COMPARAÇÃO ENTRE OS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA À POPULAÇÃO RURAL E URBANA

Caroline Estefanie do Amaral Brasil Saraiva1; Alice Munz Fernandes2; Claussia Neumann da Cunha3; Lucas Teixeira Costa4.
1 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
2 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
3 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
4 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Resumo

O objetivo desse estudo consistiu em comparar o valor dos benefícios fornecidos pela previdência social à população rural e à população urbana do Brasil, nos últimos anos. Também buscou-se comparar os valores totais dos benefícios concedidos aos produtores/trabalhadores rurais conforme a divisão geopolítica do país. Para tanto, empregou-se uma pesquisa quantitativa com dados secundários provenientes do conjunto de Anuários Estatísticos da Previdência Social. Após a atualização dos valores nominais, conforme o Índice de Preço ao Consumidor Amplo, empregaram-se análises estatísticas uni e multivariadas. Por meio de uma sequência de testes t de Student constatou-se que existe diferença estatisticamente significativa nos valores totais das aposentadorias concedidas à população urbana e rural do país, considerando um nível de significância de 5%, apesar do conjunto total de benefícios previdenciários não apresentar diferença. Mediante a realização da análise de variância observou-se também que o valor total dos benefícios fornecidos pela previdência social à população rural nos últimos anos difere entre as regiões do país. Por fim, através do teste Tukey constatou-se que a Região Nordeste difere estatisticamente de todas as demais regiões, o que pode ser explicado por configurar-se como aquela que detém maior proporção da população residindo em áreas rurais.

Palavras-chave: Aposentadoria Rural; Previdência Social Rural; Seguridade Social.



COMPARISON BETWEEN THE BENEFITS GRANTED BY BRAZILIAN SOCIAL SECURITY TO THE RURAL AND URBAN POPULATION


Abstract

The objective of this study was to compare the value of benefits provided by social security to the rural population and the urban population of Brazil in recent years. It was also sought to compare the total value of benefits granted to rural producers / workers according to the geopolitical division of the country. For this, a quantitative survey was used with secondary data from the set of Statistical Yearbooks of Social Security. After updating the nominal values according to the Broad Consumer Price Index, uni and multivariate statistical analyzes were used. Through a sequence of Student’s t-tests it was found that there is a statistically significant difference in the total amount of pensions granted to the urban and rural population of the country, considering a level of significance of 5%, even though the total set of social security benefits does not present difference. Through the analysis of variance, it was also observed that the total value of the benefits provided by social security to the rural population in recent years differs between the regions of the country. Finally, through the Tukey test, it was observed that the Northeast Region differs statistically from all other regions, which can be explained by the fact that it is the one with the largest proportion of the population residing in rural areas.

Keywords: Rural Retirement; Rural Social Welfare; Social Security.

JEL: R5 – Regional Government Analysis.



1 - INTRODUÇÃO

A origem da previdência social no Brasil se deu com a criação de Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) por categoria ocupacional ou empresa, sendo o marco a lei Elói Chaves, de 1923. As CAPs eram referentes aos empregados de empresas ferroviárias, dos portuários e marítimos, e outros, de modo que em 1921 já haviam 183 CAPs no país. Após esse período, as caixas são substituídas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), sob o regime de capitalização, que incorporavam setores urbanos organizados dos trabalhadores, segundo a categoria profissional, centralizados no governo federal (FERREIRA; SOUZA, 2007).

Em 1988, com a Constituição Federal, as políticas de previdência, saúde e assistência social foram reorganizadas e reestruturadas (BOSCHETTI, 2009), porém, o marco das mudanças combina com a origem da legislação complementar (Leis nº. 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991), onde ocorreu uma ampliação quantitativa e qualitativa de maior relevância relativamente a situação herdada anteriormente pelo Prorural/Funrural, no caso dos benefícios rurais (DELGADO, 2015).

Assim, extinguiu-se o tratamento administrativo-institucional separado dado ao setor rural na previdência social, com a inclusão dos trabalhadores rurais e dos segurados em regime de produção familiar, chamados de segurados especiais, no plano de benefícios normal do Regime Geral de Previdência Social (SCHWARZER, 2000). Este plano era destinado aos produtores que trabalham individualmente ou em regime de economia familiar, entendida aqui como inexistência de contratação de mão-de-obra permanente ou eventual (CALDAS; DOS ANJOS, 2009).

