PENSANDO A SEGURANÇA E A SOBERANIA ALIMENTAR: ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR NO PNAE EM DIFERENTES REGIÕES DO BRASIL

Thiago Henrique Costa Silva1; Nara Rúbia Rodrigues do Nascimento-Silva2; Luciana Ramos Jordão3; Esther de Paula Oliveira4.
1 - Doutorando em Agronegócio e Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Graduado em Direito pela UFG. Graduando em Ciências Econômicas pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB). Perito Criminal da SPTC-GO. Professor e pesquisador do Centro Universitário Alves Faria (UNIALFA) e do Centro Universitário Alfredo Nasser (UNIFAN).
2 - Doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos e Mestre em Nutrição e Saúde pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Graduada em nutrição pela UFG. Professora e pesquisadora do Centro Universitário Alfredo Nasser (UNIFAN).
3 - Doutoranda em Agronegócio e Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Graduada em Direito pela UFG. Advogada. Professora de Direito Civil da Universidade Estadual de Goiás (UEG).
4 - Graduanda em Direito e pesquisadora voluntária pela UNIALFA-GO.


Resumo

Este artigo teve o escopo de analisar de maneira crítica a inclusão dos agricultores familiares no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), à luz dos conceitos de segurança e soberania alimentar. Em uma abordagem qualitativa, guiada pelo método materialista histórico-dialético, fez-se uma revisão de literatura para compreender o contexto histórico brasileiro de promoção à alimentação adequada, seguida de levantamento de dados acerca do PNAE e da Escala Brasileira de Segurança Alimentar, analisando-os e relacionando-os. Concluiu-se que o PNAE é pouco efetivo quando se trata de aplicar os recursos para a aquisição de alimentos oriundos da agricultura familiar, sendo que somente na região sul o patamar mínimo de todos os estados foi maior do que 20% investido e somente três estados (Rondônia, Goiás e Espírito Santo) suplantaram os 30%. Tal fato revelou a necessidade em repensar a política pública a partir dos sujeitos que deveriam se beneficiar dela, o que culminaria em seu melhor aproveitamento e na garantia das soberanias dos envolvidos e em melhores níveis de segurança alimentar para os brasileiros.

Palavras-chaves: PNAE; Agricultura Familiar; Segurança Alimentar; Soberania alimentar.


THINKING ABOUT FOOD SECURITY AND FOOD SOVEREIGNTY: ANALYSIS OF THE PARTICIPATION OF FAMILY AGRICULTURE IN PNAE IN DIFFERENT REGIONS OF BRAZIL


Abstract

This article aimed to analyze the inclusion of family farmers in the National School Feeding Program (NSFP), focusing on concepts of food security and sovereignty. In a qualitative approach, guided by the historical-dialectical materialist method, a literature review was made to understand the Brazilian historical context of promoting adequate food, followed by data collection about the NSFP and the Brazilian Food Security Scale, analyzing and relating them. It was concluded that the NSFP isn’t effective when it comes to applying the resources for the acquisition of food from family farming, being that only in the south region the minimum level of all states was greater than 20% invested and only three states (Rondônia, Goiás and Espírito Santo) surpassed the 30%. This fact revealed the need to rethink public policy based on the subjects who should benefit from it, which would culminate in its better use and in guaranteeing the sovereignty of those involved and better levels of food security for Brazilians.

Keywords: PNAE; Family Farming; Food Security; Food sovereignty.


1. INTRODUÇÃO

O direito à alimentação, intrinsecamente relacionado à existência humana, não é algo novo, mas que começa a ganhar destaque a partir da segunda guerra mundial (1939-1945). Durante a guerra, a produção de alimentos foi extremamente prejudicada pelo arrasamento das terras e a impossibilidade desenvolver atividades de cultivo, o que ampliou a fome em diversos locais do mundo. Encerrados os ciclos de batalhas, diante dos crimes cometidos nas guerras mundiais, houve esforço internacional para assegurar o respeito mínimo aos direitos humanos.

O resultado desse trabalho foi consolidado em 1948 na Declaração Universal dos Direitos Humanos, prevendo, em seu art. XXV, que “todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação […]” (ONU, 1948). Assim, reconheceu-se a alimentação como direito primordial para garantir a dignidade da pessoa humana.

Formalmente, a impossibilidade de se alimentar ou, ainda, alimentar-se mal passa a constituir uma violação ao direito humano à alimentação, fato que, no Brasil, vem sendo enfrentado por meio de políticas públicas para o combate à fome e para a promoção da alimentação adequada.

Um dos instrumentos para garantir a eficácia do direito humano à alimentação foi o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), desenvolvido em 1955, visando atender aos estudantes do ensino básico. Ao unificar a educação e nutrição para combater a fome e a desnutrição, o programa garante melhor qualidade de vida aos beneficiários, ampliando, por conseguinte, os seus processos de aprendizagem e os rendimentos escolares.

As políticas alimentares se intensificaram com a promulgação da Constituição Federal de 1988, uma vez que o direito à alimentação adequada ficou implícito em um dos objetivos centrais do Estado: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 1988).

O PNAE, que pretendia possibilitar aos estudantes uma alimentação melhor, de forma a complementar a alimentação diária de casa, foi reformulado em 2009, por meio da lei n. 11.947. Houve aprimoramentos importantes, tais como a fixação de 30% do valor recebido do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a obtenção de alimentos provindos da agricultura familiar. Esse tipo de medida objetiva não apenas incentivar a agricultura familiar, como também proporcionar aos estudantes o benefício da biodiversidade oriunda deste modo de produção e de vida.

Para além de promover uma alimentação estudantil melhor, o recurso destinado à agricultura familiar auxilia os seus integrantes a manter a sua atividade, fixando os sujeitos no campo e permitindo a perpetuação da sua forma de interagir com a terra. Além disso, a agricultura familiar5 é uma das grandes responsáveis para a disponibilidade de alimentos à mesa da população (além de estabelecerem novas bases de cultivo, como a agroecologia, que permite maior integração homem-natureza, proporcionando produção menos agressiva ao solo e à água, preservando a biodiversidade e privilegiando os saberes tradicionais) (ALTIERI, 2004).

Considerando o papel reconhecidamente relevante do PNAE e o cenário de revisão de políticas públicas iniciado com as eleições de 2018, este artigo busca analisar a participação da agricultura familiar no PNAE em diferentes regiões do Brasil, com o fim de medir a efetividade da lei que rege a referida política pública, apontando seus desafios para incluir aqueles que nela se enquadram.

Para obter um melhor resultado da análise do PNAE e sua relação com a Agricultura Familiar, a pesquisa se inicia com a técnica exploratória e levantamento de dados, que, posteriormente, deram subsídio para uma análise crítica da política pública, norteada pelo método materialista histórico e dialético, em uma abordagem qualitativa.

