URBANIZAÇÃO E EXTREMA POBREZA NO BRASIL

Lindomar Pegorini Daniel1
1 - Professor Adjunto da Universidade do Estado de Mato Grosso. Doutor em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa. E-mail: lindomar.pegorini@unemat-net.br


Resumo

Mais da metade da população do mundo em desenvolvimento ainda vive nas áreas rurais, assim como mais da metade da população extremamente pobre vive no meio rural. Contudo, isso deve mudar nas próximas décadas com o processo de urbanização. A literatura elenca cinco pontos em relação à interação dos fenômenos da urbanização e da pobreza no mundo em desenvolvimento: (a) A maioria da população vive no meio rural, contudo, com a urbanização essa afirmação tende a mudar em breve; (b) A incidência de pobreza absoluta é menor nas cidades; (c) A parcela urbana da pobreza tem crescido ao longo do tempo; (d) A parcela pobre tem urbanizado mais rápido do que a população como um todo; (e) A urbanização é um fator positivo para a redução da pobreza. O objetivo do presente artigo foi testar a validade desses pontos para o Brasil com dados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) no período 2004-2011. Para o caso do Brasil, apenas o ponto (e) permanece válido. Os resultados diferem para as grandes regiões.

Palavras-chave: Urbanização; Pobreza Extrema; Brasil.


On the Urbanization of Absolute Poverty in Brazil


Abstract

More than half of the developing world’s population still lives in rural areas and more than half of the extremely poor still lives in rural areas. However, that should change in the coming decades with the urbanization process. The literature lists five points related to the interaction of the phenomena of urbanization and poverty in developing world : (a) The majority of the population lives in rural areas, however, with the urbanization this tends to change soon; (b) The incidence of absolute poverty is lower in cities; (c) The share of urban poverty has grown over time; (d) The poor share has urbanized faster than the population as a whole; (e) The urbanization is a positive factor for poverty reduction. The aim of this paper was to test the validity of these points to Brazil with data extracted from the National Household Sample Survey (PNAD) in the period 2004-2011. For Brazil, mainly due to its high rate of urbanization, only point (e) remains valid. The results differ between Brazilian regions.

Keywords: Urbanization; Absolute Poverty; Brazil.

Classificação JEL: R23; O18.


1. INTRODUÇÃO

A pobreza é um dos graves problemas socioeconômicos que ainda assolam a humanidade. Segundo Todaro e Smith (2012), parcela não negligenciável da população mundial, 21%, ainda vive com menos de $1,25 dólares por dia e cerca de 40% vive com menos de $2 dólares por dia, a preços de 2005, empregando o conceito de Paridade do Poder de Compra (PPC).

Por esse motivo, o fenômeno da pobreza recebe relevante atenção por parte das autoridades e organizações nacionais e internacionais assim como do meio acadêmico, tanto que reduzir a pobreza foi fixado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um dos objetivos do milênio. Tamanha atenção é justificada pela vulnerabilidade social a que estão expostas as pessoas e famílias que estão inseridas nesse quadro, pois a pobreza possui influência sobre uma série de problemas sociais como violência, desnutrição, saúde precária, baixos níveis de educação e degradação ambiental dentre outros, que afetam com maior intensidade os países em desenvolvimento.

Relacionado à pobreza, outro fato que tem chamado a atenção é a tendência de migração das pessoas pobres para o meio urbano no mundo em desenvolvimento. Para Ravallion et al. (2007), apesar de em média a parcela urbana da pobreza representar apenas 25% da pobreza total, evidências têm indicado que os pobres urbanizam a taxa superior quando comparada a população como um todo. Como resultado, mesmo com a redução da pobreza total nos últimos anos, a parcela urbana da pobreza tem aumentado.

As oportunidades criadas na cidade pelo crescimento econômico tornam a população mais propensa a migrar para os centros urbanos em busca de melhores condições de vida. Nos países em desenvolvimento, em 1995, 37,5% das pessoas moravam na zona urbana e a projeção para 2020 é de que 51% das pessoas estarão vivendo nas cidades (ONU, 2012). Apesar da parcela da população assim como da pobreza urbana estarem aumentando, a maioria da pobreza ainda deve concentrar-se no meio rural por muitas décadas (RAVALLION et al., 2007).

Da relação entre pobreza e urbanização nos países em desenvolvimento, Ravallion et al. (2007) e Ravallion (2002) extraíram e confirmaram empiricamente cinco pontos:

Ravallion (2002) afirma que o conhecimento desses pontos é essencial para os esforços na redução da pobreza uma vez que a pobreza rural e urbana são fenômenos distintos e que, portanto, existem diferenças nos instrumentos de política para combatê-las. Em outras palavras, a composição rural-urbana da pobreza influencia no método de lidar com o problema. Por outro lado, Ravallion (2008) argumenta que apesar desses pontos serem consistentes para o mundo em desenvolvimento, existe dinâmicas divergentes entre regiões e, principalmente, entre países.

Dada a diferença de dinâmicas da pobreza entre países, o objetivo do presente artigo é abordar a relação entre urbanização e pobreza no Brasil, visto que, ao contrário da média dos países em desenvolvimento, o Brasil já possui altas taxas de urbanização e apesar dos avanços obtidos, ainda apresenta importante incidência de extrema pobreza (OSÓRIO et al., 2011; FERREIRA et al., 2010). Especificamente, pretendeu-se observar a validade dos pontos acima levantados por Ravallion et al. (2007) e Ravallion (2002) para o caso do Brasil a partir de dados recentes e contribuir para a geração de informação relevante para a redução da pobreza.

O artigo encontra-se organizado em mais 4 seções além desta introdução. A seção 2 apresenta o modelo que fundamenta teoricamente a relação entre urbanização e pobreza. Já a seção 3 trata das definições das linhas de pobreza que identificam a extrema pobreza rural e urbana, além disso, é descrita a estratégia empírica para o alcance dos objetivos propostos bem como a fonte dos dados. A seção 4 apresenta os resultados e a discussão do trabalho, observando os pontos destacados a respeito da relação entre urbanização e pobreza no mundo em desenvolvimento. Por fim, a seção 5 apresenta as considerações finais.