De forma geral, a previdência social do Brasil apresenta-se como importante instrumento de política pública e base de sustentação da economia de grande parte dos municípios de baixa renda (FERREIRA; SOUZA, 2007). Deste modo, tornou-se foco de diversas investigações científicas (PORTO et al., 2010; DELGADO, 2015, BARROS; FIÚZA; PINTO, 2017).

Para Delgado (2015) o sistema previdenciário rural, no Brasil, teve desempenho eficaz, pois avançou significativamente no âmbito do seguro social aos vários grupos do meio rural, melhorou expressivamente o nível e a distribuição da renda familiar rural com redução da pobreza e ocasionou melhorias produtivas na agricultura familiar, induzidas pela política social.

Diante do exposto, a pesquisa realizada teve como objetivo comparar o valor dos benefícios fornecidos pela previdência social à população rural e à população urbana do Brasil, nos últimos anos. Também buscou-se comparar os valores totais dos benefícios concedidos aos produtores/trabalhadores rurais conforme a divisão geopolítica do país.


2 - REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Previdência Social

No Brasil, os direitos sociais foram reconhecidos tardiamente e são produtos da pressão operária e dos movimentos sociais. A previdência social passou por reformas, consideradas como ampliadoras de direitos, como também por contrarreformas, cogitadas como restritivas de direitos. A mais importante reforma ocorreu em 1988, quando a ascensão das lutas sociais pressionou o Congresso Nacional Constituinte a incorporar o sistema de Seguridade Social no texto da nova Constituição Federal (CF).

A Carta Constitucional passou a garantir o trabalho como direito social, a Previdência Social (PS) como parte do maior sistema de proteção social já implantado no país, configurando a Seguridade Social (SS), juntamente com a Assistência Social e a Saúde, num importante mecanismo para a efetivação do estado democrático de direito (LOURENÇO; LACAZ; GOULART, 2017, p. 2).

Conforme Marques e Mendes (2004), as inovações consideradas significativas no campo previdenciário, e as quais foram materializadas na CF de 1988, podem ser resumidas em três segmentos: (i) introdução de um piso previdenciário a partir do valor do salário mínimo; (ii) inclusão dos trabalhadores rurais (na qualidade de segurados especiais), e; (iii) inclusão de idosos e de pessoas com deficiência, membros de famílias de baixa renda, constatada a renda per capita de até 1/4 do salário mínimo, os quais passaram a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para o qual também foi garantido o piso de um salário mínimo.

De acordo com Lourenço, Lacaz e Goulart (2017) no que tange à PS, foi criado o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), ancorado no regime de repartição, com contribuições obrigatórias e que abrange trabalhadores da iniciativa privada, autônomos e algumas categorias especiais, os quais estão congregados no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Por outro lado, a partir de 1989, os funcionários públicos dos estados, municípios e União são cobertos pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), havendo, ainda, regime de previdência específico para os militares e Forças Armadas. Ademais, foi prevista a previdência privada por meio de regime complementar.

Assim, o conceito seguro tornou-se mais abrangente, o que permitiu que pessoas que não contribuíram para o sistema previdenciário pudessem contar com direitos, como é o caso da aposentadoria do trabalhador rural e do BPC gerido pela PS (BRASIL, 1993). Segundo Marques e Mendes (2004), essas conquistas, para serem efetivadas, necessitavam contar com fontes de receitas, sendo então criadas a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), existente de 1997 a 2007.

Em 1995, a PEC 33, encaminhada ao Congresso Nacional, e propôs alterar a aposentadoria e benefícios dos segurados da Previdência Social pública e gerida pelo INSS. A tramitação da PEC 33 se deu com a Emenda Constitucional n. 20, aprovada em 15 de dezembro de 1998, provocando alterações, sobretudo, em relação ao aumento do tempo de contribuição e retardamento do acesso à aposentadoria tanto para o RGPS quanto para o RPPS (SILVA, 2004).

