AS POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA NO BRASIL, ARGENTINA E URUGUAI (1990 A 2010)

Magali da Silva Correa1; Alessandra Troian2; Raquel Breitenbach3.
1 - Bacharel em Administração e Relações Internacional, especialista em Pequenas e Médias Empresas pela Unipampa (Universidade Federal do Pampa).
2 - Bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial, Mestre em Extensão Rural e Doutora em Desenvolvimento Rural, Professora Adjunta da Unipampa (Universidade Federal do Pampa).
3 - Bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial, Mestre e Doutora em Extensão Rural, Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Campus Sertão.


Resumo

As políticas sociais buscam reduzir a problemática da pobreza e estão presentes no Brasil, Argentina e Uruguai, países que historicamente apresentam elevado índice de pobreza, concentração de renda e dependência econômica. O presente estudo apresenta as políticas sociais de transferência de renda brasileiras, argentinas e uruguaias de 1990 a 2010, discorrendo sobre o papel delas na redução da pobreza e desigualdade social. O estudo é qualitativo, a partir de pesquisa documental e bibliográfica. Na década de 1990 os três países sofreram influência do Consenso de Washington, as políticas sociais foram assistencialistas e, pela baixa participação do estado na economia, elevaram-se as taxas de pobreza e desigualdade. Nos anos 2000 as desigualdades sociais foram acentuadas com as crises enfrentadas por estes países e as políticas sofreram alterações, passando a ser centrais nos governos, aumentando sua abrangência e foco, fundamentais para a redução da pobreza. Porém, tais políticas não tiveram uma ação efetiva na redução da concentração de renda. Apesar de permanecerem os problemas socioeconômicos nos países analisados, destaca-se a importância dos programas de transferência de renda condicionados. Estes permitiram a dignidade humana pelo acesso a alimentação e efeito multiplicador, movimentando a economia nos bairros, cidades e regiões mais carentes.

Palavras-chave: Concentração de Renda; Assistencialismo; Desigualdade Social; América Latina.


SOCIAL PUBLIC POLICIES FOR TRANSFER OF INCOME IN BRAZIL, ARGENTINA AND URUGUAY (1990 A 2010)


Abstract

Social policies seek to reduce the problem of poverty and are present in Brazil, Argentina and Uruguay, countries that historically have a high rate of poverty, concentration of income and economic dependence. The present study presents the social policies of Brazilian, Argentine and Uruguayan income transfer from 1990 to 2010, discussing their role in reducing poverty and social inequality. The study is qualitative, based on documental and bibliographic research. In the 1990s, the three countries were influenced by the Washington Consensus, social policies were welfare-oriented, and because of low state participation in the economy, poverty and inequality rates rose. In the 2000s, social inequalities were accentuated by the crises faced by these countries and policies changed, becoming central to governments, increasing their scope and focus, fundamental for poverty reduction. However, these policies did not have an effective action in reducing the concentration of income. Although the socioeconomic problems remain in the countries analyzed, the importance of conditional income transfer programs stands out. These allowed human dignity for access to food and multiplier effect, moving the economy in the poorest districts, cities and regions.

Keywords: Income concentration; welfare; social Inequality; Latin America.


1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas do século XX, mudanças sociais marcantes ocorreram no mundo capitalista, as quais foram amparadas na obrigatoriedade de reformar o Estado. Tais mudanças advêm do enfraquecimento do modelo de desenvolvimento econômico constituído no pós-guerra e que promovia o pensamento neoliberal. O pensamento neoliberal predominou nos países latino-americanos a partir da década de 1980, sugerindo reduzida participação na economia pelo Estado (BOYADJIAN, 2009).

Além disso, o neoliberalismo era baseado na desregulamentação, privatização e abertura comercial e se tornou o cerne das políticas voltadas para o ajuste econômico de inúmeros países adeptos ao capitalismo. Concomitante a esta conjuntura, elevados índices inflacionários tornam-se responsáveis pela estagnação econômica (GIAMBIAGI et al., 2005), bem como aumento da desigualdade social e, consequentemente, a preocupação com a pobreza (BOYADJIAN, 2009).

Consequência desse processo foi à redução das ações do Estado do Bem-Estar Social1, ao mesmo passo que organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, passaram a ascender e incentivar o mínimo envolvimento do Estado nas questões econômicas e na sociedade. Caberia aos países da periferia se adequar à nova situação (MARQUES; FERREIRA, 2010).

Neste cenário, nos anos 1990 foram adotadas políticas sociais de transferência de renda focalizadas. Estas, por sua vez, diferenciavam-se das políticas adotadas anteriormente, as quais tinham como objetivo construir um sistema de proteção social universal para combater a pobreza e a exclusão social (MATTEI, 2010).

Na América Latina, especificamente, a crise da dívida externa e o processo inflacionário nos anos 1980 levaram à adoção de medidas de estabilização econômica. Estas medidas fomentaram ajustes estruturais na economia, diminuindo expressivamente os gastos públicos e afetando de maneira negativa as políticas sociais que estavam em curso na década anterior (MATTEI, 2010).

No Brasil, de acordo Giambiagi et al., (2005), o período foi caracterizado por uma escala sem precedentes de inflação, que ameaçava sair do controle; pela estagnação; eclodindo em uma série de movimentos sociais que deram visibilidade a uma parcela da população que até então passava despercebida e tampouco fazia parte das políticas públicas. Não muito distinto foi o ocorrido na Argentina e no Uruguai, que compartilhavam da conjuntura latino-americana, o que justificou as ações governamentais em prol da redução das assimetrias nestes países.