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PARA A URBANIZAÇÃO DA POBREZA

Ravallion et al (2007) e Ravallion (2002) são as principais referências teóricas e empíricas na abordagem da urbanização da pobreza nos países em desenvolvimento. Em Ravallion (2002) é exposta a Curva de Urbanização da Pobreza, do inglês Poverty Urbanization Curve (PUC), \(P_{u}(S_{u})\) que define a relação funcional entre a parcela urbana da pobreza total, \(P_{u_{}}\), e a parcela da população que vive no meio urbano \(S_{u_{}}\):

\[\begin{equation} P_{u}(S_{u}) = h(S_{u})S_{u} \tag{1} \end{equation}\]

Onde

\[\begin{equation} h(S_{u}) = \frac{H_{u}(S_{u})}{H(S_{u})} \tag{2} \end{equation}\]

é a razão entre a incidência de pobreza nas áreas urbanas (\(H_{u_{}}\)) e a incidência de pobreza total (\(H\)), definida como:

\[\begin{equation} H_{u}(S_{u}) = S_{u}H_{u}(S_{u}) + (1 - S_{u}) H_{r} (S_{u}) \tag{3} \end{equation}\]

onde \(H_{r}\) é a incidência de pobreza no meio rural. As funções e medidas relacionadas a pobreza são expressas em função de \(S_{u}\), uma vez que o interesse reside na observação do comportamento da pobreza condicionado a variações na taxa de urbanização. Sendo \(S_{u_{}}\) uma função com relação ao tempo \((t)\), linearizando a Equação (1) e derivando com relação ao tempo, obtém-se a taxa de crescimento da parcela urbana da pobreza total:

\[\begin{equation} \frac{\partial \ln P_{u}}{\partial t} = \frac{\dot{P_{u}}}{P_{u}} = \left( 1 + \frac{\partial \ln h}{\partial \ln S_{u}} \right) \frac{\partial \ln S_{u_{}}}{\partial t} \tag{4} \end{equation}\]

A partir da Equação (4), verifica-se que a taxa de urbanização da pobreza será maior ou menor que a taxa de urbanização da população como um todo de acordo com o sinal de \(h'(S_{u_{}})\), em outras palavras, se a parcela pobre da população rural possui taxa de urbanização superior à população rural como um todo, \(h'(S_{u_{}}) > 0\), deve ocorrer.

Nesse caso, Ravallion (2002), fundamenta teoricamente as condições econômicas sob as quais levariam a população pobre rural a urbanizar mais rápido que a população como um todo, isto é, as condições que fazem \(h'(S_{u_{}}) > 0\) ocorrer. Considere que o indivíduo superar sua condição de pobreza estaria relacionado ao fato do mesmo empregar-se no “setor formal” da economia urbana, que oferece salário real relativamente muito superior ao salário real pago no meio rural. Assim, um domicílio urbano é pobre se não consegue tal posição no mercado de trabalho urbano, e todos os domicílios são pobres na zona rural. Essas suposições implicam a princípio que a parcela urbana da pobreza é menor que a parcela urbana da população \(P_{u}(S_{u}) < S_{u_{}}\).

Adicionalmente, o número de empregos per capita no setor formal urbano é dado por \(L_{u} = (1 - H_{u})S_{u}\) e \((1 - L_{u})\) é a taxa de pobreza total. A urbanização gera externalidades positivas para a economia urbana, portanto, assume-se que a produtividade aumenta com o crescimento da população urbana. A rigor, o produto do setor formal urbano é função do número de empregos per capita:

\[\begin{equation} \phi (S_{u})F(L_{u}) \tag{5} \end{equation}\]

onde \(\phi (S_{u_{}})\) é o efeito (externalidade positiva) de aumento na produtividade provocado pela urbanização. A função possui as seguintes propriedades: \(\phi ' (S_{u_{}}) > 0\), \(F'(.) > 0\) e \(F''(.) < 0\). Sob a pressuposição de mercado competitivo, as firmas, convencionalmente, maximizam lucro da seguinte forma:

\[\begin{equation} \phi (S_{u}) F' \left[ \left( 1 - H_{u} \left( S_{u} \right) \right) S_{u} \right] = W_{u} \left( S_{u} \right) \tag{6} \end{equation}\]

onde \(W_{u_{}}\) é o salário pago pelo setor formal urbano, o mesmo é assumido como sendo função não decrescente de \(S_{u}\). (Sob a pressuposição de mercado de trabalho competitivo, \(W_{u}(S_{u})\) é a função de oferta de trabalho inversa.) Linearizando a Equação (6) e diferenciando com relação a \(S_{u}\) e resolvendo, obtém-se:

\[\begin{equation} H'_{u}(S_{u}) = \left[ 1 + \varepsilon \left( \eta - \omega \right) \right] \frac{(1 - H_{u})}{S_{u}} \tag{7.1} \end{equation}\]

\[\begin{equation} H'_{u}(S_{u}) = \varepsilon \left( \eta - \omega \right) \left( 1 - H_{u_{}} \right) \tag{7.2} \end{equation}\]

Onde:

\[\varepsilon = \frac{\partial \ln L_{u}}{\partial \ln W_{u}} < 0\]
\[\eta = \frac{\partial \ln \phi}{\partial \ln S_{u}} > 0\]
\[\omega = \frac{\partial \ln W_{u}}{\partial \ln S_{u}} \ge 0\]

Considere o caso em que \(\eta > \omega\), ou seja, que os ganhos de produtividade são superiores ao aumento no salário do setor formal urbano dado uma elevação na parcela da população urbana (então a urbanização reduz a incidência de pobreza agregada) e assume-se que:

\[\begin{equation} 1 + \frac{1}{\varepsilon ( \eta - \omega)} < P_{u} (S_{u}) \text{para todo } S_{u} \tag{8} \end{equation}\]

Isso implica que a parcela urbana da pobreza cresce em relação a parcela da população total que é pobre conforme aumenta a urbanização, isto é, \(h'(S_{u}) > 0\) para todo \(S_{u}\). Em outras palavras, a parcela pobre da população urbaniza a uma taxa mais elevada que a população como um todo. Ainda, Ravallion (2002), argumenta que sob as mesmas condições é possível afirmar que a parcela pobre da população urbaniza a taxa superior que a parcela não pobre.