Em um primeiro momento, buscou-se compreender o contexto jurídico e político que envolve o direito humano à alimentação adequada e as interfaces com os conceitos de segurança e soberania alimentar. Em seguida, delinearam-se os conceitos de fome, desnutrição e obesidade, demonstrando como as políticas públicas voltadas à alimentação se construíram no sentido de combater tais problemas. Por fim, com base nos dados disponibilizados pelo FNDE, demonstrou-se que nem todos municípios beneficiados pelo PNAE cumprem com a taxa mínima de 30% para aquisição de produtos oriundos da agricultura familiar, confirmando a inefetividade da política pública nesse sentido.

Por fim, entendeu-se que o papel da pesquisa científica reside em fornecer subsídios para que os esforços empregados nas políticas públicas sejam direcionados ao melhor aproveitamento dos recursos do Estado. De fato, o PNAE, como qualquer iniciativa que traga resultados positivos, ainda que não seja efetivo em alguns aspectos e lugares, não merece ser descartado, mas sim repensado.


2. O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA EM CONSTRUÇÃO: EM BUSCA DA SEGURANÇA E SOBERANIA ALIMENTAR

As crises econômicas e as grandes guerras do início do século XX ampliaram a preocupação mundial com a fome. Uma das alternativas para sanar o problema seria a denominada revolução verde, que se iniciou no México (1944), tendo seu auge em meados das décadas de 50, difundindo-se, gradativamente, por todo o mundo. A revolução verde foi o nome dado ao uso das técnicas para utilização de insumos químicos para adubação e controle de pragas, irrigação e realização de alterações genéticas para aumentar a proporção das produções agrícolas (DELGADO, 2012).

Contemporaneamente, sabe-se que revolução verde serviu para atender à preocupação malthusiana gerada pelo rápido aumento populacional ocorrido no século XX, além de socorrer os mercados de commodities agrícolas em expansão. A revolução verde conferiu ares de modernidade à intensificação de técnicas já conhecidas e impulsionou o deslocamento de fronteiras agrícolas, aumentando as áreas de cultivo e pastos, na América Latina e na Índia, por exemplo, provocando inúmeros problemas sociais e ambientais, sem efetivamente enfrentar os problemas estruturais, como a distribuição desigual, que geram fome (DELGADO, 2012). Ainda assim, é válido considerar que o pano de fundo para sua divulgação foi o combate a fome no planeta, o que ajudou a inserir a noção de segurança alimentar nas pautas governamentais em todo o mundo.

No Brasil, a discussão sobre a fome e a produção de alimentos resultou, ao longo do século XX, na elaboração de políticas de controle de preços, distribuição de alimentos e intervenções nos sistemas de abastecimento. E, a partir da Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, reconheceu-se o direito humano à alimentação e a necessidade de os Estados atuarem positivamente na efetivação do direito equiparado àqueles originalmente constantes na Carta de Direitos Humanos de 1948 (BELIK, 2003).

Na Europa, o conceito de segurança alimentar começou a ganhar destaque no início do século XX, podendo ser definido “[…] como uma política de armazenamento estratégico e de oferta segura e adequada de alimentos, e não como um direito de todo ser humano a ter acesso a uma alimentação saudável” (MANIGLIA, 2009, p. 126). Quando da criação do International Institute of Agriculture (IIA) ao final do século XIX e início do século XX, (o instituto originou a Food and Agriculture Organization (FAO) posteriormente), o conceito de segurança alimentar remetia à ideia de necessidade de garantir o abastecimento da população para não gerar vulnerabilidades que pudessem ser exploradas em guerras (FAO, 1985). Contemporaneamente, no entanto, pode-se afirmar que a premissa é o combate à fome e à desnutrição, promovendo a alimentação adequada a todos.

A ideia de segurança alimentar enquanto possibilidade de acesso aos alimentos, todavia, se difundiu, assumindo uma perspectiva internacional, em 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). A Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1993, e o reconhecimento da obrigação de os Estados atuarem na promoção do direito humano à alimentação permitiu que os governos recebessem censuras internacionais em caso de descumprimento do dever de proporcionar o acesso à alimentação por parte de seus cidadãos (BELIK, 2003).

Como resposta, em 1994, o Brasil realizou a primeira Conferência Nacional de Segurança Alimentar, que resultou na criação de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), definindo a segurança alimentar como:

[…] garantia de condições de acesso a alimentos básicos, seguros e de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis, contribuindo, assim, para uma existência digna (BRASIL, 1994).

O conceito de segurança alimentar inclui, portanto, o acesso regular de alimentos de qualidade em quantidade necessária a garantir nutrição saudável à população (BELIK, 2003).

Orientada pelo conceito de segurança alimentar, a Cúpula Mundial de Alimentação, realizada em 1996, traçou o propósito de “reduzir, até metade do seu nível atual, o número de pessoas subalimentadas até o ano 2015” (CMA, 1996). O objetivo era assegurar ambiente social, econômico e político que permitisse o estabelecimento de condições para promover paz duradoura e erradicação da pobreza com fundamento em participação igualitária voltada à segurança alimentar sustentável de homens e mulheres” (CUSTÓDIO et al., 2011).

O documento da Cúpula Mundial de Alimentação consagrou expressamente a obrigação dos Estados de prover alimentação adequada às vítimas de desastres naturais e àqueles que, por causas diversas, fossem incapazes de acessar alimentos de qualidade em quantidade necessária à nutrição adequada com regularidade que permitisse a vida humana digna (BELIK, 2003). “Portanto, o direito de se alimentar regularmente e adequadamente não deve ser produto da benemerência ou resultado de ações de caridade, mas sim, prioritariamente, de uma obrigação que é exercida pelo Estado que, em última análise, é a representação da nossa sociedade” (BELIK, 2003, p. 14).

A discussão a respeito da segurança alimentar trouxe à pauta outras questões relacionadas à autonomia dos países quanto à produção dos alimentos para consumo interno que considerasse aspectos culturais e as particularidades da biodiversidade de cada região. Nesse ponto, a Via Campesina Internacional (2018) propôs, na década de 1990, o conceito de soberania alimentar, que inclui a preocupação com a autonomia para produção e geração de emprego dentro dos países de modo que as populações não se sujeitassem ao arbítrio exclusivo do mercado na satisfação de suas necessidades alimentares. Parte-se da ideia de que o sistema econômico capitalista e as políticas neoliberais prejudicam pequenos produtores, pois concentram seus esforços na geração de lucro produtivo que independe da satisfação das necessidades das populações em detrimento de uma agricultura sustentável e igualitária, gerando a fome e o enfraquecimento das produções locais, pluralistas e ecológicas (VIA CAMPESINA INTERNACIONAL, 2018).

Definiu-se soberania alimentar como a autonomia de cada país para produzir os alimentos necessários para atender as necessidades de sua população. Além disso, entre os objetivos almejados pela soberania alimentar, destaca-se a reforma agrária, que pretende tornar a terra mais acessível e melhor distribuída (ALEM et al., 2015).

A soberania alimentar é defendida por movimentos sociais, ao almejar a promoção da reforma agrária a favor da comunidade e a efetivação dos direitos dos camponeses, violados diariamente, como o direito à terra, à saúde, à água, às sementes, à informação, dentre tantos outros. Em razão da importância atribuída em decorrência da busca por soberania alimentar à preservação da cultura, de hábitos alimentares e conhecimentos tradicionais, a soberania alimentar é defendida por representantes de povos indígenas latino-americanos e pequenos produtores da Europa (BELIK, 2003).