Assim, para atenuar a desigualdade de oportunidades, tornou-se necessário colocar em prática medidas afirmativas para superar a discriminação. Isso se deu através da implantação de programas de transferência de valor monetário diretamente aos necessitados. As transferências de renda têm sua origem nos governos e são sistemas de assistência e proteção social que repassam dinheiro para comunidades, famílias ou pessoas para aliviar a pobreza (CECCHINI et al., 2009).

Para tanto, o presente estudo visa apresentar as políticas sociais de transferência de renda brasileiras, argentinas e uruguaias durante as décadas de 1990 a 2010. Especificamente, buscou-se discorrer sobre o papel das políticas sociais de transferência de renda dos países na redução da pobreza e da desigualdade social. Metodologicamente o estudo caracteriza-se como qualitativo, a partir da pesquisa documental e bibliográfica. Utilizaram-se dados disponíveis nos sites da Comissão Econômica para América Latina e Caribe, Banco Mundial, Organização Internacional do Trabalho e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

O estudo justifica-se pela necessidade de expor de que forma as políticas públicas de transferência de renda foram delineadas na América Latina nas últimas décadas. Acredita-se que a pesquisa pode contribuir com a discussão existente acerca das políticas de transferência de renda, sobretudo no atual cenário político e econômico latino americano, em que as políticas sociais estão postas em cheque.


2. POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL

O tema pobreza obtém cada vez mais espaço no meio acadêmico, em especial nas ciências sociais e está diretamente relacionado com o desenvolvimento econômico. A pobreza pode ser conceituada como a circunstância em que o indivíduo não tem meios de satisfazer suas necessidades primárias dentro da sociedade, o que seria uma pobreza relativa, pois, vista com este foco, implica em ter menos que os outros em uma sociedade (LOCK, 2010).

Para Sen (2000), a pobreza é a privação de liberdades e de capacidades básicas, que pode refletir negativamente na saúde e educação das pessoas. Por isso a importância de analisar a pobreza a partir de informações demográficas, médicas e sociais, e não unicamente baseando-se na renda. Exemplo disto é a perda de autonomia, de autoconfiança e de saúde (física ou psicológica), ocasionadas pelo desemprego, que leva a exclusão social de alguns grupos e a pobreza (SEN, 2000).

Já para o Banco Mundial, pobre é aquele indivíduo que vive com menos de US$1 por dia. Portanto, o conceito mais utilizado é o de insuficiência de renda, que é uma medida de bem-estar, sendo o indivíduo que não tem renda mínima para atender suas necessidades básicas de sobrevivência, considerado pobre (SEN, 1990). Por outro lado, o que tem valor para um pode não ter valor para outro, devido à diversidade das carências das pessoas (SEN, 1990).


2.1 Políticas públicas de transferência de renda

As políticas públicas formam um conjunto articulado de ações, decisões e incentivos que procuram mudar a realidade, atendendo a demanda e os interesses dos envolvidos. Os atores que lidam com algum problema público são os que demandam as ações, as quais são desenvolvidas por instituições públicas governamentais, pelo processo político que as regulam (RODRIGUES, 2010).

As políticas públicas de transferência de renda consistem em repasse de recursos financeiros pelos governos às famílias mais pobres da população. Os programas de transferência de renda contentam uma parte da sociedade, se conservando a frente de um discurso neoliberal que fortaleceu a derrubada das políticas sociais já existentes. Ao mesmo tempo podem ser analisado de uma visão socialdemocrata, como um mecanismo redistributivo de renda, resultando em justiça social. Tais programas são ideais para países com elevados índices de desemprego, desigualdade e pobreza extrema (MARQUES; FERREIRA, 2010).

A fim de contextualizar as seções que seguem, cabe destacar que a partir dos anos 1970, com a exaustão do modelo de desenvolvimento econômico instituído no pós-guerra, o pensamento neoliberal ganhou destaque. As propostas do Consenso de Washington persuadiram os líderes políticos latinos americanos a aplicarem medidas monetárias e fiscais para combater a inflação, culminando na década de 1990 em um período de reformas na América Latina (GIAMBIAGI et al., 2005).

Um novo regime regulador internacional foi posto em prática, diferenciando-se dos anteriores nas políticas e componentes. Tal regime era formado por banqueiros estrangeiros, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, funcionários do alto escalão do governo dos Estados Unidos, elites exportadoras e tecnocratas latinos americanos (PETRAS, 1997). Neste cenário, as políticas públicas de transferência de renda procuravam manter um equilíbrio orçamentário e atender as demandas por políticas sociais, tendo em vista as desigualdades sociais acentuadas.


2.1.1 As políticas sociais de transferência de renda no Brasil, Argentina e Uruguai

No Brasil, as políticas públicas de transferência de renda foram iniciativas do setor público de esfera federal, porém não exclusivo deste. Com o apoio dos setores mais conservadores do país, em 1989 Fernando Collor de Melo foi eleito para a presidência da República na primeira eleição livre e direta de um país que viveu 29 anos no regime ditatorial. Foi um governo neoliberal, abriu mercados, iniciou o processo de privatizações de empresas públicas, cortou incentivos (BOYADJIAN, 2009).

Para aumentar a receita fiscal o presidente implementou cortes orçamentários importantes, devido ao volume da dívida interna do país. Desta maneira, Collor deu início à implantação das ideias do Consenso de Washington no Brasil, sendo seus dois anos na presidência voltados para o cumprimento da agenda definida pelo Consenso (BOYADJIAN, 2009).

Para Boyadjian (2009, p.69), “no campo de transferência de renda, de responsabilidade do governo federal, nada foi realizado”. Contudo, acompanhado do fim deste governo, a partir do processo de impeachment, surgiram projetos para combater a fome, advindos de iniciativa não governamental. Neste sentido, lembra-se como exemplo o projeto do sociólogo Hebert de Souza, o qual desenvolveu a campanha “quem tem fome, tem pressa”.