Esse é o modelo teórico que descreve as condições sob as quais a população pobre que vive no meio rural urbaniza a uma taxa maior quando comparada com a população como um todo e com a população não pobre. A próxima seção descreve a estratégia empírica utilizada para testar as relações de interesse descritas pelo modelo teórico.


3. DEFINIÇÕES E ESTRATÉGIA EMPÍRICA

3.1 Medidas de pobreza rural e urbana para o Brasil entre 2004-2011

As medidas de pobreza rural e urbana foram definidas com base no rendimento mensal familiar per capita. As informações foram extraídas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). As sete pesquisas realizadas pelo IBGE referentes ao período de 2004 a 2011 foram utilizadas. A variável (v4750), e quando não possível a (v4742), foi usada de forma a captar o rendimento mensal familiar per capita. Para definição do local de residência, se rural ou urbano, utilizou-se a variável (v4728) que indica a situação censitária do indivíduo.

Como linha de pobreza extrema adotou-se a definição do Banco Mundial de $ 37,50 dólares por mês, a preços de 2005. No entanto, de acordo com Ravallion et al (2007), as linhas de pobreza rural e urbana são diferentes uma vez que o custo de vida na cidade é, em média, superior ao do meio rural, devido, dentre outros fatores, a possibilidade de produção para autoconsumo. Segundo Ravallion et al (2007), em média, para o mundo em desenvolvimento essa diferença é de 30%, para a América Latina é de 44% e para o Brasil está em torno de 55%, sendo que essa diferença tende a ser maior quanto maior a desigualdade de renda na região ou país.

Considerando um gap de 55% entre as linhas de pobreza rural e urbana no Brasil, a linha de pobreza extrema rural ficou definida como sendo $37,50 dólares por mês ou $1.25 dólares por dia por pessoa, a preços de 2005, enquanto a linha de extrema pobreza urbana foi fixada em $58.13 dólares por mês ou $1.94 dólares por dia por pessoa, a preços de 2005. Para converter esses valores para a moeda nacional brasileira e deflacioná-los para os demais anos empregou-se o conceito de PPC. A Tabela 1 apresenta os valores das linhas de pobreza rural e urbana, convertidos e deflacionados a partir da taxa de PPC do Produto Interno Bruto (PIB) publicada pelo Banco Mundial (2012).

Tabela 1 - Linhas de pobreza extrema rural e urbana para o período 2004-2011

Linha de extrema pobreza rural Linha de extrema pobreza urbana
Ano R$ /dia/pessoa R$ /mês/pessoa R$ /dia/pessoa R$ /mês/pessoa
2004 1,63 48,90 2,54 76,20
2005 1,70 51,00 2,63 78,90
2006 1,74 52,20 2,71 81,30
2007 1,79 53,70 2,78 83,40
2008 1,90 57,00 2,95 88,50
2009 1,99 59,70 3,09 92,70
2011 2,12 63,60 3,29 98,70

Fonte: Resultados da pesquisa.

Por fim, como medida de incidência de extrema pobreza adotou-se o Índice Headcount. Esse índice é definido como a razão entre o número de pobres e a população total. Portanto, três índices foram calculados para captar a incidência rural, urbana e agregada de pobreza extrema no Brasil:

\[\begin{equation} \text{Headcount agregado} = \frac{H}{N} \tag{9} \end{equation}\]

\[\begin{equation} \text{Headcount rural} = \frac{H_{r}}{(1 - S_{u})N} \tag{10} \end{equation}\]

\[\begin{equation} \text{Headcount urbano} = \frac{H_{u}}{S_{u}N} \tag{11} \end{equation}\]

onde \(N\) é a população total, demais variáveis já definidas anteriormente.


3.2 Estratégia empírica

As relações teóricas entre os fenômenos da urbanização e da pobreza para os países em desenvolvimento são apresentadas e testadas empiricamente em Ravallion (2002) e são revisitadas com banco de dados mais robusto em Ravallion (2007). Os resultados encontrados podem ser resumidos em cinco pontos principais, já apresentados na introdução.

O objetivo do presente artigo é verificar se os pontos elencados para os países em desenvolvimento são válidos para o Brasil, que apresenta dinâmica diferente em ambos os fenômenos, pobreza e urbanização. Para tanto, são utilizados dados para os 26 Estados brasileiros para o período 2004-2011, totalizando 182 observações.


3.2.1 Como se distribui a população brasileira e a população pobre brasileira entre as áreas rural e urbana?

Para observar como as populações total e pobre brasileira estão distribuídas entre os meios rural e urbano foram utilizados dados do World Urbanization Prospects da ONU (2012), bem como os dados extraídos das PNADs no período 2004-2011. As medidas da parcela da população que vive no meio urbano \((S_{u})\), da parcela que vive na zona rural \((1-S_{u})\), ou simplesmente \((S_{r_{}})\), assim como os Índices Headcount rural e Headcount urbano são usadas para observar os pontos (a) e (b).

Como colocado por Ravallion et al (2007), o fato de considerar a diferença nos custos de vida nos meios rural e urbano podem gerar resultados divergentes em relação aos métodos tradicionais utilizados em outros trabalhos. Outro fato é o de que a definição do que é rural e urbano tem mudado ao longo do tempo. No Brasil, as fontes dessas mudanças são predominantemente políticas, uma vez que a decisão entre o que é urbano e rural cabe a cada município. Essa decisão pode ser influenciada pelo fato de que o imposto sobre propriedade rural é destinado aos cofres federais enquanto que o imposto sobre propriedade urbana é uma das principais fontes de receita dos municípios.