Salvador (2010) especifica que a Emenda Constitucional 20 retirou a constitucionalidade existente no cálculo para o valor dos benefícios, permitindo a criação de uma lei complementar, em 1999, que instituiu o Fator Previdenciário (FP), o qual impôs uma espécie de multa a quem quisesse aposentar-se sem ter atingido os requisitos instituídos.

É bom lembrar que, no Brasil, grande parte dos trabalhadores não tem como comprovar tempo de contribuição porque estão imersos em trabalhos precários, subcontratados, com baixos salários e expostos a condições de vida insalubres e a condições de trabalhos que causam acidentes, doenças e invalidez (LACAZ, 2016, p. 88).

Salvador e Silva (2015) afirmam que a contrarreforma da PS, instituída pelas Medidas Provisórias n. 664 e 665, promoveu amplas mudanças para o acesso às pensões por morte, auxílio-doença, reclusão e, ainda, abono salarial e seguro-desemprego. Tais medidas dificultaram o acesso aos direitos previdenciários e ao seguro-desemprego, promovendo o desvio de recursos para a esfera financeira, bem como a estimulação da previdência privada.
Observa-se então que os direitos previstos na CF de 1988 foram dificultados pelo Poder Executivo, pois permitiriam um Estado indigno, conforme destacado durante o governo de José Sarney, ao não regulamentar o financiamento da SS. Ao que se seguiu com o ajuste fiscal de 1998 durante o governo Fernando Henrique Cardoso, efetivando a contrarreforma do Estado que atingiu a PS, a qual foi evidenciada nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.


2.1 Previdência Social Rural

Segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Previdência Social Rural (PSR) representa um dos principais direitos sociais conquistados pelos trabalhadores rurais, e é considerada a uma das políticas públicas mais efetivas que beneficia o meio rural brasileiro. O Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) reivindicava proteção previdenciária desde os anos 1960, no entanto só foi conquistada com a Lei Complementar n°11/71. A partir da Constituição Federal de 1988, os trabalhadores rurais foram incluídos no regime geral de previdência social, sendo esta uma das principais mudanças que contribuíram com a categoria (CONTAG, 2016).

No ano de 1992 houve uma reforma na previdência brasileira, onde a idade mínima dos trabalhadores rurais para receberem os benefícios foi reduzida, de 65 para 60 anos, entre os trabalhadores do sexo masculino e de 60 para 55 do sexo feminino. Ficou determinado também que mais de uma pessoa por domicilio teria direito ao beneficio, assim como reajustado o valor dos benefícios, passando de meio para um salário mínimo (RAMOS; AREND, 2012). Alguns setores do governo e da sociedade questionam a Previdência Social Rural atribuindo-lhe “suposto déficit” causado ao sistema, porém as analises feitas consideram apenas a relação entre receita e despesa advinda da arrecadação da área rural e os gastos com benefícios rurais, tornando-se uma visão equivocada haja vista existam fundamentos legais que sustentam tal politica (CONTAG, 2016).

A Previdência Social Rural contribui significativamente com população rural em diversos aspectos, ao compor a renda das famílias contribui com a diminuição da pobreza rural, assim como possibilita melhores condições de vida aos beneficiários no que tange ao acesso a saúde e moradia, além de ser empregada como seguro agrícola em pequenas propriedades e ainda ser considerada como principal fonte de receitas para alguns municípios (SCHWARZER; QUERINO, 2002; BEZERRA, 2006; SUGAMOSTO, 2007; CALDAS, 2009). Para Kreter e Bacha (2006) a PSR foi positiva para o aumento da renda no campo sem que houvesse aumento na desigualdade de renda, corroborando com o argumento de distribuição de renda.

Os recursos previdenciários além de contribuir para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais, também reduzem de modo relativo o êxodo rural e a possível favelização nas grandes cidades (FRANÇA, 2011). Além disso, Galiza e Valadares (2016) dizem que as rendas da previdência rural, distribuída pela grande maioria por municípios pequenos, contribui para a economia dos mesmos, uma vez que gera demanda para bens e serviços comercializados no município.


3 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa realizada caracteriza-se como quantitativa quanto a abordagem, pois emprega técnicas estatísticas para o tratamento e análise dos dados (RICHARDSON, 1999), cuja representação geralmente ocorre mediante tabelas e gráficos (FACHIN, 2003). No que concerne a finalidade, é classificada como descritiva, cujos fundamentos teóricos são aprimorados a posteriori (DALFOVO; LANA; SILVEIRA, 2008).