Posterior à saída de Fernando Collor da presidência assumiu seu vice Itamar Franco. Itamar aprovou a Lei Orgânica de Assistência Social (LOA) em 1993 e criou o Plano Real (MARQUES; FERREIRA, 2010). O Plano Real foi a mais bem-sucedida tentativa de combate à inflação na economia brasileira, entre as décadas de 1980 e 1990 (FIGUEIRA, 2005). Devido ao sucesso do plano o ministro responsável pelo seu desenvolvimento, Fernando Henrique Cardoso, foi eleito e assumiu a presidência em 1º de janeiro de 1995, se mantendo no poder por dois mandatos.

O primeiro programa de transferência condicionada de renda criado no Brasil foi o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em 1996. O programa estava vinculado à Secretaria de Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e previa retirar um milhão de crianças do trabalho, dando a elas bolsa (auxílio financeiro) para estudar (GIAMBIAGI, 2005).

Conforme Ribeiro (2005), as reformas ocorridas nas políticas sociais no Brasil nos anos 1990 não possibilitavam a superação da tradicional forma de proteção social. Contraditoriamente, muito do que havia sido construído anteriormente foi desmontado, dando continuidade à conhecida forma assistencialista de enfrentar as questões sociais graves. Fernando Henrique Cardoso teve maior expressão no que se refere às políticas públicas de transferência de renda ao longo da sua segunda gestão, lançando e aprimorando diversos programas.

Já na Argentina, a desigualdade de renda e a pobreza na década de 1990 se assemelham aos demais países da América Latina. Ainda que o país contasse com um sistema de proteção social antigo, que se estruturou a partir do trabalho formal, não era o bastante diante de uma sociedade em que grande parte dos trabalhadores não compõe o mercado de trabalho formal (CRUCES; EPELE; GUARDIA, 2008).

Em julho de 1989, Carlos Menem assumiu a presidência da Argentina, na primeira sucessão presidencial desde 1928. Menem tinha como missão, organizar o país que estava falido economicamente, segundo Romero (2006, p. 254) “assolado por uma forte inflação, com a moeda enfraquecida, trabalhadores com salários defasados e uma grande tensão social”.

Menem desenvolveu sua política econômica seguindo as indicações do Consenso de Washington, privatizou empresas estatais, desvalorizou o Austral em quase 100%, reajustou os salários abaixo da taxa de inflação e ajustou as tarifas dos serviços públicos e dos combustíveis (FERRER, 2006).

O governo de Menem foi marcado pelo patrimonialismo e a corrupção (ROMERO, 2006). Menem foi reeleito e governou a Argentina de 1989 a 1999, suas medidas propiciaram que a economia argentina ficasse vulnerável às oscilações internacionais, além de causarem um desequilíbrio na estrutura social e econômica do país, que entrou em recessão. No segundo mandato, a abertura comercial e o câmbio fixo levaram o país a uma situação de calamidade, a fragilização e deterioração econômica do país eram visíveis e se somava a deterioração dos índices sociais (VIANINI, 2012).

Em 1991 foi aprovada a Ley Nacional de Empleo (Lei nº 24.013/1991), que entre outras medidas inseriu o Seguro-Desemprego e implantou o Fundo Nacional de Emprego (FNE). O fundo era mantido por uma alíquota de contribuição patronal que cobria as solicitações de seguro-desemprego e as políticas de emprego e capacitação que estavam em andamento (CRUCES; EPELE; GUARDIA, 2008).

A insatisfação de trabalhadores e desempregados com a situação econômica e social do país levou estes atores a se manifestarem. Assim, o Presidente Carlos Menem implanta o Plan Trabajar para combater a pobreza. Este era financiado pelo Banco Mundial e oferecia subsídios aos desempregados em contrapartida da prestação de serviços em obra pública (VIANINI, 2012).

O Plano se destacou pela ampla cobertura, duração e a influência que teve sobre o Plan jefas y jefes de hogar desocupados lançado no governo de Duhalde. Teve início no ano de 1996 com o programa de emprego transitório lançado pelo Ministério do Trabalho, Emprego e Segurança Social e repassava $200 pesos por mês, cobertura médica e seguro contra acidentes.

Segundo Cruces et al., (2008), o plano cobria as pessoas desempregadas e pertencentes às camadas mais pobres da população que se dispunha a trabalhar em obras comunitárias como contrapartida ao valor recebido. O plano passou de 40 mil beneficiários para alcançar o número de 130 mil como máximo em 1997. Quando o Plano foi finalizado em 2002, teve seus beneficiários absorvidos pelo Plan jefas y jefes de hogar desocupados. Desta maneira, pode-se dizer que na década de 1990, os programas sociais de transferência de renda estavam vinculados ao trabalho formal e não abrangiam toda a população necessitada e excluída (CRUCES et al., 2008).

Já o Uruguai, na década de 1990 possuía baixos índices de pobreza e desigualdade. Contudo, seus problemas não se diferenciavam dos demais países latino-americanos (KATZMAN; RETAMASO, 2006). Conforme Boyadjian (2009) existia no Uruguai um sistema universal de serviços, em especial nas áreas de saúde, educação e habitação, que era utilizado por todas as classes sociais, garantindo aos mais desfavorecidos economicamente o exercício de sua cidadania. O sistema de proteção social no Uruguai, no que se refere a aposentadorias e pensões, teve início no século passado e se estendeu em 1950 a todos os trabalhadores (ARIM et al., 2009).