Nesse caso, não é possível diferenciar entre migração para a zona urbana e reclassificação, assim como não é possível captar quando o indivíduo, seja pobre ou não, migra do meio rural para o urbano dentro ou para fora de seu Estado ou Região, fenômeno comum para o caso brasileiro.


3.2.2 A parcela urbana da pobreza no Brasil tem variado no tempo? Os pobres estão urbanizando a taxa superior que a população como um todo no Brasil?

Para responder a primeira pergunta, o ponto (c), é preciso observar como a parcela urbana da pobreza total, \(P_{u}(S_{u}) = \frac{S_{u}H_{u}}{H}\), tem se comportado em relação ao tempo no Brasil. Com relação a segunda questão, ponto (d), para obter evidências a respeito da taxa em que os pobres estão urbanizando retomam-se as Equações (1) e (4). Para calcular a taxa de crescimento da parcela urbana da pobreza total \(\left( \frac{\partial \ln P_{u}}{\partial t} \right)\), é necessário conhecer a forma funcional para a PUC, \(P_{u}(S_{u_{}})\).

Segundo Ravallion (2002), a especificação polinomial cúbica para \(P_{u}(S_{u})\) é suficientemente flexível para atender aos objetivos propostos. Essa forma funcional implica na especificação quadrática para \(h(S_{u_{}})\):

\[\begin{equation} h(S_{u}) = 1 - \beta ( 1 - S_{u}) + \gamma (1 - S_{u_{}})^{2} + \upsilon \tag{12} \end{equation}\]

onde \(\beta\) e \(\gamma\) são os parâmetros a serem estimados e é o termo de erro com as propriedades desejáveis. Uma modificação na Equação (12) permite a estimação do hiato da pobreza urbana:

\[\begin{equation} \left[\mathrm{h}\left(\mathrm{S}_{\mathrm{u}}\right)-1\right]_{\mathrm{it}}=\beta\left(1-\mathrm{S}_{\mathrm{u}}\right)_{\mathrm{t}}+\gamma\left(1-\mathrm{S}_{\mathrm{u}}\right)_{\mathrm{it}}^{2}+\mu_{\mathrm{it}} \tag{13.1} \end{equation}\]

\[\begin{equation} \left(\frac{\mathrm{H}_{\mathrm{u}}-\mathrm{H}}{\mathrm{H}}\right)_{\mathrm{it}}=\beta\left(1-\mathrm{S}_{\mathrm{u}}\right)_{\mathrm{t}}+\gamma\left(1-\mathrm{S}_{\mathrm{u}}\right)_{\mathrm{it}}^{2}+\mu_{\mathrm{it}} \tag{13.2} \end{equation}\]

onde \(\mu_{it_{}}\) é o termo de erro com as propriedades desejáveis.

Essa forma funcional será testada empiricamente a partir dos dados extraídos para os Estados brasileiros no período entre 2004 e 2011, ou seja, um painel de dados com 182 observações. Uma das vantagens em se usar dados em painel é a possibilidade de captar efeitos dinâmicos e controlar a heterogeneidade observável e não observável do fenômeno estudado, portanto, foram considerados efeitos fixos estaduais.

Dessa forma, pode-se verificar se a taxa de crescimento da parcela urbana da pobreza total é maior que a da população como um todo a partir de (4). Segundo Ravallion et al (2007), isso é o que se espera caso a urbanização gere ganhos ou melhoria para os pobres, contudo, nem todos os pobres conseguem se beneficiar escapando de sua condição ao migrar para a cidade, isto é, o processo de urbanização provocaria aumentos na parcela urbana da pobreza total, ponto (c).


3.2.3 O processo de urbanização é um fator positivo para a redução da pobreza?

Ravallion et al (2007) e Ravallion (2002) argumentam que a urbanização pode contribuir de forma direta e indireta para a redução da pobreza total. A contribuição direta da urbanização sobre a pobreza está relacionada aos ganhos obtidos pelos migrantes que conseguem emprego no “setor formal” da zona urbana. De forma indireta, os ganhos estão relacionados a remessas dos migrantes para os que permaneceram no meio rural e à escassez relativa de mão de obra provocada pela migração que eleva o salário real no mercado de trabalho rural.

Para verificar como a urbanização se relaciona com a redução da pobreza duas abordagens são utilizadas. Primeiro, a variação do Índice Headcount agregado é decomposta, de acordo com Ravallion e Huppi (1991), para o período em análise 2004-2011 da seguinte forma:

\[\begin{equation} \mathrm{H}_{11}-\mathrm{H}_{04}=\mathrm{S}_{11}^{\mathrm{r}}\left(\mathrm{H}_{11}^{\mathrm{r}}-\mathrm{H}_{04}^{\mathrm{r}}\right)+\mathrm{S}_{11}^{\mathrm{u}}\left(\mathrm{H}_{11}^{\mathrm{u}}-\mathrm{H}_{04}^{\mathrm{u}}\right)+\left(\mathrm{H}_{04}^{\mathrm{u}}-\mathrm{H}_{04}^{\mathrm{r}}\right)\left(\mathrm{S}_{11}^{\mathrm{u}}-\mathrm{S}_{04}^{\mathrm{u}}\right) \tag{14} \end{equation}\]

onde \(H_{11} - H_{04}\) é a redução em pontos percentuais (p.p.) do Índice Headcount agregado para o período de análise, \(\mathrm{S}_{11}^{\mathrm{r}}\left(\mathrm{H}_{11}^{\mathrm{r}}-\mathrm{H}_{04}^{\mathrm{r}}\right)\) é a parcela da variação atribuída a redução da pobreza rural, \(\mathrm{S}_{11}^{\mathrm{u}}\left(\mathrm{H}_{11}^{\mathrm{u}}-\mathrm{H}_{04}^{\mathrm{u}}\right)\) é a parcela da variação conferida a redução da pobreza urbana e \(\left(\mathrm{H}_{04}^{\mathrm{u}}-\mathrm{H}_{04}^{\mathrm{r}}\right)\left(\mathrm{S}_{11}^{\mathrm{u}}-\mathrm{S}_{04}^{\mathrm{u}}\right)\) é a parcela da variação devido ao processo de urbanização. Essa abordagem permite verificar o quanto cada componente é responsável pela redução da pobreza extrema total no Brasil.