Os dados utilizados foram obtidos de forma secundária no banco de dados abertos, disponibilizados gratuitamente pela Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda (http://www.previdencia.gov.br/dados-abertos/dados-abertos-previdencia-social/), provenientes do conjunto de Anuários Estatísticos da Previdência Social (AEPS). Conseguinte, realizou-se a seleção das variáveis de interesse, cuja unidade de medida correspondeu ao valor total (em milhares de reais) dos benefícios fornecidos pela previdência social.

Deste modo, o conjunto de variáveis foi composto pelas distintas categorias e subcategorias de benefícios fornecidos à população brasileira rural e urbana nos últimos 9 anos (2008-2016). Considerou-se também a distribuição do investimento total da previdência social aos assegurados, conforme a divisão geopolítica do País, tomando como base os últimos 10 anos (2008 – 2017). Dessa forma, devido aos reajustes da inflação, os valores foram atualizados a partir do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) referente ao mês de julho de 2018.

Para análise dos dados aplicou-se estatística uni variada, por meio de frequência (absoluta e relativa), bem como medidas de variabilidade e de tendência central. Ademais, partindo do pressuposto de que o conjunto de dados segue uma distribuição aproximada a normal, conforme postula o Teorema do Limite Central e a Lei dos Grandes Números (MARÔCO, 2018), e como as variáveis da investigação são classificadas como numéricas, para análise multivariada realizaram-se testes estatísticos paramétricos.

Isto posto, inicialmente verificou-se a existência de missing values e outliers. Em seguida, empregou-se a Análise de Variância (ANOVA) para verificar se existe diferença estatisticamente significativa entre três ou mais grupos de interesse, no caso, regiões geopolíticas. Para tanto, pauta-se na testagem da igualdade de todas as médias das variáveis dependentes dos grupos, que, caso sejam iguais, aceita-se a hipótese nula e automaticamente rejeita-se a hipótese alternativa (HAIR JR. et al., 2009).

No entanto, para identificar entre quais grupos existe essa diferença, procedeu-se o teste de Tukey que possibilita estabelecer a diferença mínima significativa de médias (VIEIRA, 1980). Também realizou-se uma sequência de testes t de Student para verificar se existe diferença estatisticamente significativa entre a população urbana e rural no que concerne ao valor dos distintos tipos de benefícios concedidos pela previdência social.

Para organização dos dados utilizaram-se planilhas eletrônicas, cuja análise foi operacionalizada por meio do Software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 2.0. Deste modo, os resultados obtidos foram apresentados através de tabelas e representações gráficas e, em seguida, discutidos com a literatura.


4 - RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Análise Univariada

Inicialmente verificou-se a distribuição temporal do valor real total dos benefícios fornecidos pela previdência social do Brasil nos últimos anos, sob uma abordagem comparativa entre a população rural e urbana. A Figura 1 ilustra essa evolução.

Figura 1 – Distribuição temporal dos benefícios fornecidos pela Previdência

Fonte: resultados da pesquisa.

Constata-se a existência de significativa discrepância entre os valores anuais totais de benefícios fornecidos a população rural e urbana. Todavia, tal fenômeno pode ser justificado pelo fato de que, o valor dos benefícios para aposentadorias e pensões, em geral, é de um salário mínimo (SCHWARZER, 2000), já os benefícios urbanos podem atingir o teto do INSS.

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), outro elemento que pode contribuir para esse resultado é a distribuição territorial da população, sendo que 76% da população brasileira encontra-se em áreas predominantemente urbanas, o que corresponde a somente 26% dos municípios. Em contrapartida, 60,4% dos municípios do país, classificados como predominantemente rurais detém somente 17% da população. Conseguinte, a Tabela 1 apresenta a estatística descritiva que compara os benefícios totais reais fornecidos a população urbana e rural, em determinado período de tempo (2008-2016).