As eleições de 1989 elegeram Luis Alberto Lacalle do Partido Nacional, como presidente do Uruguai. Segundo Nahum (2011), Lacalle necessitou da força de outros partidos para assegurar certa governabilidade, formando uma coalizão chamada “La Coincidencia Nacional”. No início de sua administração o presidente eleito elencou como prioridade: combater a inflação, reduzir o déficit fiscal, promover a reforma do Estado e um vasto plano de desregulamentações, caracterizando uma tendência (também econômica) pautada no neoliberalismo (CAETANO; RILLA, 2005; NAHUM, 2011).

No governo de Lacalle (1990-1995) houve um aumento significativo de impostos que ocasionaram uma perda salarial expressiva aos trabalhadores. Contudo, devido ao aumento da demanda regional e internacional, a produção aumentou, a inflação registrou um decréscimo continuo, o índice médio de salários foi maior que a inflação por três anos e o índice de desemprego se manteve na casa dos 8% até 1994, resultado da desregulamentação e flexibilização salarial. Lacalle aprovou a “Ley de Empresas Públicas” (1991), que possibilitava a transferência parcial ou total ao setor privado dos serviços e atividades públicas, causando revolta em grande parte dos setores sociais e políticos (NAHUM, 2011).

Em 1º de março de 1995, o presidente passou a faixa presidencial a Julio Maria Sanguinetti. A nova gestão foi praticamente uma continuidade em relação à série de reformas iniciadas pelo seu antecessor. Dentro das reformas estavam incluídas a reforma da segurança pública, da política econômica, da previdência social, da educação e da constituição (CAETANO; RILLA, 2005).

Em 1943 foi criado a Assignacion Familiar, benefício social vinculado à remuneração do trabalhador estendido a todas as famílias que possuem filhos menores de 14 anos (podendo ser estendido até os 16 anos). Contudo, em 1999, no governo de Julio Maria Sanguinetti, o benefício foi modificado e apenas os trabalhadores que recebiam até três salários-mínimos passaram a ser beneficiados. Em contrapartida, passou a ser exigida a manutenção dos filhos até os 18 anos na escola (BOYADJIAN, 2009).


2.3 Década de 2000 e a nova configuração das políticas públicas de transferência de renda na América Latina

Nos anos 2000 é possível observar uma nova configuração das políticas sociais de transferência de renda na América Latina (NAHUM, 2011). Esse período iniciou marcado, em maior e menor grau nesses países, pela pobreza e desemprego e o foco foi nas políticas de combate à fome, pobreza e na criação de oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Na sequência, busca-se apresentar como se configurou esse período no Brasil, Argentina e Uruguai, apresentando os diferentes governos que gerenciaram os países, as estratégias utilizadas, bem como políticas sociais desenvolvidas.


2.3.1 As políticas sociais de transferência de renda no Brasil, Argentina e Uruguai

No Brasil ainda sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, foi criada uma rede de proteção social relativamente desenvolvida para os padrões de um país latino-americano de renda média. Cardoso colocou em prática medidas que estavam previstas na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS-Lei 8.742/93), que garantia um salário-mínimo a idosos e deficientes, independente de contribuição prévia, o que beneficiou diretamente, até o final de sua gestão, aproximadamente 1,4 milhão de pessoas (GIAMBIAGI, 2005).

Na área da educação, em 2002 foi criado o Bolsa Escola, via Ministério de Educação, que garantia benefícios às famílias com crianças na escola. O programa tinha como público-alvo famílias em situação de extrema pobreza, com filhos entre seis e 15 anos. O benefício era mensal e a condicionalidade para transferência do recurso era a frequência escolar de no mínimo de 85% (CEPAL, 2011). O benefício era de R$ 15 mensais por criança, contudo o programa era limitado a três crianças por família. Até o final do governo FHC o programa beneficiou cinco milhões de famílias (GIAMBIAGI, 2005).

O FHC também criou Bolsa Alimentação, coordenado pelo Ministério da Saúde. O programa tinha ênfase na nutrição e o público-alvo eram famílias em situação de extrema pobreza, com filhos entre zero e seis anos de idade e/ou mulheres grávidas ou em fase de amamentação. As condicionalidades do programa Bolsa Alimentação eram: manter o cartão de vacinação das crianças em dia, as gestantes deveriam fazer o controle pré e pós-natal, bem como participar de atividades educativas oferecidas nos postos de saúde. O programa beneficiava um milhão de gestantes por ano, em 2003 passou a integrar o Programa Bolsa Família (CEPAL, 2011).

Em 2001 foi criado o Auxilio Gás, via Ministério das Minas e Energia, que objetivava reduzir o problema de nutrição das famílias que possuía renda total de até meio salário-mínimo. O programa doava R$ 8 mensais e beneficiava, em 2002, nove milhões de famílias para subsidiar o custo do botijão (GIAMBIAGI, 2005). Os programas sociais criados por FHC não tinham uma administração centralizada, cada um estava submetido a um ministério diferente (CEPAL, 2011).

Diante de um quadro de recessão e desigualdades sociais no Brasil, em 1º de janeiro de 2003 assumiu a Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT). O combate à fome seria uma das principais prioridades em seu governo. A gravidade dos problemas sociais fez com que o presidente Lula colocasse em prática políticas de inclusão social, como o programa Fome Zero e o Programa Bolsa Família, anunciado em meados de 2004, unificando programas sociais criados no governo anterior (FIGUEIRA, 2005).