A segunda abordagem consiste na estimação de uma regressão relacionando as medidas de pobreza como variável a ser explicada pela taxa de urbanização:

\[\begin{equation} \mathrm{H}_{\mathrm{it}}^{\mathrm{k}}=\delta_{\mathrm{i}}+\alpha \mathrm{S}_{\mathrm{it}}^{\mathrm{u}}+\mu_{\mathrm{it}} \tag{15} \end{equation}\]

onde k indica que a medida de pobreza pode assumir suas diferentes definições, \(\sigma_{i_{}}\) e \(\alpha\) são os parâmetros a serem estimados e é o termo de erro com as propriedades desejáveis.

Caso a urbanização exerça influência para a redução da pobreza, espera-se que o parâmetro apresente relação negativa com a medida de pobreza. Novamente, são considerados os efeitos fixos para os estados. A utilização desta abordagem possui vantagens sobre a primeira no sentido de que considera todo o período de análise e leva em consideração a heterogeneidade do fenômeno no Brasil. Com isso, está completa a exposição da estratégia empírica utilizada para alcançar os objetivos propostos.


4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 São válidas para o Brasil as afirmações (a) e (b)?

O primeiro ponto, (a), postula que a maioria da população do mundo em desenvolvimento ainda vive na zona rural, mas em um curto horizonte de tempo estará vivendo no meio urbano, como pode ser previsto pela relação teórica estabelecida. Dados do World Urbanization Prospects da ONU (2012) reportam que já em 1965 o Brasil possuía a maioria de sua população (51%) vivendo nas zonas urbanas do país. Esse valor chega a 85% em 2011, como pode ser visto na Tabela 2, que apresenta estatísticas referentes à distribuição da população total e da população pobre no período de 2004-2011.

Tabela 2 - Estatísticas da extrema pobreza nos meios rural e urbano, 2004-2011

Ano Número de pobres em milhões Índice Headcount (%) Parcela dos pobres na zona urbana (%) Parcela da população na zona urbana (%)
Urbano Rural Total Urbano Rural Total
2004 17,80 5,37 23,17 11,77 17,05 12,68 76,83 82,77
2005 14,90 5,15 20,05 9,76 15,94 10,84 74,30 82,52
2006 11,60 4,64 16,24 7,47 14,52 8,68 71,43 82,93
2007 13,30 4,40 17,70 8,47 13,74 9,36 75,13 83,05
2008 10,50 3,85 14,35 6,59 12,15 7,51 73,15 83,39
2009 10,50 3,75 14,25 6,51 11,88 7,39 73,66 83,63
2011 8,09 3,21 11,30 4,85 10,89 5,76 71,56 84,97

Fonte: Resultados da pesquisa com base na PNAD.

Apesar de apresentar dinâmica de urbanização divergente com relação ao mundo em desenvolvimento como um todo, o Brasil possui taxas de urbanização muito parecidas com as da América do Sul e da América Latina. Entre 2004 e 2011, a parcela da população que vive na zona urbana aumentou 2,5 p.p. De certa forma, pode-se dizer que a afirmação (a) é válida para o Brasil, pois apesar da maioria da população viver na zona urbana atualmente, o país passou pelo processo indicado por essa afirmação.

O segundo ponto, (b), que afirma que a incidência de pobreza absoluta é menor nas cidades para os países em desenvolvimento, \(P_{u}(S_{u}) < S_{u_{}}\), assemelha-se ao primeiro quando se trata do Brasil. Pela Tabela 2, verifica-se que no Brasil, grande parcela da população pobre vive nas cidades, 71,6% em 2011, e que a incidência de pobreza extrema nas áreas urbanas, 10,89% em 2011, é mais que o dobro da incidência rural. Esses resultados, salvo as diferenças nos períodos de análise e métodos, são diferentes dos encontrados por Ravallion et al (2007) e Ravallion (2002) para o mundo em desenvolvimento. Em Ravallion (2002), a parcela de pobreza extrema encontrada nas cidades foi de cerca de 30% e em Ravallion et al (2007) essa parcela era de 25% em 2002, enquanto a incidência de pobreza extrema na zona urbana era de 13%, menos da metade da incidência rural.

Contudo, enquanto a média de urbanização do mundo em desenvolvimento não chegava a 50% em 2011, a do Brasil era de quase 85%. Pelo que se espera do modelo teórico, quanto maior a urbanização maior será a parcela da população pobre vivendo nas cidades, o Brasil já teria ultrapassado o ponto de inflexão, isso é o que pode ser inferido pela Figura 1.

A partir da Figura 1, observa-se relação positiva entre a urbanização e a parcela da população urbana pobre, correlação de 0,88. A estimação do painel de efeitos fixos para os estados resultou em efeito marginal positivo e significativo [0,13 (0,038)]. Portanto, apesar da afirmação (b) não ser válida para o Brasil atualmente, dada a alta taxa de urbanização no período de análise, ela já foi verdadeira para períodos anteriores como evidencia Ferreira et al (2010).

Figura 1 - Parcela da população urbana pobre em relação à taxa de urbanização, 2004-2011 (Estados).

Fonte: Resultados da pesquisa com base na PNAD.

Adicionalmente, pela Tabela 2, é possível observar que as incidências de pobreza nacional, assim como a rural e a urbana no Brasil, reduziram-se em cerca de 7 p.p. entre 2004 e 2011, o que equivale a superação da extrema pobreza por cerca de 12 milhões de pessoas. Novamente, salvo definições e períodos de análise, essa é a tendência encontrada para o Brasil por Osório et al (2011) e Ferreira et al (2010).

