. É possível inferir a relação icônica na qual o modo de organização paramétrica de um sinal evidencia aspectos visuais daquilo que é denotado.

Portanto, apesar de ser um mecanismo produtivo em línguas sinalizadas, a iconicidade pode não determinar os reais detalhes da forma propriamente dita, se apropriando apenas de alguns aspectos ou características do referente e variar entre sinalizantes e culturas distintas.

4. A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS-E-SIGNIFICADOS NO CAMPO DA ABSTRAÇÃO

Diferentemente do contexto educacional, trazemos as contribuições dada pelo trabalho de Tiné (2015) que buscou explorar a reflexão crítica no discurso realizado em língua de sinais entre pesquisador e os participantes Surdos, identificando como ocorreu a construção discursiva, aliada aos recursos da verbo-visualidade e da utilização de contexto social, para a (re)construção de conceitos abstratos. Para isso, Tiné (2015) realizou conversas reflexivas, em língua brasileira de sinais, cujos tópicos geradores basearam-se na linguagem verbo-visual, por meio da primeira página do Jornal A Folha de São Paulo. O tema ‘manipulação’ possuía enfoque abstrato e político a respeito de eventos importantes que aconteceram em meados do ano 2014.

Na tentativa de trazer à tona, um conhecimento prévio, mesmo sendo de senso comum, o pesquisador utiliza o recurso da soletração da palavra ‘manipulação’, para introduzir a discussão do conceito e, nesse momento, uma entrevistada surda tece um comentário fora de contexto, como vemos a seguir: Assim, o pesquisador, ao falar sobre um conceito abstrato, o de manipulação, soletrou a palavra tentando prever que o surdo não tenha o sentido desse conceito abstrato, o que se confirma na resposta da entrevistada, ao questionar: “Farmácia? Manipulação de remédios?”, fazendo referência à palavra soletrada no sentido biomédico/farmacêutico.

Essa constatação vem ao encontro do que diz Vygotsky (1991, p. 435), “o sentido de uma palavra é a soma de todos os fatos psicológicos que ela desperta em nossa consciência”. Podemos perceber que a palavra soletrada evoca algumas possibilidades de interpretação, contudo, é possível identificarmos um processo dinâmico e fluido para a adequação de seu sentido. Segundo Bakhtin (1992, p. 128), isso acontece quando o contexto discursivo se apresenta, criando “um sentido definido e único, uma significação unitária, uma propriedade que pertence a cada enunciação como um todo”.

Ao perceber que estava trabalhando com sentidos-e-significados diferentes da palavra ‘manipulação’, Tiné (2015) soletrou em língua de sinais a palavra ‘manipulação’, enfatizando que a escrita da “palavra é a mesma, igual”, nos dois contextos, naquele que está sendo discutido e na área farmacêutica, mas que também possui sentidos-e-significados diferentes. A enunciação realizada em língua de sinais, quando necessita do recurso da soletração na ausência de um sinal, pode evocar sentidos controversos à intenção do enunciador, e não garante que o Surdo se aproprie de sentidos-e-significados. Essa situação acontece porque “os enunciados não existem isolados: cada enunciado pressupõe seus antecedentes e outros que o sucederão; um enunciado é apenas um elo de uma cadeia, só podendo ser compreendido no interior desta cadeia” (FREITAS, 1994, p. 138).

Para fazer essa distinção, Tiné (2015) se colocou como o par mais experiente e utiliza o “sinal [...] que parece com uma marionete”, sinal apropriado de manipulação em língua de sinais. Neste sentido, Vygotsky (1991, p. 59) esclarece que “o signo é como meio auxiliar para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher)”. A utilização correta do sinal específico em língua de sinais facilita o processo de apropriação do conceito apresentado.

Ilustrando a discussão que foi estabelecida no trabalho de Tiné (2015) a respeito do conceito de ‘manipulação’, apresentamos abaixo o jornal Folha de São Paulo de outubro de 2014 em que mostra um cidadão sendo içado por linhas ligadas a um cartão do Programa Social de Distribuição de Renda Familiar, o Bolsa Família. A imagem representa uma mão segurando esse cartão e parte de uma manga de paletó e camisa social masculina conduzindo o cidadão a uma urna eletrônica, como vemos a seguir:

Figura 3 - Recurso verbo-visual utilizado para discutir o tema Manipulação.

Fonte: Folha de São Paulo - outubro de 20142

Como vimos até aqui, os conceitos abstratos podem ser apropriados pelos Surdos de acordo com o contexto da utilização do discurso em Libras, e também a quem se destinada esta informação. E diríamos mais, é necessário saber utilizar de forma assertiva os recursos verbo-visuais, pois, estes, facilitam ao desenvolvimento das propriedades imagéticas aos Surdos, facilitando assim, a compreensão dos conceitos apresentados.