Os beneficiários do programa Bolsa Família foram as famílias em condição de pobreza ou extrema pobreza, com filhos entre seis e 15 anos e a transferência monetária se dava através de um cartão magnético. Apesar do Bolsa Família parecer uma continuidade dos programas implantados pelo governo antecessor e estar de acordo com as recomendações do Banco Mundial, ele se destacou por sua abrangência e pelas distintas características (MARQUES; FERREIRA, 2010). Com a unificação dos programas, ocorreu maior integração entre eles, evitando sobreposição e duplicação de esforços, racionalizando os processos (IPEA, 2010), padronizando os critérios de elegibilidade e dos valores dos benefícios sob uma única agência executora, o que permitiu o aumento gradual da cobertura do programa. Em dezembro de 2002, eram 5,1milhões de famílias beneficiadas pelos programas de transferência de renda no Brasil, já em outubro de 2006, o Bolsa Família beneficiava 11,1 milhões de famílias (IPEA, 2010).

Na Argentina, em 10 de dezembro de 1999, Fernando de La Rúa assumiu a presidência. a diferença entre a sua proposta e o governo Menem, de acordo com Vianini (2012), era à busca do desenvolvimento economicamente sustentável com distribuição de renda e o fortalecimento dos organismos de defesa ao consumidor. O governo se propôs a manter a Lei de Conversibilidade e corrigir a distribuição desigual de renda. Para isso, desregulou o mercado das telecomunicações, criou um departamento anticorrupção e colocou em andamento o plano de modernização do Estado.

Visando reduzir o desequilíbrio fiscal, a recessão econômica e reativar a economia, De La Rúa criou novos impostos e o aumentou alguns já existentes (CHUDNOVSKY, 2004). Em seus dois primeiros anos de gestão teve tentativas malsucedidas de contornar a crise econômica que se instalou desde o governo Menem. No seu mandato houve o agravamento nas taxas de desemprego, chegando a atingir 20% da população no ano de 2002.

No decorrer do governo, De La Rúas continuou com o Plan Trabajar implantado no governo Menen como auxílio na redução da pobreza e na reinserção dos trabalhadores no mundo laboral. Contudo, foi progressivamente reduzido até o colapso do seu governo (VIANINI, 2012).

Em 2001 uma crise econômica, social e política se instaurou no país, o que levou o presidente a renunciar à presidência e deixar o país sem mandatário, pois o vice-presidente já havia renunciado (VIANINI, 2012). Segundo Schorr (2002), passada a crise política, econômica e social que atingiu a Argentina em 2001, o presidente Duhalde acabou com a conversibilidade e tentou dar outro caminho para a economia.

Nesta conjuntura o presidente Duhalde criou o Programa Jefes y Jefas de Hogar Desocupados que assegurava uma renda mensal de $150 ao chefe da família que estava desempregado com pelo menos um filho menor de 18 anos, ou com filhos deficientes, bem como a chefe de família que estivesse grávida. Os chefes de família deveriam ter seus filhos com idade escolar, matriculados e com o calendário de vacinação em dia. Já os maiores de 60 anos, deveriam comprovar a condição de desemprego e que não recebiam nenhum benefício previdenciário (CRUCES et al., 2008).

Conforme Cruces et al., (2008), o Programa Jefes y Jefas de Hogar Desocupados foi implantado em maio de 2002 e se diferencia de demeias programa pela amplitude de gastos, pelo número de beneficiários que abrange (dois milhões de beneficiários em 2003), representando um direito de inclusão social. O programa foi prorrogado três vezes, sendo encerrado em 2003.

O governo de Duhalde finda e em 25 de maio de 2003 e Néstor Kirchner assume o governo argentino. Kirchner se comprometeu na recuperação política, o coletivo e o público, garantindo a supremacia da política sobre a economia (VIANINI, 2012). No campo social, Kirchener manteve o Programa Jefes y Jefas de Hogar Desocupados e lançou o programa de transferência condicionada Famílias por La Inclusión Social. O programa começou a ser traçado em 2005 pelo Ministério de Desenvolvimento Social, com o intuito de promover a proteção e a inclusão social das famílias em situação de risco e vulnerabilidade, através de ações nas áreas da saúde e educação (CRUCES et al., 2008).

O programa Famílias por La Inclusión absorveu os beneficiários do Programa Jefes y Jefas de Hogar Desocupados e em 2007 aproximadamente 300 mil famílias já haviam migrado para o novo programa de forma voluntária. O programa passou de 240 mil famílias assistidas em 2005 para mais de 500 mil no ano de 2007, distribuídas em 416 municípios (CRUCES et al., 2008).

O programa Famílias por La Inclusión estabelecia como público-alvo as famílias em vulnerabilidade social com filhos entre zero e 19 anos, mulheres grávidas e /ou pessoas impossibilitadas de trabalhar. O benefício é transferido ao chefe da família, preferencialmente mulher, que tenha um nível educacional inferior ao segundo grau completo e com mais de dois filhos menores de 19 anos, no caso de filhos com deficiência não se aplica o critério limite de idade. A transferência de renda compreende no máximo seis beneficiários por família (BOYADJIAN, 2009).

Ainda conforme Boyadjian (2009), o benefício concedido é de $ 155 variando de acordo com o número de filhos. O acréscimo é de $ 30 pesos por filho podendo alcançar o teto de $ 305. As condicionalidades para ser beneficiário do programa são: o controle pré-natal para as grávidas, frequência escolar e cartão de vacinação em dia para as crianças. Somam-se ao benefício $50, como incentivo a cada aluno que pertença às famílias beneficiaria do programa, para conclusão de seus estudos.

Para Silva (2012), a melhora política, econômica e social do país, serviu de sustentação no processo de reindustrialização argentina, e para apoiar a candidatura de Cristina Kirchner, esposa de Néstor Kirchner, à presidência da República. Cristina venceu as eleições presidenciais e sucedeu o marido, assumiu a presidência em 2007 com o compromisso de dar continuidade ao projeto político e econômico do antecessor.