Os resultados de Ravallion et al (2007) contam uma redução de 5,2% na incidência de pobreza no mundo desenvolvido entre 1993 e 2002, o suficiente para retirar 100 milhões de pessoas da situação de extrema pobreza. Já Osório et al (2011), reportam para o Brasil uma redução da ordem de 3,8% na incidência de extrema pobreza no período 2004-2009, resultando na retirada de 6,3 milhões de pessoas dessa situação. A redução tanto na incidência de extrema pobreza rural, menos 2,2 milhões de pessoas, quanto na urbana, menos 10 milhões de pessoas, não corrobora com o resultado de Ravallion et al (2007) onde a pobreza extrema rural tem diminuído enquanto a urbana tem aumentado.

O programa de transferência de renda Bolsa Família tem sido apontado pelo governo como principal responsável pelos avanços na redução da pobreza, no entanto, como apontam Ferreira et al (2010) e Neri e Carvalhaes (2008), parte da redução pode ser atribuída a estabilidade macroeconômica e à redução da desigualdade de renda. Quanto à baixa incidência de extrema pobreza rural em relação à urbana no Brasil, esta pode ser atribuída ao dinâmico setor primário do país. Historicamente, o setor é o principal responsável pelos resultados positivos na balança comercial do país, sendo importante para o crescimento econômico e a redução da pobreza.

Em resumo, reduziu-se significativamente a incidência da pobreza extrema no Brasil no período 2004-2011, e além dos fatores anteriormente citados, nas próximas seções verifica-se qual foi a contribuição da urbanização para essa redução. Ademais, devido à diferente dinâmica observada no processo de urbanização, não é mais possível confirmar a validade dos pontos (a) e (b) para o caso do Brasil, o que caracteriza a extrema pobreza como problema predominantemente urbano no país atualmente.


4.2 E quanto aos pontos (c) e (d) no caso do Brasil?

O argumento do ponto (c), de que parcela urbana da pobreza tem crescido ao longo do tempo nos países em desenvolvimento, o que seria coerente teoricamente, não é válida para o Brasil nos últimos anos e, salvo o caso da região Centro Oeste, esta afirmação não é válida para nenhuma outra grande região brasileira, como pode ser observado na Tabela 3.

Tabela 3 - Parcela urbana da população pobre total, Brasil e regiões, 2004-2011

Ano Sul Sudeste C. Oeste Norte Nordeste Brasil
2004 80,53 92,24 87,21 69,95 70,42 76,83
2005 81,24 88,66 84,84 70,36 67,58 74,30
2006 78,77 89,76 82,26 70,60 63,44 71,43
2007 78,79 91,96 86,55 72,45 67,52 75,13
2008 78,20 89,15 87,99 72,15 65,10 73,15
2009 78,54 90,51 85,71 74,09 65,35 73,66
2011 79,37 90,67 95,21 68,29 63,03 71,56
C.V.* (%) 1,42 1,49 4,62 2,68 3,95 2,61

Fonte: Resultados da pesquisa com base na PNAD. *Coeficiente de Variação.

A parcela urbana da população pobre tem diminuído a taxa de 11,3% ao ano, em média, enquanto que a população como um todo tem urbanizado a 1,6% ao ano, para 2004-2011. Em outras palavras, a parcela urbana da população pobre está diminuindo nos últimos anos no Brasil ao contrário do esperado para os países em desenvolvimento. Ravallion et al (2007) encontra taxa positiva de 3% ao ano, em média, para a parcela da população pobre nas cidades e 1% para a população como um todo entre 1993 e 2002.

A variação da parcela urbana da população pobre é pequena nos últimos anos, como pode ser observado pelo coeficiente de variação na Tabela 3, no entanto a mesma é negativa. Esse fato pode ser atribuído à alta taxa de urbanização do Brasil que implica na alta parcela da população pobre estar vivendo nas cidades. Como visto anteriormente, as incidências rural e urbana de extrema pobreza têm caído praticamente à mesma taxa e, portanto, o fato de grande parte da pobreza concentrar-se nas áreas urbanas leva a uma redução mais que proporcional na parcela dos pobres vivendo nesse meio.

Portanto, salvo o caso da região Centro Oeste, onde a zona rural concentra principalmente propriedades com produção voltada para os mercados interno e externo, a afirmação (c) não é válida para o Brasil ou para as outras grandes regiões. Novamente, o fato de grande parcela dos pobres já estar concentrada nas cidades fornece indícios de um ponto de inflexão, ou seja, reduções na pobreza agregada podem gerar aumento da parcela de pobres na zona rural ao invés de reduções.

Em relação ao ponto (d), que afirma que a parcela pobre tem urbanizado mais rápido do que a população como um todo, de acordo com a teoria, para os países em desenvolvimento, também parece não se aplicar ao caso brasileiro. Devido a já alta taxa de urbanização, a razão entre a incidência de pobreza nas áreas urbanas ( \(H_{u}\) ) e a incidência de pobreza total (\(H\)), denotada por \(h \left( S_{u} \right)\), tem permanecido aproximadamente constante nos últimos anos tanto para o Brasil como para as grandes regiões, como exposto pela Tabela 4.

Tabela 4 - \(h\left( S_{u} \right)\), razão entre a incidência de pobreza nas áreas urbanas (\(H_{u}\)) e a incidência de pobreza total (\(H\)), Brasil e regiões, 2004-2011

Ano Sul Sudeste C. Oeste Norte Nordeste Brasil
2004 0,980 1,002 1,031 0,987 0,985 0,928
2005 0,984 0,966 1,006 0,986 0,956 0,900
2006 0,950 0,976 0,970 0,982 0,889 0,861
2007 0,950 1,000 1,015 1,004 0,942 0,905
2008 0,941 0,968 1,018 0,994 0,900 0,877
2009 0,942 0,981 0,989 1,016 0,899 0,881
2011 0,932 0,971 1,063 0,915 0,856 0,842

Fonte: Resultados da pesquisa com base na PNAD.

Para verificar se os pobres estão urbanizando a taxa maior que a população como um todo, a Tabela 5 apresenta as estimativas para a Equação (13.2), que permite testar a forma funcional da função \(h(S_{u})\) e definir a seguinte derivada \(( \frac{ \partial \ln h}{ \partial \ln S_{u}})\).

