TEORIA MONETÁRIA MODERNA: CRÍTICAS E PERSPECTIVAS PARA O SEU FUTURO

LUCAS MIKAEL DA SILVA DOS SANTOS1.
1 - Mestrando em Economia pela UNESP. Brasil, São Paulo, Araraquara. E-mail: lucasmikael19@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2800-7987


Resumo

A Teoria Monetária Moderna (TMM) é um conjunto de ideias que parece ter muito apoio ou, pelo menos, é capaz de gerar bastante debate, a julgar pela sua presença na internet. A TMM é um desdobramento do pós-keynesianismo. As políticas que derivam de suas principais teses sugerem que um Estado sábio e benevolente pode “imprimir” dinheiro, dentro de certos limites, para alcançar o pleno emprego e moderar a inflação. Os seus defensores apoiam o financiamento governamental “funcional” e defendem à tese de que o Estado é o Empregador em Última Instância (EUI). Isto posto, o presente artigo pretende fazer uma investigação crítica sobre os fundamentos teóricos e metodológicos a respeito desta “nova teoria monetária” e apresentar possíveis contribuições para solucionar seus principais problemas. O estudo indica que a metodologia da MMT tendo uma abordagem quantitativa muito limitada e não padronizada invalida as suas teses e prejudica a análise de suas propostas de forma disciplinada. O que prejudica qualquer discussão aprofundada na literatura e a sua inclusão no campo da ciência econômica de fronteira.

Palavras-Chave: Economia Monetária; Moeda; MMT.

Classificação JEL: B22; E42; E52.


MODERN MONETARY THEORY: CRITICISMS AND PERSPECTIVES FOR YOUR FUTURE


Abstract

Modern Monetary Theory (MMT) is a set of ideas that seems to have a lot of support or, at least, is capable of generating a lot of debate, judging by its presence on the Internet. TMM is a post-Keynesian unfolding. The policies that derive from its main theses suggest that a wise and benevolent state can “print” money, within certain limits, to achieve full employment and moderate inflation. Its advocates support “functional” government funding and defend the thesis that the state is the Employer in Last Instance (EUI). This article aims to make a critical investigation of the theoretical and methodological foundations of this “new monetary theory” and to present possible contributions to solving its main problems. The study indicates that the MMT’s methodology having a very limited and non-standardised quantitative approach invalidates its theses and undermines the analysis of its proposals in a disciplined manner. This undermines any in-depth discussion in the literature and its inclusion in the field of frontier economic science.

Keywords: Monetary Economy; Currency; MMT.

JEL Classification: B22; E42; E52.


1. INTRODUÇÃO

A Teoria Monetária Moderna (MMT) tem sua origem vinculada aos trabalhos de Randall Wray (1998, 2003, 2012) há mais de duas décadas. Com o tempo, esse novo modelo teórico tem alcançado cada vez mais atenção de economistas, políticos e formuladores de políticas públicas pelo mundo.

A MMT e seus seguidores fazem diversas afirmações que contrapõe o arcabouço econômico ortodoxo, como, por exemplo, afirmar que a dívida pública não é um instrumento de grande relevância, pois o Banco Central (BC) pode emitir sua própria moeda. Logo, não existe razão para o país se preocupar em honrar suas dívidas.

Cabe destacar, que essa dinâmica só é possível caso o país tenha sua dívida realizada na sua própria moeda. Outra contribuição que merece destaque da “nova teoria monetária” refere-se ao entendimento que tanto a política monetária quanto a política fiscal, consistem em um processo de destruição e criação de moeda.

Os adeptos da MMT defendem, essencialmente, que o Estado não possui restrição orçamentária. Logo, medidas de austeridade fiscal ou de elevação da carga tributária seriam dispensáveis, porque os serviços da dívida pública podem ser honrados através do endividamento a prazos maiores (rolagem) ou a taxa básica de juros pode ser reduzida à zero, aliviando o fardo fiscal.

Este artigo pretende fazer uma análise crítica a respeito dos alicerces teóricos e metodológicos que envolve a teoria monetária moderna e busca apontar possíveis soluções para tais problemas. A fim de atingir esse objetivo, a presente pesquisa procurou revisar os principais trabalhos que reforçam e confrontam as pressuposições da MMT.

O trabalho está dividido da segunda forma: i) introdução; ii) teoria monetária moderna: definição e problemática; iii) MMT: rumo a um novo consenso macroeconômico?; e, iv) conclusão.