Conforme Silva (2012), no plano das políticas públicas de transferência de renda, Cristina Kirchner deu continuidade ao programa Famílias por La Inclusión até 2010. Os programas Jefes y Jefas de Hogar Desocupados e Famílias por La Inclusión, que foram implantados nesta década na Argentina, se diferenciam dos programas anteriormente implantados por não estarem vinculado ao trabalho formal e por terem uma abrangência nacional.

Já no Uruguai, as eleições de 1999 elegeram Jorge Batlle como presidente da república que assumiu em 1º de março de 2000. Apesar de não contar com uma representação significativa no parlamento, Batlle manteve um diálogo frequente com os partidos de esquerda e anunciou uma luta contra o contrabando e a corrupção no país (NAHUM, 2011).

Com relação às questões sociais e as políticas públicas de transferência de renda, o governo de Jorge Batlle foi inexpressivo. A crise de 2000 impactou o país e um a cada cinco uruguaios vivia na pobreza; quase 200 mil eram indigentes e o desemprego afetava 20% da população ativa (ARTAGAVEYTIA; BARBERO, 2012). Diante desta realidade, nas eleições de 2004 o candidato Tabaré Vázquez (Frente Amplio), colocou no governo uma nova força partidária, que não os partidos Blanco e Colorado, que até então se alternavam no poder (ARTAGAVEYTIA; BARBERO, 2012). No governo de Tabaré Vázquez houve reformas na área da saúde, ofertando a todos os cidadãos uruguaios acesso aos serviços básicos de saúde (ARTAGAVEYTIA; BARBERO, 2012).

Desde o início de seu mandato, Vázquez implantou um plano de emergência, que consistia no apoio do Estado a 40 mil lares (MIDES, 2009). O Plan de Atención Nacional de La Emergencia Social (PANES) permitiu a transferência de renda condicionada aos setores sociais mais pobres e desfavorecidos, articulando e interligando componentes em diversas áreas como saúde, educação, trabalho, alimentação, promoção social e amparo aos sem teto (MIDES 2009).

O Plano temporário lançado pelo governo buscava amenizar a crise econômica que afetou o país. Ele incluía transferência voluntária e uma série de outras intervenções em diversos âmbitos. (CEPAL, 2011). O Plan de Atención Nacional de La Emergencia Social foi criado mediante a Lei nº 1.7869/2005, e contou com um conjunto de intervenções dirigidas a lares de baixa renda. O público-alvo era constituído pelo primeiro quintil da população que estava abaixo da linha de pobreza (8% da população no ano), ou seja, famílias em situação de extrema pobreza e o receptor da transferência o chefe da família, sendo o governo uruguaio a única fonte de financiamento. Para coordenar as ações, foi criado o Ministério de Desenvolvimento Social (ARTAGAVEYTIA; BARBERO, 2012; CEPAL, 2011).

O plano incluía, entre outras medidas, ajuda monetária, Ingreso Ciudadano, Tarjeta alimentaria que subsidiava a compra em mercados e a extensão do cartão de saúde a amplas camadas da população. Outro programa do plano era chamado de Construyendo Rutas de Salida, que oferecia capacitação e trabalhos temporários como forma de ajuda para inserção dos desocupados no mercado de trabalho (ARTAGAVEYTIA; BARBERO, 2012).

O Ingreso ciudadano tinha como público alvo as famílias beneficiarias do Plan de Atención Nacional de La Emergencia Social (PANES) e o recurso era transferido mensalmente ao chefe de família. Como contrapartida, era exigida a realização de controle médico periódico dos integrantes do grupo familiar beneficiado, a permanência de crianças e adolescentes no sistema educacional e realizar as atividades comunitárias associadas ao programa Construyendo Rutas de Salida (CEPAL, 2011).

Outro componente do PANES era a Tarjeta alimentaria, que beneficiava famílias com filhos menores de 18 anos e/ou mulheres grávidas. O número de filhos era o que determinava o valor do benefício, limitado a quatro beneficiários por família (CEPAL, 2011). Já o programa Construyendo Rutas de Salida (CRS) beneficiava chefes de família que estavam inseridos no PANES. O programa socioeducativo e comunitário possuía como objetivos: a capacitação dos beneficiários, fomento dos direitos a cidadania e a autoestima e a inclusão dos beneficiários em diferentes atividades comunitárias (CEPAL, 2011).

O PANES foi finalizado no prazo previsto pelo governo (dezembro de 2007), permitindo que uma nova fase, o Plan de Equidad, fosse posta em prática. A nova fase operacionalizou e instrumentalizou reformas sociais de suma importância para o país, que, somadas a reforma tributária, teve um impacto expressivo na redistribuição da riqueza nacional (MIDES 2009). Assim, em janeiro de 2008 o governo de Tabaré Vázquez deu início à implantação do Plan Equidad, que, com o fim do PANES, absorveu seus beneficiários e ampliou o benefício.

O Plan de Equidad, de acordo com Arim et al., (2009), tinha por objetivo beneficiar 330 mil menores de 18 anos no ano de 2008 e 500 mil em 2009, alcançando 45% dos menores nesta faixa etária no país. Para ter acesso ao benefício, as crianças e/ou adolescentes devem frequentar a escola e realizar controles médicos periodicamente.

O Plan Equidad intensificou as transformações sociais em andamento e deu início a reformas sociais mais consistentes, bem como reestruturou o sistema de proteção social. Neste período, houve queda da taxa de desemprego, com melhorias reais de salários que estavam associadas ao desempenho favorável da economia, a reestruturação da negociação coletiva por meio de conselhos salariais e o aumento da formalidade dos contratos de trabalho (MIDES 2009).