Tabela 5 - Resultados da estimação do hiato da pobreza extrema urbana, Brasil e regiões, 2004-2011

Sul Sudeste C. Oeste Norte Nordeste Brasil
(\(1-S_{u_{}}\)) -2,994 -0,810 2,273 6,018 -0,826 1,071
E. p.* (11,82) (0,19) (2,31) (1,16) (2,22) (1,13)
(Prob.> t) 0,824 0,025 0,430 0,002 0,719 0,353
\((1-S_{u_{}})^{2}\) 5,078 7,318 -4,109 -13,411 1,483 -2,494
E. p. (42,41) (1,05) (5,81) (2,32) (4,29) (2,56)
(Prob.> t) 0,916 0,006 0,553 0,001 0,739 0,340
F 5838,57 24,67 12,61 22,89 0,07 0,47
Prob.> F 0,000 0,014 0,074 0,002 0,932 0,629

Fonte: Resultados da pesquisa com base na PNAD. *Erros padrão robustos de White entre parênteses.

Como se pode observar, pelas estimativas os coeficientes \(\beta\) e \(\gamma\) de (13.2) não são diferentes de zero para o caso do Brasil, assim como para as regiões Sul, Centro Oeste e Nordeste. Em outras palavras, com \(\beta\) e \(\gamma\) estatisticamente iguais a zero, a relação \(P_{u}(S_{u})\), apresentada na Equação (1), colapsa na seguinte definição:

\[\begin{equation} \mathrm{P_{}}_{\mathrm{u}}\left(\mathrm{S}_{\mathrm{u}}\right)=[1] \mathrm{S}_{\mathrm{u}} \tag{16} \end{equation}\]

e, portanto, a Equação (4), ou seja, a taxa de crescimento da parcela urbana da pobreza total torna-se:

\[\begin{equation} \frac{\partial \ln P_{u}}{\partial t}=\frac{\dot{P_{u}}}{P_{u}}=\frac{\partial \ln S_{u}}{\partial t} \tag{17} \end{equation}\]

Desse modo, a taxa de crescimento da parcela urbana da pobreza total é igual e não maior que a taxa de crescimento da parcela urbana da população como um todo, isto é, a afirmação (d) não é válida para o Brasil ou para as regiões Sul, Centro Oeste e Nordeste. Contudo, para as regiões Sudeste e Norte tanto \(\beta\) quanto \(\gamma\) são estatisticamente diferentes de zero. Nesse caso a relação \(P_{u}(S_{u})\), toma a seguinte forma:

\[\begin{equation} \mathrm{P}_{\mathrm{u}}\left(\mathrm{S}_{\mathrm{u}}\right)=\left[1-\beta\left(1-\mathrm{S_{}}_{\mathrm{u}}\right)+\gamma\left(1-\mathrm{S}_{\mathrm{u}}\right)^{2}\right] \mathrm{S}_{\mathrm{u}} \tag{18} \end{equation}\]

por conseguinte, a taxa de crescimento da parcela urbana da pobreza total torna-se:

\[\begin{equation} \frac{\partial \ln \mathrm{P}_{\mathrm{u}}}{\partial \mathrm{t}} = \frac{\dot{{P}_{u}}}{\mathrm{P}_{\mathrm{u}}}=\left(1+\frac{\left[\beta+\gamma\left(2 \mathrm{S}_{\mathrm{u}}-2\right)\right] \mathrm{S}_{\mathrm{u}}^{2}}{\mathrm{P}_{\mathrm{u}}}\right) \frac{\partial \ln \mathrm{S}_{\mathrm{u}}}{\partial \mathrm{t_{}}} \tag{19} \end{equation}\]

Atribuindo as médias amostrais, para a região Sudeste (\(S_{u}\) = 0,922; \(P_{u}\) = 0,904; \(\beta\) = -0,810 e \(\gamma\) = 5,078), verifica-se que os pobres urbanizam a taxa 22,77% menor que a população como um todo. Para a região Norte com (\(S_{u}\) = 0,723; \(P_{u}\) = 0,711; \(\beta\) = 6,018 e \(\gamma\) = -13,411), a população pobre urbaniza a taxa 10 vezes superior que a população como um todo. Ravallion (2002), encontra que os pobres urbanizam a taxa 26% maior para os países em desenvolvimento e Ravallion et al (2007) encontra uma taxa 30% maior para a urbanização dos pobres.

Portanto, a afirmação (d) também não é verdadeira para a região Sudeste. Um dos fatores que podem explicar o sinal contrário do esperado para os países em desenvolvimento é a pequena parcela da população vivendo na zona rural nessa região. Dentre as regiões brasileiras, a Sudeste é a que possui o maior percentual de urbanização, onde cerca de 90% da população vive em áreas urbanas, sendo que a parcela de pobreza extrema nas zonas rurais em relação à população pobre total é de apenas 9%. Em outras palavras, a migração de pobres para a zona urbana é menor que a da população total, pois praticamente todos os pobres da região já vivem na zona urbana. A Figura 2 apresenta a relação entre a parcela da população pobre urbana em relação a taxa de urbanização para as regiões Sudeste e Norte, respectivamente.

Figura 2 - Curva de Urbanização da Pobreza, regiões Sudeste (esquerda) e Norte (direita), 2004-2011

Fonte: Resultados da pesquisa com base na PNAD.

Por outro lado, o ponto (d) é verdadeiro para a região Norte, que apresentou nos últimos anos taxa de urbanização da pobreza 10 vezes maior que a população como um todo. Ao contrário do Sudeste, a região Norte ainda possui 30% dos pobres na zona rural e a relação entre pobres em áreas rurais e em áreas urbanas tem diminuído, isto é, a incidência de pobreza urbana tem aumentado em relação a rural.

Desse modo, a afirmação (d) não é válida para o Brasil como um todo, porém é verdadeira para a região Norte do país, ou seja, no Brasil recente os pobres não estão urbanizando mais rápido que a população como um todo. Provavelmente, a alta taxa de urbanização do período em análise não permita captar esse fenômeno que, contudo, já ultrapassou seu ponto de inflexão para o caso brasileiro, isto é, a pobreza extrema no Brasil já se urbanizou.