Considerando a qualidade dos alimentos e a saúde da população que consome e trabalha a terra, a noção de soberania alimentar se alinha a caminho diverso daquele propalado durante a revolução verde. Ao adotar vertente atrelada à agroecologia, busca-se ainda métodos de produção marcados pela diversificação de cultivo e não utilização de agrotóxicos, adubos químicos e transgênicos.

É importante perceber que a soberania alimentar constitui bandeira de movimentos sociais ligados à reforma agrária, ao se rebelarem contra a lógica do capital que se impõe à produção agropecuária dos países em desenvolvimento, determinando o que e como produzir, não para quem tem fome, mas para quem tem dinheiro (CUSTÓDIO et al., 2011).

Em 2007, ocorreu o Fórum Mundial de Soberania Alimentar (FMSA) e durante sua realização foi escrita a Declaración de Nyéléni, que se transformou em um elemento fundamental para aprofundar o conceito de Soberania Alimentar.

A soberania alimentar é um direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, acessíveis, produzidos de forma sustentável e ecológica, e seu direito de decidir seu próprio sistema alimentício e produtivo. Isto coloca aqueles que produzem, distribuem e consomem alimentos no coração dos sistemas e políticas alimentárias, por cima das exigências dos mercados e das empresas. Defendendo os interesses de, e inclusive às futuras gerações. Nos oferece uma estratégia para resistir e desmantelar o comércio livre e corporativo e o regime alimentício atual, e para encauzar os sistemas alimentícios, agrícolas, pastoris e de pesca para a prioridade das economias locais e os mercados locais e nacionais, e outorga o poder aos camponeses e à agricultura familiar, a pesca artesanal e o pastoreio tradicional, e coloca a produção alimentícia, a distribuição e o consumo sobre as bases da sustentabilidade meio ambiente, social e econômica. A soberania alimentar promove o comercio transparente, que garanta o ingresso digno para todos os povos, e os direitos dos consumidores para controlarem sua própria alimentação e nutrição. Garanta que os direitos de acesso e a gestão de nossa terra, de nossos territórios, nossas águas, nossas sementes, nossos animais e a biodiversidade, estejam nas mãos daqueles que produzimos os alimentos. A soberania alimentar supõe novas relações sociais livres de opressão e desigualdades entre homens e mulheres, grupos raciais, classes sociais e gerações (FMSA, 2007).

No Brasil, as diretrizes desenvolvidas pela proposta de segurança alimentar e soberania alimentar encontra guarida em algumas políticas públicas, tal como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que, dentre outros objetivos, “propõe desburocratizar o processo de aquisição dos produtos provenientes da agricultura camponesa e garantir a produção de cultivares alimentícios” (VINHA et al., 2015, p.188).

Assim, por meio de políticas públicas de combate à fome e à desnutrição, impulsionadas pelos ideais de segurança e soberania alimentar, o direito humano à alimentação adequada é construído no Brasil e no mundo.


3. FOME, DESNUTRIÇÃO E OBESIDADE: CONSTRUINDO POLÍTICAS PÚBLICAS

A fome e a desnutrição são fatores que se assemelham, porém são de naturezas distintas. De modo geral, fome é uma sensação que ocorre quando a alimentação não supre a energia necessária a manter o organismo em suas atividades diárias. Já a desnutrição é um estado de carência de nutrientes, uma doença que manifesta seus sintomas a partir da falta de nutrientes em quantidade ou qualidade suficiente (BELIK, 2003).

A fome e a desnutrição são analisados em conjunto com fatores de ordem econômica, biológica, social, política, ambiental, educacional e nutricional. Isso se dá pelo fato de ser necessário avaliar quantitativa e qualitativamente os nutrientes postos à disposição das populações, mas também as condições em que são consumidos. A baixa diversidade de alimentos, por exemplo, pode implicar desnutrição em crianças pobres ainda que haja, em determinada localidade, grande disponibilidade de alimentos (BELIK, 2003).

(…) cada área profissional tende a olhar para a “fome” de um jeito diferente, e propor ações que decorrem desta visão. O profissional da saúde “enxerga” desnutrição e doença e propõe vacinação, saneamento, aleitamento materno, etc. O agrônomo “diagnostica” falta de alimentos e propõe maior produção de alimentos, ajuda alimentar, etc. O educador vê “ignorância e hábitos alimentares inadequados” e propõe educação alimentar. Os economistas clássicos “identificam” má distribuição de alimentos e propõem uma melhor política fiscal, geração de emprego e renda, etc. Os planejadores diagnosticam “falta de coordenação” e propõem a criação de conselhos de alimentação e nutrição e capacitação (VALENTE, 2003, p. 52).

O Instituto de Cidadania (2001), quando planejava o projeto Fome Zero6, discorreu que, diante da ausência de dados diretos, seria necessário utilizar o critério da renda para estabelecer parâmetros de identificação de famintos ou vulneráveis. Logo, aqueles que não tinham renda suficiente para adquirir uma cesta básica eram considerados como pessoas vulneráveis ou em situação de fome.

Por sua vez, desnutrição é um fator analisado pela área biológica, constituindo “manifestações corpóreas […] decorrentes da interação de uma complexidade de determinantes do estado nutricional, tais como: grau de segurança alimentar domiciliar; cuidados no nível familiar e comunitário; condições de vida e qualidade dos serviços de atenção à saúde” (VALENTE, 2003, p. 57).

A fome e a desnutrição são manifestações da situação de insegurança alimentar, asseveradas pela soberania alimentar, e essas são causadas, principalmente, pela incapacidade de acesso a alimentos, mas também pelo acesso limitado a eles.

Para além do aspecto biológico, o aspecto social também deve ser levado em consideração, sobretudo no Brasil, onde o problema da fome tem relação com a pobreza que impede o acesso aos alimentos (BELIK, 2003). Está certo que o Estado deve promover alimentação a todos, contudo essa alimentação deve ser adequada segundo as necessidades dos sujeitos, variando de acordo com a região e a cultura. O Brasil conta com enorme diversidade cultural e geográfica. Cada região possui o seu tipo de solo, os alimentos ideais para o plantio e práticas alimentares distintas. Dessa forma, a Organização Mundial de Saúde aconselha o governo a elaborar instruções sobre hábitos alimentares saudáveis observando não só as necessidades nutricionais, mas também as particularidades de cada população (BRASIL, 2014a).

O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, vem enfrentando o fenômeno da transição nutricional. Nas últimas décadas houve a redução do número de desnutrição e fome, porém a obesidade tornou-se um problema frequente. Dessa forma, para garantir a Segurança Alimentar e o Direito à Alimentação, o Estado começou a desenvolver políticas envolvendo os variados problemas alimentares, como a obesidade7, a fome8 e a desnutrição (BELIK, 2003).