Tabela 1 – Média e Desvio Padrão dos benefícios fornecidos pela Previdência Social (2008-2016)

Tipo de Benefícios
Rural
Urbana
Média Desvio Padrão Média Desvio Padrão
Previdenciários R$ 85.450.101,66 R$ 12.235.657,68 R$ 290.793.221,74 R$ 37.945.712,05
Acidentários R$ 292.008,97 R$ 40.490,18 R$ 7.961.313,36 R$ 862.078,03
Assistenciais R$ 38.842.346,69 R$ 7.862.192,07 R$ 1.136.799,85 R$ 244.541,43
Totais R$ 86.878.910,35 R$ 12.037.272,95 R$ 340.679.814,36 R$ 46.623.969,24

Fonte: resultados da pesquisa.

Observa-se que a maior média corresponde ao valor dos benefícios previdenciários, que abrangem as aposentadorias (por tempo de contribuição, idade e invalidez), pensão por morte, auxílios (doença, reclusão e acidente), salário-maternidade e outros (salário-família, abono de permanência e vantagem de servidor), que foram fornecidos à população urbana, o que deve-se pelo elevado número de beneficiários nessa categoria, bem como na referida área.

Em contraponto, contata-se também que nos últimos anos a média do valor total dos benefícios assistenciais fornecidos à população rural foi superior aqueles relacionados à população urbana. Elementos como amparo assistencial para portador de deficiência e para idoso, pensão mensal vitalícia e rendas mensais vitalícias reativas a idade e a invalidez integram esse conjunto de benefícios.


4.2 Análise Multivariada

Para verificar a existência de diferenças estatísticas significativas entre os benefícios concedidos à população rural e urbana nos últimos anos, realizou-se uma sequência de teste t de Student para comparação de médias, a partir da natureza do benefício. Deste modo, considerando um intervalo de confiança de 95% e um nível de significância de 5%, verificou-se que não existe diferença estatisticamente significativa entre o valor total dos benefícios previdenciários concedidos à população rural e urbana do Brasil, cujo valor do teste correspondeu a 3,99. Todavia, considerando somente o benefício da aposentadoria, integrante do conjunto de benefícios previdenciários, rejeita-se a hipótese nula de que as médias são iguais, uma vez que verificou-se diferença significativa para um \(p < 0,01\).

Quanto a isso, Schwarzer (2000, p. 1) enfatiza que o subsistema rural de previdência social do Brasil “parece constituir um programa que, possivelmente, tenha uma efetividade inédita no combate à pobreza no meio rural”. O autor enfatiza também que os impactos socioeconômicos dos programas de previdência objetivam, basicamente, repor os rendimentos do assegurado no período de inatividade e combater a pobreza, haja vista que intenta evitar que pessoas idosas fiquem sem rendimentos em um momento da vida que não devem mais se sujeitar ao trabalho.

No tocante aos benefícios acidentários e assistenciais recebidos pela população urbana e rural, os resultados indicaram que não existe diferença significativa entre os grupos, cujos valores obtidos corresponderam a 3,25 e 5,24, respectivamente. Contudo, ao comparar os valores totais dos benefícios concedidos às populações, observou-se que as médias diferem, inclusive considerando um intervalo de confiança de 99%.

Esse paradoxo talvez seja reflexo da discrepância entre os valores totais médios dos benefícios concedidos nos últimos anos entre as populações, o que já não é tão evidente quanto realiza-se a análise dos conjuntos de benefícios de forma isolada. Conseguinte, mediante o teste ANOVA observou-se a existência de diferença estatisticamente significativa nos benefícios totais concedidos às populações rurais entre as cinco regiões geopolíticas do Brasil, ou seja, ao menos uma das médias difere. Portanto, para identificar entre quais grupos havia a referida diferença, empregou-se o teste Tukey, cujo resultado é exposto na Tabela 2.