2. TEORIA MONETÁRIA MODERNA: DEFINIÇÃO E PROBLEMÁTICA

A teoria monetária moderna tornou-se popular nos debates políticos, da mídia e entre alguns acadêmicos, por trazer uma leitura aparente nova e dissidente da teoria macroeconômica mainstream para função e o valor da moeda e a forma em que se realiza a política fiscal e monetária de um país.

Fundamentalmente, a MMT está alicerçada na visão chartalista da moeda que foi desenvolvida a partir do trabalho de Knapp (1924) e da teoria das finanças funcionais de Lenner (1943). De acordo com Dequech (2013), existem duas intepretações recentes do chartalismo: uma que foi desenvolvida por Davidson (1978) e outra que tem Way (1998) como o seu maior expoente.

O chartalismo, visto como doutrina que estabelece o dinheiro como criatura do Estado, tem sua teoria revisada primeiramente por Davidson (1978). O autor propõe que o governo, ao estabelecer uma unidade de conta na qual os contratos são firmados com o setor privado, define a mercadoria que vai exercer a função de moeda.

Por sua vez, Wray (1998) estabelece a moeda como criatura do Estado através de impostos, não contratos. Conforme Wray (1998), ao cobrar impostos denominados em uma unidade de conta, o Estado gera passivos a serem pagos pelos agentes naquele valor comum. Assim, os agentes passam a aceitar dívidas nesta moeda por acreditarem que outras também o aceitarão.

Entre as duas abordagens chartalistas apresentadas, esta segunda influenciou à MMT.

Way (2003) destaca que os defensores da teoria monetária moderna acreditam que os impostos não são um instrumento necessário para financiar o governo, mas como uma ferramenta de controle macroeconômico: um meio de absorver o excesso de criação de moeda, se necessário.

Segundo Vieira Filho (2017), o conceito de finanças funcionais na MMT surgiu em contrapartida às finanças saudáveis. De um lado, a segunda prega que o Estado mantenha seu orçamento equilibrado para evitar a elevação da taxa de juros e a queda da confiança do setor privado. Do outro, as finanças funcionais defendem que o governo utilize da política fiscal de maneira flexível para manter controlar a inflação e o pleno emprego.

O mix de políticas da teoria monetária moderna incluiria uma taxa permanente de juros que tende a zero (FORSTATER; MOSLER, 2005), saúde pública para todos (Medicare for all) e ampla proteção ambiental (Green New Deal). A principal posição da MMT se resume à afirmação de que, além do risco de inflação, os gastos públicos não sofrem entraves.

Para os seguidores da teoria monetária moderna, é uma grande mentira que um governo estaria constrangido pelo equilíbrio das contas públicas, que teria de equilibrar gastos e arrecadação na política fiscal, e/ou emitir títulos para auferir recursos por meio da dívida: isso seria pensar a lógica macroeconômica dos governos como se fosse uma economia doméstica.

Na realidade, o governo jamais pode estar insolvente já que ele pode emitir dinheiro. Não existe risco de um rombo, porque o Estado pode preenchê-lo a qualquer momento fabricando moeda nacional e impondo o seu curso, o desequilíbrio nas contas públicas não é um problema real e a gramática do déficit não passa de um espantalho sobre como funciona o dinheiro.

Como um modelo que descreve a realidade, a “nova teoria monetária” tem até uma certa lógica: o Estado pode pagar sua dívida através da impressão de papel-moeda e a política fiscal também pode ser um instrumento de criação e destruição de moeda. Entretanto, quando se analisa de forma prescritiva, surgem os problemas da MMT.

Apesar de vários autores pertencentes a essa linha de pensamento destacarem que existem limites para os gastos públicos, é muito comum entre seus seguidores a ideia de que as restrições orçamentárias não são relevantes, o país pode se autofinanciar. Como resultado disso, o que se observa no debate público são diversos apoiadores do MMT defendendo grandiosos programas de dispêndio governamental, sem se preocupar com as contas nacionais.

A grande problemática em torno desta visão, ocorre pela falta de evidências que comprove tal dinâmica. Mesmo considerando como verdadeiro todos os postulados da teoria monetária moderna, não existe nenhum modelo empírico que demonstre de forma clara a possibilidade de um país ter a sua economia equilibrada fazendo gastos exacerbados e acumulando uma enorme dívida ou ter uma expansão econômica por esse motivo.