Em 1999, foi aprovada a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), um compromisso do Ministério da Saúde em tratar não só da desnutrição, como também, do sobrepeso e da obesidade, que são problemas resultantes da ingestão de alimentos com alto valor calórico e baixa concentração de micronutrientes, além da falta de exercícios físicos. Tal política tem por escopo promover hábitos alimentares saudáveis, garantir a segurança e qualidade dos alimentos e controlar distúrbios nutricionais (BRASIL, 2006a). “Os obesos representam um problema de saúde pois, assim como os desnutridos, necessitam de cuidados médicos e, segundo os dados recolhidos junto ao SUS, esse contingente consome 77% a mais de medicamentos que a população em geral” (BELIK, 2003).

Desse modo, verifica-se que, diante do controle da fome, a promoção da segurança alimentar exigiu uma modificação de estratégias, passando a ser necessário traçar novos planos de ação a fim de garantir uma alimentação adequada, atentando-se para a qualidade nutricional e biológica dos alimentos. Nesses termos, a Lei n. 11.346/06 criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), visando garantir uma alimentação adequada a todos. O artigo 2º da referida lei diz que:

A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população (BRASIL, 2006a).

O principal objetivo da SISAN é elaborar políticas públicas conjuntamente com a sociedade civil, monitorar a aplicação de tais políticas e as mudanças geradas por elas. São variadas as estratégias públicas destinadas ao combate à fome e a promoção da Segurança Alimentar, englobando diversos setores do poder público, podendo-se destacar: no âmbito da saúde, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional e Combates às Doenças, o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, o Programa de Saúde da Família (PSF); no âmbito da educação, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); no âmbito da agricultura, a Compra direta de pequenos agricultores, o Programa de Assentamentos e Desenvolvimento Sustentável e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); no âmbito do Trabalho e Emprego, o Programa de Alimentação ao Trabalhados, a Erradicação do Trabalho escravo e degradante, o Programa Geração de Renda e o Plano Nacional de Qualificação Profissional; e no âmbito da previdência e assistência social, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil; dentre outras (MANIGLIA, 2009).

Com os esforços de agentes em implementar as políticas públicas, o Brasil reduziu a prevalência da fome para menos de 5% da população, saindo do mapa da fome elaborado pela FAO em 2014 (FAO, 2016), todavia, desde 2017, com o desmonte das políticas sociais, o risco de o país voltar a integrar este rol é crescente. Segundo o panorama da segurança alimentar e nutricional, organizado pela FAO et al. (2019), a pobreza no Brasil é crescente e, junto com a desigualdade social, o triplo ônus de uma má nutrição, que conjuga a obesidade, a subalimentação e a falta de micronutrientes, assola o país cada vez mais.

Esse movimento é reflexo da contraposição de forças políticas em torno da produção de alimentos estabelecida em clara dualidade no país. Convivem no Brasil sistemas de produção distintos e marcados pela desigualdade, pela diferença de concepções e pela inexistência de projeto de desenvolvimento rural que se atente concomitantemente a critérios sociais, ambientais e econômicos em grau mínimo (PINTON; YANNICK, 2019).

Enquanto o agribusiness se opõe à agricultura familiar, mantêm-se dois projetos aparentemente complementares, mas que têm objetivos e atuação bastante distintos: “[…] soberania alimentar que seria baseada num sistema agroalimentar territorializado versus uma concepção globalizada da segurança alimentar, orientada para uma oferta estandardizada e de massa produzida por um complexo agroindustrial” (PINTON; YANNICK, 2019, p. 40).


4. O PNAE EM DADOS: UMA ANÁLISE DA INCLUSÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR

Dentre tantas políticas brasileiras relacionadas à alimentação adequada, o foco deste trabalho é analisar o PNAE, que teve sua origem em 1955, por meio do Decreto nº. 37.106, instituindo a Companhia de Merenda Escolar, mas que foi implementado com esse nome apenas em 1976, quando se tornou uma política de âmbito nacional. Em 1997, incorporou-se ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que possuía a finalidade de financiar projetos que envolvam a educação básica de escolas públicas.

O repasse financeiro do PNAE foi descentralizado, em 1999, passando a ser realizado por transferência automática para cada município. Em 2000, criou-se o Conselho Alimentar Escolar (CAE), atuante em cada município brasileiro, e definiu-se sua composição e competência. Destaca-se que compete ao CAE acompanhar a aplicação dos recursos federais transferidos à conta do PNAE (BRASIL, 2009).

Já em 2006, tornou-se necessária a participação de um nutricionista no programa para a elaboração do cardápio escolar, possuindo a função de responsável técnico, além de se tornar obrigatória a inserção no cardápio escolar de três porções de frutas e hortaliças por semana. Mas foi apenas em 2009 que se sancionou a lei 11.947, trazendo a inclusão da Agricultura Familiar ao programa.

Art.14: Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas (BRASIL, 2009).

Visando auxiliar o desenvolvimento do PNAE e de outras Políticas Públicas voltadas à alimentação, em 2014, foi desenvolvida a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), que busca avaliar a segurança alimentar das famílias brasileiras, identificando os problemas que determinam a insegurança alimentar do indivíduo. O EBIA serve como uma diretriz para a elaboração de políticas públicas que se destinam a regular a Segurança Alimentar e Nutricional, pois identificam as populações vulneráveis e as regiões mais atingidas pelo referido fenômeno (BRASIL, 2014b).


4.1 A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar segundo a pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2004 a 2013

A insegurança alimentar ocorre tanto no âmbito individual, na incerteza de ter ou não o que comer futuramente, quanto na esfera domiciliar, que reflete a falta de abastecimento da casa. As pesquisas sobre o referido fenômeno são realizadas por meio de vários indicadores, que se dividem em indicadores diretos (dimensão biológica) ou indiretos (dimensão social), e qualitativos (dimensão subjetiva) ou quantitativos (frequência de consumo alimentar). A Organização das Nações Unidas para Alimentação avalia a insegurança alimentar ao observar a disponibilidade calórica per capita por dia, que, segundo dados da FAO, para a população brasileira, deve atingir 3.110 kcal (KEPPLE; CORRÊA, 2011).

Para a elaboração da etapa qualitativa da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, os especialistas sugeriram que fossem avaliadas renda, escolaridade e consumo alimentar da pessoa entrevistada, além de terem sido reportados alguns comentários, destacando-se as seguintes respostas: “Comer apenas um tipo de alimento, mesmo ele sendo saudável, não é alimentação saudável. Nós passamos 15 dias comendo só banana”; “A fome dói, panela virada, geladeira sem nada, nem ovo para suprir o estômago”; “Não tenho segurança que no fim do mês eu vou ter dinheiro pra fazer compra”. Na segunda fase da pesquisa, foram selecionados mais de 1800 domicílios de classes sociais distintas, sendo agrupados de acordo com os níveis de insegurança alimentar: leve, moderada ou grave. Constatou-se que em domicílios de famílias com menores de 18 (dezoito) anos há mais Insegurança Alimentar, principalmente, em nível Moderada e Grave (CORRÊA; LEON, 2009).