Portanto, através das funções psicológicas superiores, podemos observar que a ideia da comunicação se concretiza pela necessidade do uso de signos. Segundo Vygotsky (1991, p. 59), “o signo é como meio auxiliar para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher)”, e tem como base ser um instrumento de atividade psicológica para sua concepção de significados. Quando um sinal é realizado na língua de sinais, no primeiro momento ele é entendido pelo léxico produzido; no segundo momento pela representatividade e significado de uso do sinal realizado; por último, pela compreensão e utilização do contexto a que se aplica o discurso.

Por fim, o recorte que apresentamos neste artigo, extraído da pesquisa de Santos (2017) e Tiné (2015), respectivamente, contou com participantes Surdos adultos concluintes do Ensino Médio e estudantes Surdos do Ensino Superior, usuários fluentes da língua de sinais, que numa interação reflexiva, discutiram conceitos referentes ao contexto social e do campo das Biomédicas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas apresentadas neste artigo objetivaram a analisar o processo de representação de termos específicos do campo das Biomédicas, em Libras, e a identificar os processos de (re)construção de sentidos-e-significados de conceitos abstratos, aqui apresentados. Especificamente, o trabalho de Santos (2017) indica uma grande incidência do processo icônico na produção de novos sinais na área de Biomédicas, em comparação com os demais campos do Ensino Superior investigados em sua pesquisa. A emergência do processo nesta área deve-se à representação visual dos conceitos a serem incorporados que, em sua maioria, referem-se a signos concretos e palpáveis, especialmente os verbetes relacionados ao corpo humano, favorecendo a representação icônica em Libras.

Viu-se que muitos sinais são produzidos mediante forte influência da linguagem corporificada, sobretudo na representação icônica, visando referenciar conceitos relacionados ao corpo. Espera-se que uma língua de modalidade visuoespacial aproveite as oportunidades icônicas para representar formas linguísticas que expressam o referente real através de suas características visuais. Em consonância, Ferreira-Brito et al. (1998) entende que a iconicidade é mais evidente nas estruturas das línguas sinalizadas do que na das línguas orais, devido à explanação acima e ao fato do uso eficiente do próprio corpo do locutor, sempre presente na situação de fala da língua sinalizada, para referenciar conceitos concretos e palpáveis.

Por outro lado, Tiné (2015) investigou como os participantes Surdos construíram em sua interação, conceitos abstratos, tomando como base a postura reflexiva, possibilitando novos conhecimentos e novas formas de construção discursiva. O autor identificou que foram necessários, para a negociação dos sentidos-e-significados de conceitos abstratos, alguns mecanismos:

  1. Soletrações de palavras (datilologia)

  2. Uso de sinais específicos em língua de sinais

  3. Recursos verbo-visuais

  4. Uso de diferentes tipos de perguntas

  5. Levantamento de hipóteses

  6. Exemplificações.

Durante o desenvolvimento do trabalho de pesquisa esses recursos foram fundamentais, pois possibilitaram identificar o processo de (re)construção de sentidos-e-significados de conceitos abstratos, em Libras.

Por fim, sob tal complexidade, os processos de construção de sentido e expansão lexical apresentados neste artigo não se esgotam, ao contrário, suscitam inúmeras questões atinentes à ampliação e à renovação do léxico de línguas de sinais e a apropriação de conceitos abstratos por Surdos. Aqui, concluiu-se que os mecanismos de criação, por seu turno, propiciam a organização do léxico e o estabelecimento das significações por meio da visualidade. Também, de modo geral, entendemos que é a partir de uma educação de Surdos mediada por uma metodologia que objetive a prática social, alcance resultados melhores na (re)construção e sentidos-e-significados, que ocorrerão de forma mais natural, além de permitir a reflexão para a ressignificação de diferentes conceitos concretos e/ou abstratos nesta modalidade linguística.

Finalmente, apontamos que a metodologia aqui apresentada poderá ser replicada em salas de aulas, aliadas a sequências didáticas, trabalhos com gêneros textuais e discursivos, a fim de que diferentes conteúdos sejam trabalhados de forma mais propícia à educação de Surdos inseridos em qualquer nível de escolaridade.

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1 Termo criado para referenciar, em Libras, conceitos contidos nas palavras simples, compostas, símbolos ou fórmulas, usados nas áreas especializadas do conhecimento e do saber, proposto por COSTA (2012).

2 Recurso verbo-visual extraído do site Minas em Pauta, com a manchete: “A chantagem eleitoral do Bolsa Família”. Disponível em: http://minasempauta.com.br/governo-do-pt/chantagem-eleitoral-bolsa-familia/ Acesso em: 01 de agosto de 2017.