O artigo clássico de Barro (1974) indica as condições sob as quais a dívida do governo não é entendida pelos agentes enquanto riqueza líquida. Dessa forma, quando ocorre um aumento da dívida pública, a redução da poupança do governo é exatamente compensada pelo aumento da poupança das famílias. Uma vez que a poupança doméstica não é alterada, a dívida pública passa a não ter efeitos reais sobre as variáveis econômicas.

Este resultado passou a ser conhecido na literatura como equivalência ricardiana, que estabelece que a escolha entre a arrecadação de impostos lump-sum e a emissão de títulos para financiar os gastos do governo não afeta nem o consumo das famílias, nem a formação de capital.

Apesar da descrença inicial quanto à validade destas hipóteses, vários estudos empíricos têm encontrado uma relação baixa, e por vezes insignificante, entre dívida pública (ou déficit público) e variáveis reais da economia, tais como o consumo privado, a poupança, o estoque de capital e a taxa de juros.

Entre eles, destacam-se os trabalhos de Plosser (1987) e Evans (1987). Os autores ao examinarem os dados trimestrais sobre déficits e taxas reais e nominais de juros entre 1954 e 1985 para vários países incluindo Alemanha, Canadá, EUA, Japão, França e Reino Unido não encontram evidências suficientes para rejeitar a hipótese da equivalência.

A partir dos anos 90, uma gama de trabalhos, como de Bertola e Drazen (1993), Alesina e Perotti, (1997) e Sutherland (1997), também demonstraram que uma elevação dos gastos ou redução dos impostos podem não ter efeitos sobre o crescimento nem mesmo no curto prazo, em razão da sinalização que essa política fiscal gera junto aos agentes econômicos.

Se os agentes percebem que a expansão fiscal irá produzir um aumento permanente nos gastos públicos, sobretudo em gastos correntes, ocasiona-se uma expectativa negativa na economia com redução de investimento e consumo privado, tendo a expansão fiscal efeitos contracionistas (redução do produto e do emprego) mesmo no curto prazo.

Corroborando com esses estudos, Tanzi e Zee (1997) defendem que quando os déficits são considerados insustentáveis, os agentes econômicos antecipam alterações na política tributária e de despesas públicas bem como, em alternativa ou simultaneamente, na política monetária. Neste sentido, pelos efeitos que a inflação tem sobre o investimento, retarda o crescimento.

Outro fato já conhecido e demostrado de forma empírica na literatura, refere-se à relação entre a variação da base monetária, o crescimento econômico e a inflação. Em A Monetary History of the United States, 1860-1960, Friedman e Schwartz ilustraram a importância que a oferta monetária possui para afetar os ciclos econômicos.

Os autores argumentam que a espetacular contração da atividade econômica, observada no período de 1929 a 1933, foi causada por uma incomum contração da oferta monetária. O Federal Reserve (FED), ao permitir que a oferta monetária se contraísse em aproximadamente 33%, foi o principal responsável pela grande depressão.

No entanto, este fato não indica que uma expansão na base monetária seja positiva. Lucas (1972, 1973, 1981) demonstrou que a política monetária enseja oscilações de curto prazo do produto real em torno de sua trajetória de longo prazo quando as informações são imperfeitas e os agentes possuem “expectativas racionais”.

A política monetária expansionista provocaria inflação e, dado o limitado conjunto de informações dos agentes no curto prazo, estes confundiriam aumento geral de preços com mudanças de preços relativos. A resposta ótima dos agentes à mudança de preços relativos percebida (equivocadamente) seria posteriormente revertida quando os agentes constatassem o problema da extração de sinal.

A hipótese de informação imperfeita implicaria na não-neutralidade da moeda no curto prazo, embora esta fosse neutra no longo prazo. Sendo a moeda não-neutra no curto prazo, Barro e Gordon (1994) argumentam que em um regime discricionário a inflação não esperada pelos agentes, decorrente de emissão monetária, permitiria a expansão da atividade econômica e a redução do desemprego e do valor real do passivo público.

Porém, este tipo de surpresa não poderia ocorrer sistematicamente em equilíbrio, já que os agentes entendem os incentivos dos formuladores de política. A sistemática expansão monetária acima do esperado implicaria taxas de inflação cada vez maiores, facilitando custos igualmente maiores.