Todavia, o EBIA indicou que os níveis de insegurança alimentar reduziram significativamente entre 2004 e 2013 (Tabela 1). A segurança alimentar em todo o Brasil subiu de 57,9% para 83,4% no período em questão, enquanto que a insegurança alimentar reduziu de 42% para 16,6%. Ainda assim, o número é alarmante e uma análise detalhada do panorama de 2013 evidencia que o Nordeste (29,3%) e o Norte (26,8%) apresentam maiores níveis de insegurança alimentar, seguidas pelo Centro-Oeste (14,6%), Sudeste (11,7%) e Sul (11%), sendo maior na zona rural (25,8%) do que no meio urbano (15,2%) (CORRÊA; LEON, 2009; IBGE, 2010; 2014).

Ainda, pode-se inferir que a insegurança alimentar é maior dentre os mais jovens, até 17 anos de idade e mais grave dentre aqueles que não frequentam creche ou escola (IBGE, 2010; 2014). Dessa forma, a EBIA é também um importante instrumento para indicar ao PNAE os recortes geográficos que precisam de maior atenção.

Tabela 1 - Percentagem de Segurança Alimentar (S.A.) em cada estado brasileiro ao longo dos anos.

Estado S.A.
2004 (%)
S.A.
2009 (%)
S.A.
2013 (%)
Diferença1
2004/2013 (%)
Difrença2
2009/2013 (%)
Norte 53,4 60,0 63,9 10,5 3,9
Acre 34,9 47,6 80,6 45,7 33,0
Amapá 50,9 49,9 77,8 26,9 27,9
Amazonas 61,5 63,0 68,5 7,0 5,5
Pará 39,2 50,4 71,7 32,5 21,3
Rondônia 67,0 63,9 82,5 15,5 18,6
Roraima 25,3 50 74,8 49,5 24,8
Tocantins 47,0 49,8 70,5 23,5 20,7
Nordeste 46,4 53,9 61,9 15,5 8,0
Alagoas 50,9 58,6 72,9 22 14,3
Bahia 42 52,6 70,6 28,6 18,0
Ceará 36,5 44,4 73,3 36,8 28,9
Maranhão 25,5 29,1 49,1 23,6 20,0
Paraíba 39,2 52,6 71,4 32,2 18,8
Pernambuco 41,4 51,0 80,4 39,0 29,4
Piauí 27,4 33,3 54,2 26,8 20,9
Rio Grande do Norte 32,3 45,7 74,4 42,1 28,7
Sergipe 68,3 53,9 73,8 5,5 19,9
Centro-Oeste 68,8 69,8 81,8 13,0 12,0
Distrito Federal 69,9 73,2 91,5 21,6 18,3
Goiás 60,3 56,6 84,4 24,1 27,8
Mato Grosso 63,1 72,5 83,3 20,2 10,8
Mato Grosso do Sul 70,1 66,1 84,2 14,1 18,1
Sudeste 72,9 76,7 85,5 12,6 8,8
Espírito Santo 66,8 65,9 93,1 26,3 27,2
Minas Gerais 62,2 68,3 85,6 23,4 17,3
Rio de Janeiro 64,1 72,4 86 21,9 13,6
São Paulo 70,1 72 91,5 21,4 19,5
Sul 76,5 81,4 85,1 8,6 3,7
Paraná 69,8 75,5 86,8 17,0 11,3
Rio Grande do Sul 70,2 75,7 87,9 17,7 12,2
Santa Catarina 79,9 81,8 91,2 11,3 9,4
TOTAL 65,1 69,8 77,4 12,3 7,6

1Valor calculado segunda a fórmula: (S.A. 2013) – (S.A. 2004). 2Valor calculado segunda a fórmula: (S.A. 2013) – (S.A. 2009). Fonte: IBGE, 2010; IBGE, 2014.


4.2 Agricultura familiar e PNAE: o que dizem os dados?

A finalidade do PNAE é promover o direito humano à alimentação adequada, o que engloba a luta contra a fome e também a promoção de uma alimentação saudável e nutritiva. Nessa perspectiva, o Programa busca incentivar a compra de alimentos in natura, especialmente os oriundos da Agricultura Familiar. O Programa visa fomentar o desenvolvimento local, promovendo geração de renda no meio rural, de maneira a melhorar a alimentação dos estudantes, que terão acesso a produtos locais variados, assim como da população urbana.

É parte significativa da lei da SAN a valorização da cultura local, da biodiversidade e da saúde. Assim, a lei contempla aspectos essenciais da vida no ambiente da agricultura familiar e incentiva a produção sustentável. Nessa perspectiva, a política da SAN contribui para o desenvolvimento da agricultura familiar, pois suas diretrizes norteiam programas, projetos e ações que levam em considerações as dimensões ambientais, culturais, regionais, econômicas e sociais, que compreendem o direito à alimentação (CORONA; PEREIRA, 2013, p.118).

Para ser beneficiado pelo programa, o agricultor deve solicitar a Declaração de Aptidão ao PRONAF, de modo a comprovar sua condição de agricultor familiar. Para obtê-la é necessário que o agricultor compareça a qualquer órgão reconhecido pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, tendo consigo, documentos pessoais e documentos do seu local de produção, além de comprovar as condições para se enquadrar enquanto integrante da agricultura familiar.

(…) considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011);
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (BRASIL, 2006b).

Ainda, importante mencionar que são considerados agricultores familiares os: silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores, indígenas, quilombolas e assentados da reforma agrária (TRICHES; SCHNEIDERII, 2010).

Todavia, para além da previsão legal, uma política pública precisa ser avaliada na dimensão da efetividade, ou seja, na sua capacidade de cumprir a função social para a qual foi criada, aproximando o dever-ser da realidade social (BARROSO, 1993).

Sendo o PNAE um programa que funciona de forma descentralizada, o repasse financeiro é feito diretamente para os Estados e Municípios beneficiados, de acordo com a modalidade de ensino (Tabela 2).

Tabela 2 - Valor repassado pela União por dia letivo.

Modalidade de ensino Valor repassado
Creche R$ 1,07
Pré-escola R$ 0,53
Escolas indígenas e quilombolas R$ 0,64
Ensino fundamental e médio R$ 0,36
Educação de jovens e adultos R$ 0,32
Ensino integral R$ 1,07
Programa de fomento às escolas de ensino médio em tempo integral R$ 2,00
Alunos que frequentam o atendimento educacional especializado no contraturno R$ 0,53

Fonte: FNDE, 2020.

Compete ao município administrar o montante recebido de acordo com a sua necessidade. Cada região do território brasileiro recebe um valor proporcional à sua demanda e desse valor deverá ser investido 30% na Agricultura familiar (BRASIL, 2009).

De acordo com o observado na Tabela 3 é possível se analisar o valor recebido pelas cinco regiões do Brasil para alimentação escolar e a porcentagem investida na Agricultura Familiar, segundo os dados disponíveis no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento Escolar (FNDE). Salienta-se que todos os dados escolhidos foram do ano de 2013 ou anteriores, uma vez que os dados utilizados para comparação com a Escala Brasileira de Segurança Alimentar também data de 2013, ano da última pesquisa divulgada. Todavia, importa mencionar que os últimos dados sobre o valor investido em Agricultura familiar, publicados e organizados pelo FNDE datam de 2017 e o último censo escolar disponibilizado é de 2019.