2.4 Comparativo das políticas públicas de transferência de renda na América Latina nas décadas de 1990 e 2000.

Objetivando apresentar uma síntese comparativa das políticas públicas a seção apresenta dois quadros sínteses com os principais elementos observados na década de 1990 e de 2000 no Brasil, Argentina e Uruguai. Além de destacar os governantes do período, o comparativo busca apresentar as políticas públicas correspondentes adotadas, respectivos objetivos e resultados alcançados.

Quadro 1 - O desenho das políticas públicas de transferência de renda na América Latina na década de 1990.

País Governo Políticas Objetivos e ações Resultados
Brasil (1989- 92) - Fernando Collor de Melo Governo neoliberal - implantação das ideias do Consenso de Washington. Abriu os mercados; privatizou empresas públicas; cortou incentivos (indústria de informática e dos usineiros); para aumentar a receita fiscal cortou orçamento, devido à dívida interna do país. No campo de transferência de renda, de responsabilidade do governo federal, nada foi realizado.
(1992- 94) - Itamar Franco Lei Orgânica de Assistência Social (LOA); 1993 - Plano Real. Combate à inflação na economia brasileira. Mais bem-sucedida tentativa de combate à inflação na economia brasileira, entre as décadas de 1980 e 1990.
(1994- 2002) - Fernando Henrique Cardoso Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) em 1996, vinculado à Secretaria de Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Previa retirar um milhão de crianças do trabalho, dando a elas bolsa (auxílio financeiro) para estudar. Sem superação da tradicional forma de proteção social; muito do que foi construído anteriormente foi desmontado; continuou a forma assistencialista nas questões sociais graves; FHC teve maior expressão das políticas públicas de transferência de renda na segunda gestão.
Argentina (1989-99) - Carlos Menen Seguiu o Consenso de Washington; Ley Nacional de Empleo (Lei nº 24.013/1991) - inseriu o Seguro Desemprego, implantou o Fundo Nacional de Emprego (FNE) e Plan Trabajar. Privatizou empresas estatais, desvalorizou o Austral em quase 100%, reajustou os salários abaixo da taxa de inflação e ajustou as tarifas dos serviços públicos e dos combustíveis. Segundo mandato - abertura comercial e câmbio fixo. Patrimonialismo e corrupção, deixou a economia vulnerável às oscilações internacionais, desequilíbrio na estrutura social e econômica do país, que entrou em recessão. Segundo mandato - situação de calamidade, fragilização e deterioração econômica e dos índices sociais.
Uruguai (1990-95) - Luis Alberto Lacalle Ley de Empresas Públicas (1991) - transferência parcial ou total ao setor privado dos serviços e atividades públicas. Combater a inflação, reduzir o déficit fiscal, promover a reforma do Estado e um vasto plano de desregulamentações, caracterizando uma agenda neoliberal. Aumento de impostos; perda salarial aos trabalhadores; aumento da demanda regional e internacional de alimentos resultou em aumento da produção; índice médio de salários foi maior que a inflação por três anos; índice de desemprego se manteve em 8% até 1994.
(1995-2000) - Julio Maria Sanguinetti Assignacion Familiar, remuneração do trabalhador e famílias com filhos menores de 14 anos. Praticamente uma continuidade em relação à série de reformas iniciadas pelo seu antecessor. Dentro das reformas a reforma da segurança pública, da política econômica, da previdência social, da educação e da constituição.

Fonte: Elaboração própria.

O Quadro 1 apresentou as políticas sociais desenvolvidas no Brasil, Argentina e Uruguai no período compreendido entre 1990 a 1999. Ressalta-se que a década é conhecida pela abertura comercial e pela redução do papel do estado, período neoliberal. A década é marcada pela recessão, altos índices inflacionários e de desemprego, bem como, o aumento da pobreza. Assim, com papel reduzido, os estados seguiram as cartilhas neoliberais e atuaram minimamente em ações e programas sociais. Um pouco diferente foram os anos 2000, como é possível verificar no Quadro 2, a seguir.

Quadro 2 - Os anos 2000 e a nova configuração das políticas públicas de transferência de renda na América Latina.