Alguns defensores da MMT argumentam que a crise de 2008 demonstrou que o aumento da oferta de moeda pode não ter os efeitos econômicos nefastos que o mainstream macroeconômico prega. Conforme Fawley e Neely (2013), o FED praticamente duplicou o tamanho da base monetária a partir de março de 2009 e possibilitou a recuperação da economia norte-americana e mundial.

A ideia de que a crise de 2008 prova que a macroeconomia tradicional está errada é totalmente apressada. De fato, a crise fez os especialistas em política monetária repensarem muitas das suas teses anteriores. Como exemplo, os trabalhos de Taylor (2010) e Mishkin (2011), que sugerem mudanças na gestão vigente, mas destacam que são desvios dentro do paradigma atual – e não representam, portanto, nenhuma transformação, no sentido kuhniano da palavra.

Além do mais, o fato do FED adotar a chamada política monetária não convencional como instrumento de combate a crise, que consistiu na adoção de um programa de afrouxamento monetário, mais conhecido como Quantitative Easing (QE), não indica que os pressupostos da teoria monetária moderna estão corretos.

Primeiro, a grande quantidade de dólares no mercado em busca de maiores retornos causou aumento no fluxo de capitais para países emergentes, principalmente via investimentos em portfólio. Muitos países se queixaram que o excesso de liquidez causou o aumento excessivo do crédito em suas economias, o que posteriormente poderia causar bolhas e instabilidade (AHMED e ZLATE, 2014).

Breedon, Chadha e Waters (2012), ressaltam que apesar do QE ser amplamente utilizado por diversos bancos centrais, a sua efetividade é questionável. O sucesso da política exige que os mecanismos de transmissão da política monetária estejam funcionando. No entanto, o prolongamento da crise comprometeu as expectativas dos agentes, diminuindo a eficácia dos canais de transmissão.

Por sua vez, Curdia e Woodford (2010) ilustraram como a ampliação na base monetária não resultou em uma expansão na oferta de moeda na economia e aumento do volume de crédito, uma vez que a maior parte desta expansão se transformou em reservas voluntárias dos bancos comerciais depositadas no FED.

Finalmente, cabe ressaltar que o Quantitative Easing é essencialmente uma troca de ativos entre um Banco Central (BC) e seus bancos membros. Todo ato de “imprimir de dinheiro” que o BC faz vai direto para as reservas que o sistema bancário detém e, em troca, recebe títulos do tesouro. Dito isso, não é possível fazer qualquer comparação entre o QE e os postulados da MMT.


3. MMT: RUMO A UM NOVO CONSENSO MACROECONÔMICO?

De acordo com Lara Resende (2019), o arcabouço teórico da macroeconomia atual está prestes a ruir. O autor acredita em uma possível mudança de paradigma na teoria macroeconômica contemporânea com as contribuições advindas de uma nova teoria monetária e fiscal sendo o norte para essa transformação.

A história das mudanças científicas mostra que esses rompimentos de paradigmas ocorrem, em grande parte, a partir de artigos publicados em revistas revisadas pelos pares que são reconhecidos como especialistas da área. Após a sua publicação de tais artigos, novos fatos são descobertos e fatos antigos são interpretados sob novas perceptivas.

No caso da teoria monetária moderna, ainda não existe nenhum trabalho publicado em uma revista que tem uma grande relevância na comunidade científica, como American Economic Review, Journal of Political Economy ou Quarterly Journal of Economics, que defenda os seus postulados e indique essa revolução no mainstream macroeconômico.

Além disso, os pressupostos da MMT não são uma novidade na literatura. Cagan (1956) em seu modelo de hiperinflações, ressaltou que todos os déficits públicos podem ser pagos pela expansão da base monetária ou da dívida, ou seja, os governos nacionais poderiam “imprimir dinheiro” ou se endividar para financiar o seu déficit.

O próprio Lara Resende (2019), destaca que essa “revolução” tem sua origem ligada a livros e artigos antigos que tiveram à margem da academia. Entretanto, quando se analisa esses trabalhos, percebe-se o motivo pelo qual eles não tiveram repercussão: são estudos que não apresentam nenhuma formalização matemática e qualquer estimativa econométrica que corrobore com o que se afirma.

Esta situação retrata a maior dificuldade para que a teoria monetária moderna possa se tornar um consenso dentro da teoria macroeconômica. A MMT não é rechaçada pelo que ela propõe como ação, mas pelo método que ela tenta argumentar e convencer a sua validade: não existe nenhum modelo formal que demonstre as suas relações causais.