De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2010, a região Norte possuía 6.595.166 milhões de habitantes em idade escolar (entre 0 e 19 anos), do total de 15.864.454 milhões (IBGE, 2011). Dentre esses, estavam matriculados, em 2013, no ensino básico9 da rede pública de ensino — aquele que é beneficiário do PNAE —, seja ele federal, estadual ou municipal, urbano ou rural, 4.574.155 (cinco) milhões de estudantes (INEP, 2014), o que demonstra a importância de uma alimentação escolar adequada, ainda mais porque, em diversas ocasiões, a comida ofertada pela escola é a melhor refeição consumida durante o dia daqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social.

Tabela 3 - Análise do valor repassado pelo FNDE e do valor investido em Agricultura Familiar em cada estado brasileiro em 2013.

Estado Valor repassado
pelo FDNE (R$)
Valor investido em
Agricultura Familiar (R$)
Porcentagem de
investimento
Norte 407.215.280,68 88.357.323,06 22%
Acre 19.806.304,00 5.820.043,66 29%
Amapá 19.820.848,00 1.176.323,00 6%
Amazonas 74.612.810,80 15.775.049,57 21%
Pará 183.284.270,40 36.771.549,50 20%
Rondônia 37.141.277,68 11.617.996,96 31%
Roraima 35.034.365,20 8.886.674,25 25%
Tocantins 37.515.404,60 8.309.686,12 22%
Nordeste 1.138.353.129,20 176.734.610,26 16%
Alagoas 62.863.848,00 5.731.649,85 9%
Bahia 294.178.523,20 44.296.861,79 15%
Ceará 178.326.695,20 31.379.276,47 18%
Maranhão 172.812.256,00 28.498.424,43 16%
Paraíba 79.051.286,00 15.059.635,81 19%
Pernambuco 176.815.420,40 24.421.506,97 14%
Piauí 70.415.377,20 7.022.132,45 10%
Rio Grande do Norte 64.707.999,20 13.772.040,58 21%
Sergipe 39.181.724,00 6.553.081,91 17%
Centro-Oeste 252.967.879,60 78.918.564,18 31%
Distrito Federal 34.663.400,00 - 0%
Goiás 99.748.643,60 58.071.686,69 58%
Mato Grosso 69.198.368,00 10.723.458,53 15%
Mato Grosso do Sul 49.357.468,00 10.123.418,96 21%
Sudeste 1.289.241.721,20 188.766.794,17 15%
Espírito Santo 59.972.621,20 18.632.297,78 31%
Minas Gerais 312.637.015,20 69.153.540,36 22%
Rio de Janeiro 233.902.966,40 19.765.542,35 8%
São Paulo 682.729.118,40 81.215.413,68 12%
Sul 476.571.278,80 115.460.354,67 24%
Paraná 187.626.332,00 44.958.289,87 24%
Rio Grande do Sul 180.338.320,80 48.771.450,17 27%
Santa Catarina 108.606.626,00 21.730.614,63 20%
TOTAL 7.006.534.402,20 1.267.135.636,52 18%

Fonte: FNDE, 2014.

Em 2013 (Tabela 3), a região Norte investiu apenas 22% do valor repassado pelo FNDE em produtos provenientes da Agricultura Familiar apenas 22%. Somente Rondônia obedeceu à legislação ao utilizar 31% do recurso para adquirir alimentos provindos da Agricultura Familiar, sendo que, em direção oposta, o estado do Amapá utilizou apenas 6% da verba.

Tratando-se da região Nordeste, em 2010, sua população atingia 53.081.950 pessoas, das quais 14.104.691 estão em idade escolar (IBGE, 2011), sendo que 9.268.109 estavam matriculados na educação básica na rede pública de ensino, totalizando cerca de 18% da população (INEP, 2014). Fator considerável quando se sabe que a maior parte das pessoas com insegurança alimentar da região está dentro dessa faixa etária (FNDE, 2014). 16% do total repassado pelo FNDE para o Nordeste do Brasil foram utilizados para a compra de alimentos oriundos da Agricultura Familiar, valor bem abaixo dos 30% estipulados pela legislação, que não foi cumprido por nenhum Estado (FNDE, 2014).

Por sua vez, a região Centro-Oeste possuía, em 2010, 14.058.094 habitantes, sendo 3.441.390 em idade escolar (IBGE, 2011) estando, em 2013, 2.977.157 matriculados na educação básica na rede pública de ensino (INEP, 2014). Em 2013, 31% do total da receita desta Região foi repassado, o que fez com que a região tivesse o melhor resultado daquele ano. Goiás se destacou por apresentar a maior taxa (58%) de investimento em produtos oriundos da Agricultura Familiar. Em compensação, todos os demais estados apresentam valores menores, sendo que o Distrito Federal não investiu nenhuma quantia na aquisição dos alimentos dos agricultores familiares (FNDE, 2014).

Em 2010, a região Sudeste era habitada por 80.364.410 indivíduos, dentre os quais 17.452.220 estão em idade escolar (IBGE, 2011) e 15.678.264 matriculados na educação básica, no ensino público, em 2013 (INEP, 2014). O repasse do FNDE para esta região foi de R$ 1.289.241.721,20, sendo aplicado na Agricultura Familiar apenas 15% do recurso, a menor média por região. O Espirito Santo utilizou 31% do recurso para aquisição de alimentos da agricultura familiar, sendo o único a respeitar a legislação, porquanto o município do Rio de Janeiro somente utilizou 8% (FNDE, 2014).

Já a região Sul do Brasil, em 2010, contava com 27.386.891 de habitantes, estando em idade escolar 5.983.317 (IBGE, 2011). Desses, 5.460.546, estavam matriculados na educação básica da rede pública de ensino (INEP, 2014). Apresentando as melhores médias por estado – Paraná com 24%, Rio Grande do Sul com 27% e Santa Catarina com 20% –, a região sul investiu 24% da verba total em alimentos provindos da Agricultura Familiar (FNDE, 2014).

Por fim, cumpre mencionar que os dados mais atualizados, referentes ao exercício de 2017, demonstra, no geral, um pequeno aumento nos valores repassados, de R$ 3.564.349.289,48 para R$ 3.918241887,80, com reduções, a título de ajustes, para alguns Estados, como o Amapá, o Pará, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Norte, Sergipe (FNDE, 2014; 2018). Tal fator demonstra a expansão da capacidade de inclusão da agricultura familiar no âmbito da política pública.

Ademais, em 2017, com poucas exceções (Rondônia e Goiás), os estados ampliaram a percentagem do valor utilizado para a aquisição de produtos oriundos da agricultura familiar, demonstrando uma ampliação da inclusão desses sujeitos e da farta e variável oferta de alimentos nos cardápios escolares. Importante destacar que a região Sul foi a que mais se destacou em 2017, uma vez que totalizou 35% de uso dos recursos para a inclusão dos agricultores familiares, superando a meta em todos os estados. Ainda, destacaram-se o estado de Roraima (79%), do Amazonas (37%), do Acre (31%) e de Sergipe (32%), investindo valores acima do exigido pela legislação (FNDE, 2018).