País Governo Políticas Objetivos e ações Resultados
Brasil Fernando Henrique Cardoso Práticou medidas previstas na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS- Lei 8.742/93); 2002 criou o Bolsa Escola; Bolsa Alimentação; Auxilio Gás Garantiu um salário mínimo a idosos e deficientes, independente de contribuição prévia; benefícios às famílias em extrema pobreza, com crianças na escola de 6 a 15 anos; reduzir desnutrição nas famílias com renda de até meio salário mínimo. O primeiro beneficiou diretamente, cerca de 1,4 milhões de pessoas; o segundo cinco milhões de famílias; o terceiro beneficiava um milhão de gestantes por ano; o quarto beneficiava, em 2002, nove milhões de famílias.
(2003-2010)
Luis Inácio Lula da Silva
Fome Zero e Programa Bolsa Família (2004), unificando programas sociais criados no governo anterior. Beneficiários são famílias em condição de pobreza ou extrema pobreza, com filhos entre seis e 15 anos. Dezembro de 2002 5,1 milhões de famílias beneficiadas, outubro de 2006 o Bolsa Família beneficiava 11,1 milhões de famílias (meta).
Argentina (1999-2001)
Fernando de La Rúa
Manteve a Lei de Conversibilidade; corrigir a distribuição desigual de renda; criou novos impostos e aumentou alguns existentes; reduziu o Plan Trabajar. Desregulou o mercado das telecomunicações, criou um departamento anticorrupção e colocou em andamento o plano de modernização do Estado; visando reduzir o desequilíbrio fiscal, a recessão econômica e reativar a economia. Nos dois primeiros anos de gestão teve tentativa malsucedida de contornar a crise econômica que se instalou desde o governo Menem. Agravamento nas taxas de desemprego, atingiu 20% da população no ano de 2002.
(2002 - 03)
Eduardo Duhalde
Criou o Programa Jefes y Jefas de Hogar Desocupados. Diferencia-se de demeias programas pela amplitude de gastos, pelo número de beneficiários que abrange. Dois milhões de beneficiários em 2003, direito de inclusão social. O programa foi prorrogado três vezes e encerrado em 2003.
(2003-07)
Néstor Kirchner
Manteve o Programa Jefes y Jefas de Hogar Desocupados e lançou o programa Famílias por La Inclusión Social. Promover a proteção e a inclusão social das famílias em situação de risco e vulnerabilidade, através de ações nas áreas da saúde e educação. Em 2007 cerca de 300 mil famílias migraram para o novo programa voluntariamente. De 240 mil famílias assistidas em 2005 para mais de 500 mil em 2007.
(2007- 15)
Cristina Kirchner
Continuidade dos programas Famílias por La Inclusión até 2010 e Jefes y Jefas de Hogar Desocupados e Famílias por La Inclusión. Compromisso de dar continuidade ao projeto político e econômico do antecessor. Os programas se diferenciam dos anteriores por não estarem vinculado ao trabalho formal e pela abrangência nacional.
Uruguai (2000-04)
Jorge Batlle
- A crise de 2000 impactou o país; um a cada cinco uruguaios vivia na pobreza; quase 200 mil eram indigentes e o desemprego afetava 20% da população ativa. Foi inexpressivo com relação às questões sociais e as políticas públicas de transferência de renda.
(2005-10)
Tabaré Vázquez
O Plan de Atención Nacional de La Emergencia Social (PANES); Ingreso Ciudadano, Tarjeta alimentaria; Construyendo Rutas de Salida; Plan Equidad. Transferência de renda condicionada aos setores sociais mais pobres; subsidiava compra em mercados e a extensão do cartão de saúde à amplas camadas da população; capacitação e trabalhos temporários para inserção no mercado de trabalho; beneficiar menores de 18 anos. Queda substancial da taxa de desemprego, melhorias reais de salários que estavam associadas ao desempenho favorável da economia, a reestruturação da negociação coletiva por meio de conselhos salariais e o aumento da formalidade dos contratos de trabalho.

Fonte: Elaboração própria.

A partir do quadro síntese apresentado acima percebe-se que os desafios e dificuldades enfrentados pelo Brasil, Argentina e Uruguai, na década de 2000, foram semelhantes e, as políticas focalizadas de combate à pobreza, se tornaram o recurso adotado pelos novos governos para atenuar a pobreza e as desigualdades sociais acentuadas com as crises enfrentadas por estes países.


3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo reforça a semelhança política e econômica vivenciada pelos três países latinos, Brasil, Argentina e Uruguai, no decorrer da década de 1990 os anos 2010. Pode-se verificar que nos anos 1990, período marcado pela desigualdade social e inflação, em maior proporção no Brasil e na Argentina, os três países sofrem a influência do neoliberalismo e as políticas públicas de transferência de renda acabam obedecendo as diretrizes do Consenso de Washington e se caracterizam pelo assistencialismo, fraca presença do Estado na economia e, desta forma, pelo agravamento da desigualdade social e da pobreza.

Nos anos 2000 visualizam-se inovações nos projetos sociais, a partir de programas interligados e complexos. O Brasil e a Argentina tiveram resultados efetivos nos beneficiados de programas de combate à pobreza e a fome, já o Uruguai teve os melhores resultados com maiores beneficiários incluídos no mercado de trabalho. Cabe destacar que a experiência brasileira no combate à fome e a miséria através do programa Fome Zero tornou-se referência mundial reconhecida pela Organização das Nações Unidas que passou a fomentar programas semelhantes em diversas partes do mundo, como na África Austral, por exemplo, a partir do Programa Mais alimentos Internacional.

Nos últimos anos, políticas mais eficazes permitiram o Brasil reduzir a pobreza absoluta e a desigualdade da renda, contribuindo para a melhoria da saúde e no acesso à educação (RASELLA, et al., 2013). As políticas públicas, de maneira geral nos três países analisados possuem foco na saúde e educação. No entanto, o Uruguai incluiu ações de amparo aos sem teto.

Cabe destacar as reflexões de Sposati (2011), que alerta que a América Latina é a região mais desigual do mundo, diferentemente de região mais pobre, mas vem buscando de forma significativa a democratização e ruptura com a violência política. Consequentemente, tem aumentado sua capacidade de consumo, mas o trabalho digno não tem crescido no mesmo passo. Ressalta-se ainda a preocupação com a desigualdade social e a pobreza, no atual cenário político e econômico dos países em questão, que vem sofrendo desmonte nas políticas públicas, sobretudo de cunho social. Neste sentido, faz-se urgente e necessário novas pesquisas, estudos que analisem o quadro das políticas públicas pós anos 2010.

Por fim, destaca-se a relevância dos programas de transferência de renda condicionados. Embora diversos problemas socioeconômicos se mantêm, como por exemplo, os elevados índices de desemprego no Brasil, não se pode negar que tais programas permitem a dignidade humana através do acesso a alimentação. Além disto, os programas têm como principal característica o efeito multiplicador, movimentando a economia nos bairros, cidades e regiões mais carentes. Ressalta-se ainda, que os programas de transferência de renda condicionados podem ser considerados como políticas de desenvolvimento uma vez que trabalham na perspectiva de médio e longo prazo, através da melhoria nos índices educacionais e na melhoria das condições de saúde.


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