4.3 O ponto (e): o processo de urbanização é um fator positivo para a redução da pobreza no Brasil?

Pelos indícios do modelo teórico apresentado e pela dinâmica de urbanização observada no Brasil, espera-se que o ponto (e) seja confirmado. Ravallion et al (2007), afirmam que com o crescimento econômico, a urbanização ajudou a reduzir a pobreza agregada no mundo em desenvolvimento, no entanto ela fez pouco pela pobreza urbana. A Tabela 6 apresenta os resultados para a decomposição da redução da incidência de pobreza extrema para o Brasil e regiões.

Tabela 6 - Decomposição da redução do Índice Headcount, Brasil e regiões

Região Mudança total no Índice Headcount 2004-2011 (p.p.) Decomposição
Redução da pobreza rural Redução da pobreza urbana Urbanização
Sul -3,280 -0,420 -2,841 -0,019
Sudeste -3,995 -0,179 -3,818 0,003
Centro Oeste -4,796 -0,527 -4,347 0,077
Norte -6,749 -1,249 -5,473 -0,027
Nordeste -13,939 -2,679 -11,231 -0,029
Brasil -6,920 -0,925 -5,878 -0,116

Fonte: Resultados da pesquisa com base na PNAD.

De forma geral, a urbanização contribuiu para a redução da extrema pobreza no Brasil entre 2004 e 2011, no entanto, sua contribuição foi menor que da redução da pobreza urbana e a mesma da redução da pobreza rural. Dois fatos podem ser atribuídos a pequena contribuição da urbanização para a redução da extrema pobreza no Brasil no período. Primeiro, dada a já elevada taxa de urbanização, o Brasil possui uma baixa taxa de crescimento da urbanização, entre 2004 e 2011 a taxa de urbanização cresceu apenas 2,5 p.p.

O segundo fator trata-se na verdade do porque a redução na pobreza urbana teve a maior contribuição e, como já citado anteriormente, a extrema pobreza atualmente é um problema intrinsecamente urbano, ou seja, cerca de 80% dos indivíduos em situação de extrema pobreza estão nas cidades. Nesse caso, reduções nas taxas de extrema pobreza urbana se refletem quase que proporcionalmente em reduções na taxa agregada de extrema pobreza. Para observar de forma mais robusta a relação entre redução da extrema pobreza e o processo de urbanização, a Tabela 7 apresenta os resultados das estimações das medidas de extrema pobreza em função da taxa de urbanização para o Brasil e regiões no período 2004-2011.

Os coeficientes para as regiões Norte e Centro Oeste não foram diferentes de zero, contudo, para as demais regiões assim como para o Brasil como um todo, as estimativas indicam que a urbanização possui relação negativa com a pobreza em todas suas definições. Portanto, a urbanização tem sido um fator positivo para a redução da pobreza no Brasil recentemente, mesmo para a parcela da pobreza urbana, ao contrário do que Ravallion et al (2007) argumenta para o grupo dos países em desenvolvimento.


Tabela 7 - Resultados das estimações das medidas de extrema pobreza em função da taxa de urbanização, Brasil e regiões, 2004-2011

Região Índice Headcount
Urbano Rural Nacional
Sul -0,979 0,028* -0,904 0,046* -0,975 0,023*
(n=21) (0,166) (0,202) (0,150)
Sudeste -0,901 0,002* -0,963 0,020* -0,906 0,003*
(n=28) (0,094) (0,211) (0,098)
Centro Oeste -0,538 0,064* -0,705 0,102* -0,559 0,062*
(n=21) (0,143) (0,244) (0,146)
Norte -0,526 0,284* -0,437 0,428* -0,551 0,278*
(n=49) (0,459) (0,523) (0,473)
Nordeste -1,197 0,000* -1,022 0,003* -1,164 0,000*
(n=63) (0,072) (0,213) (0,094)
Brasil -0,743 0,007* -0,671 0,027* -0,750 0,008*
(n=182) (0,253) (0,285) (0,258)

Fonte: Resultados da pesquisa com base na PNAD. *(Prob.>t). Erros padrão robustos de White entre parênteses.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, no mundo em desenvolvimento, os fenômenos de urbanização e da pobreza tem recebido atenção tanto de autoridades nacionais, internacionais quanto do meio acadêmico. A dinâmica entre os dois processos deve mudar nos próximos 20 anos, tanto a população dos países em desenvolvimento quanto a pobreza devem passar de essencialmente rural para urbana.

Conhecer os padrões de comportamento dessa relação é relevante, pois o combate da pobreza rural é feito via mecanismos diferentes dos usados para combater a pobreza urbana. A principal corrente da literatura a respeito do assunto elenca cinco pontos em relação à interação dos fenômenos no mundo em desenvolvimento: (a) A maioria da população vive no meio rural, contudo, com a urbanização essa afirmação tende a mudar em breve; (b) A incidência de pobreza absoluta é menor nas cidades; (c) A parcela urbana da pobreza tem crescido ao longo do tempo; (d) A parcela pobre tem urbanizado mais rápido do que a população como um todo; (e) A urbanização é um fator positivo para a redução da pobreza.

Para o caso do Brasil, no período de análise entre 2004 e 2011, principalmente devido à sua alta taxa de urbanização, apenas o ponto (e) permanece válido. Em outras palavras, o Brasil já passou pelas outras fases, no entanto, para as evidências recentes apenas o fato de que a urbanização contribui para a redução da extrema pobreza continua verdadeira. Os resultados diferem para as grandes regiões.

Apesar dos avanços na redução da pobreza extrema no Brasil, cerca de 11,3 milhões de pessoas ainda eram assoladas pela extrema pobreza em 2011. Além disso, observou-se que o fenômeno da extrema pobreza é predominantemente urbano no país, ou seja, o Brasil deve focar, principalmente, na redução da pobreza nas áreas urbanas que são o problema mais grave atualmente.


REFERÊNCIAS

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