4.3 Discutindo a inclusão da agricultura familiar no PNAE e os reflexos na promoção da segurança alimentar

Em uma análise comparada entre os dados do FNDE e do EBIA, pode-se notar que a região do nordeste, em 2013, era a que mais possuía domicílios em situação de insegurança alimentar, sendo que 4.038 se encontravam em situação leve de insegurança alimentar, 1.520 em situação moderada e 949 em situação grave, somando 6.508 domicílios em situação de insegurança alimentar. Dentre os indivíduos em situação de insegurança alimentar, 3.140 são menores de 18 anos (IBGE, 2014). É válido relembrar que a insegurança alimentar ocorre tanto em âmbito individual, quanto domiciliar, ressaltando a importância do fornecimento de alimentação adequada no ambiente escolar, que pode amenizar a vulnerabilidade social em decorrência da renda familiar.

O Maranhão, estado mais atingido pelo fenômeno da insegurança alimentar (50,9% dos indivíduos em 2013), conta com cerca de 1.751 moradores em situação de insegurança alimentar, sendo que 724 possuem entre 0 e 17 anos de idade e 171 sequer frequentavam creche ou escola (IBGE, 2014).

Em contrapartida, o Nordeste investiu, em 2013, apenas 16% dos recursos recebidos em aquisição de alimentos oriundos da Agricultura Familiar, fato que se revela bastante preocupante, já que é a região que mais possui pessoas em situação de insegurança alimentar (48,1% em 2013). Sabe-se, ainda, que a maioria dos moradores em idade escolar frequentavam escolas e creches, reforçando a importância em oferecer aos alunos uma alimentação de qualidade, modo eficiente para complementar a alimentação diária oferecida em casa.

Destaca-se, ainda, que o município do Rio Grande do Norte, que investiu 21% da verba na aquisição de produtos da agricultura familiar, a maior dentre os estados nordestinos, alcançou um índice de segurança alimentar de 74,4%, enquanto que o município de Alagoas, que investiu apenas 9% da verba obteve o índice de 72,9% de segurança alimentar.

Já as regiões Centro-Oeste e Sul, aquelas que mais vem inserindo a variedade dos produtos da agricultura familiar no cardápio escolar, apresentam menores números de domicílios em situação de insegurança alimentar, o que revela uma relação entre a inserção da agricultura familiar e a melhora na alimentação da população, sobretudo das crianças, adolescentes e jovens em idade escolar e que estão matriculados no ensino público (Tabelas 1 e 3).

A primeira região em nível de segurança alimentar é a região sudeste, fator explicado por diversos parâmetros, dentre os quais pode-se destacar a renda per capita da região com maior concentração de capital do Brasil.

Certamente, outros fatores são relevantes para analisar os níveis de segurança alimentar, como a distribuição de renda, o acesso à informação, dentre outros. Da mesma forma, a inserção da agricultura familiar no PNAE depende de variados fatores, como a quantidade de agricultores instalados na região, a infraestrutura existente, dentre outros. Todavia, o que se evidencia, a partir desta pesquisa, é que a inserção da agricultura familiar é uma importante variável para redução do nível de insegurança alimentar, sobretudo para a população de mais baixa renda e em idade escolar, que é a mais atingida pelos problemas alimentares (IBGE, 2014).

Os altos índices de insegurança alimentar demonstram, ainda, a necessidade de o Poder Público investir em políticas públicas que mitiguem tal fenômeno, contudo carece-se de meios que certifiquem a funcionalidade dos programas já existentes e da legislação que os regula, além de solucionar as dificuldades para a efetivação de tais programas.

Incluir a Agricultura Familiar no PNAE tem sido um desafio, uma vez que os agricultores têm se esbarrado em algumas adversidades para participar do mercado institucional. Um dos contratempos é o acesso à Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), pois “estes produtores são tradicionalmente descapitalizados […] não contam com grande infraestrutura instalada e tendem a preferir trabalhar de forma individualizada” (SILVA et al., 2013).

Sobre a extensão rural, é necessário discutir que a formação extensionista no Brasil é feita em função do direcionamento traçado durante a revolução verde. Historicamente, são recentes os impulsos para que a ATER considere as particularidades das famílias, da terra, da cultura da região na qual os agricultores familiares se inserem. Por vezes, os agricultores dispensam a participação nas políticas públicas em razão da necessidade de atender a requisitos que não fazem parte de sua realidade cultural e podem, inclusive, comprometer a sobrevivência da família (CORCIOLI; CAMARGO, 2014).

Bavaresco e Mauro (2012) relatam que as maiores dificuldades são em termos de “logística, regularidade de produção, qualidade e quantidade da produção, planejamento, burocracia e questões sanitárias”. Quanto à logística, os produtores têm enfrentado o problema do frete e de não possuírem meios de transportes adequados para entregar as mercadorias ou mesmo da ausência de infraestrutura viária rural. Além disso, a dificuldade de se receber o Sistema de Inspeção Federal (SIF) é uma barreira para o processamento de seus produtos e consequente comercialização de produtos de origem animal. A emissão da nota fiscal é outro entrave, uma vez que a burocracia exigida muitas vezes impede o agricultor familiar de concretizar a venda de seus produtos ao governo (SILVA et al., 2013).

Em pesquisa realizada por Gomes et al. (2016, p. 145), a respeito das dificuldades para comercialização de produtos oriundos da Agricultura Familiar de Mato Grosso do Sul, constatou-se que:

para 62% dos produtores de base familiar de Mato Grosso do Sul, a comercialização de produtos orgânicos apresenta algumas dificuldades, dentre elas destacam-se: escoamento da produção, dos quais 48% dos produtores destacaram aspectos como estradas ruins, necessidade de melhorias no transporte da produção, difícil acesso do produtor ao consumidor, bem como falta de veículos adequados para escoar a produção. Para 26% dos produtores, observaram-se insatisfações com os preços praticados, sobretudo em virtude da resistência dos consumidores em pagar maior valor por produtos orgânicos em relação aos produtos convencionais.

Para Triches e Schneiderii (2010), há a necessidade de desburocratizar os mecanismos de acesso ao mercado pelos agricultores familiares, reduzindo os custos de transação, mesmo quando o poder público é o consumidor direto, como no PNAE, sob pena da política pública não obter êxito. Outra ponderação apontada pelos autores é em relação à “regulação da qualidade dos alimentos”:

Quanto à legalização das agroindústrias, a dificuldade em acessar o mercado institucional foi um ponto referenciado por quase todos os agricultores. Assim, um dos desafios que se impõem, principalmente depois da obrigatoriedade legal da aquisição de alimentos da agricultura familiar, é a regulação da qualidade dos alimentos (TRICHES; SCHNEIDERII, 2010, p. 944).