Tabela 2 – Teste de Tuckey

(\(I\)) Regiões Diferença Média
(\(I - J\))
Sig. Intervalo de Confiança de 95%
Limite Inferior Limite Superior
Norte Nordeste -34785832,302 0,000\(*\) -39043836,92 -30527827,68
Sudeste -11019237,043 0,000\(*\) -15277241,66 -6761232,42
Sul -8633752,498 0,000\(*\) -12891757,12 -4375747,88
Centro-Oeste 2080813,576 0,638 -2177191,04 6338818,20
Nordeste Norte 34785832,302 0,000\(*\) 30527827,68 39043836,92
Sudeste 23766595,259 0,000\(*\) 19508590,64 28024599,88
Sul 26152079,804 0,000\(*\) 21894075,18 30410084,42
Centro-Oeste 36866645,878 0,000\(*\) 32608641,26 41124650,50
Sudeste Norte 11019237,043 0,000\(*\) 6761232,42 15277241,66
Nordeste -23766595,259 0,000\(*\) -28024599,88 -19508590,64
Sul 2385484,545 0,510 -1872520,08 6643489,17
Centro-Oeste 13100050,619 0,000\(*\) 8842046,00 17358055,24
Sul Norte 8633752,498 0,000\(*\) 4375747,88 12891757,12
Nordeste -26152079,804 0,000\(*\) -30410084,42 -21894075,18
Sudeste -2385484,545 0,510 -6643489,17 1872520,08
Centro-Oeste 10714566,074 0,000\(*\) 6456561,45 14972570,69
Centro-Oeste Norte -2080813,576 0,638 -6338818,20 2177191,04
Nordeste -36866645,878 0,000\(*\) -41124650,50 -32608641,26
Sudeste -13100050,619 0,000\(*\) -17358055,24 -8842046,00
Sul -10714566,074 0,000\(*\) -14972570,69 -6456561,45

Fonte: resultados da pesquisa.
\(*\) Diferença estatisticamente significativa para um nível de significância de 1%.

Constata-se que a Região Nordeste difere de todas as demais regiões, o que pode ser explicado pelo fato desta caracterizar-se como aquela que detém a maior proporção em relação a população total, de indivíduos vivendo em áreas rurais, o que equivale a 26,87% (LEITE; SOUZA, 2012). Logicamente, o tamanho da população possui relação com a quantidade de benefícios concedidos, que, por sua vez, impacta no valor total destes.

O dinamismo econômico da Região Sudeste a caracteriza como aquela que possui maior percentual da população vivendo em áreas urbanas. Todavia, a semelhança entre sua população e a da região Sul pode contribuir para explicar porque as variâncias não diferem estatisticamente, uma vez que esta detém as menores proporções de munícios rurais remotos (IBGE, 2017).

Ante ao exposto, verifica-se que as características e peculiaridades socioeconômicas das distintas regiões do país, contribuem para explicar as diferenças e similitudes encontradas. Sob esse aspecto, destaca-se que a própria distribuição populacional configura-se como um processo historicamente influenciado por diferentes elementos. Deste modo, o Brasil pode ser considerado mais rural do que o imaginado, apesar de uma representativa parcela da população residir em áreas urbanas (IBGE, 2017).


5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância do estudo realizado deve-se pela importância socioeconômica que a previdência social presta à população brasileira. Deste modo, mediante a comparação dos valores totais dos distintos conjuntos de benefícios fornecidos nos últimos anos entre as populações rurais e urbanas, foi possível identificar algumas peculiaridades de ambos os contextos, bem como realizar algumas inferências.

No tocante à comparação do valor total dos benefícios concedidos a população rural, em cada região geopolítica, observaram-se aspectos relacionados à estruturação e matriz econômica das regiões, além de fatores de natureza histórica, concernentes à formação populacional. Através do teste Tukey constatou-se que a Região Nordeste difere estatisticamente das demais regiões, podendo ser explicado por configurar-se como detentora da maior proporção da população residindo no meio rural.

Os resultados obtidos podem auxiliar na verificação, sob um panorama genérico, de algumas diferenças entre ambas as populações, a fim de fomentar o desenvolvimento de políticas públicas ou ainda, fornecendo subsídios para verificar as diretrizes e objetivos da previdência social, com destaque especial a minimização da pobreza rural, responsável inclusive, por deixar pessoas idosas desassistidas.

Todavia, reconhecem-se as limitações do estudo, pois as analises limitarem-se a consideração dos montantes totais, sem considerar outras distinções entre as populações ou ainda elementos de perfil, por exemplo. Assim, para estudos futuros, recomenda-se o desmembramento da base dados considerando o perfil dos beneficiários, além de executar outras análises e testes estatísticos que auxiliassem a explicar as diferenças das populações rurais que são atendidas pela Previdência Social.


Referências

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