Sem modelo causal, não têm qualquer estudo empírico que traga evidências de que esse modelo (que nem existe ainda) consegue explicar movimentos passados melhor que os modelos atuais, menos ainda que seu desempenho seria superior para prever e/ou explicar os aspectos macroeconômicos.

Enquanto a base da argumentação for fundamentada nas relações causais imprecisas e nunca explicitadas com rigor formal, as evidências não forem mais que anedotas e o convencimento for apenas para o público leigo sem discernimento do estado da arte, a MMT vai continuar sendo desprezada para a economia de fronteira.

Um bom exemplo contrastante nesse quesito, são os dois livros de divulgação do Kamer Daron Acemoglu (Why Nations Fail e The Narrow Corridor) que gerou a inclusão das variáveis relacionadas ao ambiente institucional nas análises de crescimento econômico. Os dois trabalhos de Acemoglu são ilustrações de como uma teoria alcançou prestígio acadêmico porque tem base empírica e teórica robusta.

Em síntese, a MMT pretende reinterpretar a teoria macroeconômica com uma narrativa convincente sem qualquer alicerce formal e empírico. Para o público mais leigo é fácil ler como argumentação, mas para a fronteira metodológica contemporânea da economia é impossível de ser levada a sério.

Como afirma Palley (2019), a política econômica e os seus resultados estão sujeitos a múltiplas preocupações e restrições econômicas no mundo real, que incluem as apreensões relativas às taxas de juros de longo prazo do mercado de títulos públicos e de crédito privado, preocupações quanto a estabilidade do mercado financeiro, ansiedades relativas ao balanço de pagamentos e à taxa de câmbio, a restrição de inflação imposta pela curva de Phillips e as restrições de implementação de políticas e a credibilidade política.

Essas várias considerações afetam os custos econômicos e a eficácia da política fiscal financiada por emissões monetárias. No entanto, eles estão ausentes nos simplificados quadros teóricos da MMT. Em particular, a estrutura da sua fundamentação é estática e tem pouco a dizer sobre como a política afeta as expectativas futuras e de que modo têm consequências importantes.

Ampliando essa afirmativa, Krugman (2019) salienta que os apoiadores da teoria monetária moderna tendem a não ser claros sobre quais são exatamente as suas diferenças com as visões convencionais e também têm um forte hábito de descartar de imediato qualquer tentativa de entender o que estão dizendo.


4. CONCLUSÃO

A teoria monetária moderna desafia as crenças convencionais sobre a maneira como o governo interage com a economia, a natureza da moeda, o uso de impostos e a importância dos déficits orçamentários. Essas crenças, dizem os partidários, são uma ressaca da era do padrão ouro e não são mais precisas, úteis ou necessárias.

A grande vantagem da MMT, mas também a fonte de todos os seus problemas, é sua metodologia: suas mensagens surgem de conclusões heurísticas baseadas em relações contábeis e institucionais. Pelo lado positivo, relações contábeis são simples de compreender e, principalmente, são verdade sempre, por definição.

Pelo lado negativo, a análise unicamente de relações contábeis negligencia as respostas e interações entre agentes que envolvem tais relações e a estrutura de recursos e fricções da economia às quais elas estão sujeitas. Não à toa, é possível ver alguma coerência em sua leitura macroeconômica, embora sempre com sensação de desconforto, e uma série de problemas em propostas de política derivadas dela.

Como a metodologia tem abordagem quantitativa muito limitada e não padronizada, não é possível validar teses macroeconômicas e estudar propostas de política de forma disciplinada. O que prejudica qualquer debate e inclusão desta “nova teoria monetária” no campo da ciência econômica de fronteira.

No fim das contas, os apoiadores da MMT precisam delimitar quais são as hipóteses novas que trouxeram à discussão e demonstrar com uma base teórica e empírica robusta as evidências que podem tornar seus postulados um consenso na macroeconomia. Atualmente, suas suposições não passam de uma releitura de autores que estão à margem da literatura, argumentadas com outro linguajar e levando a conclusões absurdas.

Entre 1) saber que o estado pode gastar o quanto quiser na própria moeda e que 2) expansão de base não leva necessariamente à inflação a 3) defender que o estado deveria gastar o quanto quiser sem se preocupar com déficit e com dívida, existe um abismo enorme. O caminho entre as hipóteses e a conclusão não está claro.


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