Assim, esta pesquisa atesta, corroborando o que entendem Bavaresco e Mauro (2012), Triches e Schineiderii (2010) e Silva et al. (2013), que a lei n. 11.947 de 2009, que dispõe sobre a inclusão da agricultura familiar no PNAE, não possui total efetividade e depende de ações da sociedade civil e do Estado para modificar as relações vigentes. Todavia, a referida inclusão importa também em melhores níveis de segurança alimentar nos termos da EBIA.

Em outras palavras, considerando o fato de que os agricultores familiares produzem a maior parte da comida que compõem a mesa do brasileiro, promovendo a segurança alimentar e nutricional (GRISA et al., 2010), “é uma via de mão dupla: os agricultores familiares precisam de nossa ajuda, mas nós também precisamos que os agricultores familiares façam parte do futuro sustentável e com segurança alimentar para todos que queremos” (FAO, 2017).


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde 2014, o Brasil vem passando por uma piora na promoção do direito à alimentação, enfrentando variados problemas que asseveram a segurança alimentar, como a obesidade, a desnutrição e mesmo a ampliação da fome. Nesse sentido, faz-se necessária a reformulação, retomada e fortalecimento de políticas públicas que permeiem o tecido social brasileiro, dando atenção aos mais vulneráveis.

Sob esse contexto, este estudo, partindo das premissas traçadas durante a revisão bibliográfica de que é preciso pensar, para além da segurança alimentar, na soberania alimentar e de que o fortalecimento da agricultura familiar significa a ampliação da igualdade social e da distribuição de renda, assim como a sua inclusão nas políticas públicas de alimentação significa uma valorização da cultura e da diversidade alimentar brasileira, buscou-se analisar criticamente o funcionamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Assim, analisou-se a efetividade do art. 14, da lei 11.947/09, que trata da inclusão da Agricultura Familiar no programa, além da obrigatoriedade de se destinar 30% dos recursos repassados pelo FNDE para a compra de alimentos oriundos da Agricultura Familiar. Para visualizar a questão na prática, realizou-se uma pesquisa sobre o cumprimento desta taxa nas diferentes regiões do Brasil e sua relação com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, de acordo com os dados do IBGE.

Verificou-se que, dentre as cinco regiões do Brasil, em 2017, apenas na região Sul ultrapassavam 20% da taxa de investimento em alimentos provenientes da Agricultura Familiar, enquanto no Nordeste a maioria dos estados não chegam a aplicar o mesmo patamar dos recursos. Ainda, comparando os dados de 2013, os últimos disponíveis, verificou-se que as regiões com melhores níveis de segurança alimentar, em sua maioria, são também aquelas que conseguiram níveis melhores da inclusão da agricultura familiar.

Não sem razão, os maiores índices de sucesso na implementação do PNAE se encontram nos estados mais ao centro-sul do país. Trata-se, também, da região que mais acessa os créditos do PRONAF, porque o modo de vida dos agricultores desses estados mais se aproxima do sistema de produção em escala (típico do agronegócio), ainda que de base familiar e associativa, pautando-se na lógica produtivista e não no modo de vida de agricultores, indígenas, quilombolas ou outros povos que deveriam se beneficiar das políticas citadas.

Em outros termos, o PNAE, enquanto política pública, a despeito de ser direcionado à agricultura familiar, foi concebido fora da lógica complexa do campo, de seus sujeitos, saberes, sabores, tradições e necessidades.

A inefetividade do PNAE não pode ser atribuída, portanto, ao agricultor familiar que não deseja curvar toda sua diversa atividade à produção monocultora. Ainda que, de outro modo, não possa acessar recursos do PRONAF ou comercializar por meio do PNAE, o agricultor familiar mantem suas práticas e soberania alimentar – não porque há ausência de desejo para acessar as políticas públicas, mas porque elas lhe são negadas tacitamente, quando não são pensadas dentro da lógica de (re)produção das famílias.

A falta de efetividade do PNAE é uma consequência da ausência de estratégia de desenvolvimento rural que inclua os agricultores familiares e considere sua diversidade ou da presença de uma estratégia perversa que os excluem. Nesse ponto, reside a importância de se discutir o conceito de soberania alimentar, levando em conta a cultura plural nos solos brasileiros e a distribuição de renda entre os cidadãos.

É de se concluir, então, que, mesmo na região sul, os dados evidenciam a possibilidade de expansão da inclusão da agricultura familiar, fator essencial para a promoção do desenvolvimento local e da segurança alimentar. Assim, pode-se inferir que o PNAE, como outras políticas públicas voltadas ao campo do Brasil, precisa ser repensado desde uma lógica não hegemônica. Desse modo, sugere-se que novas pesquisas sejam feitas para a discutir e avaliar as dificuldades de acesso às políticas públicas, estruturando propostas de soluções realmente traçadas para e por agricultores familiares.


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Notas de Rodapé

  1. Importa ressaltar que estes pesquisadores reconhecem a definição de campesinato enquanto categoria analítica, mais adequada para compreender as peculiaridades daqueles que lidam com a terra de uma forma que, por vezes, contraria o capital e, por vezes, se aproveita dele em sua resiliência. Da mesma forma, conhecem as críticas que se fazem acerca da denominação agricultura familiar, uma categoria forjada pelo direito, mas que não representa a complexidade dos sujeitos do campo (NEVES, 2007). Contudo, uma vez que o objeto de estudo é uma política pública destinada aos denominados agricultores familiares, essa será a nomenclatura predominante ao longo do texto.
  2. O Programa Fome Zero foi formulado em 2001, iniciando-se em 2003, com o objetivo de garantir a segurança alimentar e combater o ciclo da fome. Teve sua plataforma lançada considerando o cenário da falta de emprego, salários baixos, aa concentração de renda, aumento dos preços dos alimentos e falta de políticas agrícolas (SILVA et al., 2010). Ele rompeu as modelos de ação de combate à fome executadas anteriormente no Brasil, que se baseavam em ações fragmentadas e tinham como fundamento pequenos valores monetários. Assim, desenvolveu-se em 03 (três) eixos principais: 1) políticas estruturais para diminuir a vulnerabilidade alimentar através da ampliação de renda dos beneficiários; 2) políticas específicas com objetivo de complementação de renda para alcançar a seguridade alimentar das populações carentes; 3) e incentivos às políticas locais, a nível municipal e estadual, implantadas em conjunto com o programa (BRASIL, 2002).
  3. O Ministério da Saúde divulgou que o índice de obesidade no Brasil aumentou cerca de 60% nos últimos dez anos. De acordo com os dados divulgados em 2017, uma em cada cinco pessoas estava acima do peso (BRASIL, 2017).
  4. O IBGE (2014) constatou que em 2013 a fome atingia aproximadamente 3,4% dos brasileiros. Por sua vez, um levantamento realizado pelo Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares (IFPRI), em 2016, verificou a redução do índice de fome no Brasil para cerca de 1,6 % da população (GILLESPIE et al., 2016).
  5. O ensino básico compreende o ensino infantil, que engloba crianças de 0 a 5 anos de idade – da creche à pré-escola, o ensino fundamental, que inclui crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, o ensino médio, destinado aos adolescentes entre 15 a 17 anos, e o ensino para jovens e adultos (INEP, 2014).